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Sequestrada - CloudMe

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<strong>Sequestrada</strong><br />

Kelley Amstrong<br />

Mulheres de Outro Mundo - 02<br />

Tradução do Inglês: Ania<br />

Correção: Sylvapen<br />

Disponibilização/Tradução: Yuna<br />

Revisão Inicial: Lori ley<br />

Revisão Final e Formatação: Danyela<br />

Projeto Revisoras Traduções<br />

Quando uma bruxa jovem conta a Elena que um grupo de humanos está sequestrando<br />

seres sobrenaturais, Elena ignora a advertência. Vamos, obviamente todo mundo sabe que não<br />

existe nada parecido às bruxas. Simplesmente o pensamento de outros “sobrenaturais”, bom,<br />

Elena não tinha o menor interesse em espraiar-se muito no assunto.<br />

Muito em breve, entretanto, vê-se enfrentando à verdade de seu mundo, quando é<br />

sequestrada e lançada em um bloco de celas cheia de bruxas, feiticeiros, meio-demônios, e<br />

outro homem-lobo. Tal e como Elena logo descobre, que tratar com seus companheiros de<br />

cativeiro é o menor de seus problemas.<br />

Nessa prisão, o verdadeiro monstro é o que leva as chaves…


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

PRÓLOGO<br />

Odiava o bosque. Odiava seus poços eternos de umidade e escuridão. Odiava o enredo<br />

interminável de árvores e arbustos. Odiava seu aroma de vegetação morta e decadente, animais<br />

mortos, tudo morto, inclusive as criaturas vivas que sem cessar perseguiam sua próxima comida,<br />

um fracasso antes de deslizar-se pelo lento pendente da morte. Logo seu corpo seria um mais<br />

empesteando no fedorento ar, talvez sepultado, talvez abandonado pelos que comem carniça, sua<br />

morte pospondo a deles por outro dia. Morreria. Sabia que, não com a intenção decidida do<br />

suicida ou o desespero sem esperanças do condenado, mas sim com a aceitação simples de um<br />

homem que sabe que está sozinho a horas do passo deste mundo ao seguinte. Aqui neste<br />

pestilento, escuro e úmido inferno, morreria.<br />

Na realidade, não procurava a morte. Se pudesse, evitá-la-ia. Mas não podia. Tinha-o<br />

tentado, planejado sua fuga durante dias, conservando sua energia, obrigando-se a comer, a<br />

dormir. Então escapara, realmente, surpreendendo-se a si mesmo. Nunca acreditou que na<br />

verdade funcionasse. É óbvio, realmente não funcionou, só parecera fazê-lo, como uma miragem<br />

que brilha no deserto, só que o oásis não se tornou areia e sol, a não ser umidade e escuridão.<br />

Evitou a prisão para encontrar-se no bosque. Ainda com esperança, deslocara. E deslocado. E ido<br />

a nenhuma parte. Eles vinham agora. Caçando-o.<br />

Podia ouvir o uivo de um cão de caça, rápido sobre seu rastro. Devia haver um modo de<br />

enganá-lo, mas ele não tinha a menor idéia de como. Nascido e criado na cidade, sabia evitar que<br />

o detectassem ali, como fazer-se invisível a vista de todos, como efetuar uma aparição tão<br />

medíocre que a gente podia olhá-lo fixamente e não ver ninguém. Sabia como saudar os vizinhos<br />

em seu edifício de apartamentos, os olhos baixos, um breve assentimento, nenhuma palavra, e se<br />

alguém perguntava a respeito dos inquilinos do 412, ninguém saberia realmente quem vivia ali.<br />

Era um casal mais velho? Uma família jovem? Uma moça cega? Nunca grosseiro ou o bastante<br />

amistoso para chamar a atenção, desaparecendo ao meio das pessoas que muito absortas em suas<br />

próprias vidas para notar a sua. Ali ele era um professor da invisibilidade. Mas aqui, no bosque?<br />

Não tinha posto o pé em um desde que tinha dez anos, quando seus pais finalmente perderam as<br />

esperanças de alguma vez fazer dele um amante da natureza e o deixaram ficar com sua avó<br />

enquanto seus irmãos foram de excursão e acampavam. Estava perdido aqui. Completamente<br />

perdido. O sabujo o encontraria e os caçadores o matariam.<br />

— Não me ajudará, verdade? — disse, dizendo as palavras em sua mente.<br />

Durante um comprido momento, Qiona não respondeu. Ele podia senti-la, o espírito que o<br />

guiava, na esquina traseira de sua mente, o lugar mais afastado em que alguma vez esteve desde<br />

que ela se deu a conhecer pela primeira vez quando ele era um menino muito jovem para falar.<br />

— Quer que eu faça? — perguntou ela finalmente.<br />

— Você não quer. Inclusive se eu o desejo. Isto é o que você quer. Para que me una a ti.<br />

Não deterá isto.<br />

O cão de caça começou a uivar, alegria supurando de sua voz na melodia à medida que se<br />

aproximava de seu objetivo. Alguém gritou.<br />

Qiona suspirou, o som revoou como uma brisa por sua mente. — O que quer que faça?<br />

— Que caminho vai para a saída? — perguntou ele.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Mais silêncio. Mais gritos.<br />

— Esse caminho — disse ela.<br />

Ele sabia que caminho queria dizer ela, embora não pudesse vê-la. Um ayami tinha<br />

presença e substância, mas não forma, uma idéia impossível de explicar a alguém que não era um<br />

xamã e tão fácil para um xamã como entender o conceito água ou céu.<br />

Girando à esquerda, pôs-se a correr. Os ramos açoitavam seu rosto, seu peito nu e seus<br />

braços, deixando vergões como as marcas de um látego. E igualmente auto-infligido, pensou.<br />

Parte dele queria deter-se. Render-se. Aceitar. Mas não podia. Não estava preparado para render<br />

sua vida ainda. Os simples prazeres humanos ainda tinham muito encanto: panquecas inglesas<br />

com manteiga e geléia de morango no Café Talbot, no balcão do segundo piso, na mesa mais<br />

apartada à esquerda, o sol em seus antebraços, uma andrajosa novela de mistério em uma mão,<br />

uma taça de café na outro, gente gritando, rindo na atarefada rua de abaixo. Coisas tolas, Qiona<br />

podia cheirá-lo. Ela estava ciumenta, é obvio, quando era algo que ela não podia compartilhar,<br />

nada que o mantivera ligado a seu corpo. Ele queria unir-se a ela, mas não ainda. Não justo agora.<br />

De modo que correu.<br />

— Deixa de correr — disse Qiona.<br />

Ele a ignorou.<br />

— Reduz a velocidade — disse ela. —Simplesmente passeia.<br />

Ele a ignorou.<br />

Ela se retirou, sua cólera um fogo que lhe cintilava no cérebro, brilhante e ardente, então<br />

se reduziu, esperando a flamejar outra vez. Ele deixou de ouvir o cão de caça, mas só porque o<br />

sangue lhe palpitava com muita força. Seus pulmões ardiam. Cada fôlego o atravessava como um<br />

jorro de lava, como tragando fogo. Ignorou-o. Era fácil. Ignorava a maior parte das necessidades<br />

de seu corpo, da fome até o sexo passando pela dor. Seu corpo era só um veículo, um meio para<br />

transmitir coisas como geléia de morango, risada, e luz do sol a sua alma. Agora, logo depois de<br />

uma vida de ignorar seu corpo, pedia-lhe que o salvasse e este não sabia como fazê-lo. De detrás<br />

lhe chegou o latido do sabujo. Ouvia-se mais alto agora? Mais perto?<br />

— Sobe a uma árvore — disse Qiona.<br />

— Não é ao cão ao que tenho medo. É aos homens.<br />

— Reduz a velocidade então. Dá a volta. Confunde-os. Está deixando um rastro direto.<br />

Reduz a velocidade.<br />

Não podia. O final do bosque estava perto. Tinha que está-lo. Sua única possibilidade era<br />

chegar ali antes que o cão o apanhasse. Ignorando a dor, convocou cada vestígio restante da força<br />

e saiu disparado.<br />

— Reduz a velocidade! - gritou Qiona. —Observa.<br />

Seu pé esquerdo golpeou um pequeno montículo, mas se adaptou, elevando seu pé direito<br />

para manter o equilíbrio. Ainda assim, seu pé direito desceu no ar vazio. Enquanto se lançava<br />

para frente, viu o terreno baixo que se encontrava mais abaixo, no fundo de uma pequena ravina<br />

corroído por décadas de correr da água. Lançou-se pelo bordo, convulsionando-se no ar, tratando<br />

de imaginar como aterrissar sem ferir-se, mas novamente não sabia como fazê-lo. Quando<br />

golpeou contra o cascalho do fundo, ouviu o cão. Ouviu sua canção triunfal tão forte que seus<br />

tímpanos ameaçaram partindo-se em dois. Encolhendo-se com grande esforço para conseguir<br />

levantar-se, viu três cabeças caninas por sobre o bordo da ravina, um sabujo, dois enormes cães<br />

guardiães. O cão de caça levantou sua cabeça e ladrou. Os outros dois fizeram uma pausa por só<br />

um segundo, logo saltaram.<br />

— Sai! - gritou Qiona. —Sai agora!<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Não! Não estava preparado para partir. Resistiu o impulso de lançar sua alma fora de seu<br />

corpo, abraçando-se a si mesmo como se isso o protegesse de fazê-lo. Viu as partes privadas dos<br />

cães quando se lançaram voando por sobre o escarpado. Aterrissaram em cima dele, lhe tirando o<br />

último e pasmado fio de fôlego. Os dentes se afundaram em seu antebraço. Sentiu como o<br />

deslocava com força tremendo. Então ele se elevou. Qiona o arrastava de seu corpo, longe do<br />

sofrimento que a morte causava.<br />

— Não olhe atrás - disse ela.<br />

É obvio, fez-o. Tinha que saber. Quando olhou para baixo, viu os cães. O sabujo estava<br />

ainda no alto da ravina, uivando e esperando aos homens. Os outros dois cães não esperavam.<br />

Rasgavam seu corpo em uma explosão de sangue e carne.<br />

— Não - gemeu. —Não.<br />

Qiona o consolou com sussurros e beijos, tentando com eles apartar seu olhar do que<br />

ocorria. Tivesse querido lhe economizar a dor, mas não podia. Ele o sentia quando olhava para<br />

baixo, aos cães que destruíam seu corpo, não sentindo exatamente a dor de seus dentes<br />

perfurando-o, mas sim a agonia da perda incrível e a pena. Tudo tinha terminado. Absolutamente.<br />

— Se não me tivesse posto a passear - disse ele. —Se tivesse deslocado mais rápido...<br />

Qiona o girou então, de modo que pudesse olhar através do bosque. As árvores se<br />

estendiam ao longe, terminando em um caminho que se via tão longe que os carros pareciam<br />

insetos avançando lentamente pela terra. Jogou uma olhada novamente a seu corpo, uma<br />

destroçada confusão de sangue e ossos. Os homens caminhavam pelo bosque. Ele os ignorou. Já<br />

não tinham a menor importância. Nada tinha. Deu a volta para a Qiona e a permitiu levar-lhe.<br />

***<br />

— Morto — disse Tucker ao Matasumi enquanto caminhava para o bloco de celas da<br />

estação de guarda. Sacudiu o barro do bosque de suas botas. — Os cães o apanharam antes que<br />

nós o fizéssemos.<br />

— Disse-te que o queria vivo.<br />

— E eu te disse que necessitávamos mais cães de caça. Os Rottweilers são para cuidar,<br />

não para caçar. Um cão de caça esperaria ao caçador. Um rottie assassino. Não sabem fazer outra<br />

coisa - Tucker tirou as botas e as pôs na esteira, perfeitamente alinhadas com a parede, com os<br />

cordões colocados dentro. Logo tomou um par idêntico, mas limpo e as pôs. —Não pode ver que<br />

isto realmente importa. O tipo estava meio morto de todos os modos. Débil. Inútil.<br />

— Era um xamã — disse Matasumi. —Os xamãs não têm que ser atletas olímpicos. Toda<br />

sua energia está em sua mente.<br />

Tucker soprou. —E isso não foi de muita utilidade contra aqueles cães, me deixe te dizer.<br />

Não deixaram nem um pedaço dele maior que meu punho.<br />

Enquanto Matasumi se voltava, alguém abriu de repente a porta e o golpeou no queixo.<br />

— Gritos - disse Winsloe com um amplo sorriso. —O lamento, meninos. Estas malditas<br />

coisas necessitam janelas.<br />

Bauer passou por diante dele. —Onde está o xamã?<br />

— Ele não pôde... sobreviver — disse Matasumi.<br />

— Os cães - acrescentou Tucker.<br />

Bauer sacudiu sua cabeça e seguiu andando. Um guarda agarrou a porta, sustentando-a<br />

aberta enquanto ela a transpassava. Winsloe e o guarda passaram depois dela. Matasumi fechava<br />

a marcha. Tucker ficou na estação de guarda, provavelmente para procurar e disciplinar a quem<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

quer que fosse que tivesse permitido a fuga do xamã, embora outros não se incomodassem em<br />

perguntá-lo. Tais detalhes estavam por debaixo deles. Por isso tinham contratado ao Tucker.<br />

A porta seguinte era de aço grosso com um cabo alargado. Bauer fez uma pausa diante de<br />

uma pequena câmara. Uma câmara escaneou sua retina. Uma das duas luzes em cima da porta<br />

cintilou verde. Outro vermelho permaneceu em vermelho até que ela agarrou o cabo e o sensor<br />

comprovou suas digitais. Quando a segunda luz trocou a verde, ela abriu a porta e entrou em<br />

pernadas. O guarda a seguiu. Enquanto Winsloe avançava, Matasumi estendeu a mão para<br />

alcançar seu braço, mas falhou. Os alarmes chiaram. As luzes cintilaram. O som de meia dúzia de<br />

botas com pregos de aço ressonou do distante corredor. Matasumi tomou a toda pressa o rádio<br />

receptador da mesa.<br />

— Por favor chame-os de volta - disse Matasumi. —É só o Sr. Winsloe. Outra vez.<br />

— Sim, senhor - a voz do Tucker chispou pela rádio. — Talvez pudesse recordar ao Sr.<br />

