Tese Lidia Nazaré - UFF

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13.04.2013 Views

Royal, pela ligação de um significante a um significado. Destituído do compromisso com a semelhança os signos passam a ser usados como “instrumentos da análise, marcas da identidade e da diferença, princípios da ordenação, chaves para uma taxionomia” (FOUCAULT, 1966, p. 85) a conjuntura aqui se perde e o que antes se dava pela motivação ou pela semelhança agora se dá à revelia e pela diferença. O olho agora pode ver uma coisa e escutar outra. A imagem acústica não precisa estar necessariamente relacionada à imagem visual. Tudo agora pode ser fantástico: uma informação, um pai que aprisiona a filha no porão por longos anos e tem filhos com ela, uma menina que foi atirada viva pela janela, a criminalidade. Os signos deixaram de significar para designar. Os leitores de Clarice Lispector sabem o quanto ela busca alcançar a “palavra-coisa”. O signo motivado. O signo que significa. Tentando com isso devolver à linguagem o seu próprio ser, libertá-la deste estigma que a transformou em moeda de troca. Esta limitação do signo sua função designativa pode incidir sobre o pensamento do produtor de textos de vários modos: primeiro domesticando-o de forma que ele acredita representar a realidade da forma como ela se lhe apresenta; segundo ajustando- o, a partir de uma realidade reconhecível, a tudo aquilo que escapa dos limites de sua compreensão; terceiro dificultando sua materialização em casos mais complexos, já que “a linguagem, em vez de existir como escrita material das coisas, já não achará o seu espaço senão no regime geral dos signos aproximativos” (FOULCAUT, 1960, p. 67). Não quero dizer com isso que toda mímesis da representação esteja a serviço da ideologia, mas mesmo se o escritor se levanta contra ela, tende a estancar o texto enquanto um lugar de produção de sentidos que desencadeia a reflexão porque, conforme diz Roland Barthes (2004a), 109

A escrita é uma realidade ambígua: por uma parte nasce incontestavelmente de um confronto do escritor com a sua sociedade; por outra, dessa finalidade social, ela remete o escritor, por uma espécie de transferência trágica, às fontes instrumentais de sua criação. Por não poder oferecer-lhe uma linguagem livremente consumida, a História lhe propõe uma linguagem livremente produzida (BARTHES, 2004a, p. 15). Os resultados deste trabalho vêm prejudicando substancialmente o leitor que acaba tendo o pensamento colonizado, dada à clareza com que o texto é apresentado e a tendência à automatização que toda produção excessivamente clara, faculta. As conseqüências de tais limitações resultam na atualização e na solidificação de um Sistema de representação cultural e social que vem sendo organizado a partir da unidade e da pureza dos códigos lingüístico e religioso, desde a segunda metade do século XVI, no Brasil. É assim que ao ver o retrato de “Pequena Flor” no jornal uma senhora burguesa refere-se a ela como “bicho”. O pensamento desta personagem está condicionado a ver no outro a diferença não a semelhança. Este pensamento vem se agravando, a hostilidade entre as pessoas não diminui. Acentua-se cada vez mais. A literatura é um instrumento que poderia ser utilizado para despertar os alunos para o fato de que o seu livre arbítrio, do qual ele sente tanto orgulho, é construído, manipulado. Mas o tipo de literatura que o conduziria a isso vem sendo pouco explorada nas Instituições do Saber. Opta-se geralmente pela literatura de massa e esta vem escrita em conformidade com a linguagem instrumental que manipula o pensamento. Os leitores de Clarice Lispector bem o sabem, desde sua obra derradeira A hora da estrela (1977) que não é nada fácil “tirar ouro do carvão” (HE, p.31). Este é o dilema de Rodrigo SM, narrador interposto e nomeado daquela obra, diante da necessidade e da impossibilidade de escrever a história miserável da personagem Macabéa com a linguagem racionalizada sob a qual está alicerçado o Sistema de representação que a mantém cativa, assim por dizer, à deriva. 110

Royal, pela ligação de um significante a um significado. Destituído do compromisso<br />

com a semelhança os signos passam a ser usados como “instrumentos da análise,<br />

marcas da identidade e da diferença, princípios da ordenação, chaves para uma<br />

taxionomia” (FOUCAULT, 1966, p. 85) a conjuntura aqui se perde e o que antes se<br />

dava pela motivação ou pela semelhança agora se dá à revelia e pela diferença.<br />

O olho agora pode ver uma coisa e escutar outra. A imagem acústica não precisa<br />

estar necessariamente relacionada à imagem visual. Tudo agora pode ser fantástico: uma<br />

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uma menina que foi atirada viva pela janela, a criminalidade. Os signos deixaram de<br />

significar para designar. Os leitores de Clarice Lispector sabem o quanto ela busca<br />

alcançar a “palavra-coisa”. O signo motivado. O signo que significa. Tentando com isso<br />

devolver à linguagem o seu próprio ser, libertá-la deste estigma que a transformou em<br />

moeda de troca.<br />

Esta limitação do signo sua função designativa pode incidir sobre o pensamento<br />

do produtor de textos de vários modos: primeiro domesticando-o de forma que ele<br />

acredita representar a realidade da forma como ela se lhe apresenta; segundo ajustando-<br />

o, a partir de uma realidade reconhecível, a tudo aquilo que escapa dos limites de sua<br />

compreensão; terceiro dificultando sua materialização em casos mais complexos, já que<br />

“a linguagem, em vez de existir como escrita material das coisas, já não achará o seu<br />

espaço senão no regime geral dos signos aproximativos” (FOULCAUT, 1960, p. 67).<br />

Não quero dizer com isso que toda mímesis da representação esteja a serviço da<br />

ideologia, mas mesmo se o escritor se levanta contra ela, tende a estancar o texto<br />

enquanto um lugar de produção de sentidos que desencadeia a reflexão porque,<br />

conforme diz Roland Barthes (2004a),<br />

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