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Capitães de Areia - Jorge Amado

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Numa mesa pediram cachaça. Houve um movimento <strong>de</strong><br />

copo no balcão. Um velho então disse:<br />

⎯ Ninguém po<strong>de</strong> mudar o <strong>de</strong>stino. É coisa feita lá em cima<br />

⎯ apontava o céu.<br />

Mas João <strong>de</strong> Adão falou <strong>de</strong> outra mesa:<br />

⎯ Um dia a gente muda o <strong>de</strong>stino dos pobres...<br />

Pedro Bala levantou a cabeça, Professor ouviu sorri<strong>de</strong>nte.<br />

Mas João Gran<strong>de</strong> e Boa-Vida pareciam apoiar as palavras do<br />

velho, que repetiu:<br />

⎯ Ninguém po<strong>de</strong> mudar, não. Está escrito lá em cima.<br />

⎯ Um dia a gente muda... ⎯ disse Pedro Bala, e todos<br />

olharam para o menino. (p. 152)<br />

SEGUNDA PARTE:<br />

Começa com a apresentação da personagem Dora. A<br />

menina per<strong>de</strong>u o pai e ficou sozinha no mundo com seu irmão <strong>de</strong><br />

seis anos.<br />

Entraram no trapiche meio <strong>de</strong>sconfiados. João Gran<strong>de</strong> arriou<br />

Zé Fuinha no chão, ficou parado, esperando que o Professor e Dora<br />

entrassem. Foram todos para o canto do Professor, que acen<strong>de</strong>u a<br />

vela. Os outros espiavam para o canto com surpresa. O cachorro do<br />

Sem-Pernas latiu.<br />

⎯ Gente nova... ⎯ murmurou o Gato, que ia sair.<br />

Gato andou até on<strong>de</strong> eles estavam:<br />

⎯ Quem é, Professor?<br />

⎯ A mãe e o pai morreu <strong>de</strong> bexiga. Tavam na rua, sem ter<br />

on<strong>de</strong> dormir. (p. 177)<br />

Comentário:<br />

Dora integra-se ao grupo. Professor, João Gran<strong>de</strong> e Pedro<br />

Bala a protegem. No grupo havia um código <strong>de</strong> honra, o que evitou<br />

que a violentassem. Ela cumpriu um papel <strong>de</strong> mãe, uma presença<br />

feminina, mas ao mesmo tempo, troca o vestido por uma calça e<br />

passa a participar das ativida<strong>de</strong>s dos meninos.<br />

Como o vestido dificultava seus movimentos e como ela<br />

queria ser totalmente um dos <strong>Capitães</strong> da <strong>Areia</strong>, o trocou por umas<br />

calças que <strong>de</strong>ram a Brandão numa casa da cida<strong>de</strong> alta. As calças<br />

tinham ficado enormes para o negrinho, ele então as ofereceu a<br />

Dora. Também estavam gran<strong>de</strong>s para ela, teve que as cortar nas<br />

pernas para que <strong>de</strong>ssem. Amarrou com cordão, seguindo o exemplo<br />

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<strong>de</strong> todos, o vestido servia <strong>de</strong> blusa. Se não fosse a cabeleira loira e<br />

os seios nascentes, todos a po<strong>de</strong>riam tomar como um menino, um<br />

dos <strong>Capitães</strong> da <strong>Areia</strong>.<br />

No dia em que, vestida como um garoto, ela apareceu na<br />

frente <strong>de</strong> Pedro Bala, o menino começou a rir. Chegou a se enrolar<br />

no chão <strong>de</strong> tanto rir. Por fim conseguiu dizer:<br />

⎯ Tu tá gozada...<br />

Ela ficou triste, Pedro Bala parou <strong>de</strong> rir.<br />

⎯ Não tá direito que vocês me dê <strong>de</strong> comer todo dia. Agora<br />

eu tomo parte no que vocês fizer.<br />

O assombro <strong>de</strong>le não teve limites:<br />

⎯ Tu quer dizer...<br />

Ela o olhava calma, esperando que ele concluísse a frase.<br />

⎯... que vai andar com a gente pela rua, batendo coisas...<br />

⎯ Isso mesmo ⎯ sua voz estava cheia <strong>de</strong> resolução.<br />

⎯ Tu endoidou...<br />

⎯ Não sei por quê. (p. 188)<br />

Nos capítulos seguintes, “Reformatório” e “ Orfanato”, o<br />

narrador trata das terríveis condições <strong>de</strong> vida nessas duas<br />

instituições. Presos num assalto frustrado a uma casa, Pedro Bala e<br />

Dora, sacrificando-se para que o grupo possa fugir, são recolhidos a<br />

um reformatório e a um orfanato, respectivamente. Resistindo <strong>de</strong><br />

forma heróica às torturas, o menino não <strong>de</strong>lata os companheiros, e<br />

por isso mesmo, passa alguns dias na solitária. Dora, por sua vez,<br />

não sendo “uma flor <strong>de</strong> estufa” e amando “o sol, a rua, a liberda<strong>de</strong>”,<br />

acaba adoecendo. Com a ajuda dos meninos, Pedro Bala e Dora<br />

conseguem fugir. O narrador fecha a segunda parte do livro com a<br />

morte e enterro <strong>de</strong> Dora, que, afinal, se entrega a Pedro Bala, em<br />

“Dora, esposa”. No último capítulo, em cena bastante poética, o<br />

narrador mostra o menino seguindo nas águas o corpo <strong>de</strong> Dora, que<br />

irá simbolicamente se transformar numa estrela do céu:<br />

Que importa tampouco que os astrônomos afirmem que foi<br />

um cometa que passou sobre a Bahia naquela noite? O que<br />

Pedro Bala viu foi Dora feita estrela, indo para o céu. Fora mais<br />

valente que todas mulheres, mais valente que Rosa Palmeirão,<br />

que Maria Cabaçu. Tão valente que antes <strong>de</strong> morrer, mesmo<br />

sendo uma menina, se <strong>de</strong>ra ao seu amor. Por isso virou uma<br />

estrela no céu. Uma estrela <strong>de</strong> longa cabeleira loira, uma estrela<br />

como nunca tivera nenhuma na noite <strong>de</strong> paz da Bahia. (p. 214)<br />

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