Winsloe que cada escaneio de retina e de digitais autorizará o passo de só um empregado e um<br />

segundo atrás dele.<br />

Ambos sabiam que Winsloe não necessitava que lhe recordassem nada, já que ele tinha<br />

desenhado o sistema. Matasumi apertou o botão de desconexão da rádio. Winsloe só sorriu<br />

amplamente.<br />

— Lamento-o, moço - disse Winsloe. —Só provava os sensores.<br />

Deu um passo atrás para o exploratório de retina. Depois de que o computador o<br />

reconheceu, a primeira luz girou verde. Logo agarrou o cabo, a segunda luz cintilou verde, e a<br />

porta se abriu. Matasumi poderia ter passado sem o escaneio, tal como o guarda o tinha feito, mas<br />

deixou que a porta se fechasse e seguiu o procedimento apropriado. A entrada de um segundo se<br />

pensou para permitir o passo de cativos de uma seção do edifício a outra, a uma taxa de só um<br />

cativo por membro do pessoal. Não estava programada para permitir que dois membros do<br />

pessoal entrassem juntos. Matasumi recordaria ao Tucker que falasse com seus guardas a respeito<br />

disto. Todos eles estavam todos autorizados para passar por estas portas e deveriam fazê-lo<br />

corretamente, não tomando atalhos.<br />

Uma vez passada a porta de segurança, o corredor interior se parecia com um corredor de<br />

hotel, cada lado ladeado de quartos mobiliados com uma cama de matrimônio, uma pequena<br />

mesa, duas cadeiras, e uma porta que conduzia a um banheiro. Não eram alojamentos de luxo em<br />

qualquer caso, mas simples e limpos, como a melhor opção do espectro para um viajante<br />

consciente de seu pressuposto, mesmo que os inquilinos destes quartos não fizessem muitas<br />

viagens. Estas portas só se abriam do exterior.<br />

A parede entre os quartos e o corredor era de um vidro transparente especialmente<br />

desenhado mais duradouro que barras de aço - e muito mais agradável para olhar. Do vestíbulo,<br />

um observador podia estudar aos inquilinos como ratos de laboratório, e nessa realidade era a<br />

idéia. A porta a cada quarto era também de vidro transparente pelo que a vista do observador não<br />

se obstruía. Inclusive a parede de cada banheiro era do Plexiglas claro. As transparentes paredes<br />

do banheiro eram uma renovação recente, não porque os observadores tinham decidido que<br />

queriam estudar as práticas de eliminação de seus sujeitos, mas sim porque tinham encontrado<br />

que quando as quatro paredes dos quartos de banho eram opacas, alguns sujeitos passavam dias<br />

inteiros ali para evitar o constante escrutínio.<br />

A parede de vidro transparente exterior era atualmente vidro transparente em um só<br />

sentido. Tinham debatido isto, vidro transparente em um sentido contra em dois sentidos. Bauer<br />

tinha permitido que Matasumi tomasse a decisão final, e ele tinha enviado a seus ajudantes de<br />

investigação a que se apressam depois de cada tratado de psicologia que encontraram a respeito<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

dos efeitos da observação continuada. Logo depois de reunir provas, tinha decidido que o vidro<br />

transparente em um só sentido seria menos intrusivo. Ao lhes tirar aos observadores seu visual,<br />

agitariam os sujeitos com menor probabilidade. Equivocou-se. Ao menos com o vidro<br />

transparente em dobro sentido os sujeitos sabiam quando estavam sendo observados. Com o de<br />

um só sentido, sabiam que estavam sendo olhados - nenhum era o bastante ingênuo para<br />

confundir o espelho da parede com decoração - mas não sabiam quando, por isso se encontravam<br />

em alarme perpétuo, o qual tinha um efeito desgraçadamente indiscutível em seu estado físico e<br />

mental.<br />

O grupo passou as quatro celas ocupadas. Um sujeito fazia girar sua cadeira para a parede<br />

traseira e se sentou imóvel, não fazendo caso das revistas, os livros, a televisão, a rádio, tudo o<br />

que tinha sido proporcionado para sua diversão. Sentava-se lhe dando as costas ao vidro em um<br />

sentido e não fazia nada. O sujeito em questão levava no edifício quase um mês. Outro inquilino<br />

tinha chegado só esta manhã. Ela também se sentava em sua cadeira, mas lhe dando a cara ao<br />

vidro transparente, fulminando-o com o olhar. Desafiante... Por agora. Isso não duraria.<br />

Tess, um ajudante de investigação Matasumi havia trazido para o projeto, estava de pé<br />

frente à cela do inquilino desafiante, realizando notas em sua caderneta. Ela elevou a vista e<br />

saudou com a cabeça quando eles passaram.<br />

— Algo? - perguntou Bauer.<br />

Tess jogou uma olhada ao Matasumi, desviando sua resposta para ele. — Não ainda.<br />

— Por que ela não pode ou não quer? - perguntou Bauer.<br />

Outra olhada para o Matasumi. — Parece... Eu diria...<br />

— Bem?<br />

Tess inalou. — Sua atitude sugere que se ela pudesse fazer mais, fá-lo-ia.<br />

— Não pode, então - disse Winsloe. —Necessitamos uma bruxa do Aquelarre. Por que<br />

nos incomodamos com esta.<br />

Bauer interrompeu — Nos incomodamos porque se supõe que é muito poderosa.<br />

— Segundo Katzen - disse Winsloe — Se você o acredita. Eu não o faço. Feiticeiro ou<br />

não, o tipo está cheio de merda. Supõe-se que ele nos ajuda a agarrar a estes monstros. Em vez<br />

disso, tudo o que faz e dizer-nos onde olhar, logo toma assento enquanto nossos companheiros<br />

aceitam todos os riscos. Para que? Isto? - Ele enterrou um dedo na cativa. — Nossa segunda<br />

bruxa inútil. Se seguirmos escutando ao Katzen, vamos deixar acontecer alguns verdadeiros<br />

achados.<br />

— Como vampiros e lobisomens??? - Os lábios de Bauer se torceram em um pequeno<br />

sorriso. — Ainda está aborrecido porque Katzen diz que não existem.<br />

— Vampiros e lobisomem - resmungou Matasumi. — Estamos em meio de tirar<br />

seguramente uma energia mental inimaginável, a verdadeira magia. Temos o potencial de acesso<br />

a feiticeiros, nigromantes, xamãs, bruxas, cada classe concebível de portadores e acumuladores<br />

de magia... E ele quer criaturas que chupam sangue e uivam para à lua. Conduzimos uma<br />

investigação científica séria aqui, não perseguimos loucos.<br />

Winsloe deu um passo até ficar em frente do Matasumi, seis muito altos polegadas sobre<br />

ele . — Não, menino, você conduz uma investigação científica séria aqui. Sondra procura seu<br />

santo graal. E com respeito a mim, estou nisso por diversão. Mas também financio este pequeno<br />

projeto, de modo que se disser que quero caçar um lobisomem, faria melhor em me encontrar um<br />

para caçar.<br />

— Se quer caçar a um lobisomem, então sugeriria que pusesse um daqueles teus<br />

videogames, porque não podemos proporcionar o que não existe.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

— Ah, encontraremos algo para que Ty cace - disse Bauer. — Se não pudermos encontrar<br />

um de seus monstros, faremos que Katzen convoque algo apropriadamente demoníaco.<br />

— Um demônio? - disse Winsloe. — Agora isto se está pondo ainda melhor.<br />

— Estou seguro que poderia sê-lo - murmurou Bauer e empurrou a porta da antiga cela do<br />

xamã.<br />

DEMONÍACO<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

— Por favor, me diga que não acredita neste lixo - disse uma voz ao lado de meu ombro.<br />

Olhei a meu companheiro de assento. Na metade dos quarenta anos, traje formal, laptop,<br />

uma pálida linha ao redor de seu dedo anelar de onde tinha removido sua aliança de casamento.<br />

Toque agradável. Muito discreto.<br />

— Não deveria ler uma merda assim - disse ele, mostrando um brilho do bolo com café<br />

que comia. — Isso apodrecerá seu cérebro.<br />

Assenti com a cabeça, sorri cortesmente, e esperei que partisse, ao menos tão longe como<br />

pudesse em um avião voando a vários milhares de pés. Então voltei para a leitura das páginas que<br />

havia imprimido da Web believe.com.<br />

— Realmente diz lobisomem? - disse meu companheiro de assento. — Algo assim como<br />

presas e pele? Michael Landon? Eu fui ao Teenage Werewolf 1 ?<br />

— Michael...?<br />

— Uh, um velho filme. Antes de minha época. Vídeo, você sabe.<br />

Outro assentimento politicamente correto. Outro não tão politicamente correto intento de<br />

voltar para meu trabalho.<br />

— É verdadeira? - perguntou meu companheiro de assento. — Alguém está vendendo<br />

informação a respeito de lobisomem? lobisomem? Que tipo de gente compraria uma merda<br />

assim?<br />

— Eu o faria.<br />

Ele se deteve, seu dedo apontando a meus papéis, lutando para convencer-se de que alguém<br />

poderia acreditar em lobisomem e não ser um completo louco, ao menos não se esse alguém era<br />

jovem, feminina, e estaria no assento contínuo durante outra hora. Decidi ajudar.<br />

— Por certo - falei, pondo meu melhor acento de loira sem fôlego. — Os lobisomem estão<br />

perto. Os vampiros atracaram cinco minutos antes. Gótico, puf. Eu e meus amigos tentamo-lo<br />

uma vez, mas quando tingi meu cabelo de negro, ficou verde.<br />

— Isso, uh.<br />

— Verde! Pode acreditá-lo? E a roupa que queriam que nos puséssemos? Totalmente<br />

incrível. Assim, Chase disse, e o que há a respeito dos lobisomem? Ele ouviu a respeito deste<br />

grupo em Miami, então lhes falamos e eles disseram que os vampiros já não estavam. Os<br />

lobisomem eram a nova sensação. Chase e eu fomos ver os, e tinham estes trajes, pele e dentes e<br />

esse lixo, e nos pusemos essas coisas, fizemos arrebentar as pílulas e rapidamente fomos<br />

lobisomem.<br />

— Uh, realmente? - disse ele, seus olhos lançando-se a procurar uma rota de escape. —<br />

Bem, estou seguro.<br />

— Podíamos correr e saltar e uivar, e saímos a caçar, e um dos tipos agarrou um coelho, e,<br />

bom, sei que isto parece estranho, mas tínhamos tanta fome e o aroma do sangue.<br />

— Poderia me perdoar - interrompeu o homem. — Tenho que usar os serviços.<br />

— Seguro. Você esta um pouco verde. Provavelmente enjoado. Meu amigo Tabby tem<br />

esse mau. Espero que se sinta melhor, porque eu ia te perguntar se queria vir comigo esta noite. O<br />

grupo de homens lobos estará em Pittsburgh. Haverá um Grande Uivo esta noite. Encontrar-me-ei<br />

com Chase ali. Ele é algo assim como meu noivo, você sabe, e é realmente adorável. Acredito<br />

que você gostaria.<br />

O homem resmungou algo e se moveu no corredor mais rápido do que alguém pensaria<br />

possível para um tipo que parecia não ter excedido a velocidade de passeio da escola secundária.<br />

1 Filme de 1957, iniciador dos filmes de terror para os jovens.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

— Espere até que te conte sobre o Grande Uivo - o chamei. — São tão espetaculares.<br />

Dez minutos mais tarde, ainda não voltava. Maldita vergonha. Esse enjôo podia ser um<br />

verdadeiro filho de puta.<br />

Voltei para minha leitura; believe.com era um local da web que vendia informação sobre o<br />

paranormal, um eBay 2 sobrenatural. Era atemorizante que tais coisas existissem. Inclusive mais<br />

atemorizante era que eles pudessem obter lucros; believe.com dedicava uma categoria inteira a<br />

leiloar pedaços de ruínas de uma espaçonave que, na última conta, tinha 320 artigos à venda. Os<br />

homens-lobo não tinham sua própria classificação. Estavam incluídos nos ―Zumbis, lobisomem e<br />

outros Fenômenos Demoníacos Diversos‖. Fenômenos demoníacos diversos? Os Demônios não<br />

tinham nada a ver com o tipo. Eu não era Demônio. Bem talvez expulsar a um desventurado tipo<br />

de seu assento no avião não era exatamente agradável, mas certamente não era demoníaco. Um<br />

fenômeno demoníaco diverso o teria empurrado pela escotilha. Eu logo tinha estado tentada a<br />

fazê-lo.<br />

Sim, eu era uma mulher loba, tinha-o sido desde que tinha vinte anos, faz quase doze. A<br />

diferença de mim, a maior parte dos lobisomem nascem lobisomem, embora não possam mudar<br />

forma até que alcançam a idade adulta. O gen que passa de pai a filhas não serve para as<br />

mulheres. O único caminho para que uma mulher se converta em mulher loba é ser mordida por<br />

um homem lobo e sobreviver. Isso é estranho, não a parte da mordida, a não ser a parte da<br />

sobrevivência. Eu tinha vivido principalmente porque fui recolhida pela Manada - que é<br />

exatamente o que sonha: uma estrutura social apoiada em uma manada de lobos, com um Alfa,<br />

que protegia o território, e claramente definia regras, cuja regra número um era que não matamos<br />

humanos a menos que seja absolutamente necessário.<br />

Se quisermos conseguir vitaminas, vamos à loja de comida rápida mais próxima – como<br />

qualquer pessoa corrente. Os que não são parte de uma manada de lobisomem, a quem chamo<br />

cães mestiços, comem humanos porque não se incomodam em lutar contra o impulso de caçar e<br />

matar, e os humanos são o objetivo mais abundante. As Manadas de lobos caçam cervos e<br />

coelhos. Sim, eu tinha matado e comido ao Bambi e Thumper. Às vezes me perguntava se a gente<br />

não consideraria isso nem sequer muito espantoso, em um mundo onde um cão arrojado de um<br />

carro atrai mais atenção dos meios de comunicação que meninos assassinados. Mas me desvio.<br />

Como parte da Manada, vivia com o Alfa, Jeremy Danvers, e Clayton Danvers, seu filho<br />

adotivo o segundo no comando, que era também meu sócio e a amargura de minha existência.<br />

