Tese Lidia Nazaré - UFF

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Perceber essas duas vozes nesta voz que narra é condição primeira para que o conto seja compreendido. Nesse dueto está o que Rimmon-Kenan (2006) chamou “narrator-focalizer” (BAL: apud. RIMMON-KENAN, 2006, p. 73). Cedo-lhe a palavra: As Genette hás shown, most studies of point of view treat two related but different questions as if they were interchangeable. Briefly formulated, these questions are ‘who sees?` v. ‘who speaks?` Obviously, a person (and, by analogy, a narrative agent) is capable of both speaking and seeing, and even of doing both things at same time – a state of affairs which facilitates the confusion between the activities. Moreover, it is almost impossible to speak without betraying some personal ‘point of view`, if only through the very language used. But a person (and, by analogy, a narrative agent) is also capable of undertaking to tell what another person sees or has seen. Thus, speaking and seeing, narration and focalization, may, but need not, be attributed to the same agent. The distinction, between the two activities is a theorical necessity, and only on its basis can the interrelations between them be studied with precision. (RIMMON-KENAN, 2006, p.73) 53 A autora realça aqui somente uma faceta perceptiva do narrador, mas há outras de real interesse para a compreensão deste conto. la perceptual (vista, oído, olfato ...), que se determina por coordenadas espaciotemporales; la psicológica, cuyos componentes esenciales son el cognitivo y el emotivo; y la ideológica. De esta última, la autora, siguiendo a Uspensky, anota que ‘consiste em ‘um sistema general de ver el mundo conceptualmente’, de acuerdo com lo cual, se evalúan los eventos y los personajes de la história’. Estas facetas ‘pueden confluir, pero pueden pertenecer también a focalizadores distintos y aún antagónicos’ (GONZALEZ - RUBIO, 2005) 54 53 Como Genette demonstrou, a maioria dos estudos do ponto de vista tratam de duas perguntas relacionadas porém distintas, como se elas fossem intercambiáveis. Brevemente formuladas estas perguntas são: quem vê? versus quem fala? Obviamente uma personagem (e, por analogia um agente narrativo) é capaz tanto de falar como de ver, e ainda de fazer as duas coisas ao mesmo tempo – o que facilita a confusão das duas atividades. [...] Porém uma máscara (e por analogia um agente narrativo) é também capaz de dizer o que outra pessoa vê ou viu. Assim, dizer e ver, narração e focalização, podem, mas não necessariamente, atribuir-se ao mesmo agente. A diferenciação entre as duas atividades é uma necessidade teórica, e somente sobre suas bases pode estudar-se com precisão as inter-relações entre elas. Tradução minha. 54 A perceptiva (vista, ouvida, cheirada...), que se determina por coordenadas espaço-temporais; a psicológica, cujos componentes essenciais são o cognitivo e o emotivo; e a ideológica. Desta última, a autora, seguindo Uspensky, anota que ‘consiste num ‘sistema geral de ver o mundo’, de acordo com o qual, se valorizam os eventos e os personagens da história’. Estas facetas ‘podem confluir, porém podem pertencer também a focalizadores distintos’. Tradução minha. 123

Como existe uma relação estreita entre este tipo de narrador – o onisciente neutro, que ela recusa – e a capacidade de organizar o mundo a partir do saber científico, ela seleciona ainda o objeto da narrativa. Trata-se, antes de tudo, da relação estabelecida entre um cientista europeu e francês que “resolve, decompõe, classifica e explica o mundo dos fatos e das idéias (GOULART&SILVA, 1975, p.129)” com a sua descoberta: uma africana pigméia de quarenta e cinco centímetros da África Equatorial e, depois disso do seu processo de classificação, seguido da repercussão de tal descoberta. Ambas as seleções são um ato de fingir, destinado a criar no leitor uma expectativa 55 a partir da qual o imaginário começa a ganhar contornos. Somos levados a pensar que no conto serão reproduzidos os sistemas de idéias e de atitudes que tal seleção evoca. Todavia, esses elementos acolhidos pelo texto são transgredidos, já que “se desvinculam da estruturação semântica ou sistêmica dos sistemas de que foram tomados” (ISER, 1983, p. 389) e modelados pela mão da escritora convertem-se em “objetos de percepção” (ISER, 1983, p. 389). Essas transgressões de limites acontecerão no texto mimético de acordo com a visão de mundo de Clarice Lispector e, ouso dizer, parecem ter um endereço certeiro: os leitores dos países colonizados pelos europeus. É conduzido pelo olhar do narrador/focalizador que o leitor tem condições de entender a intenção de Marcel Pretre ao revelar a sua “Pequena Flor” àquela sociedade burguesa. 55 Sem esta quebra de expectativas este aspecto da totalidade – a construção da alteridade a partir da limitação da linguagem racionalizada que opera nas bases do Sistema de representação do qual a mímesis da representação faz parte – colocado “entre parênteses” (ISER, 1983, p. 406) neste mundo construído “como se” (ISER, 1983, p.406) fosse o mundo não seria realçado e a sua razão de ser – do mundo como se – enquanto mímesis da produção e não da representação se perderia. 124

Como existe uma relação estreita entre este tipo de narrador – o onisciente<br />

neutro, que ela recusa – e a capacidade de organizar o mundo a partir do saber<br />

científico, ela seleciona ainda o objeto da narrativa. Trata-se, antes de tudo, da relação<br />

estabelecida entre um cientista europeu e francês que “resolve, decompõe, classifica e<br />

explica o mundo dos fatos e das idéias (GOULART&SILVA, 1975, p.129)” com a sua<br />

descoberta: uma africana pigméia de quarenta e cinco centímetros da África Equatorial<br />

e, depois disso do seu processo de classificação, seguido da repercussão de tal<br />

descoberta.<br />

Ambas as seleções são um ato de fingir, destinado a criar no leitor uma<br />

expectativa 55 a partir da qual o imaginário começa a ganhar contornos. Somos levados a<br />

pensar que no conto serão reproduzidos os sistemas de idéias e de atitudes que tal<br />

seleção evoca. Todavia, esses elementos acolhidos pelo texto são transgredidos, já que<br />

“se desvinculam da estruturação semântica ou sistêmica dos sistemas de que foram<br />

tomados” (ISER, 1983, p. 389) e modelados pela mão da escritora convertem-se em<br />

“objetos de percepção” (ISER, 1983, p. 389). Essas transgressões de limites acontecerão<br />

no texto mimético de acordo com a visão de mundo de Clarice Lispector e, ouso dizer,<br />

parecem ter um endereço certeiro: os leitores dos países colonizados pelos europeus. É<br />

conduzido pelo olhar do narrador/focalizador que o leitor tem condições de entender a<br />

intenção de Marcel Pretre ao revelar a sua “Pequena Flor” àquela sociedade burguesa.<br />

55 Sem esta quebra de expectativas este aspecto da totalidade – a construção da alteridade a partir da<br />

limitação da linguagem racionalizada que opera nas bases do Sistema de representação do qual a mímesis<br />

da representação faz parte – colocado “entre parênteses” (ISER, 1983, p. 406) neste mundo construído<br />

“como se” (ISER, 1983, p.406) fosse o mundo não seria realçado e a sua razão de ser – do mundo como<br />

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