Tese Lidia Nazaré - UFF
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As idéias de Jesus eram propagadas através das parábolas. Elas eram de fácil acesso, em virtude de sua flexibilidade. Com isso iluminavam tanto a esfera do sagrado quanto para além desta. Neste caso a palavra de Jesus Cristo, a pedra angular, e de Simão-Pedra, chamado Pedro, posteriormente, pela Igreja, eram flexíveis. Assim em sua origem a Igreja é bastante simples. Com efeito ela não permaneceu assim. Paulo, o romano, encaminhou-a para além-fronteiras e a flexibilidade das parábolas que permitia iluminar além da esfera do sagrado, vêm se convertendo em objeto de interpretação e fixando-se a partir do jogo dos conceitos. A luta pela posse desta interpretação tem pelos menos dois nomes: reforma e colonização. Hoje diferentes religiões cristãs atendendo à necessidade – construída de diferentes modos - de pertencimento do homem moderno, tendem a reduzir à esfera do sagrado o poder das parábolas iniciais. Desta forma elas se fixam e se convertem em objeto de colonização do pensamento. A ação iniciada pelos europeus continua na ordem do dia. A palavra, hoje, encontra-se a serviço do neo-colonialismo e os bons escritores precisam lutar para colocar isso em evidência. Clarice Lispector o fêz. A forma utilizada por “Marcel Pretre” para enredar “Pequena Flor” a partir de uma frase designativa, faz-me entender que seu estilo é pétreo. Este pétreo, entretanto, precisa ser entendido tanto a partir do seu sentido original, ligado à Simão-Pedra e à flexibilidade de seu discurso, como também a partir do sentido alterado deste discurso e deste nome – de Simão-Pedra à Pedro -, assim como ele se encontra, já alterado, ao ser utilizado como nome de família para “Marcel Pretre”. Percebo no referente “explorador francês Marcel Pretre, caçador e homem do mundo” duas vozes distintas, uma marginal ladeando outra central. Dois campos de força desiguais. Um nome recuado, aturdido, massacrado no meio de outros nomes que 131
lhes são estranhos: “explorador francês – “Marcel Pretre” –, caçador e homem do mundo”. No âmbito da linguagem instrumental, o nome central é superior aos demais por se tratar de nome próprio. É este nome que está sendo rendido pelos nomes comuns que o ladeiam. E por seu caráter gramatical subalterno os nomes comuns precisam se unirem a fim de render o nome próprio. Luta desigual de fato, mas o centro é o mais forte. O nome próprio traz em si uma marca que o identifica: o nome de família “Pretre”. Este não pode ser manipulado tão facilmente como os demais. Esta cena que me faz lembrar o bispo Sardinha sendo devorado pelos índios no romance de Graciliano Ramos Caetés é uma cena antropofágica. Uma linguagem mais próxima de sua natureza selvagem, tentando devorar outra, totalmente construída. O texto – o referente é longo como um texto – se nos abre como um campo de força, espaço de revolução. Esta revolução anunciada na primeira linha do texto tem a sua razão de ser. No corpus os “likoualas” constituem “[a] racinha de gente, sempre a recuar e a recuar” (LF, p. 78), da mesma forma que “Pequena Flor” por “Marcel Pretre” 63 . Para entendê-lo, faz-se necessário enveredar pelo estudo do nome próprio. O lugar da titulação – cientista - foi ocupado pelo substantivo comum “explorador” dezenove vezes, pelo adjetivo pátrio “francês” uma vez, pelo substantivo próprio “Marcel Pretre” três vezes, pelos substantivos comuns “caçador e homem do mundo” uma vez e por “homem do mundo” duas vezes. Ou seja, a longa apresentação inicial apontada pelo referente “explorador francês Marcel Pretre, caçador e homem do mundo” dissolveu-se texto afora até ser reduzido, no penúltimo parágrafo, à impenetrabilidade e à nudez identitária do nome próprio, “Marcel Pretre”. 63 Não é possível exemplificar o recuo neste caso, porque ele está sugerido, não explicitado. Contudo dediquei-me a esta questão ao longo dos Capítulos V e VI. 132
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lhes são estranhos: “explorador francês – “Marcel Pretre” –, caçador e homem do<br />
mundo”. No âmbito da linguagem instrumental, o nome central é superior aos demais<br />
por se tratar de nome próprio. É este nome que está sendo rendido pelos nomes comuns<br />
que o ladeiam. E por seu caráter gramatical subalterno os nomes comuns precisam se<br />
unirem a fim de render o nome próprio. Luta desigual de fato, mas o centro é o mais<br />
forte.<br />
O nome próprio traz em si uma marca que o identifica: o nome de família<br />
“Pretre”. Este não pode ser manipulado tão facilmente como os demais. Esta cena que<br />
me faz lembrar o bispo Sardinha sendo devorado pelos índios no romance de Graciliano<br />
Ramos Caetés é uma cena antropofágica. Uma linguagem mais próxima de sua natureza<br />
selvagem, tentando devorar outra, totalmente construída. O texto – o referente é longo<br />
como um texto – se nos abre como um campo de força, espaço de revolução. Esta<br />
revolução anunciada na primeira linha do texto tem a sua razão de ser. No corpus os<br />
“likoualas” constituem “[a] racinha de gente, sempre a recuar e a recuar” (LF, p. 78), da<br />
mesma forma que “Pequena Flor” por “Marcel Pretre” 63 . Para entendê-lo, faz-se<br />
necessário enveredar pelo estudo do nome próprio.<br />
O lugar da titulação – cientista - foi ocupado pelo substantivo comum<br />
“explorador” dezenove vezes, pelo adjetivo pátrio “francês” uma vez, pelo substantivo<br />
próprio “Marcel Pretre” três vezes, pelos substantivos comuns “caçador e homem do<br />
mundo” uma vez e por “homem do mundo” duas vezes. Ou seja, a longa apresentação<br />
inicial apontada pelo referente “explorador francês Marcel Pretre, caçador e homem do<br />
mundo” dissolveu-se texto afora até ser reduzido, no penúltimo parágrafo, à<br />
impenetrabilidade e à nudez identitária do nome próprio, “Marcel Pretre”.<br />
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dediquei-me a esta questão ao longo dos Capítulos V e VI.<br />
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