Mas isto se está complicando. De volta ao ponto. Como todos outros na Manada, eu tinha<br />

responsabilidades. Um de meus trabalhos era fiscalizar a Internet em busca de sinais de algum<br />

cão mestiço que estivesse chamando a atenção. O lugar que vigiava era believe.com, embora<br />

raramente encontrasse algo que merecesse mais que uma desdenhosa leitura. Em fevereiro<br />

passado tinha açoitado algo na Geórgia, nem tanto porque o problema merecesse alarmes<br />

maiores, mas sim porque o Estado de Nova Iorque tinha estado em meio de uma tormenta de<br />

neve de uma semana e qualquer lugar ao sul das Carolinas soava a céu.<br />

A mensagem que lia agora era diferente. Tinha alarmes ressonando com tanta força que<br />

depois de que o li na terça-feira, tinha deixado uma mensagem para o vendedor imediatamente, e<br />

tinha marcado uma reunião com ele em Pittsburgh para na sexta-feira, esperando três dias<br />

unicamente porque não queria parecer muito impaciente.<br />

2 eBay é o nome de uma empresa de comércio eletrônico fundada nos Estados Unidos, em Setembro de 1995, por Pierre<br />

Omydiar. Atualmente é o maior site do mundo para a venda e compra de bens, é o mais popular shopping da internet, e<br />

possivelmente foi a pioneira neste tipo de trabalho.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

A mensagem dizia: ―lobisomem. Informação valiosa para vender. Só verdadeiros crentes.<br />

Duas pessoas sem lar assassinadas no Phoenix em 1993-94. Ao princípio cria-se em matanças de<br />

cães. Gargantas rasgadas. Corpos parcialmente comidos. Um rastro canino de grande tamanho<br />

encontrado perto do segundo corpo. Todas as demais pistas apagadas (cães muito prolixos?). Um<br />

zoólogo identificou o rastro como a de um lobo muito grande. A polícia investigou os zoológicos<br />

locais e concluiu que o zoólogo estava equivocado. A terceira vítima foi uma prostituta. Sua<br />

companheira de habitação disse que ela teve um convite para toda a noite. Encontrada morta três<br />

dias mais tarde. O mesmo padrão das matanças anteriores.<br />

A companheira de habitação conduziu à polícia ao hotel usado pela vítima. Encontraramse<br />

provas de sangue limpa na habitação. Polícia pouco disposta a mudar foco a assassino humano.<br />

Decididamente a terceira vítima foi assassinada por um tipo que seguiu o padrão das matanças<br />

anteriores (Um cão plagiador?). O caso permanece aberto. Todos os detalhes em registro público.<br />

Revisar o Arizona Republic 3 . Uma história fascinante. E completamente verdadeira. Jeremy era<br />

responsável por verificar o periódico procurando matanças e outras atividades potencialmente<br />

lobisomem. No Arizona Republic ele tinha encontrado o artigo que descrevia a segunda matança.<br />

A primeira não tinha saído nos periódicos porque uma pessoa sem lar morta não era notícia. Eu<br />

tinha ido investigar, chegando muito tarde para ajudar à terceira vítima, mas a tempo para<br />

assegurar que não haveria uma quarta. O cão mestiço culpado estava sepultado embaixo de seis<br />

pés de areia de deserto. A Manada não era amável com assassinos de homens.<br />

Não tínhamos estado preocupados com a investigação da polícia. Em minha experiência,<br />

os detetives de homicídios são um grupo brilhante, bastante preparado para saber que não há tal<br />

coisa como lobisomem. Se encontrassem corpos com evidências caninas, veriam uma matança<br />

ocasionada por cães. Se encontrassem corpos com evidências humanas, veriam a matança de um<br />

psicopata. Se encontrassem corpos tanto com evidências humanas como com caninas, veriam um<br />

psicopata com um cão ou um assassinato terminado por um cão. Nunca, nenhuma vez, tinham<br />

visto um corpo parcialmente comido, com rastros de patas, e pele de cão e dito, "Meu Deus,<br />

temos um lobisomem!"<br />

Inclusive os tipos estranhos que acreditavam em lobisomem não viam tais assassinatos<br />

como matanças de homens lobos. Estavam muito ocupados procurando bestas enlouquecidas,<br />

meio humanas que uivavam para à lua cheia, bebês roubados de seus berços, e rastros deixados<br />

ao azar que misteriosamente trocam de patas a pés. De modo que quando li algo como isto, tive<br />

que me preocupar do resto da informação que o tipo vendia.<br />

A parte dos ― meios de comunicação são bem-vindos‖ me preocupou também. Quase todas<br />

as mensagens em believe.com terminavam com ―os meios de comunicação não precisam<br />

informar-se". Embora os vendedores fingissem que a advertência era supostamente para<br />

desalentar aos jornalistas dos periódicos populares que destroçariam suas histórias, realmente<br />

estavam preocupados de que um repórter legítimo os pudesse tirar a luz e humilhá-los. Quando ia<br />

investigar tais reclamações, usava o aspecto de ser um membro de uma sociedade paranormal.<br />

Esta vez, já que o vendedor não tinha nenhum problema com os meios, pretendi ser uma<br />

jornalista, o que não era em sua maior parte um exagero, já que era minha profissão, embora meu<br />

trabalho típico fossem artigos ao meio tempo a respeito dos políticos canadenses, o qual<br />

evidentemente nunca incluía nenhuma menção de fenômenos demoníacos, embora isso pudesse<br />

explicar a ascensão dos neoconservadores.<br />

3 Arizona Republic , um jornal norte-americano para verificar. Tem sido o mais vendido. Os meios de comunicação são bem-vindos.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

***<br />

Uma vez em Pittsburgh, peguei um táxi, registrei-me em um hotel, deixei minhas malas e<br />

me dirigi à reunião. Supunha-se que me encontraria com a vendedora, Sra. Winterbourne, - num<br />

lugar chamado Chá para Dois. Era exatamente o que parecia, uma loja brega que se vendia chá<br />

passado o meio-dia e almoços ligeiros. O exterior era de tijolos esbranquiçados adornados com<br />

rosa pálido e azul. Filas de antigos bules se alinhavam nos batentes. Dentro havia diminutas<br />

mesas bistrô com tecidos de linho brancos e cadeiras do ferro forjado. Então, depois de todo este<br />

trabalho para fazer o lugar tão repugnantemente doce como era possível, alguém tinha pego um<br />

pedaço de cartão marcado a mão na janela dianteira informando aos transeuntes que a loja<br />

também vendia café, café expresso, chocolate, cappuccino, e ―outras bebidas a base de café."<br />

A Sra. Winterbourne tinha prometido me encontrar diante da loja às três e trinta. Cheguei<br />

às três e trinta e cinco, joguei uma olhada dentro, e não encontrei ninguém esperando, então saí<br />

outra vez. Perder o tempo diante de um salão de chá não é como fazê-lo em uma cafeteria. Depois<br />

de uns cinco minutos, as pessoas de dentro começaram a me olhar fixamente. Um garçom saiu e<br />

perguntou se podia "me ajudar." Assegurei-a que esperava a alguém, em caso de que me<br />

confundisse com um vagabundo solicitando pães-doces de sobras.<br />

Às quatro, uma moça se aproximou. Quando dei a volta, ela sorriu. Não era muito alta,<br />

meio pé menor que eu. Provavelmente no princípio de seus vinte anos. Cabelo castanho<br />

encaracolado, feições regulares, e olhos verdes, o tipo de moça mais frequentemente descrita<br />

como ―agradável‖, aquela cômoda descrição significava que não era uma beleza mas não havia<br />

nada que a conduzisse ao reino da feiúra. Levava posto óculos de sol, um chapéu de asa larga, e<br />

um vestido que deixava entrever a classe de figura que os homens amavam e as mulheres<br />

odiavam, as curvas cheias tão caluniadas no mundo do Jenny Craig 4 e Slim-Fast.<br />

— Elena? - perguntou, sua voz um contralto profundo. — Elena... Andrews?<br />

— Uh sim - respondi. — Sra. Winterbourne?<br />

Ela sorriu. —Uma delas. Sou Paige. Minha tia chegará daqui a pouco. Chegou cedo.<br />

— Não - disse, devolvendo um sorriso de alta voltagem. — Você chegou tarde.<br />

Ela piscou, assombrada por minha descortesia. — Não se supunha que encontraríamos às<br />

quatro e trinta?<br />

— Três e trinta.<br />

— Estava segura.<br />

Tirei a impressão de nossa correspondência por e-mail de meu bolso.<br />

— Ah - disse, depois de uma olhada rápida. — Três e trinta. Sinto-o tanto. Devo ter<br />

entendido incorretamente. Me alegro de ter chegado brevemente mais cedo então. Deveria<br />

chamar minha tia e lhe dizer.<br />

Quando tomou um telefone celular de sua bolsa, dava um passo longe para lhe permitir<br />

intimidade, embora com meus sentidos auditivos aumentados poderia ter ouvido a conversa<br />

murmurada a cem pés de distância. Através do telefone, ouviu uma mulher velha suspirar.<br />

Prometeu reunir-se conosco quanto antes e logo lhe fez uma advertência? A sua sobrinha para<br />

que não começasse sem ela.<br />

— Bem - disse Paige, desligando o telefone. — Minhas desculpas outra vez, Sra.<br />

Andrews. Posso lhe chamar Elena?<br />

4 Famosa treinadora muito conhecida em Hollywood, se conseguiu que Kirstie Alley perdesse tanto peso é maravilhosa. Onde poderíamos<br />

achá-la?<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

— Por favor. Deveríamos esperar dentro?<br />

— Realmente, este é um mau lugar para algo como isto. A tia Ruth e eu tomamos café<br />

aqui esta manhã. A comida é grandiosa, mas é muito tranquilo. Podem-se ouvir conversas desde<br />

através da sala. Suponho que deveríamos havê-lo imaginado, mas não somos muito<br />

experimentadas nesta classe de coisas.<br />

— Não?<br />

Ela riu, um sorrisinho rouco. — Suponho que ouve muito disto. As pessoas não querem<br />

confessar que estão imersas nesta classe de situações. Estamos nisso. Não a negarei. Mas este é<br />

nossa primeira... Como o chamaria? Venda? De todos os modos, já que o salão de chá resultou<br />

ser uma má opção, tínhamos um cardápio pedido e tomaremos em nosso hotel. Manteremos a<br />

reunião ali.<br />

— Hotel? - Eu tinha pensado que ela vivia em Pittsburgh. Os vendedores geralmente<br />

arrumavam reuniões em sua cidade natal.<br />

— São uns blocos mais à frente. Um passeio fácil. Intimidade garantida.<br />

Grandes sinos de advertência se ouviam. Qualquer mulher, até uma tão desafiada em sua<br />

feminilidade como eu, sabia que não era a melhor opção ir ao quarto de hotel de um estranho.<br />

Parecia um filme de horror onde a heroína vai sozinha à casa abandonada depois de que todos<br />

seus amigos fenecem de mortes horríveis e a audiência sentada grita, ―Não vá, cadela estúpida!<br />

Bem, eu era a única gritando, ―Continua, mas apanha ao Uzi!" Caminhar de cabeça ao perigo era<br />

uma coisa; caminhar desarmada era outra. Felizmente para mim, estava armada com a força de<br />

Super garota.<br />

E se isso não servisse como truque, meu ato do Clark Kent vinha com presas e garras.<br />

Uma olhada a esta mulher, de apenas cinco pés com dois, quase uma década menor que eu, disseme<br />

que não tinha nada por que me preocupar. É obvio, tinha que simular preocupação. Era o<br />

esperado.<br />

— Um, de acordo - respondi, jogando uma olhada por sobre meu ombro. — Eu preferiria<br />

um lugar público. Não queria ofender...<br />

— Não tem importância - disse ela. — Mas todo meu material está no hotel. Detemo-nos<br />

brevemente ali, e se ainda não se sente cômoda, podemos agarrar minhas coisas, nos encontrar<br />

com minha tia, e ir a outra parte. Está bem?<br />

— Suponho - respondi, e a segui rua abaixo.<br />

CHÁ<br />

O hotel era um desses velhos lugares com um enorme vestíbulo classificado como sala de<br />

baile, aranhas de vidro transparente como abajures, e operadores de elevadores vestidos como<br />

tocadores de órgãos. A habitação de Paige estava no quarto andar, a segunda à esquerda do<br />

elevador. Abriu a porta e a manteve aberta para mim. Vacilei.<br />

— Poderia pegar algo sob a porta para mantê-la aberta - disse ela.<br />

Sua cara era toda inocência, mas não me escapou o tom zombador de sua voz, talvez<br />

porque eu era muito mais alta e em melhor estado físico. Inclusive sem a força lobisomem,<br />

poderia vencê-la em uma luta. De todos os modos, isso não queria dizer que não houvesse algum<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

tipo com uma pistola semi-automática detrás da porta. Todos os músculos do mundo não<br />

poderiam deter uma bala à cabeça.<br />

Joguei uma olhada ao redor e dava um passo dentro. Ela tomou uma caderneta de papel da<br />

mesa e a sustentou, fazendo gestos para a porta que se fechava.<br />

— Não será necessário - respondi.<br />

— O telefone está aqui mesmo - Ela levantou o receptor de modo que eu pudesse ouvir o<br />

tom marcado. — Quer que te aproxime isso? Estou bastante segura de que no Pittsburg funciona<br />

o serviço novecentos e onze.<br />

Perfeito. Agora se estava burlando de mim. Pequena e estúpida imbecil. Provavelmente<br />

uma dessas cabeças cheias de ar que estacionavam em subterrâneos desertos de noite e se<br />

gabavam de sua coragem. A impulsividade da juventude, pensei, com a maturidade de alguém<br />

quase dois anos passados em sua trintena.<br />

Quando não respondi, Paige disse algo sobre fazer chá e desapareceu na habitação<br />

contigua à suíte. Eu estava na sala de estar, que tinha uma pequena mesa, duas cadeiras, um sofá,<br />

uma poltrona reclinável e uma televisão. Uma porta parcialmente aberta conduzia ao dormitório.<br />

Através dela, pude ver malas apoiadas contra a parede lateral e vários vestidos pendurados em<br />

uma prateleira.<br />

Frente à porta principal havia três pares de sapatos, todos femininos. Nenhum sinal de um<br />

ocupante masculino. Até agora as Winterbournes pareciam ser honestas. Não era que eu<br />

realmente esperasse que algum tipo com uma semi-automática saltasse desde detrás da porta. Eu<br />

era suspicaz por natureza. Ser um lobisomem te faz isso.<br />

Quando me sentei à mesa, vi os pratos do salão de chá. Sanduíches, bolachas, e massas.<br />

