Tese Lidia Nazaré - UFF

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13.04.2013 Views

paz a partir desta ação desencadeada no presente. Redimidos, passado e presente pelo texto literário e crítico, o futuro pode ser reorganizado, sem débitos. O conto é bastante narrativo, contudo estou consciente de que em sua busca, que resulta na conversão do signo arbitrário em “palavra-coisa”, Clarice Lispector procura encaminhar a linguagem ao seu próprio ser. Neste caso, embora este texto apresente tal caráter mais narrativo, não significa que a sua linguagem esteja envergada sob o peso da significação. Pelo contrário, percebo no narrador a intenção de encontrar um verbo que nomeie com mais exatidão o feito do francês “Marcel Pretre”. Para isso ele depura o sentido de alguns nomes, verbos e advérbios, devolvendo- lhes o traço primeiro e o translada para outros, que ele considera mais adequados. Isto num entrecruzar ilimitado de sentidos. Nesta engenharia, ele mostra que os nomes, os verbos e os advérbios, não contém, em sua natureza, o valor semântico que parecem ter. A hierarquia dos nomes é construída para fins de organização social e o peso significativo que um termo tem, advém do uso, que o converte em estereótipo. A apresentação do “francês” é feita pela anteposição de um substantivo abstrato cuja origem é o adjetivo “explorador”. Um termo comum para os europeus e até meritório, considerando que os explorados eram selvagens e receberiam deles o sopro da civilização. Assim ele é “o explorador francês Marcel Pretre, caçador e homem do mundo (...)” (LF, p. 77). Esta anteposição feita pelo narrador não pode ser vista sem desconfiança, porque foi justamente este termo, neste ambiente, que abriu uma fenda no texto e atraiu o meu olhar. Sendo assim, o sentido deste termo sofre variação quando transladado para a cultura do pós-colonizado. 129

Posteriormente, observei que Pretre vem do francês e significa padre. 61 O que me fez pensar nos Jesuítas do Brasil. E padre vem do Latim e significa pater “pai”. O que me fez pensar no colonizador, que nos trouxe a língua portuguesa, como um meio, a partir do qual, a palavra redentora do “Pai” seria conhecida pelos indígenas. Então língua e religião estiveram lado a lado no processo de colonização do Brasil. Esses códigos substituíram os do autóctone, marginalizando-os. O elemento estranho que atraiu meu olhar está no âmbito da língua. Neste caso sua presença ali coloca toda a língua do pai sob ameaça. Nas escrituras sagradas, Simão, um galileu, recebeu de Jesus, o nome “pedra” em virtude de sua fé inabalável. Esta fé foi o reconhecimento de Jesus como o filho de Deus, ou seja, como “Pedra angular”. “Sobre esta “pedra” da fé – de Simão - foi alicerçada a Igreja de Jesus. Simão, pescador de peixes, tornou-se pescador de homens e a “pedra” da Igreja de Jesus. Diante destes aspectos, quero ligar o nome “Pretre” de “Marcel Pretre” a “padre”, a “pai” e, principalmente a “pétreo” 62 . Como é ele que nomeia, classifica, este “pai” faz alusão ao colonizador europeu, que se arroga o papel de cientista. Assim, ora o texto faz alusão ao jesuíta, ora ao colonizador. O título social com o qual ele é identificado “espírito científico”, explica melhor. 61 Prêtre vem do francês e significa padre. Contudo em “Pretre” de “Marcell Pretre” não há o acento gráfico. Isso poderia me fazer desmanchar a relação que estabeleci. Mas ela tem razão de ser porque o som de “Prêtre” quando lido em Português dispensa o acento, já que este som deve ser pronunciado com a primeria vogal aberta (prétre). Na língua portuguesa este acento não é necessário. 62 Entre a crença e a descrença, Jesus Cristo entrou para a História da Igreja Católica como o filho de Deus. Ele trouxe para um povo subjugado pela cultura romana a palavra redentora. Esta palavra prometia a liberdade deste povo, porque era capaz de revelar-lhes a verdade. “Conhecereis a verdade e ela vos libertará”. Essa verdade era divulgada a partir de suas parábolas. Uma forma de comunicação muito parecida com as alegorias, porque em seu corpus, os sentidos migram de tal forma que diferentes esferas do real são iluminadas por elas. O pensamento é beneficiado pelo uso deste tipo de discurso, que, como se vê, não reivindica o poder de representar. A verdade brota da reflexão que esta palavra viabiliza. Desta reflexão esvai-se o medo. “Do medo o homem está livre quando é capaz de refletir”. Quem conhece a palavra de Deus tem consciência disso. Inibir a faculdade de pensar é negar ao homem o acesso à verdade libertadora, para mantê-lo subjugado a fim de dominá-lo. Na sociedade capitalista o dinheiro foi transformado em fonte de identidade. É pelo “ter” que o homem passa a “ser” e é o “ter” que faz dejeto do ser. Todos padecem do mesmo dilema, mas uns padecem bem mais. A palavra conotada e estereotipada, contrária à palavra alegórica das parábolas, é a “estrela” deste sistema. É ela que impede a ação do pensamento. 130

paz a partir desta ação desencadeada no presente. Redimidos, passado e presente pelo<br />

texto literário e crítico, o futuro pode ser reorganizado, sem débitos.<br />

O conto é bastante narrativo, contudo estou consciente de que em sua busca, que<br />

resulta na conversão do signo arbitrário em “palavra-coisa”, Clarice Lispector procura<br />

encaminhar a linguagem ao seu próprio ser. Neste caso, embora este texto apresente tal<br />

caráter mais narrativo, não significa que a sua linguagem esteja envergada sob o peso da<br />

significação. Pelo contrário, percebo no narrador a intenção de encontrar um verbo que<br />

nomeie com mais exatidão o feito do francês “Marcel Pretre”.<br />

Para isso ele depura o sentido de alguns nomes, verbos e advérbios, devolvendo-<br />

lhes o traço primeiro e o translada para outros, que ele considera mais adequados. Isto<br />

num entrecruzar ilimitado de sentidos. Nesta engenharia, ele mostra que os nomes, os<br />

verbos e os advérbios, não contém, em sua natureza, o valor semântico que parecem ter.<br />

A hierarquia dos nomes é construída para fins de organização social e o peso<br />

significativo que um termo tem, advém do uso, que o converte em estereótipo.<br />

A apresentação do “francês” é feita pela anteposição de um substantivo abstrato<br />

cuja origem é o adjetivo “explorador”. Um termo comum para os europeus e até<br />

meritório, considerando que os explorados eram selvagens e receberiam deles o sopro<br />

da civilização. Assim ele é “o explorador francês Marcel Pretre, caçador e homem do<br />

mundo (...)” (LF, p. 77). Esta anteposição feita pelo narrador não pode ser vista sem<br />

desconfiança, porque foi justamente este termo, neste ambiente, que abriu uma fenda no<br />

texto e atraiu o meu olhar. Sendo assim, o sentido deste termo sofre variação quando<br />

transladado para a cultura do pós-colonizado.<br />

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