You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Para que um ligeiro fulgor apareça e ilumine os textos encenados e no caso deste<br />
conto especificamente - que é bem narrativo - é necessário que a opacidade desses<br />
elementos seja iluminada pela palavra tradicional que o acompanha. 49 Tal iluminação<br />
não é suficiente para trazer à luz esta segunda palavra adormecida nas sombras e o tema<br />
que com ela se encena. A incidência da luz daquela nesta é um primeiro passo para que<br />
algum sentido frua dos textos – da cena textualizada e do tema que esta encena.<br />
O segundo passo encontra-se na ligação destes elementos parcialmente<br />
iluminados a fim de que se convertam em uma constelação. É desta constelação que o<br />
ligeiro fulgor aparece iluminando as cenas. Eu quero dizer que o texto de Clarice<br />
Lispector e Franz Kafka necessitam do leitor como um co-autor para acionar sua rede se<br />
sentidos ou talvez fosse melhor dizer algum sentido desta rede, com muita cautela,<br />
porque no nível da cena este sentido está além do que tradicionalmente entendemos por<br />
sentido, já que o interiorizamos colado na palavra que tece o conjunto da escritura e nos<br />
autores em questão, ele está em constante migração e é colocado em latência quando ela<br />
alcança o sopro que está além da palavra adâmica, primeira.<br />
Estou a um passo de dizer que com os nossos sentidos domesticados não<br />
podemos ler Clarice Lispector e Franz Kafka. Precisaríamos evacuar o sentido da<br />
palavra e construir outro sentido, provisório, efêmero, - um quase non sense - com o<br />
49 Não estou fazendo aqui um jogo de linguagem como se intencionasse escrever uma dissertação à lá<br />
Lispector. O caso é que é inevitável abordar textos de fruição sem, às vezes, e quase sempre, não repetir o<br />
seu processo de criação “‘sobre` um texto assim, só se pode falar ‘em` ele, à sua maneira, só se pode<br />
estar num plágio desvairado” (BARTHES, 2006, p.29). É que se eu for escrever de maneira muito<br />
objetiva, topicalizada, o diferencial do texto acaba se perdendo, não sendo iluminado. Este tipo de texto é<br />
“atópico” (BARTHES, 2006, p. 30) e se tenho dificuldade de abordá-lo e se outros acham enfadonha a<br />
leitura de tal abordagem é porque estamos todos muito habituados –narcotizados - pela escrita<br />
topicalizada da crítica literária “que versa sempre sobre texto de prazer, jamais sobre textos de fruição”<br />
(BARTHES, 2006, p.28). O texto de prazer se serve da linguagem como um instrumento para<br />
desenvolver um tema sobre alguma coisa que não seja ela: um crime, uma personagem, uma vida, etc. No<br />
caso deste conto de Lispector existe um tema sim, porque ele é bastante narrativo, mas este tema está a<br />
serviço da reflexão da linguagem que se encena. Então são dois aspectos aqui topicalizados: a própria<br />
linguagem encenada, dobrada sobre si mesma a fim de se interrogar e um tema, uma história que ilustra<br />
os prós e os contra desta linguagem.<br />
115