Poderia ter devorado três pratos como esses de um bocado. Outra coisa de lobisomem. Como a<br />

maioria dos animais, passamos uma grande parte de nossas vidas apanhados nas três forças da<br />

sobrevivência básica: comer, lutar, e... reproduzir-se.<br />

A parte de alimento era uma necessidade. Queimamos calorias como lenha em um<br />

incêndio, sem um abastecimento constante, nossa energia ficava em nada. Tinha que tomar<br />

cuidado quando comia diante de humanos. Não era justo. Os tipos podem tragar-se três Big Macs<br />

e ninguém pestanejaria. Eu obtinha olhadas estranhas se terminava dois.<br />

— Então, respeito a essa informação que vende - respondi quando Paige voltou. — É tão<br />

boa como a do caso do Phoenix, verdade?<br />

— Melhor - disse ela, pondo a bandeja do chá sobre a mesa. — É a prova de que os<br />

lobisomem existem.<br />

— Você acredita em lobisomem?<br />

— Você não?<br />

— Acredito em tudo o que permita vender revistas.<br />

— Então não acredita em lobisomem? - Seus lábios se torceram num desagradável meio<br />

sorriso.<br />

— Não quero ofender, mas esse não é meu tema. Escrevo histórias. Vendo-as revistas. A<br />

gente como você as compra. Noventa por cento dos leitores não acredita. É uma fantasia inócua.<br />

— Melhor mantê-lo nesse âmbito, verdade? Fantasia inócua. Se a gente começar a<br />

acreditar em lobisomem, então tem que admitir a possibilidade de outras coisas, como bruxas e<br />

feiticeiros e xamãs. Para não mencionar vampiros e fantasmas. Então haveria demônios, e esse é<br />

um ninho de vermes que não quer abrir.<br />

Mais perfeito ainda. Agora definitivamente se estava burlando de mim. Acaso alguém<br />

pegou um grande pôster em minhas costas que diz ―Burlem-se de mim‖? Talvez estivesse<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

tomando tudo isto de maneira mais pessoal do necessário. Olhem-no desde seu ponto de vista.<br />

Como uma crente, ela provavelmente considerava os incrédulos da mesma forma em que estes a<br />

consideravam a ela, como uma patética ignorante. E aqui estava eu, pronta para comprar<br />

informação para perpetrar um mito no que não acreditava, vendendo minha integridade pelo<br />

aluguel do próximo mês. Uma puta jornalística. Não merecia umas poucas brincadeiras por isso?<br />

— Onde está a informação? - perguntei tão cortesmente como pude.<br />

Ela estendeu a mão para a mesa de lado, onde havia uma pasta. Durante um momento, ela<br />

a folheou, com os lábios apertados. Então tomou uma folha e a pôs entre nós. Era uma fotografia<br />

da cabeça e os ombros de um homem de meia idade, asiático, um nariz chato e uma boca áspera<br />

suavizada por uns olhos parecidos com os de um gamo.<br />

— Reconhece-o?<br />

— Não acredito - respondi. —Mas é uma cara bastante ordinária.<br />

— E este? Não é tão ordinário.<br />

A seguinte foto era de um homem de uns trinta anos. Levava seu cabelo vermelho escuro<br />

preso num longo rabo-de-cavalo, uma classe de moda que não usaria ninguém com mais de vinte<br />

e cinco anos. Como a maior parte dos tipos que continuavam com seu estilo de penteado do<br />

passado, parecia ser compensado por uma frente cuja linha de cabelo já tinha retrocedido mais<br />

que a Baía de Fundy 5 com a maré baixa. Sua cara era branda, alguma vez de rasgos quase<br />

formosos que se desvaneceram tão rápido como seu cabelo.<br />

— Agora, o reconheço - respondi.<br />

— Sim?<br />

— É obvio. Vamos. Teria que viver no Tíbet para não reconhecê-lo. Infernos, até os<br />

jornalistas no Tíbet lêem Teme e Newsweek 6 . Ele foi mencionado pela imprensa, o que, cinco<br />

vezes no ano passado? Ty Winsloe. Milionário e um extraordinário viciado nos computadores.<br />

— Então alguma vez o conheceu pessoalmente?<br />

— Eu? Eu gostaria. Não importa quantas entrevistas outorgue, um Ty Winsloe exclusivo<br />

poderia ser um salto enorme na carreira de uma repórter sem nome como eu.<br />

Ela franziu o cenho, como se eu tivesse respondido a pergunta incorreta. Em vez de dizer<br />

algo, ela fez bater ambas as fotografias diante de mim e esperou.<br />

— De acordo, rendo-me - respondi. —O que tem que ver isto com as prova dos<br />

lobisomem? Por favor, por favor, por favor, não me diga que este tipo é lobisomem. Esse é seu<br />

jogo? Ponho uma história decente na Web, atraio a algum jornalista estúpido aqui, e armo uma<br />

história enorme sobre milionários lobisomem?<br />

— Ty Winsloe não é um lobisomem, Elena. Se ele o fosse, você saberia.<br />

— Como...? - Sacudi a cabeça. —Talvez haja alguma confusão aqui. Como te disse em<br />

meu e-mail, esta é minha primeira história de lobisomem. Se houver peritos no campo, é um<br />

pensamento atemorizante, mas não sou um deles.<br />

— Você não está aqui para escrever uma história, Elena. É uma jornalista, mas não essa<br />

classe.<br />

— Ah - respondi. —Então, me diga por que estou eu aqui?<br />

— Para proteger a sua manada.<br />

Pisquei. As palavras se entupiram em minha garganta. Enquanto o silêncio se estendia<br />

5 Localizada em Canadá, Nova Inglaterra, é famosa pela migração de baleias e a pesca de lagostas.<br />

6 Jornais de grande circulação.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

durante três pesados segundos, lutei para enchê-lo. —Meu… meu o que?<br />

— Sua manada. Outros. Outros lobisomem.<br />

— Ah, então eu sou um - forcei um sorriso amável — um lobisomem.<br />

Meu coração pulsava com um ruído surdo tão forte que eu podia ouvi-lo. Isto nunca me<br />

tinha passado antes. Tinha gerado suspeitas, mas só pergunta gerais sobre meu comportamento do<br />

estilo, ―O que fazia no bosque depois do anoitecer?‖, nunca algo que me acusava de ser um<br />

lobisomem. No mundo normal, a gente normal não ia por aí acusando a outra gente de ser<br />

lobisomem. Houve uma pessoa, uma só pessoa de tinha estado muito perto, que realmente me<br />

viu mudar de forma, convenceu-se de que tinha estado alucinando.<br />

— Elena Antonov Michaels - disse Paige, —Antonov que é o sobrenome de solteira de sua<br />

mãe. Nascida em 22 de setembro de 1968. Ambos os pais mortos em um acidente de carro em<br />

1974. Criada em numerosas famílias adotivas em Ontario. Assistiu à Universidade de Toronto.<br />

Abandonou em seu terceiro ano. Voltou vários anos mais tarde para completar uma licenciatura<br />

em jornalismo. Razão do abandono? Uma mordida. De um amante. Clayton Danvers. Sem<br />

segundo nome. Nascido em 15 de janeiro de 1962.<br />

Não ouvi o resto. O sangue palpitava em meus ouvidos. O chão se balançou baixo de mim.<br />

Agarrei o bordo da mesa para me estabilizar e lutei para me manter em cima de meus pés. Os<br />

lábios do Paige se moviam. Não ouvia o que dizia. Não me importava.<br />

Algo me lançou de costas para trás, sobre a cadeira. Havia uma cadeia de pressão ao redor<br />

minhas pernas como se alguém as atasse. Sacudi-me, mas não podia me manter de pé. Olhei para<br />

baixo, e não vi nada que me retivera.<br />

Paige estava de pé. Afirmava-me contra a cadeira. Minhas pernas não se deslocavam. O<br />

pânico se filtrou em meu peito. Empurrei-a para trás. Isto era uma brincadeira. Uma simples<br />

brincadeira.<br />

— O que seja que esteja fazendo - disse. —Eu sugeriria que o detivera. Vou contar até<br />

três.<br />

— Não trate de ameaçar...<br />

— Um.<br />

— … me, Elena. Posso fazer…<br />

— Dois.<br />

— …. muito mais que afirmar…<br />

— Três.<br />

—… você a essa cadeira.<br />

Estrelei ambos os punhos até o final da mesa e a enviei voando pelo ar. Quando a pressão<br />

em minhas pernas desapareceu, saltei através do espaço agora vazio entre nós e fechei de repente<br />

ao Paige contra a parede. Ela começou a dizer algo. Agarrei-a pelo pescoço, detendo as palavras<br />

em sua garganta.<br />

— Bom, parece que cheguei bem a tempo - disse uma voz atrás de nós.<br />

Olhei por sobre meu ombro para ver uma mulher caminhar em volta do quarto. Tinha ao<br />

menos setenta anos, pequena e rechonchuda, com cabelo branco, um vestido de flores, e um colar<br />

de pérolas a jogo, e um par de pendentes, a imagem perfeita de uma avó de TV da década de<br />

1950.<br />

— Sou Ruth, a tia avó do Paige - disse ela, com tanta serenidade como se eu estivesse<br />

desfrutando de do chá com sua sobrinha em vez de estrangulá-la. —Tratando de dirigir os<br />

assuntos por sua própria conta outra vez, Paige? Agora olhe o que tem feito. Essas contusões<br />

demorarão semanas em desvanecer-se e não trouxemos nenhum pulôver de pescoço de cisne.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Soltei meu apertão ao redor do pescoço do Paige e lutei para dar uma resposta<br />

conveniente. Não me ocorreu nada. O que poderia dizer? Exigir uma explicação? Muito perigoso,<br />

implicava que eu tinha algo que esconder. Melhor era atuar como se a acusação do Paige fora<br />

uma loucura e eu tivesse que sair correndo deste inferno. Uma vez longe da situação, poderia<br />

calcular meu seguinte movimento. Lancei a Paige um olhar cauteloso de uma pessoa que está<br />

tratando com alguém de prudência limitada e dava um passo para a porta.<br />

— Por favor, não o faça - Ruth pôs uma mão em meu braço, firme mas não retendo. —<br />

Devemos falar contigo, Elena. Possivelmente posso me dirigir melhor com isto.<br />

Para ouvir isso, Paige avermelhou e olhou longe. Soltei meu braço do apertão de Ruth e<br />

dava outro passo para a porta.<br />

— Por favor, não o faça, Elena. Posso te reter, mas prefiro não recorrer a isso.<br />

Investi a porta e agarrei o cabo com ambas as mãos. Ruth disse algo. Minhas mãos se<br />

congelaram. Tirei-as do cabo, mas não ficavam livres. Tratei de girar o cabo. Meus dedos não<br />

respondiam.<br />

— Este é o modo em que o conjuro deveria trabalhar - disse Ruth, sua voz e cara<br />

irradiando a calma de um professor ensinando a um menino recalcitrante. —Não se romperá até<br />

que eu dê a ordem.<br />

Disse umas palavras. Minhas mãos ficaram livres, me deixando desequilibrada. Quando<br />

tropecei para trás, Ruth pôs uma mão para me estabilizar. Recuperei-me e me afastei com<br />

rapidez.<br />

— Por favor, fica - disse ela. — Os conjuros para imobilizar têm sua utilidade, mas não<br />

são muito civilizados.<br />

— Conjuros imobilizadores? - respondi, flexionando minhas mãos ainda intumescidas.<br />

— Bruxaria - disse Ruth. —Mas estou segura que já te tinha imaginado isso. Se quer<br />

acreditar é um assunto totalmente distinto. Comecemos pelo princípio, De acordo? Sou Ruth<br />

Winterbourne. Essa impetuosa moça atrás de você é minha sobrinha Paige. Temos que te falar.<br />

HOCUS-POCUS 7<br />

Quis correr. Lançar-me através da porta, aberta, correr e não parar até que Ruth e Paige<br />

Winterbourne ficassem atrás, não só fora de minha vista, mas também fora de minha cabeça<br />

também. Quis correr até que minhas pernas doessem e meus pulmões estalassem e não pudesse<br />

pensar somente em nada mais que me deter, incapaz de gastar a energia de um momento tentando<br />

entender o que tinha passado. Não era a resposta mais amadurecida. Reconheço-o. Mas era o tipo<br />

de resposta em que sou boa. Correr. Tinha-o estado fazendo toda minha vida. Inclusive quando<br />

não corria, quando cravava os calcanhares e encarava meus medos, sempre havia uma parte de<br />

mim correndo tão rápido como podia.<br />

Sabia o que tinha que fazer. Ficar e resolver isto, negar os ditos de Paige e descobrir<br />

quanto sabiam estas mulheres. Se Paige simplesmente houvesse dito que sabia que eu era um<br />

homem lobo, como tentando me incomodar com isso, poderia havê-lo dirigido. Mas quando ela<br />

7 Hocus-Pocus, Abracadabra. Jogo de Mãos, Feitiço.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

recitou minha biografia, mesmo que esta fora acessível através dos arquivos públicos, a violação<br />

que isso significava era algo mais pessoal. Então, tirar a luz minha história com o Clay tão<br />

normalmente como se estivesse recitando minha data de nascimento, bom, cada fibra de meu ser<br />

gritou para que corresse, saísse dali, pusesse um pouco de distância, que tratasse com isto mais<br />

tarde. Só a demonstração de poder da Ruth me impediu de correr. Isto também me deu um<br />

momento para me deter e pensar.<br />

Queria voltar com o Jeremy e dizer que duas estranhas me tinham acusado de ser um<br />

homem lobo e eu me tinha escapado? Oh, ele não estaria zangado. Ele entenderia. Isso era muito<br />

pior. Não queria que ele entendesse por que eu tinha escapado.<br />

Queria que ele estivesse orgulhoso de mim. Sim, sei, sou muito velha para procurar a<br />

aprovação de uma figura paterna substituta, mas assim é a coisa. Depois de que Clay me mordeu,<br />

