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sentimentos de que sua esposa jamais o<br />
julgaria capaz:<br />
- Você é Pequena Flor<br />
Clarice Lispector 59<br />
Desde que li o conto “A menor mulher de mundo” pela primeira vez, há uns oito<br />
anos, venho observando que as duas margens da linguagem, que identifiquei à luz de<br />
Roland Barthes 60 , estão organizadas de forma que lançam luz sobre um tema: trata-se da<br />
história dos povos colonizados pelos europeus, dentre os quais me encontro.<br />
É possível que minha percepção encontre sua gênese em minha descendência<br />
indígena e africana, ambas ainda muito próximas de mim. O que em muito justificaria a<br />
simpatia que sinto pelo narrador deste conto. Simpatia que me leva a pensar que ele está<br />
focalizando na minha perspectiva.<br />
Este sentimento pareceria impróprio, nesta pesquisa, se ela não estivesse voltada<br />
exatamente para o modo como a alteridade é construída, pelo signo arbitrário, que<br />
herdamos do colonizador. Além disso a psicanálise me absolve. Nada mais natural que a<br />
volta do recalcado, diante de uma arte que articula duas linguagens: uma recalcada e<br />
outra que se lhe sobrepuseram.<br />
O questionamento do narrador gira em torno do ato de “descobrir”. Ele deseja<br />
saber se “Marcel Pretre” descobriu ou não “Pequena Flor”. Na medida em que vai<br />
questionando, vai descobrindo “Pequena Flor”, de maneira distinta da de “Marcel<br />
Pretre”. O leitor, por sua vez, para acompanhar este questionamento, precisa<br />
experimentar o mesmo ato, a partir da perspectiva de ambos.<br />
Diante desta necessidade proponho descobrir com eles esta obra. No final desta<br />
empresa, terei condições de entender melhor, de qual dos dois procedimentos o meu<br />
59 Laços de família, 1960, p. 77.<br />
60 Laços de família, 1960, p. 79.