Tese Lidia Nazaré - UFF

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13.04.2013 Views

Publicado em 1960, no livro de contos Laços de família, o conto de Clarice Lispector “A menor mulher do mundo” viabiliza uma tomada de consciência da limitação da palavra racionalizada e da mímesis da representação que a toma por instrumento, além de um repensar alegoricamente o nosso processo de colonização. No referido conto, um francês diante de um ser inominável, uma mulher de quarenta e cinco centímetros, lhe forja um nome “Você é Pequena Flor”. Esta nomeação entretanto, devido ao seu teor conotativo, encontra-se aberta a incontáveis leituras. Isso seria ideal num texto literário. Mas o texto no qual o francês veiculará este nome é informativo. Neste caso não pode haver oscilação de sentido. E de fato não há, porque se trata de uma forma pré-fixada, a partir dos românticos. Para fixá- la ainda mais, o francês conduz a leitura a partir de uma comparação: “Escura como macaco”. O conto de Franz Kafka “Um Relatório Para Uma Academia” aborda questão parecida. Nele o narrador/protagonista “Pedro Vermelho” lamenta o uso arbitrário que os “senhores membros da Academia” fazem da palavra. Assim ele se manifesta: levei dois tiros. Um na maçã do rosto: esse foi leve, mas deixou uma cicatriz vermelha de pêlos raspados, que me valeu o apelido repelente de Pedro Vermelho, absolutamente descabido e que só podia ter sido inventado por um macaco, como se eu me diferenciasse do macaco amestrado Pedro – morto não faz muito tempo e conhecido num ou outro lugar – somente pela mancha vermelha na maçã da cara (UMR 2006, p. 61). Esta falta de manejo com o nome, ou melhor ainda, esta manipulação do nome, aponta para uma falta: a impossibilidade de a palavra nomear com exatidão. Isso porque Na sua perfeição, o sistema dos signos é essa língua simples, absolutamente transparente, que é capaz de nomear o elemento; é igualmente esse conjunto de operações que define todas as conjunções possíveis (FOUCAULT, 1966, p. 91). 105

E ainda “a linguagem humana se perde nos meandros de uma significação infinita, pois tributária de signos arbitrários” (GAGNEBIN, 2007, p. 18) e o espírito não consegue mais apreendê-la, porque ela perdeu a sua imediaticidade original “após Babel”. Resultado disso é que este ato só se faz possível se a representação for forjada. Walter Benjamin chamou a perda desta imediaticidade de ‘queda`. Neste caso nossa civilização está cimentada sobre bases fluidas. A rede discursiva tecida por este tipo de linguagem arbitrária precisa ser controlada. Mas este controle está a serviço da ideologia. Resultado, somos enredáveis e enredados já que somos constituídos, enquanto seres humanos, a partir da manipulação dessa rede que é a linguagem. Buscando confirmação para o que estou dizendo saliento que palavra racionalizada é o termo utilizado por Adorno e Horkheimer (2006) para identificar o signo lingüístico organizado pelo Iluminismo, no século XVIII, para designar o objeto. Para eles A cegueira e o mutismo dos fatos a que o positivismo reduziu o mundo estendem-se à própria linguagem, que se limita ao registro desses dados. Assim, as próprias designações se tornam impenetráveis, elas adquirem uma contundência, uma força de adesão e repulsão que as assimila a seu extremo oposto, as fórmulas de encantamento mágico. Elas voltam a operar como uma espécie de manipulações, seja para compor o nome da diva no estúdio com base na experiência estatística, seja para lançar o anátema sobre o governo voltado para o bem-estar social recorrendo a nomes tabus como “burocratas” e “intelectuais”, seja acobertando a infâmia com o nome da Pátria (HORKHEIMER & ADORNO, 2006, p. 17). Mas poderíamos perder aqui, a palavra adâmica de Walter Benjamin, Clarice Lispector e Franz Kafka não foram também designados? Certamente eles partem desta palavra, contudo conduzem-nas à sua condição adâmica. Neles as palavras conservam o hálito ou o sopro criador, divino ou humano não importa, são palavras apenas, plenas, só dizem de si, do objeto em plenitude, não estão a serviço da comunicação. Não são forjadas a ferro e fogo como a palavra arroto “pror-rom-peu” convertida em “alô” em função da possibilidade lucrativa. 106

E ainda “a linguagem humana se perde nos meandros de uma significação infinita, pois<br />

tributária de signos arbitrários” (GAGNEBIN, 2007, p. 18) e o espírito não consegue<br />

mais apreendê-la, porque ela perdeu a sua imediaticidade original “após Babel”.<br />

Resultado disso é que este ato só se faz possível se a representação for forjada. Walter<br />

Benjamin chamou a perda desta imediaticidade de ‘queda`. Neste caso nossa civilização<br />

está cimentada sobre bases fluidas.<br />

A rede discursiva tecida por este tipo de linguagem arbitrária precisa ser<br />

controlada. Mas este controle está a serviço da ideologia. Resultado, somos enredáveis e<br />

enredados já que somos constituídos, enquanto seres humanos, a partir da manipulação<br />

dessa rede que é a linguagem. Buscando confirmação para o que estou dizendo saliento<br />

que palavra racionalizada é o termo utilizado por Adorno e Horkheimer (2006) para<br />

identificar o signo lingüístico organizado pelo Iluminismo, no século XVIII, para<br />

designar o objeto. Para eles<br />

A cegueira e o mutismo dos fatos a que o positivismo reduziu o mundo estendem-se à<br />

própria linguagem, que se limita ao registro desses dados. Assim, as próprias<br />

designações se tornam impenetráveis, elas adquirem uma contundência, uma força de<br />

adesão e repulsão que as assimila a seu extremo oposto, as fórmulas de encantamento<br />

mágico. Elas voltam a operar como uma espécie de manipulações, seja para compor o<br />

nome da diva no estúdio com base na experiência estatística, seja para lançar o anátema<br />

sobre o governo voltado para o bem-estar social recorrendo a nomes tabus como<br />

“burocratas” e “intelectuais”, seja acobertando a infâmia com o nome da Pátria<br />

(HORKHEIMER & ADORNO, 2006, p. 17).<br />

Mas poderíamos perder aqui, a palavra adâmica de Walter Benjamin, Clarice<br />

Lispector e Franz Kafka não foram também designados? Certamente eles partem desta<br />

palavra, contudo conduzem-nas à sua condição adâmica. Neles as palavras conservam o<br />

hálito ou o sopro criador, divino ou humano não importa, são palavras apenas, plenas,<br />

só dizem de si, do objeto em plenitude, não estão a serviço da comunicação. Não são<br />

forjadas a ferro e fogo como a palavra arroto “pror-rom-peu” convertida em “alô” em<br />

função da possibilidade lucrativa.<br />

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