Jeremy tinha cuidado de mim, pondo sua vida em suspense para manter-se a meu lado. Cada vez<br />

que empreendia uma destas investigações, eu estava demonstrando a Jeremy que ele não tinha<br />

cometido um engano, que provava meu valor para a Manada, devolvendo seus esforços<br />

multiplicados por dez. Agora, enfrentando pela primeira vez com a exposição iminente, ia voltar<br />

para Nova Iorque e dizer, "Lamento-o, Jer, mas não pude tratar com isso"? Não nesta vida.<br />

Se eu corresse, seguiria correndo. Tudo pelo que tinha trabalhado tão duramente durante o<br />

último ano, me obrigando a aceitar minha vida no Stonehaven, com a Manada, com o Clay, veriase<br />

arrojado a qualquer parte, e eu voltaria a ser tão miserável e medrosa como o tinha sido faz<br />

dezoito meses.<br />

De modo que fiquei. Ruth e eu convimos um acordo. Eu a escutaria até o final, não<br />

admitindo nada. Se eu quisesse, poderia tratar sua história como as divagações de uma anciã senil<br />

e fingir que ficava ali só para ser cortês.<br />

Sentamo-nos à mesa, Paige no lado oposto, com a cadeira retirada. Não havia dito uma<br />

palavra desde que sua tia chegou.<br />

—Acredita em bruxas? - perguntou Ruth quando me serve uma taça de chá.<br />

—Wicca 8 ? - respondi com cuidado.<br />

—Não. Bruxas. Bruxas hereditárias. Como lobisomens hereditários.<br />

Ela levantou uma mão quando comecei a protestar.<br />

—Não estou pedindo que admita nada, recorda? Está sendo indulgente com uma velha<br />

dama. Bom, se não acredita, ou não o fazia, em bruxas, então tenho que assumir que não acredita<br />

em nada mais fantástico. De acordo, sigamos. Vou começar desde o começo. Finjamos que<br />

existem as bruxas e... outras coisas. Finjamos, também, que estes seres, chamam-lhes raças,<br />

sabem uma sobre a outra e se reúnem periodicamente para distribuir informação e trabalhar com a<br />

exposição potencial. Agora, em certa ocasião, os lobisomens foram parte desta colaboração…<br />

Abri a boca, mas Ruth outra vez levantou sua mão.<br />

—De acordo - disse Ruth. —Não necessita uma lição de história. Não viemos aqui para<br />

isto. Tal como Paige deveria haver dito, viemos para te advertir. Alcançou a chegar a essa parte?<br />

—Mostrei-lhe as fotos - disse Paige. —Não chegamos à explicação.<br />

—Me permita então. Estes homens estiveram nos dando alguns problemas. Muitos<br />

problemas. Confrontações, acusações, sequestros. Pareceria que sabem mais do que deveriam.<br />

8 Diz Wilkipedia: Wicca é uma religião neopagã. Pretende ser, ao igual que outras tradições (como o Ásatrú e o druidismo), uma<br />

recuperação de antigas tradições pagãs de Europa existentes antes da chegada e imposição do cristianismo. No entanto, a diferença<br />

destas, que são reconstruções de religiões pagãs antigas adaptadas aos tempos atuais, Wicca é uma nova religião que se baseia mais na<br />

tradição esotérica e mágica ocidental do que nas religiões da Antigüidade.<br />

17


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

— Esses dois? - respondi, assinalando a pasta. — Ty Winsloe? Sequestro de bruxas? Estáme<br />

tirando o sarro. Isto não tem sentido.<br />

—Que outra coisa poderia ser? - disse Ruth com um ligeiro sorriso. —Houve um tempo<br />

em que todos tivemos que nos preocupar com as fogueiras e os Grandes Inquisidores. Agora<br />

temos a malvados magnatas da computação. Não entrarei em detalhes, em parte porque suspeito<br />

que não fique muito tempo para escutar e em parte porque espero que uma pequena curiosidade<br />

possa trazer para sua manada a nossa reunião.<br />

—Eu realmente…<br />

— Eles sabem sobre os lobisomem e os buscam, tal como procuram o resto de nós.<br />

Inclinei-me para trás em minha cadeira e olhei de Ruth a Paige. Ruth me olhou, seus olhos<br />

verdes brilhantes e agudos. Paige pretendia me olhar, mas esses mesmos olhos verdes, nela<br />

estavam distantes, me olhando, mas não me vendo.<br />

— Sabe como isto sonha, verdade? - respondi. —Finjamos que sou uma lobisomem.<br />

Vocês dois me atraem aqui com alguma história de merda e me dizem que são bruxas. Não só<br />

bruxas, mas também parte de alguma classe de Nações Unidas sobrenaturais. Como delegadas<br />

destas Nações Unidas, vocês decidiram ficar em contato comigo com esta história a respeito de<br />

imbecis e demoníacos viciados na computação…<br />

—Não são demoníacos - disse Ruth. —Como respondi, são humanos.<br />

—Vocês realmente levam este assunto a sério, verdade?<br />

—É sério - disse Paige, seu olhar congelado. —Talvez cometemos um engano te<br />

escolhendo…<br />

—E a respeito disto. Por que me escolheram? Ou puseram essa historia em Internet e<br />

assumiram que só um lobisomem responderia? Digamos que esta conspiração existe e há tipos<br />

por aí procurando lobisomem. O que deve detê-los de responder a seu anúncio?<br />

—Realmente recebemos muitas respostas - disse Ruth. —Mas esperávamos a tua.<br />

— A minha?<br />

— Faz alguns anos, nosso conselho teve uma disputa com um homem lobo. Não um de<br />

sua manada. Um guia de ruas. Guardamos informação dele, se por acaso alguma vez tivéssemos<br />

que nos pôr em contato com os lobisomem. Quando este problema começou, encontramo-lo e... o<br />

persuadi para que compartilhasse um pouco de informação conosco. Ele sabia sobre seu pacote,<br />

quem o conduzia, quem pertencia ao grupo, onde viviam. Além disso, ele sabia tudo sobre ti e sua<br />

história. Sendo a única lobisomem feminina, parece que obteve um status legendário entre os de<br />

sua raça.<br />

Ela sorriu. Devolvi-lhe um olhar completamente em branco.<br />

Ruth continuou, — Ele sabia que procurava informação de lobisomens reais, observando e<br />

procurando seu mau comportamento. Que interessante. Nós fazemos o mesmo, fiscalizamos as<br />

bruxas que deixaram o Aquelarre. Então, decidimos tratar de nos pôr em contato contigo antes<br />

que tentar o contato direto.<br />

— Por que eu?<br />

—Você é a parte da manada. Também, sendo a única fêmea, parecia uma... melhor opção<br />

de contato. Possivelmente mais fácil para falar que seus homólogos machos.<br />

Em outras palavras, mais crédula? Ou uma menor probabilidade de responder à ameaça<br />

com violência? Se realmente tivessem querido isso, deveriam ter ido diretamente ao topo.<br />

Jeremy era o mais equilibrado entre nós. Era, também, o de mente mais aberta. Ele teria sido a<br />

melhor opção para esta reunião. Não teria tido mais sentido, de todos os modos, levarem suas<br />

preocupações diretamente ao Alfa? A menos que, pela razão que fosse, não queriam fazer isso.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Ainda é estranho como sonha tudo isto - respondi. —Esquece como e por que me<br />

escolheram. Trazem-me aqui, dizem algumas linhas de Filme classe B do estilo, ―sabemos quem<br />

é você‖. O lamento, mas estou procurando a câmara escondida. Digamos, acredito em todo este<br />

jogo. Por que, se estas Nações Unidas não incluírem os lobisomem, quereriam, de repente, ficar<br />

em contato com eles agora? Se vocês forem bruxas, devem ter escapado dos meninos maus antes.<br />

—Arriscamos a exposição ao mundo tão frequentemente como o faz você - disse Ruth. —<br />

Mas sempre era uma raça de uma vez. Isto é diferente. Isto implica a todos, que é pelo que<br />

devemos nos unir.<br />

—Um por todos e todos por um - resmunguei.<br />

— Isto não é uma brincadeira - disse Paige.<br />

—Ainda não acredita em nós, verdade? - perguntou Ruth. —Nem sequer na parte de<br />

bruxas, apesar de nossa pequena demonstração.<br />

—Poderíamos fazer uma maior - disse Paige. —Digamos algo assim como fechar sua<br />

boca. Permanentemente.<br />

—Paige - advertiu Ruth. —Perdoa a exuberância juvenil de minha sobrinha. Se quisesse,<br />

entretanto, eu poderia, certamente, fazer uma melhor demonstração. Nada tão pouco civilizado<br />

como une um feitiço para reter, é obvio.<br />

—Não, obrigada - respondi.<br />

— Por quê? - perguntou Paige. —Por que não acredita? Ou porque não quer fazê-lo?<br />

—Fiz o que respondi que faria. Fiquei. Escutei. Agora parto.<br />

Quando me coloquei em pé, Ruth tocou meu braço — Ao menos diga a seu líder o que<br />

havemos dito. Reunimo-nos em dois dias. Os delegados das raças principais deverão falar ali do<br />

problema. Nós gostaríamos que sua manada se unisse a nós. Aqui está meu cartão.<br />

Deu-me um cartão de visita. Quase esperei ver ―Ruth Winterbourne, Feitiços e Poções.‖ Em<br />

troca, era um cartão para ―Desenhos Winterbourne, Indumentária de Encargo para Mulheres.‖ A<br />

direção anexa estava em Massachusetts, decepcionante que não fosse Salem.<br />

— Sim - disse Ruth com um sorriso. —É um verdadeiro cartão de visita para um<br />

verdadeiro negócio. Não deixam muito dinheiro os malefícios nestes dias.<br />

—Não…<br />

— Ponha em seu bolso e fingiremos que vais atirar uma vez que esteja fora de vista. Se<br />

chamar, use meu número de telefone celular. Dirigimo-nos diretamente daqui à reunião em<br />

Vermont. Não seria muito longe para conduzir de Nova Iorque se decide ir. Espero que o faça.<br />

Resmunguei algo evasivo, meti no bolso o cartão, e parti.<br />

***<br />

Mais tarde, passei um pouco de tempo pensando em bruxas com teorias de conspiração<br />

multimilionárias. O pensamento de outros seres ―sobrenaturais‖ me intrigava, embora eu achasse<br />

difícil de acreditar.<br />

De acordo, ceticismo de alguém que cotidianamente se transformava em um lobo pode<br />

parecer algo hipócrita, mas não podia evitá-lo. Tinha sido um lobisomem durante quase seis<br />

meses antes acreditar que efetivamente existiam. Tinha mudado de forma, tinha visto o Jeremy<br />

mudar, e ainda assim não conseguia me convencer de que era verdadeiro.<br />

Mecanismos severos de negação. Talvez fosse mais fácil acreditar que os lobisomem<br />

fossem uma aberração antiga da natureza, da forma em que algumas pessoas, eu mesma incluída,<br />

acreditam que o universo contém só um planeta povoado. O pensamento de zumbis e vampiros<br />

19


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

vagando pela terra era muito estranho. Mas Ruth não tinha mencionado zumbis ou vampiros. Só<br />

havia dito bruxas e... outras coisas.<br />

Eu poderia acreditar em bruxas. A idéia de que algumas pessoas poderiam controlar as<br />

energias da terra era muito mais fácil de aceitar que a idéia que, suponhamos, algumas pessoas<br />

pudessem transformar-se em lobos.<br />

***<br />

Quando cheguei a meu quarto do hotel, o telefone soava. Fiquei parada na entrada,<br />

contemplando a possibilidade de uma meia volta rápida, logo me resignei a responder. Além<br />

disso, podia não ser quem esperava.<br />

— Que demônios faz em Pittsburgh?! — rugiu antes que eu alcançasse a pôr o receptor em<br />

meu ouvido. Procurei o botão de volume do telefone, mas não pude encontrá-lo, e considerei<br />

―acidentalmente‖ golpear o aparelho.<br />

—É agradável ter notícias suas, também, Clayton. Meu vôo esteve bom, obrigada. Como<br />

está Detroit?<br />

—Mais quente que o Hades - resmungou ele, sua voz lenta do Sul ressuscitou quando sua<br />

voz deixou cair os decibéis até um nível de ―não-romper-tímpanos‖. — Cheira pior, também. Por<br />

que não me chamou e disse que ia a Pittsburgh?<br />

—Porque teria insistido em me encontrar aqui. Não necessito…<br />

—Muito tarde. Já estou fazendo as malas.<br />

—Não necessito sua ajuda, e não necessito seu amparo.<br />

—E minha companhia, querida? Suponho que não necessita isso tampouco.<br />

—Dê-me um descanso. Só partiu ontem, e me reunirei contigo na segunda-feira.<br />

—Então posso te economizar dois vôos. Conduzirei esta noite, e quando tiver terminado<br />

ali, posso te trazer de volta a Detroit.<br />

—Não.<br />

—Só trato de ser…<br />

—Controlador, possessivo, super protetor.<br />

—Senti falta de você.<br />

— Bom intento. A resposta ainda é não. Posso dirigir isto.<br />

— Que exatamente está dirigindo?<br />

—Amanhã lhe conto - disse. —Depois que fale com o Jeremy.<br />

— Algo bom?<br />

—Talvez.<br />

— Divertido? - perguntou.<br />

—Definitivamente, possibilidades de caos.<br />

—Vamos. Conte-me.<br />

—Mais tarde.<br />

—Brincalhão - grunhiu.<br />

— Quer ouvir a brincadeira? - perguntei.<br />

—Seguro, se me quiser em Pittsburgh em uma hora.<br />

—É uma viagem de seis horas.<br />

— Quer apostar?<br />

Continuamos assim por um momento, quarenta e cinco minutos, realmente. Antes de que<br />

terminássemos a conversa, Clay tinha concordado, a contra gosto, a não me seguir a Pittsburgh.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Tenho que confessar que desde tínhamos estado juntos de novo, ele realmente tinha estado<br />

trabalhando em ser menos controlador, possessivo, e super protetor. Não era que ele se fora e me<br />

deixasse conduzir uma vida semi-autônoma.<br />

Tínhamos dormitórios separados, mas para o que servia. Ele ainda esperava que eu<br />

estivesse com ele às vinte e quatro horas do dia. Inclusive ter dormitórios separados era uma<br />

brincadeira. Ter meu próprio quarto só significava que tinha um lugar para armazenar minhas<br />

coisas. Em qualquer lugar que eu dormisse, Clay dormia.<br />

Como parte de meus próprios esforços para salvar a relação, tinha que admitir que este<br />

costume de andar juntos era a parte da natureza de Clay. Mordido sendo um menino, tinha<br />

esquecido alguma vez ter sido humano, e nada em suas experiências posteriores o tinha<br />

convencido de estar perdendo algo. Era mais lobo que humano. A respeito da coisa de ter que<br />

estar juntos a toda hora, Clay sustentaria que nunca veria um lobo dizer a seu companheiro que<br />

tinha que ―afastar-se por um tempo‖ ou que necessitava de ―um pouco de espaço pessoal.‖ Eles<br />

formam uniões por vida que pareciam funcionar bem só depois de uma penosa terapia de casais.<br />

