Tese Lidia Nazaré - UFF

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13.04.2013 Views

Numa perspectiva da linguagem representativa, essa leitura faz-me entender que posso abrir uma cena de ironia na expressão “[t]eatros de variedades do mundo civilizado”. Primeiro: não há “variedades”, porque nada mais pode ser aprendido, nada mais pode ser dito; há, pelo contrário, repetição – o gesto de apertar a mão sem saber o porquê - automatização consensual ou seja: há um “teatro” de variedades, uma encenação da realidade já que esta é impossível de ser representada. Por outro lado, fecho a cena de ironia quando leio o texto, a cena, numa perspectiva poética kafkiana, porque o que ele faz é servir-se de uma variedade de linguagens para encenar esta impossibilidade e buscar “uma saída” para a linguagem que jaz “insignificante” - tola, tagarela -, curvada sob o peso da significação. Certamente não posso deixar de ler também teste “teatro de variedades” como teatro de aberrações tão comum no mundo civilizado. A impressão deste trabalho formal é de que um texto foi diluído dentro do outro e que neste estado ambos só podem ser lidos simultaneamente. Aqui fundo e forma interpenetram-se e a estética tradicional, insistente na relação desta, cala-se. Assim também se cala o signo de Port-Royal. Outras vezes um texto descola do outro de forma que fundo e forma pululam das páginas. Hora de reflexão em que a alegoria ilumina a relação arbitrária entre significante e significado do signo, entre a relação fundo e forma da estética tradicional, entre o valor do dinheiro em relação à mercadoria, etc. A leitura deste pequeno fragmento elucida a complexidade da escritura de Kafka. Os signos parecem em total estado de perdição, o ex-macaco que foi amestrado por meio deles encontra-se igualmente desorientado e o leitor é convidado a experimentar esta encenação. Este é o seu objetivo, esta é a sua palavra plena, não podemos alcançá-la por uma questão de diferenças entre a nossa concepção de linguagem centrada na comunicação e a de Franz Kafka centrada na própria linguagem. 101

É só em seu conjunto que o texto fala e fala numa “palavra franca”, numa palavra-sopro que pode dizer muito e nada. Conforme “Pedro Vermelho”: Seja como for, no conjunto eu alcanço o que queria alcançar. Não se diga que o esforço não valeu a pena. No mais não quero nenhum julgamento dos homens, quero apenas difundir conhecimentos; faço tão somente um relatório; também aos senhores eminentes membros da Academia, só apresentei um relatório (UMR, p.72). Neste caso aqui, também como em Clarice Lispector, a escritura - no caso de Franz Kafka “a linha de orientação” - não decalca o significante, somente remonta a ele, ou seja, a “linha de orientação”, a escritura, a letra estão no real, e o significante no simbólico, não fosse assim não sei se seria possível ler textos miméticos. Esses três aspectos – o nome, o gesto e o sopro - antecedem ao discurso construído para fins de comunicação e acenam para o seu caráter cultural e não natural. O sopro a que Clarice Lispector e Franz Kafka chegam está no próprio verbo feito carne, palavra criadora. Além desta, Clarice Lispector levanta questionamentos sobre o ponto e a linha que marcam entonações, rítimos, inícios e fins e com que se desenha a letra, além, é claro de refletir sobre a própria letra que “funda o litoral” (LACAN, 1986, p.22). Assim entendo que é necessário desconstruir o discurso para alcançar a palavra primeira. Esta desconstrução se dá através da construção de outro discurso próximo do comentário. Para Silviano Santiago a forma mais eficiente do escritor alcançar tal empresa a fim de que ela cause reação no leitor é a partir da construção de um texto segundo. Este deve ser organizado “a partir de uma meditação silenciosa e traiçoeira sobre o primeiro texto” (SANTIAGO, 1978). Posicionando-se ainda quanto ao papel do leitor ele afirma: e o leitor transformado em autor, tenta surpreender o modelo original nas suas limitações, nas suas fraquezas, nas suas lacunas, desarticula-o e o rearticula de acordo com as suas intenções, segundo sua própria direção ideológica, sua visão do tema apresentado de início pelo original. (SANTIAGO, 1978). 102

Numa perspectiva da linguagem representativa, essa leitura faz-me entender que<br />

posso abrir uma cena de ironia na expressão “[t]eatros de variedades do mundo<br />

civilizado”. Primeiro: não há “variedades”, porque nada mais pode ser aprendido, nada<br />

mais pode ser dito; há, pelo contrário, repetição – o gesto de apertar a mão sem saber o<br />

porquê - automatização consensual ou seja: há um “teatro” de variedades, uma<br />

encenação da realidade já que esta é impossível de ser representada. Por outro lado,<br />

fecho a cena de ironia quando leio o texto, a cena, numa perspectiva poética kafkiana,<br />

porque o que ele faz é servir-se de uma variedade de linguagens para encenar esta<br />

impossibilidade e buscar “uma saída” para a linguagem que jaz “insignificante” - tola,<br />

tagarela -, curvada sob o peso da significação. Certamente não posso deixar de ler<br />

também teste “teatro de variedades” como teatro de aberrações tão comum no mundo<br />

civilizado.<br />

A impressão deste trabalho formal é de que um texto foi diluído dentro do outro<br />

e que neste estado ambos só podem ser lidos simultaneamente. Aqui fundo e forma<br />

interpenetram-se e a estética tradicional, insistente na relação desta, cala-se. Assim<br />

também se cala o signo de Port-Royal. Outras vezes um texto descola do outro de forma<br />

que fundo e forma pululam das páginas. Hora de reflexão em que a alegoria ilumina a<br />

relação arbitrária entre significante e significado do signo, entre a relação fundo e forma<br />

da estética tradicional, entre o valor do dinheiro em relação à mercadoria, etc.<br />

A leitura deste pequeno fragmento elucida a complexidade da escritura de<br />

Kafka. Os signos parecem em total estado de perdição, o ex-macaco que foi amestrado<br />

por meio deles encontra-se igualmente desorientado e o leitor é convidado a<br />

experimentar esta encenação. Este é o seu objetivo, esta é a sua palavra plena, não<br />

podemos alcançá-la por uma questão de diferenças entre a nossa concepção de<br />

linguagem centrada na comunicação e a de Franz Kafka centrada na própria linguagem.<br />

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