Tese Lidia Nazaré - UFF
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Numa perspectiva da linguagem representativa, essa leitura faz-me entender que posso abrir uma cena de ironia na expressão “[t]eatros de variedades do mundo civilizado”. Primeiro: não há “variedades”, porque nada mais pode ser aprendido, nada mais pode ser dito; há, pelo contrário, repetição – o gesto de apertar a mão sem saber o porquê - automatização consensual ou seja: há um “teatro” de variedades, uma encenação da realidade já que esta é impossível de ser representada. Por outro lado, fecho a cena de ironia quando leio o texto, a cena, numa perspectiva poética kafkiana, porque o que ele faz é servir-se de uma variedade de linguagens para encenar esta impossibilidade e buscar “uma saída” para a linguagem que jaz “insignificante” - tola, tagarela -, curvada sob o peso da significação. Certamente não posso deixar de ler também teste “teatro de variedades” como teatro de aberrações tão comum no mundo civilizado. A impressão deste trabalho formal é de que um texto foi diluído dentro do outro e que neste estado ambos só podem ser lidos simultaneamente. Aqui fundo e forma interpenetram-se e a estética tradicional, insistente na relação desta, cala-se. Assim também se cala o signo de Port-Royal. Outras vezes um texto descola do outro de forma que fundo e forma pululam das páginas. Hora de reflexão em que a alegoria ilumina a relação arbitrária entre significante e significado do signo, entre a relação fundo e forma da estética tradicional, entre o valor do dinheiro em relação à mercadoria, etc. A leitura deste pequeno fragmento elucida a complexidade da escritura de Kafka. Os signos parecem em total estado de perdição, o ex-macaco que foi amestrado por meio deles encontra-se igualmente desorientado e o leitor é convidado a experimentar esta encenação. Este é o seu objetivo, esta é a sua palavra plena, não podemos alcançá-la por uma questão de diferenças entre a nossa concepção de linguagem centrada na comunicação e a de Franz Kafka centrada na própria linguagem. 101
É só em seu conjunto que o texto fala e fala numa “palavra franca”, numa palavra-sopro que pode dizer muito e nada. Conforme “Pedro Vermelho”: Seja como for, no conjunto eu alcanço o que queria alcançar. Não se diga que o esforço não valeu a pena. No mais não quero nenhum julgamento dos homens, quero apenas difundir conhecimentos; faço tão somente um relatório; também aos senhores eminentes membros da Academia, só apresentei um relatório (UMR, p.72). Neste caso aqui, também como em Clarice Lispector, a escritura - no caso de Franz Kafka “a linha de orientação” - não decalca o significante, somente remonta a ele, ou seja, a “linha de orientação”, a escritura, a letra estão no real, e o significante no simbólico, não fosse assim não sei se seria possível ler textos miméticos. Esses três aspectos – o nome, o gesto e o sopro - antecedem ao discurso construído para fins de comunicação e acenam para o seu caráter cultural e não natural. O sopro a que Clarice Lispector e Franz Kafka chegam está no próprio verbo feito carne, palavra criadora. Além desta, Clarice Lispector levanta questionamentos sobre o ponto e a linha que marcam entonações, rítimos, inícios e fins e com que se desenha a letra, além, é claro de refletir sobre a própria letra que “funda o litoral” (LACAN, 1986, p.22). Assim entendo que é necessário desconstruir o discurso para alcançar a palavra primeira. Esta desconstrução se dá através da construção de outro discurso próximo do comentário. Para Silviano Santiago a forma mais eficiente do escritor alcançar tal empresa a fim de que ela cause reação no leitor é a partir da construção de um texto segundo. Este deve ser organizado “a partir de uma meditação silenciosa e traiçoeira sobre o primeiro texto” (SANTIAGO, 1978). Posicionando-se ainda quanto ao papel do leitor ele afirma: e o leitor transformado em autor, tenta surpreender o modelo original nas suas limitações, nas suas fraquezas, nas suas lacunas, desarticula-o e o rearticula de acordo com as suas intenções, segundo sua própria direção ideológica, sua visão do tema apresentado de início pelo original. (SANTIAGO, 1978). 102
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