Clay e eu tínhamos estado juntos quase doze anos. Bom, ―juntos‖ era um leve exagero.<br />

Tínhamos começado a sair fazia doze anos, logo ocorreu a mordida. Depois de dez anos de<br />

ricochetear daqui para lá, tinha-me quebrado e me tinha confessado que o amava e não podia<br />

viver sem ele, toda essa coisa romântica dos Harlequins 9 . De todos os modos, nossa relação era<br />

dificilmente da classe que algum Harlequim permitiria. Clay e eu fomos juntos como o fogo e<br />

calor intenso da gasolina, incríveis foguetes, e, de vez em quando, destruição devastadora. Haviame<br />

sido difícil compreender que assim era como fomos.<br />

Não era uma relação tranquila, estável, nunca o seria, e, francamente, nenhum de nós<br />

queria isso. A domesticidade ditosa era para outra gente. Que nos dêem foguetes e explosões,<br />

tanto da variedade positiva como da negativa, e fomos tão ditosos como podíamos sê-lo.<br />

***<br />

Não pude dormir essa noite.<br />

Jazia na cama, contemplando o teto, rechaçando a inquietação que me impedia de fechar<br />

os olhos.<br />

Primeiro, vinha a questão das bruxas. Eram bruxas ou não? De uma ou outra maneira, não<br />

confiava em seus motivos. Muito do que haviam dito não tinha sentido. Deveria ter chamado ao<br />

Jeremy logo que tinha deixado o hotel. Ele não ia estar feliz quando averiguasse que eu tinha<br />

esperado um dia inteiro para lhe contar. Ao menos duas pessoas sabiam que eu era um lobisomem<br />

e eu não o havia dito nem ao Clay nem ao Jeremy. Onde infernos estava minha cabeça? Deveria<br />

chamar Jeremy agora? Eram 2 horas e 45 da manhã. Meu vôo saía às 8 horas. Isto podia esperar.<br />

Ou não? Devia?<br />

Fui dar uma volta para esclarecer minhas idéias. Trotar, quero dizer. Mudar para lobo e<br />

correr por Pittsburgh podia ser divertido, mas não era, definitivamente, a classe de excitação que<br />

necessitava. Pus shorts e uma camiseta, deixei meu quarto do hotel, e segui um labirinto de becos<br />

para uma zona industrial deserta. As cidades grandes não eram o lugar para trotar de noite.<br />

9 A Harlequin Enterprises editora canadense líder no mercado de ficção feminina em 96 países, e o Grupo Editorial Record,<br />

maior da América Latina, fundaram a Harlequim Books, primeira editora brasileira especializada em literatura feminina.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Qualquer que visse uma moça correndo por Pittsburgh às 3 da manhã procuraria o tipo que a<br />

perseguia.<br />

Tinha trotado aproximadamente um quarto milha quando compreendi que alguém me<br />

seguia. Não era uma grande surpresa. Como respondi, as mulheres jovens que fazem footing de<br />

noite chamam a atenção, geralmente a tipos da classe incorreta. Certamente se algum tipo saltasse<br />

sobre mim, poderia fechá-lo de repente contra a parede de tijolo mais próxima e haveria um<br />

violador potencial menos no mundo. Mas isso significava um corpo que limpar em uma cidade<br />

estranha. Não só isso, mas não podia fazê-lo.<br />

Posso falar sobre fazê-lo, mas não sou do tipo que o faça. Inclusive se algum assaltante me<br />

disparasse uma arma e tivesse que matá-lo, lamentá-lo-ia. Perguntar-me-ia se acaso tinha reagido<br />

de maneira exagerada, se talvez este fora a primeira ofensa do tipo e um bom susto o teria posto<br />

em vereda, se acaso ele tinha uma esposa e meninos em casa e só queria uns dólares para comida.<br />

Melhor evitar entrar em uma situação onde tal ação poderia ser necessária. Os lobos selvagens<br />

sobreviviam evitando a confrontação com os humanos. Os lobisomens preparados faziam o<br />

mesmo.<br />

Quando ouvi passos suaves correndo perto, primeiro me assegurei que não era uma<br />

coincidência. Girei nas três ruas seguintes e dava voltas ao redor de onde tinha estado. Os passos<br />

seguiram. Depois pus a favor do vento e comprovei o aroma, se por acaso fosse outro lobisomem.<br />

Como a única lobisomem feminina em um país com dúzias de machos, era considerada um<br />

troféu.<br />

O fato de que meu amante era o lobisomem mais temido e odiado pelos arredores só se<br />

acrescentava a meu valor. Se os cães de ruas não queriam transar, queriam foder Clay e a<br />

possibilidade para fazer ambas as coisas ao mesmo tempo era mais do que alguns podiam resistir.<br />

Embora não sabia de nenhum guia de ruas na área de Pittsburgh, eles eram um grupo nômade e<br />

meus expedientes estavam sempre atrasados.<br />

Meu perseguidor não era um guia de ruas. Os lobisomens têm um aroma subjacente<br />

distinto e este tipo não o tinha. Era um homem. Além disso, seu aroma não me entregava muito<br />

para seguir. Não usava loção pós barbear.<br />

Um pouco de aroma de corpo, como se seu desodorante tivesse alcançado seu limite de<br />

tempo. Por outra parte, era limpo. Muito limpo. Não esperava isto de um violador ou assaltante.<br />

Sim, sei que não todos os degenerados são vagabundos desalinhados, sem barbear. A maioria não<br />

o é. Mas tampouco são, geralmente, fanáticos da higiene. Minha curiosidade despertou, e decidi<br />

conseguir um olhar em meu caçador.<br />

Ainda impaciente por evitar a confrontação, tentei obter um olhar de longe. Para encontrálo,<br />

detive-me no meio da rua vazia, inclinei-me, e atei de novo meus sapatos. Então resmunguei<br />

sob meu fôlego, amaldiçoando-os por haver-se desfeito, e os refiz. Para o terceiro nó, o tipocaçador<br />

se deteve, provavelmente me amaldiçoando por me deter no meio da rua em vez de em<br />

alguma esquina sombreada e agradável. Inclinou-se em sua esquina, ocultando-se longe do<br />

aspecto impreciso de movimento que ainda havia na outra rua. Escondia-se no nicho de um<br />

edifício a minha esquerda.<br />

Endireitando-me, lancei-me a fazer flexões com o tendão da curva. A metade de caminho<br />

de fazer o segundo grupo de flexões, pus-me a correr. Correndo a tudo o que podia, meti-me no<br />

beco junto ao edifício onde meu caçador se escondia. Quando ele correu depois de mim, eu<br />

estava atrás do edifício adjacente. Parei em uma entrada traseira e esquadrinhei os arredores. Uns<br />

metros a minha esquerda, vi o que queria. Algo escuro e parecido a um míssil.<br />

Meia dúzia de garrafas de cerveja estava dispersa ao redor da porta. Agarrando a mais<br />

22


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

próxima, lancei-a pelo beco traseiro. Estrelou-se em algum lugar atrás do seguinte edifício. Por<br />

sorte, meu caçador não era surdo. Quando alcanço o final do beco do lado, deu volta para ruído e<br />

se dirigiu naquela direção, afastando-se de mim.<br />

Mantendo-me nas sombras, olhei ao homem quando se afastou. 1.80 ou 1.85 de altura. Peso<br />

médio. Vestido com calças escuras e jaqueta. Uma espécie de chapéu. Boina de beisebol? Ele<br />

reduziu a marcha, fez uma pausa, observando o entorno. Então ele ficou de barriga para baixo<br />

sobre o chão e se arrastou lentamente, com a cabeça movendo-se de um lado ao outro, como um<br />

franco-atirador que se arrasta pela selva. Algo pendia de sua mão. Uma arma. Uma arma grande.<br />

Bem, Elena.<br />

Está sendo espreitada através de Pittsburgh por um veterano do Vietnam armado. Isto é o<br />

que consegui por olhar o pelotão com o Clay a semana passada. O tipo provavelmente levava<br />

uma garrafa da Turquia Selvagem.<br />

Me colocando perto da parede, eu deslizei para meu caçador. A luz de uma ampulheta nua<br />

cintilava sobre o que ele sustentava na mão. Definitivamente uma arma. Entrecerrou os olhos<br />

para conseguir uma melhor vista de sua equipe. Tinha posto uma calça militar negro. De acordo,<br />

já basta de flashbacks de pelotão. As calças militares não vinham em negro, ao menos não<br />

acreditava que o fizessem. O tipo levava colocado calças folgadas negras, uma jaqueta<br />

igualmente folgada, uma boina escura, e botas escuras e grossas.<br />

Deteve-se. Esmaguei-me contra a parede e esperei. Atirando de sua boina com uma mão,<br />

arranhou sua cabeça com a outra. No silêncio da noite, suas unhas rasparam seu cabelo curto.<br />

Cabelo muito curto. Como corte militar. Mantendo sua boina longe, tomou algo de seu bolso,<br />

estalou sua boneca, e o levantou seu ouvido.<br />

— Ela saiu do caminho? - murmurou pelo rádio. Assumi que era um rádio porque não o vi<br />

apertar nenhum número de telefone. Sim... não. Ela deve ter me visto. Assustou-se e correu.<br />

Apanhou-me com a guarda baixa... sim... não, não. Não notei isso. Não é difícil perder um lobo<br />

aqui fora.<br />

Lobo? Disse ele lobo?<br />

Realmente, este não era meu dia.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

HOUDINI 10<br />

— Não - disse meu caçador por seu rádio — O que?... Sim. Provavelmente. Vai controlar<br />

a Tucker?... Não, caminharei. Diga ao Pierce que os devolva... Sim? Bem, não é tão longe...<br />

Manda-os em casal.<br />

Guardou o rádio em seu bolso. Logo levantou sua arma e fez algo para voltá-la menor,<br />

dobrou o barril ou desparafusou algo. Hei, sou canadense. Não conheço as armas da rua. De<br />

algum jeito fez que a arma ficasse da metade de seu tamanho, levantou a jaqueta, e a pôs em uma<br />

10 Harry Houdini, nome artístico de Ehrich Weiss, (Budapeste, 24 de Março de 1874 — Detroit, 31 de Outubro de 1926) foi um dos<br />

mais famosos mágicos dos Estados Unidos, para onde sua família emigrou quando ele tinha quatro anos, em 3 de julho de 1878, a<br />

bordo do SS Fresia. Teve uma infância muito pobre, o que o obrigou a trabalhar desde cedo. Foi perfurador de poços, fotógrafo,<br />

contorcionista, trapezista. Foi também ferreiro e nesse ofício ele aprendeu os truques que mais tarde o transformariam no maior<br />

mágico ilusionista do mundo. Certa vez, seu chefe encarregou-lhe de abrir um par de algemas cuja chave um policial perdera. Após<br />

inúmeras tentativas usando serras, Houdini teve a idéia de pinçar a fechadura para abri-la. Ele conseguiu e a maneira como o fez<br />

serviu de base para abrir todas as algemas que empregava em seus truques. Desde então passou a se apresentar como mágico,<br />

fazendo números nos quais se libertava não só de algemas, mas também de correntes e cadeados, dentro de caixas, dentro de<br />

tanques fechados; dentro e fora d'água, de todo o jeito. Fez um sucesso enorme e ninguém até hoje conseguiu desvendar seus<br />

truques por completo, mesmo depois dele ter escrito boa parte dos segredos em livro. Houdini tinha habilidades impressionantes.<br />

Era capaz, por exemplo, de ficar vários minutos dentro d'água sem respirar. E foi numa destas demonstrações de suas habilidades -<br />

a "incrível resistência torácica" - que ele morreu. Após apresentar o número para uma platéia de estudantes em Montreal, no<br />

Canadá, enquanto ele ainda exibia o "super" tórax, um dos estudantes, boxeador amador, invadiu os bastidores e sem dar tempo<br />

para que Houdini preparasse os músculos, golpeou-lhe o abdômem com dois socos. Os violentos golpes romperam-lhe o apêndice,<br />

e quase uma semana depois ele morreu, num hospital de Detroit. Era o fim de Harry Houdini, considerado até hoje o maior mágico<br />

que já existiu. Houdini também atuou como um desenganador, ou seja, desmascarando pessoas que alegavam possuir poderes<br />

sobrenaturais tais como médiuns.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

pistoleira.<br />

Segui o tipo-caçador pela rua. Ali se encontrou com um segundo homem, também vestido<br />

com um traje inteiro uso ladrão gótico. Ambos tiraram suas boinas e as meteram em uma mochila<br />

dobradiça. Logo desabotoaram as jaquetas, tentando ver-se tão normal como era possível sem<br />

revelar as armas. Dirigiram-se para o leste. Segui-os.<br />

Pela terceira volta, já sabia onde foram. Estávamos ainda a uma meia milha de distância,<br />

mas já sabia. Tal como esperava, caminharam três blocos, dobraram à esquerda, caminharam uma<br />

rua reta, avançaram frente a três blocos mais, e terminaram diante do hotel onde eu me tinha<br />

reunido com as Winterbournes essa tarde. De modo que minha preocupação por homens armados<br />

escondidos no quarto de hotel das Winterbournes não tinha sido tão paranóico depois de tudo. Só<br />

que em vez de ter suas cortes lançando-se sobre mim ali, tinham esperado a ir atrás de mim sob a<br />

calada da noite.<br />

Esperei a que os homens se metessem diretamente no vestíbulo dianteiro. Quando não o<br />

fizeram me surpreendi, e logo compreendi que dois tipos vestidos de negro caminhando pelo<br />

vestíbulo de um hotel caro às 4 da manhã fariam arquear umas quantas sobrancelhas... e alguns<br />

alarmes. Convidados ou não, tomavam a rota traseira. Rodearam até chegar a uma porta lateral.<br />

