Capitães de Areia - Jorge Amado
Capitães de Areia - Jorge Amado
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INTRODUÇÃO<br />
O romance <strong>Capitães</strong> da <strong>Areia</strong> trata da vida <strong>de</strong> menores<br />
abandonados da Bahia, que vivem num velho trapiche. Li<strong>de</strong>rado por<br />
Pedro Bala, generoso e valente, o bando conta ainda com outras<br />
figuras: o negro João Gran<strong>de</strong>, bondosa e forte criatura; O Professor,<br />
que revela, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo, pendores para a arte; Pirulito, místico e<br />
introvertido; Dora, a jovem amante <strong>de</strong> Pedro Bala; o Gato, elegante e<br />
conquistador; o Sem-Pernas, cuja revolta, provocada pela falta <strong>de</strong><br />
um lar, encobre sua ru<strong>de</strong> bonda<strong>de</strong>; Volta Seca, afilhado <strong>de</strong> Lampião;<br />
e muitos outros.<br />
A narrativa, <strong>de</strong> cunho realista, <strong>de</strong>screve o dia-a-dia do grupo<br />
e seus expedientes para arranjar alimento e dinheiro. O narrador,<br />
numa linguagem crua e lírica, procura <strong>de</strong>monstrar que as<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais é que levam ao crime e à marginalização.<br />
Intercalando a narrativa com reportagens sobre o grupo dos<br />
“<strong>Capitães</strong> da <strong>Areia</strong>” e mostrando os menores do ponto <strong>de</strong> vista da<br />
burguesia bem situada, o romance sugere o contraste entre a<br />
humanida<strong>de</strong> e a sensibilida<strong>de</strong> das crianças e a <strong>de</strong>sonestida<strong>de</strong> das<br />
classes dominantes. Conduzindo a história em função dos <strong>de</strong>stinos<br />
individuais <strong>de</strong> cada participante do bando, <strong>Jorge</strong> <strong>Amado</strong> acaba por<br />
mostrar que, à exceção <strong>de</strong> um ou outro (o Gato torna-se <strong>de</strong> vez um<br />
rufião; Sem-Pernas morre, fugindo da polícia; e Volta Seca alia-se a<br />
Lampião), os <strong>de</strong>mais ganham consciência revolucionária.<br />
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Durante anos (o Trapiche) foi povoado exclusivamente pelos<br />
ratos que o atravessavam em corridas brincalhonas, que roíam a<br />
ma<strong>de</strong>ira das portas monumentais, que o habitavam como senhores<br />
exclusivos. Em certa época um cachorro vagabundo o procurou<br />
como refúgio contra o vento e contra a chuva. Na primeira noite não<br />
dormiu, ocupado em <strong>de</strong>spedaçar ratos que passavam em sua frente.<br />
... fazia com que os olhos vivos dos <strong>Capitães</strong> da <strong>Areia</strong><br />
brilhassem como só brilham as estrelas da noite da Bahia.<br />
ESPAÇO<br />
O ambiente <strong>de</strong> <strong>Capitães</strong> da <strong>Areia</strong> é um somente: as ruas <strong>de</strong><br />
Salvador, à beira-mar, on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>staca o Trapiche, armazém antigo,<br />
abandonado, que servia <strong>de</strong> refúgio para os meninos <strong>de</strong> rua. O<br />
Trapiche, nesse sentido, aparece como imagem <strong>de</strong> segurança, como<br />
se fora uma espécie <strong>de</strong> colo, seio e ventre materno a que todos<br />
aqueles <strong>de</strong>svalidos recorriam. Suas vidas oscilavam entre as ruas e<br />
o Trapiche, se é que os dois espaços não eram o mesmo.<br />
Todavia, há que se perceber que na narrativa, esse<br />
ambiente da Salvador baixa, portuária, das docas, dos bon<strong>de</strong>s, dos<br />
morros do samba, da macumba, da capoeira, contrasta com o<br />
casario elegante da cida<strong>de</strong> alta, insinuando já com esta paisagem<br />
ambivalente, antitética, o contraste social entre aquela gente da<br />
cida<strong>de</strong> alta e aquela outra da cida<strong>de</strong> baixa.<br />
O fato <strong>de</strong>ssa paisagem ambivalente se impor como uma<br />
lembrança do passado colonial parece indicar ainda que as<br />
situações <strong>de</strong> conflito e <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> vividas pelas personagens<br />
constituam, por certo, uma herança da própria história <strong>de</strong><br />
constituição do Brasil e da socieda<strong>de</strong> brasileira <strong>de</strong>s<strong>de</strong> seus primeiros<br />
tempos.<br />
E, <strong>de</strong>sse mesmo modo, a paisagem com seus significados<br />
vindos do passado tomaria parte também, com sua ambivalência, da<br />
explicação do presente e mesmo do futuro das personagens.<br />
Outras referências espaciais, menos significativas à obra,<br />
nos remetem para longe <strong>de</strong> Salvador e parecem, <strong>de</strong> algum modo,<br />
mimetizar também o passado e o futuro dos protagonistas, em<br />
segundo plano, como um eco: é o sertão do Volta-Seca; é o Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro do Professor; é a Paróquia do Padre José Pedro; é a Ilhéus<br />
do Gato e, mais sutilmente ainda, o espaço vazio entre a cida<strong>de</strong> alta<br />
e a cida<strong>de</strong> baixa, zona fronteiriça, interstício social em que se lançou<br />
o malandro Sem-Pernas, naquela liminarida<strong>de</strong> trágica entre a<br />
riqueza e a miséria.<br />
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