Tese Lidia Nazaré - UFF

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É justamente nesta quebra de expectativa que o olhar do leitor se detém, dada a desautomatização da série, e ele fica no ar, decepcionado. Para o narrador – o cientista – aqui “explorador” - não ocupa o topo do saber, não está à altura do mérito que lhe outorgam. Neste caso, opta por caracterizá-lo com substantivos abstratos, suas ações são vazias, como vazias são as palavras que as designam e, no ponto de maior intensidade da frase, intensifica-se a abstração como se o foco narrativo dissesse que, o que para muitos é tudo, para ele é motivo de estagnação. Note que este termo é pétreo, porque trava a frase. Foi forçosamente colado aí, mas se tornou fluido e pode permutar sentidos com “explorador”. Sendo o título substituído uma norma social, e sendo o texto um lugar de produção de sentido, nada que é afirmado pode ser explicado fora dele. Por isso o narrador “justifica” sua focalização revolucionária, só que numa outra cena em que rasura ironicamente o sentido social do amor ao dizer: “[m]as na umidade da floresta não há desses refinamentos cruéis (...)” (LF, p.85), referindo-se aqui ao amor-troca burguês. Neste caso todo arranjo social pode sofrer alteração aqui. É importante compreender que essa focalização “explorador” é feita pelo narrador 67 , do contrário não se pode compreender o texto. Neste caso ele emite um juízo de valor sobre o “francês”. Mas neste ponto ainda não é possível saber o que o leva àquela nomeação. Prosseguindo, o narrador diz que “Marcel Pretre” “topou” (LF, p.77) com uma tribo de pigmeus e ficou surpreso, e que mais surpreso ficou “ao ser informado de que menor povo ainda existia” (LF, p.77). No Congo Central “descobriu realmente os menores pigmeus do mundo” (LF, p. 77). 2. Desagravo: A pulverização do verbo descobrir. 67 Esta distinção encontra-se melhor explicada no Capítulo II. 141

A indecisão do narrador quanto ao tratamento fidedigno às ações de “Marcel Pretre” é aclarada aqui. O verbo “descobriu” parece fora do lugar, igual estava fora do lugar o substantivo composto e abstrato “espírito científico”. Se ele “topou” com uma tribo e “[foi] informado” da existência de outra, ele não a descobriu. Ele topou com ela assim como “topou” com a anterior. Embora o narrador utilize “[e]le descobriu realmente” (LF, p.77 ) este advérbio não se refere ao ato de descobrir que se lhe antepõe, assevera o que foi afirmado anteriormente, ou seja: Ele topou com uma tribo, foi informado da existência de outra e a encontrou. O sufixo “mente” significa maneira, forma, modo, assim o advérbio realmente advém de real maneira, ou seja, ele descobriu da forma como foi narrada/focalizada pelo narrador que busca uma palavra mais exata para expor o feito. Por outro lado a declinação do verbo no pretérito perfeito “descobriu” pertence ao tempo narrado, 68 então assinala que o referido já foi usado anteriormente com o sentido que lhe é atribuído nos compêndios de História, de forma declarativa, afirmativa. Mas esta mesma declinação quando repetida – no texto também ela é repetida uma vez - só que antecedida pelos verbos assinalados, rasura, o sentido da forma anterior, abrindo no texto uma cena de ironia. Aqui está uma pedra “Marcel Pretre” atravancando o caminho inutilmente. Assim esvaziado de seu sentido comum, ele é apenas um significante que conserva o “sulco do significado” (LACAN, 1986, p. 28.), como a palavra “machado pequeno”, ocupando um espaço que está sendo questionado/ironizado/rendido pelo narrador. Nessas condições, rasurado, ele já ocupa aquele espaço na condição de sopro. Este espaço precisa ser obturado a partir de outro lugar do texto. 68 Cf. Cap. III 142

A indecisão do narrador quanto ao tratamento fidedigno às ações de “Marcel<br />

Pretre” é aclarada aqui. O verbo “descobriu” parece fora do lugar, igual estava fora do<br />

lugar o substantivo composto e abstrato “espírito científico”. Se ele “topou” com uma<br />

tribo e “[foi] informado” da existência de outra, ele não a descobriu. Ele topou com ela<br />

assim como “topou” com a anterior. Embora o narrador utilize “[e]le descobriu<br />

realmente” (LF, p.77 ) este advérbio não se refere ao ato de descobrir que se lhe<br />

antepõe, assevera o que foi afirmado anteriormente, ou seja: Ele topou com uma tribo,<br />

foi informado da existência de outra e a encontrou. O sufixo “mente” significa maneira,<br />

forma, modo, assim o advérbio realmente advém de real maneira, ou seja, ele descobriu<br />

da forma como foi narrada/focalizada pelo narrador que busca uma palavra mais exata<br />

para expor o feito.<br />

Por outro lado a declinação do verbo no pretérito perfeito “descobriu” pertence<br />

ao tempo narrado, 68 então assinala que o referido já foi usado anteriormente com o<br />

sentido que lhe é atribuído nos compêndios de História, de forma declarativa,<br />

afirmativa. Mas esta mesma declinação quando repetida – no texto também ela é<br />

repetida uma vez - só que antecedida pelos verbos assinalados, rasura, o sentido da<br />

forma anterior, abrindo no texto uma cena de ironia. Aqui está uma pedra “Marcel<br />

Pretre” atravancando o caminho inutilmente. Assim esvaziado de seu sentido comum,<br />

ele é apenas um significante que conserva o “sulco do significado” (LACAN, 1986, p.<br />

28.), como a palavra “machado pequeno”, ocupando um espaço que está sendo<br />

questionado/ironizado/rendido pelo narrador. Nessas condições, rasurado, ele já ocupa<br />

aquele espaço na condição de sopro. Este espaço precisa ser obturado a partir de outro<br />

lugar do texto.<br />

68 Cf. Cap. III<br />

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