Meu caçador se apoiou contra a parede, bloqueando minha visão, enquanto seu amigo tocava a<br />

aldrava. Passaram dois minutos. Então a porta se abriu e se deslizaram dentro. Contei até vinte e<br />

fui atrás deles.<br />

Os dois homens tomaram a escada. Subiram ao quarto piso, abriram a porta de saída, e<br />

olharam atentamente. Depois de uns momentos de discussão, o companheiro de meu caçador se<br />

deslizou para o corredor, abandonando ao tipo-caçador no oco da escada.<br />

Agora, tinha um dilema. Desde minha vantajosa posição debaixo do caçador, não podia<br />

ver nada, não a ele e certamente não a seu companheiro, embora a porta estivesse aberta. Tinha só<br />

uma opção. Quando eu tinha entrado com Paige, tinha notado um segundo jogo de escadas ao<br />

lado oposto do vestíbulo. Poderia sair ao terceiro piso, encontrar a escada alternativa, subir ao<br />

quinto, e dar a volta por atrás da escada. Dos degraus de cima, seria capaz de ver. Ainda mais, o<br />

caçador provavelmente esperaria algum perigo de baixo, alguém subindo do nível inferior. Por<br />

outra parte, o plano também significava que eu seria incapaz de ouvir e cheirar durante ao menos<br />

uns minutos. Era melhor ficar onde podia usar esses dois sentidos? Quanto mais esperava, mais<br />

arriscado seria ao partir. Arrastei-me pela escada para o terceiro piso.<br />

Rodear não era um problema. As saídas estavam marcadas a cada final do corredor. Voltei<br />

para primeiro oco da escada, tirei os sapatos, deslizei pela porta do quinto piso, e desci a escada<br />

até que estive meia dúzia de passos de aterrissar sobre o quarto andar, onde o tipo-caçador<br />

esperava. Deslizando meus sapatos de volta, pus-me de coque para olhar atentamente através do<br />

corrimão. Perfeito. Agora tinha o som, o aroma, e a vista. O companheiro de meu caçador estava<br />

frente ao quarto 406. As Winterbournes. Estava de coque em frente à porta, escolhendo alguns<br />

instrumentos de abrir fechaduras. De modo que não tinham sido convidados. Talvez as<br />

Winterbournes tinha estado dizendo a verdade sobre estar em perigo.<br />

Ao menos, dizendo à verdade sobre elas estando em perigo. E eu? Bem, eu não teria<br />

estado em Pittsburgh se não fosse por elas, verdade? De algum jeito duvidava que estes<br />

milicianos tivessem estado me espreitando esta noite se eu me tivesse ficado em casa. Se as<br />

Winterbournes eram cúmplices nisto, ainda poderia culpá-las disso. Questão afortunada, porque<br />

definitivamente queria culpá-las de algo.<br />

O tipo-caçador se balançou desde seus calcanhares aos dedos do pé, resmungando baixo.<br />

No corredor, seu companheiro limpava sua cara suarenta em seu ombro. Parou, esticou-se, e ficou<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

de joelhos outra vez. Várias vezes tentou mover o trinco da porta, logo virava para seu<br />

companheiro e sacudia a cabeça. Finalmente meu caçador o chamou que voltasse. Eu subi<br />

rapidamente três degraus, ficando fora de visão. Entraram no oco da escada e fecharam a porta.<br />

—Não dá - disse o tipo da fechadura. —Não consigo. Estou seguro que arrebentei a<br />

fechadura, mas mesmo assim não abre.<br />

— Ferrolho quebrado?<br />

O tipo da fechadura sacudiu a cabeça. —Comprovei o lugar esta manhã. Fechaduras e<br />

chaves passadas de moda.<br />

— Chama o Tucker. Vi um telefone público fora. Linha de terra. Esperarei aqui.<br />

O tipo da fechadura trotou para baixo pela escada. Quando a porta do primeiro andar se<br />

balançou e fechou detrás dele, ouvi outra porta que se abria, no quarto piso. O tipo-caçador abriu<br />

a saída para olhar o corredor. De repente fez um ruído profundo com a garganta, um sorrisinho<br />

sufocado. Desci uns poucos degraus, pus-me de coque outra vez, e olhei a fresta da porta.<br />

Paige Winterbourne estava de pé no corredor, com os braços cruzados através do peito,<br />

vestida com uma blusa de seda verde e um casaco combinando. Franzindo o cenho, contemplou o<br />

corredor. Então se deteve e contemplou a saída onde nos escondíamos. Embora a porta estivesse<br />

aberta só um par de polegadas, devia ter visto a luz ou a sombra através dela. Quando olhou, o<br />

tipo-caçador vacilou, sustentando o trinco, pronta apara fechá-lo. Se ela tivesse voltado para seu<br />

quarto para chamar segurança, ele se teria escapado. Mas não o fez. Estreitou os olhos e avançou<br />

para nós. Outro clichê de filme de horror. Quando a estúpida e ingênua garota ouve um golpe na<br />

noite, retira-se a um lugar seguro e telefona por ajuda? É obvio que não. Tem que ver o que há<br />

atrás dessa porta aberta. Tudo o que Paige necessitava agora era perder o negligé, então poderia<br />

correr nua e gritar para o corredor quando abrisse todas as portas e encontrasse o assassino que<br />

estava à espreita atrás.<br />

O tipo-caçador rompeu o roteiro. Em vez de esperar que Paige abrisse a porta, tirou sua<br />

arma. Logo empurrou e abriu a porta outro pouco e levantou a arma até a fresta da porta. O ano<br />

passado, eu tinha visto uma mulher inocente assassinada a tiros por minha culpa. Se Paige era<br />

inocente ou não era uma matéria de debate, mas duvidava que merecesse ser assassinada em um<br />

vestíbulo de hotel. Saltei sobre o corrimão e aterrissei atrás do homem. Ele caiu para frente.<br />

Agarrei sua cabeça e girei seu pescoço. A mais simples, suave, forma de matar.<br />

Enquanto o deixava cair com o rosto para o chão, elevei a vista para ver Paige sustentar a<br />

porta aberta e olhar fixamente.<br />

—Monta guarda - disse. —Está aberto seu quarto?<br />

— Meu…? Umm, sim.<br />

Levantei o morto sobre meu ombro e passei pela frente dela no corredor. —Disse que<br />

montasse guarda. Ele não estava sozinho.<br />

—Onde está ah, espera. Meu quarto? Não pode pô-lo… - Ela se deteve. Leva-o a suíte ao<br />

lado da nossa. Está vazia.<br />

—Tanto melhor.<br />

—Posso abrir a porta com um feitiço - disse ela.<br />

Apressou-se pelo vestíbulo, passando junto a mim, murmurando palavras em um idioma<br />

estrangeiro. Enquanto ela falava, cobri minha mão com minha camiseta, elevei-a, e rompi o trinco<br />

do quarto vazio.<br />

— Volta correndo e traz uma arma - disse. — Logo acorda a sua tia e traga-a aqui.<br />

Paige vacilou, como uma reação contra aceitar ordens. Pareceu pensar melhor a respeito de<br />

discutir e fez uma pausa só um segundo antes de trotar ligeiramente para o oco da escada.<br />

26


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Arrastei ao morto ao banheiro, fechei a porta, e comprovei em seus bolsos procurando uma pista.<br />

Nada. Ver o rádio em seu bolso me recordou que havia um segundo homem armado, e Paige e<br />

sua tia levavam seu tempo evacuando seu quarto.<br />

Abri a porta do banheiro quando elas entravam no quarto vago. Paige ainda levava<br />

colocada sua blusa e o casaco. A bata larga da Ruth cobria sua roupa de dormir. Ambas levavam<br />

uma muda de roupa e suas bolsas, e Paige tinha a arma.<br />

—Boa idéia - disse. —Estão todas suas coisas ali?<br />

—Não tem sentido abandonar qualquer pista se conseguem forçar a entrada - disse Paige.<br />

—Se tivermos que fazê-lo, podemos deixar o resto das coisas atrás.<br />

—Paige me disse o que passou - disse Ruth. —Estamos muito agradecidas. Também muito<br />

impressionadas. Tem uns reflexos excelentes.<br />

—Aulas de defesa pessoal - disse.<br />

— Ainda não admite a coisa de lobisomem? - perguntou Paige.<br />

Caminhei rumo ao banheiro e sustentei a porta aberta. —Alguma de vocês havia visto este<br />

tipo antes? Não toquem nada. Os policiais tirarão o pó procurando pistas.<br />

— Policiais? - repetiu Paige.<br />

—Sim, policiais. Quem acredita que dirigirá a investigação do assassinato? A segurança<br />

do hotel?<br />

— Assassinato? Quer dizer que ele está morto?<br />

—Não. Descansa comodamente - disse. —As pessoas sempre dormem melhor com suas<br />

cabeças em um ângulo de noventa graus. Parece cômodo, verdade?<br />

—Não há necessidade do sarcasmo - disse Paige fortemente. —Talvez você esteja<br />

acostumada a transportar cadáveres, mas eu não.<br />

— Uma vida segura. Supõe-se que é uma bruxa e nenhuma vez teve que matar a ninguém?<br />

A voz de Paige se apertou ainda mais. —Usamos métodos alternativos de defesa.<br />

— Como o que? Fazer feitiços para que seus atacantes tenham pensamentos felizes?<br />

Converter suas armas em flores? Paz e amor por todos?<br />

—Eu teria usado um feitiço para apanhá-lo - disse Paige. —Manter o tipo vivo para logo<br />

interrogá-lo. Oh. Essa é uma idéia nova. Se não o tivesse matado, talvez pudéssemos ter falado<br />

com ele.<br />

— Oh, isso é certo. Os feitiços para apanhar ultra-eficientes da Paige. Dir-lhe-ei algo. A<br />

próxima vez que eu veja um tipo te apontar uma arma, deixarei que faça as coisas a sua maneira.<br />

Começa sua invocação e vê se pode terminar antes que ele lhe mate a tiros. É um trato?<br />

Paige levantou a arma, abriu-a, tirou um dardo de tranquilizador, e o sustentou —<br />

Ninguém queria me matar.<br />

— Está segura disso? - perguntou uma voz masculina.<br />

Paige e eu saltamos. Inclusive Ruth elevou a vista, assustada. Na esquina do dormitório<br />

havia um homem vestido com o mesmo traje negro que o morto no chão. Era de altura e peso<br />

médios, com cabelo castanho, mas não curto ao estilo militar. Só um traço a vista, uma cicatriz<br />

fina que percorria da frente até o nariz me assegurava que nunca tinha visto este homem antes.<br />

Joguei uma olhada para a porta do corredor. Ainda estava fechada e com chave. A muda de roupa<br />

do Paige estava pendurada dela. Então, como tinha entrado este tipo?<br />

—Alegra-me ouvir que não teria matado ao pobre Mark - disse o homem, sentando-se no<br />

bordo da cama, estirando as pernas e cruzando os tornozelos. —Muito esportivo de sua parte.<br />

Suponho que o que se diz das bruxas é verdadeiro. Tão desinteressadas, tão preocupadas com<br />

outros, tão incrivelmente ingênuas.<br />

27


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Caminhei para ele.<br />

— Não o faça! - assobiou Paige.<br />

— Esta é a lobisomem fêmea? - O homem girou seus sujos olhos marrons para mim, em<br />

uma olhada cheia de satisfação. —Melhor do que esperei. Assim, vem, garota-lobo? Ou tem<br />

coisas físicas que fazer? - seu sorriso satisfeito se alargou.<br />

Joguei uma olhada a Paige e Ruth.<br />

— Oh, elas vêm também - disse o homem. —Mas não estou preocupado por elas. Só<br />

bruxas, você sabe. Farão o que lhes digam que façam.<br />

Paige fez ruído com sua garganta, mas Ruth pôs uma mão refreando-a em seu braço.<br />

— De modo que, sequestra-nos? -Perguntei.<br />

O homem bocejou. —Isso parece, verdade?<br />

— O que significa isto para você? - perguntou Paige.<br />

—Vejamos? -O homem me olhou. —Estas são bruxas para ti. Fazem-me sentir culpado.<br />

Apelam a meu lado mais amável, mais suave. O qual poderia funcionar, se eu tivesse um, claro.<br />

— Então trabalha para o Ty Winsloe? - respondi.<br />

— Oh, vamos, senhoras. E tanto como eu gostaria de conversar a respeito de minhas<br />

motivações e as possibilidades dos Yanquees na Série Mundial…<br />

Investi contra ele, saltando os cinco pés entre nós. Minhas mãos se sobressaíram, prontas<br />

para agarrá-lo pelo peito e derrubá-lo para trás. Mas não o fizeram. Em troca, golpeei o ar vazio e<br />

caí na cama, me enroscando rapidamente e me girando antes do contra-ataque. Mas não veio.<br />

Girei para ver o homem apoiar-se na porta do dormitório, com a mesma expressão aborrecida em<br />

sua cara.<br />

— É o melhor que pode fazer? - suspirou. —Grande desilusão.<br />

Avancei para ele, lentamente, com os olhos fixos nele. Quando estive o bastante perto para<br />

ouvir o batimento do coração de seu coração, detive-me. Ele sorriu abertamente outra vez e seus<br />

olhos faiscaram com antecipação infantil, como um menino impaciente por começar um jogo.<br />

Sua garganta palpitou, palavras movendo-se para sua boca. Antes que ele pudesse dizer algo,<br />

balancei meu pé direito, enganchei suas pernas, e atirei. Ele caiu para trás. Então desapareceu, por<br />

um segundo caindo para trás como um tijolo, e ao seguinte - não estava ali. Simplesmente não<br />

estava.<br />

— Inteligente — disse ele desde algum lugar detrás de mim.<br />

Girei para vê-lo de pé no banheiro junto ao cadáver.<br />

— É boa nisto - disse ele, um sorriso iluminando seus olhos. —Eu adoraria te dar outra<br />

oportunidade, mas meus compatriotas já estão a caminho. Não posso lhes deixar me encontrar<br />

jogando com o inimigo. Não o entenderiam. Humanos.<br />

Ele se inclinou para agarrar a arma com o tranquilizador que Paige tinha deixado cair. Os<br />

lábios da Ruth se moveram. O homem se deteve metade de alcançá-la, seus braços poderiam<br />

haver-se flexionado e meio doido o metal. Mas sua mão não se moveu.<br />

— Avancem! - disse Ruth, tomando seu moedeiro do chão. —Isto não durará.<br />

Paige correu através do quarto, agarrou meu braço, e me arrastou para a porta. Sacudi-me<br />

e me voltei para o homem. Ele estava imobilizado. Não importava se não durasse. Não<br />

necessitava muito tempo. Avancei para ele. Paige agarrou meu braço outra vez.<br />

