Capitães de Areia - Jorge Amado
Capitães de Areia - Jorge Amado
Capitães de Areia - Jorge Amado
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Meu caro patrício.<br />
Cordiais saudações.<br />
Folheando, num dos raros momentos <strong>de</strong> lazer que me <strong>de</strong>ixam as<br />
múltiplas e variadas preocupações do meu espinhoso cargo, o vosso<br />
brilhante vespertino, tomei conhecimento <strong>de</strong> uma epístola do infatigável<br />
dr. chefe <strong>de</strong> polícia do estado, na qual dizia dos motivos por que a polícia<br />
não pu<strong>de</strong>ra até a data presente intensificar a meritória campanha contra<br />
os menores <strong>de</strong>linquentes que infestam a nossa urbe. Justifica-se o dr.<br />
chefe <strong>de</strong> polícia <strong>de</strong>clarando que não possuía or<strong>de</strong>ns do juizado <strong>de</strong> menores<br />
no sentido <strong>de</strong> agir contra a <strong>de</strong>linquência infantil. Sem querer<br />
absolutamente culpar a brilhante e infatigável chefia <strong>de</strong> polícia, sou<br />
obrigado, a bem da verda<strong>de</strong> (essa mesma verda<strong>de</strong> que tenho colocado<br />
como o farol que ilumina a estrada da minha vida com a luz puríssima), a<br />
<strong>de</strong>clarar que a <strong>de</strong>sculpa não proce<strong>de</strong>. Não proce<strong>de</strong>, sr. diretor, porque ao<br />
juizado <strong>de</strong> menores não compete perseguir e pren<strong>de</strong>r os menores<br />
<strong>de</strong>linquentes e, sim, <strong>de</strong>signar o local on<strong>de</strong> <strong>de</strong>vem cumprir pena, nomear<br />
curador para acompanhar qualquer processo contra eles instaurado etc.<br />
Não cabe ao juizado <strong>de</strong> menores capturar os pequenos <strong>de</strong>linquentes. Cabe<br />
velar pelo seu <strong>de</strong>stino posterior. E o sr. dr. chefe <strong>de</strong> polícia sempre há <strong>de</strong><br />
me encontrar on<strong>de</strong> o <strong>de</strong>ver me chama, porque jamais, em cinquenta anos<br />
<strong>de</strong> vida impoluta, <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> cumpri-lo.<br />
Ainda nestes últimos meses que <strong>de</strong>correram man<strong>de</strong>i para o<br />
reformatório <strong>de</strong> menores vários menores <strong>de</strong>linquentes ou abandonados.<br />
Não tenho culpa, porém, <strong>de</strong> que fujam, que não se impressionem com o<br />
exemplo <strong>de</strong> trabalho que encontram naquele estabelecimento <strong>de</strong> educação<br />
e que, por meio da fuga, abandonem um ambiente on<strong>de</strong> se respiram paz e<br />
trabalho e on<strong>de</strong> são tratados com o maior carinho. Fogem e se tornam<br />
ainda mais perversos, como se o exemplo que houvessem recebido fosse<br />
mau e daninho. Por quê? Isso é um problema que aos psicólogos cabe<br />
resolver e não a mim, simples curioso da filosofia.<br />
O que quero <strong>de</strong>ixar claro e cristalino, sr. diretor, é que o dr. chefe <strong>de</strong><br />
polícia po<strong>de</strong> contar com a melhor ajuda <strong>de</strong>ste juizado <strong>de</strong> menores para<br />
intensificar a campanha contra os menores <strong>de</strong>linqüentes.<br />
De v. exa., admirador e patrício grato,<br />
Juiz <strong>de</strong> menores<br />
(Publicado no Jornal da Tar<strong>de</strong> com o clichê do juiz <strong>de</strong> menores em uma<br />
coluna e um pequeno comentário elogioso.)<br />
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -<br />
CARTA DO DIRETOR DO REFORMATÓRIO À REDAÇÃO DO JORNAL<br />
DA TARDE<br />
Exmo. sr. diretor do Jornal da Tar<strong>de</strong><br />
Saudações.<br />
6<br />
transformadora; naturalmente, foi acusado pelos superiores <strong>de</strong><br />
vocações socialistas (um perigo vermelho).<br />
João <strong>de</strong> Adão: doqueiro; organizador dos trabalhadores das<br />
docas; dava continuida<strong>de</strong> ao trabalho <strong>de</strong> conscientização dos<br />
trabalhadores iniciado por Raimundo, pai <strong>de</strong> Pedro Bala. Era um<br />
gran<strong>de</strong> amigo dos <strong>Capitães</strong> da <strong>Areia</strong> e <strong>de</strong> todo trabalhador pobre.<br />
Don’Aninha: negra, mãe <strong>de</strong> santo; fazia parte <strong>de</strong> um terreiro<br />
<strong>de</strong> trabalhos; amiga dos <strong>Capitães</strong> da <strong>Areia</strong>. Representa a<br />
religiosida<strong>de</strong> afro-brasileira da Bahia.<br />
Alberto: estudante; socialista; participava dos movimentos<br />
<strong>de</strong> trabalhadores, ajudando-os a organizar suas reivindicações,<br />
ações e lutas. Tornou-se amigo dos <strong>Capitães</strong> da <strong>Areia</strong>. Participou da<br />
revelação do <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> Pedro Bala.<br />
Nhozinho França: dono do carrossel cheio <strong>de</strong> luz, <strong>de</strong><br />
movimentos e <strong>de</strong> cores. Levava o sonho para aquelas cida<strong>de</strong>zinhas<br />
pobres do nor<strong>de</strong>ste. Ele mesmo, um falido, gastara todo seu quinhão<br />
com bebida e mulheres. Virara um peregrino, <strong>de</strong>ixando para trás as<br />
dívidas sem pagar e os nomes feios que ganhara por isso.<br />
Fora esse rol <strong>de</strong> personagens mais centrais da obra,<br />
encontramos ainda algumas personagens menos trabalhadas e que<br />
tipificam a presença <strong>de</strong> classes e instituições sociais, antagonizando<br />
ou aparentemente antagonizando os <strong>Capitães</strong> da <strong>Areia</strong>. Isso porque,<br />
a <strong>de</strong>speito do que tipificam, ora rompem ora não rompem o seu<br />
invólucro social para se posicionarem diante da condição <strong>de</strong><br />
marginalida<strong>de</strong> dos malandros. São os soldados da polícia, o diretor<br />
do reformatório, o cônego, a família burguesa (Dona Ester e seu<br />
Raul), as carolas da Igreja (a viúva Santos), o pintor carioca (Dr.<br />
Dantas), o dono do jornal, o <strong>de</strong>legado, os patrões da mãe <strong>de</strong> Dora<br />
etc. Como representações <strong>de</strong> classe e como representações<br />
institucionalizadas, divi<strong>de</strong>m-se entre os que acolhem e os que<br />
reprimem e recusam os <strong>Capitães</strong> da <strong>Areia</strong>.<br />
FOCO NARRATIVO<br />
Narrador onisciente em terceira pessoa.<br />
23