Capitães de Areia - Jorge Amado
Capitães de Areia - Jorge Amado
Capitães de Areia - Jorge Amado
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
arranja-lhes um negócio: é preciso que eles consigam roubar <strong>de</strong> um<br />
homem um pacote com cartas comprometedoras. Pedro Bala, Gato<br />
e João Gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenham essa missão, e são bem pagos pelo<br />
interessado em rever os documentos. Nesse capítulo, o leitor tem<br />
oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> avaliar a precocida<strong>de</strong> dos meninos, percebida no<br />
modo como bem planejam toda a ação e na habilida<strong>de</strong> com que<br />
conseguem resolver situações <strong>de</strong> impasse.<br />
O capítulo seguinte cria um contraste curioso com o anterior,<br />
porque é nele que ficamos sabendo que, apesar <strong>de</strong> sua precocida<strong>de</strong>,<br />
os <strong>Capitães</strong> da <strong>Areia</strong> ainda mostram traços infantis. Intitulado “As<br />
luzes do carrossel”, o capítulo trata <strong>de</strong> um velho homem, Nhozinho<br />
França, dono <strong>de</strong> um parquinho <strong>de</strong> diversões que percorreu o<br />
Nor<strong>de</strong>ste divertindo as populações até entrar em franca <strong>de</strong>cadência.<br />
Quando Nhozinho França instala o <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte carrossel em<br />
Itapagipe, contrata o Sem-Pernas e Volta Seca para ajudá-lo na<br />
venda <strong>de</strong> bilhetes e na manipulação do motor a gasolina. Os<br />
meninos acolhem entusiasmados a i<strong>de</strong>ia e encantam-se,<br />
infantilmente, com os animais, com as luzes coloridas, com o<br />
movimento das pessoas.<br />
É sintomático que neste capítulo a narrativa concentre-se<br />
nas duas personagens mais duras e rancorosas do grupo. O Sem-<br />
Pernas guarda <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si o rancor por seu eterno abandono, e<br />
Volta Seca tem arraigado <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si o sentimento <strong>de</strong> vingança que<br />
o levará mais tar<strong>de</strong> a integrar-se ao bando <strong>de</strong> Lampião. O contraste,<br />
portanto, torna-se bem visível, porque ambos retroce<strong>de</strong>m à infância<br />
e transformam-se novamente em crianças in<strong>de</strong>fesas, por obra e<br />
graça do pobre carrossel:<br />
Certa hora Nhozinho França manda que o Sem-Pernas vá<br />
substituir Volta Seca na venda <strong>de</strong> bilhetes. E manda que Volta<br />
Seca vá andar no carrossel. E o menino toma o cavalo que serviu<br />
a Lampião. E enquanto dura a corrida, vai pulando como se<br />
cavalgasse um verda<strong>de</strong>iro cavalo. E faz movimentos com o <strong>de</strong>do,<br />
como se atirasse nos que vão na sua frente, e na sua imaginação<br />
os vê cair banhados em sangue, sob os tiros da sua repetição. E<br />
o cavalo corre e cada vez com mais, e ele mata a todos, porque<br />
são todos soldados ou fazen<strong>de</strong>iros ricos. Depois possui nos<br />
bancos a todas as mulheres, saqueia vilas, cida<strong>de</strong>s, tens <strong>de</strong> ferro,<br />
montado no seu cavalo, armado com seu rifle. Depois vai o Sem-<br />
Pernas. Vai calado, uma estranha comoção o possui. Vai como<br />
um crente para uma missa, um amante para o seio da mulher<br />
amada, um suicida para a morte. Vai pálido e coxeia. Monta um<br />
cavalo azul que tem estrelas pintadas no lombo <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. Os<br />
10<br />
passados <strong>de</strong> mão em mão, e que eram lidos à luz <strong>de</strong> fifós,<br />
publicavam sempre notícias sobre um militante proletário, o<br />
camarada Pedro Bala, que estava perseguido pela policia <strong>de</strong><br />
cinco estados como organizador <strong>de</strong> greves, como dirigente <strong>de</strong><br />
partidos ilegais, como perigoso inimigo da or<strong>de</strong>m estabelecida.<br />
No ano em que todas as bocas foram impedidas <strong>de</strong> falar, no<br />
ano que foi todo ele uma noite <strong>de</strong> terror, esses jornais únicas<br />
bocas que ainda falavam clamavam pela liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pedro<br />
Bala, lí<strong>de</strong>r da sua classe, que se encontrava preso numa<br />
colônia.<br />
E, no dia em que ele fugiu, em inúmeros lares, na hora<br />
pobre do jantar, rostos se iluminaram ao saber da notícia. E,<br />
apesar <strong>de</strong> que fora era o terror, qualquer daqueles lares era um<br />
lar que se abriria para Pedro Bala, fugitivo da polícia. Porque a<br />
revolução é uma pátria e uma família. (p. 256)<br />
Apesar da miséria dos meninos <strong>de</strong>samparados, da alienação<br />
<strong>de</strong> alguns <strong>de</strong>les, o romance termina positivamente, pois <strong>Jorge</strong><br />
<strong>Amado</strong> irá concentrar em Pedro Bala toda sua crença na força do<br />
homem, em seu po<strong>de</strong>r para modificar o <strong>de</strong>stino, por meio da luta, por<br />
meio da ação. Assim, acaba por <strong>de</strong>ixar clara a sua concepção <strong>de</strong><br />
romance: um tipo <strong>de</strong> narrativa que se presta a <strong>de</strong>salienar e<br />
conscientizar o homem, não só lhe chamando a atenção para as<br />
mazelas sociais, como também indicando-lhe o caminho da<br />
re<strong>de</strong>nção.<br />
19