— Não há tempo! - disse. —Ele poderia rompê-lo em qualquer segundo.<br />

—Vai!! - respondi.<br />

— Não - disse Ruth.<br />

Juntas me empurraram para porta. Resisti, mas estavam claro que não iriam a nenhuma<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

parte sem mim, e eu não tinha nenhum interesse em arriscar a vida de ninguém, incluída a minha.<br />

De modo que corri fazia a escada. Elas me seguiram.<br />

Tínhamos baixado quase dois lances de escadas quando ouvi som de passos subindo ao<br />

fundo. Girei e empurrei a Paige para trás. Enquanto corríamos à saída do terceiro piso, alguém<br />

gritou de baixo. O som de passos se voltou um rápido batimento do coração quando se dirigiram<br />

para cima atrás de nós.<br />

Passei a frente de Ruth e Paige e as conduzi pelo corredor para a escada da frente. Nossos<br />

perseguidores estavam já no terceiro piso quando nós escapamos pela outra porta. Para baixo<br />

pelas escadas. A saída de emergência do primeiro andar. Os alarmes soaram.<br />

Paige deu a volta para o norte. Agarrei seu braço e a atirei para trás.<br />

— Essa é a rua - vaiei, empurrando-a diante de mim quando nos dirigimos ao sul.<br />

— Eles não matarão a tiros diante das pessoas - disse detrás de mim.<br />

— Quer apostar? Quanta gente acredita que haverá aí às quatro e trinta da manhã?<br />

— Só corre - disse Ruth. —Por favor.<br />

Os alarmes pareceram respirar aos homens. Talvez alguém os deteve. Eu não sabia e não<br />

me preocupava. Tudo o que importava era que corremos até o final sul do beco, giramos ao oeste,<br />

e estávamos a metade de caminho esse beco antes que pudesse ouvir nossos perseguidores saindo<br />

do hotel, ladrando ordens. O beco oeste se acabou.<br />

Nossas opções eram: o sul a um beco sem saída ou o norte para a rua. Com a Ruth e Paige<br />

vestidas com camisolas de noite, não estava segura de que correr em direção a possível segurança<br />

da rua era uma boa idéia. Mas ―o beco sem saída‖ tinha uma aparência realmente sinistra. Então<br />

girei ao norte e segui correndo. Realmente, ―correr‖ era um exagero. Chamem-no um trote<br />

rápido. Enquanto Paige conseguia manter-se a meu lado, obrigar a sua tia já entrada em anos a<br />

correr a meu passo normal teria sido tanto uma sentença de morte como abandoná-la ali.<br />

Ao sair à rua, topamos com um beco estreito que ia para o Oeste e virei por ele. Os<br />

homens estavam rodeando agora a esquina norte, sua respiração pesada como o uivo de sabujos<br />

atrás de nossos calcanhares. Alegrei-me de que Ruth e Paige não pudessem ouvi-lo. Diante, um<br />

contêiner de lixo bloqueava a rota Oeste. Podia ver uma volta ao sul e supus que havia uma volta<br />

para o norte também. Não havia. Pior ainda, a bifurcação para o sul terminava em uma parede de<br />

3 metros.<br />

— Sobre o contêiner - sussurrei. —Saltarei e as levantarei.<br />

Ruth sacudiu a cabeça —Ali abaixo - respirou com dificuldade, assinalando ao sul.<br />

—Mas não há…<br />

—Esconder-se - disse.<br />

Entortei os olhos para o beco escuro. Não havia nenhuma coberta ali, além de sombras.<br />

Dava-me volta para a Ruth para lhe dizer, mas vi sua cara. Estava carmesim, seu peito elevandose,<br />

cada respiração a fazia estremecer-se. Não podia ir mais longe.<br />

Assentindo com a cabeça, conduzi-as para o beco do sul e fiz gestos para que ficássemos<br />

de pé contra a parede oeste, onde as sombras eram mais profundas. Pus a Ruth, com sua camisola<br />

de noite amarela pálida, no lugar mais afastado, coberta pelo Paige e por mim. Isso não ajudaria.<br />

Eles nos veriam. Uma olhada por este beco e estaríamos apanhadas. Todo que eu podia fazer<br />

agora era me preparar para confrontá-los.<br />

Apenas nos tínhamos colocado nas sombras quando três homens fizeram um alto diante do<br />

contêiner. Um era o tipo da fechadura, o outro era o Houdini do quarto do hotel, e o terceiro era<br />

outro clone de estilo militar.<br />

— Não se mova - sussurrou Paige, tocando meu braço.<br />

29


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Não acreditei que isso ajudasse, mas se as fazia sentir-se melhor, ficaria quieta até<br />

fôssemos descobertas. Os homens olharam o contêiner, logo jogaram uma olhada para o beco do<br />

sul, muito rápido para nos ver. O tipo da fechadura caminhou de um lado do contêiner ao outro.<br />

— Bloqueado - disse. —Não há outro caminho além de saltar.<br />

— Com uma senhora velha? - disse o tipo novo. —De maneira nenhuma.<br />

O Houdini se apoiou contra a parede de tijolo do norte, tomou um cigarro de seu bolso, e<br />

prendeu um fósforo A chama iluminou seu rosto durante um segundo, logo chispou na escuridão.<br />

Prendeu o fôlego enquanto os dois tipos militares discutiam sobre a probabilidade de que<br />

tivéssemos escalado o contêiner.<br />

Olá! Estávamos a seis metros de distância, a quase plena vista. Mas ninguém disse que os<br />

militares eram recrutados por seus cérebros. Além disso, quanto mais olhava a estes tipos, mais<br />

duvidava de que atuassem sob os auspícios de qualquer asa da tropa americana. Então, o que<br />

eram eles? Militares aposentados talvez? Mais provavelmente militares descartados. Ou esses<br />

grupos de tropa que aparecem com frequência alarmante nos noticiários americanos. Não<br />

importava. Brilhantes, não eram.<br />

Quando me voltava para o Houdini, ele me olhou diretamente. Sabia exatamente onde<br />

estávamos. Por que não dizia a seus companheiros? Porque queria que suássemos. A extensão do<br />

jogo do gato e o camundongo. Levantou o cigarro e inalou. A brasa vermelha brilhou na noite,<br />

logo caiu, piscando na escuridão antes de tocar a terra em uma cascata de faíscas. Quando<br />

caminhou para o beco do sul, estiquei-me e contive o fôlego. Seus olhos exploraram o beco, sobre<br />

nós mas não em nós. Terno. Fingia não poder nos ver. Nos tranquilizar com um sentido falso de<br />

segurança. Bastardo sádico. Contive meu fôlego e me preparei para o ataque.<br />

30


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

REUNIÃO<br />

Houdini caminhou até ficar a menos de um pé de mim, olhou a parede de frente, logo<br />

virou seu olhar para onde eu estava. Aqui estávamos. Tomava seu agradável tempo, pretendendo<br />

não me ver. Então, de repente, encontraria meus olhos e bingo, desfrutaria com o medo que<br />

esperava ver ali.<br />

Apertei os dentes enquanto sua cabeça se girava para a minha. Mas seu olhar se seguiu<br />

movendo, diretamente sobre minha cara, seus olhos não piscavam. Grunhiu. Um músculo sob sua<br />

cicatriz fez um espasmo. Deu a volta para a parede ao final do beco e elevou a vista. Então<br />

desapareceu. Um rangido de papel fez erupção ao outro lado da parede. Uma maldição. Então<br />

esteve de volta, caminhando a pernadas para os imbecis militares.<br />

—Lixo quieto ao outro lado da parede - disse. —Não tomaram esse caminho. Sobre o<br />

contêiner ou vocês, menino, deram uma volta incorreta. Comprovarei no outro lado do contêiner,<br />

mas arrumado por isso último. Humanos.<br />

Seus companheiros começaram a resmungar, mas Houdini tinha desaparecido já. Um<br />

minuto mais tarde voltou.<br />

—Atoleiros - disse. —Sem pistas molhadas que conduzam a elas. Estamos ferrados.<br />

O tipo da fechadura o fulminou com o olhar. —Se fosse tão grande rastreador, por que não<br />

tomou a dianteira?<br />

—Não é meu trabalho - disse Houdini, caminhando ao este pelo beco. —Sou das<br />

Operações Especiais.<br />

—Assim é - disse o tipo da fechadura atrás dele. —Têm super poderes. Então deveria ter<br />

sido capaz de te lançar em um brilho para a saída de hotel antes que escapassem. Oh, lamento.<br />

Esqueci. Não tem esse poder, verdade?<br />

Houdini não deu a volta, só estendeu seu dedo do meio no ar e seguiu andando. O tipo da<br />

fechadura jogou uma olhada ao contêiner outra vez, logo olhou atentamente o beco do sul. A<br />

menos que fosse cego de noite, deveria nos haver visto. Mas não o fez. Bufou algo ao terceiro<br />

homem e saíram depois do Houdini.<br />

Quando estavam fora do alcance do ouvido, Ruth se inclinou para mim e sussurrou —<br />

Feitiço de Cobertura. O teria mencionado, mas não havia tempo.<br />

Escutei os passos retirando-se, esperando até que se foram, logo me girei para ela —<br />

Funcionou, mas não acredito que tenha algo um pouco mais hábil nessa bolsa de brincadeiras, se<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

por acaso voltam.<br />

Ruth riu entre dentes — O lamento. Nossa magia está desenhada para a defesa, não a<br />

ofensiva.<br />

—Temos alguns encantamentos agressivos - disse Paige. —Mas levam tempo para<br />

preparar-se.<br />

A boca da Ruth se apertou.—Não os usamos. Não é nossa forma de fazer as coisas.<br />

Recordei o que Houdini disse sobre as bruxas. Pessoalmente, prefiro deter meus atacantes<br />

permanentemente, mas as bruxas pareciam ter uma filosofia diferente.<br />

Pensando no Houdini, tive que perguntar, — O que era esse tipo?<br />

—Meio demônio com capacidades de tele transportação - disse Paige. —Em uma fila<br />

limitada, provavelmente não mais de 2 a 5 metros. Descendente de um demônio menor, daí a<br />

energia diluída. Minha conjectura é que é o melhor que Winsloe e seu rebanho tem. É por isso<br />

que querem espécimes melhores.<br />

— Espécimes? - respondi.<br />

—Explicaremos na reunião - disse Ruth. —Agora mesmo temos que encontrar algum<br />

lugar seguro.<br />

—Posso nos colocar no contêiner - disse. —É sujo, mas mais seguro que voltar para hotel.<br />

Ruth assentiu com a cabeça e nos apressamos pelo beco. Saltar ao contêiner não era a rota<br />

mais agradável, mas era bastante fácil. Um salto de três metros não era nada para um lobisomem.<br />

Tampouco o subir a duas mulheres de tamanho médio. O fedor era o pior de tudo, o suficiente<br />

para me fazer perder o apetite, o qual era uma façanha em si mesmo. Descemos pelo outro lado<br />

sem ouvir nenhum som do outro beco. Nossos perseguidores se foram.<br />

Uma vez fora do contêiner, segui meu nariz por volta de uma loja de rosquinhas aberta<br />

durante toda a noite. Conseguimos nos mover sigilosamente pelo estacionamento e nos escapulir<br />

nos serviços sem chamar a atenção. Comprei café e rosquinhas e os levei aos serviços onde Paige<br />

e Ruth se limpavam. Enquanto elas comeram, movi-me sigilosamente pela porta com o pôster ―só<br />

empregados‖ e assaltei os armários de roupa do pessoal. Não estava segura do que encontraria,<br />

mas algo tinha que ser melhor que as camisolas de noite, de modo que agarrei o que encontrei e o<br />

levei a banheiro. Estivemos de acordo em que era o momento para nos separar.<br />

—Tome cuidado - disse Ruth quando me dispus a partir. —Olhe sobre suas costas e vá<br />

diretamente ao aeroporto. Ver-lhe-emos na reunião.<br />

Vacilei, não querendo dar a impressão de que por me juntar com elas essa tarde, eu estava<br />

pronta para me unir a sua reunião, mas Ruth tinha dado volta já e tinha começado a dirigir-se a<br />

Paige. Então murmurei meus adeus e me parti.<br />

***<br />

Voltei para meu hotel e respondi ao recepcionista que tinha ido fazer um pouco de jogging<br />

matinal e tinha deixado minha chave cartão no quarto. Escoltou-me até meu quarto, abriu-o, e<br />

esperou enquanto pretendia procurar a chave de cartão, embora, realmente, estava comprovando<br />

se tinha convidados escondidos. Uma vez que partiu, agarrei minhas coisas, saí, tomei um táxi ao<br />

aeroporto, e chamei o Jeremy.<br />

***<br />

Quando falei com o Jeremy, meu cérebro estava esgotado. Enquanto tinha estado correndo<br />

32


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

e me preocupando com a fuga, não tinha tido tempo de pensar a respeito do que via. Agora tinha<br />

muito tempo, e minha mente tomou plena vantagem disso. Bruxas e feitiços para reter. Demônios<br />

que se teletransportavam e homens de tropa armados.<br />

Pistolas com tranquilizadores e projetos de sequestro. Onde tinham ficado os velhos e bons<br />

dia quando tudo do que tinha que me preocupar era alguns guias de ruas enlouquecidos?<br />

lobisomem, esses sim podia dirigi-los. Mas isto? Que demônios era isto?<br />

Contei entrecortadamente toda a história ao Jeremy em uma inundação precipitada e<br />

semicoerente de palavras, agradecida de que tinha encontrado uma cabine telefônica privada e<br />

não tinha que me preocupar a respeito do que dizia. Jeremy esperou até que tive terminado, fez<br />

uma pausa para assegurar-se de que não diria mais, e então disse — Isso não soa bem.<br />

Tive que rir. Quando o fiz, senti que a tensão de meu pescoço e ombros se liberava, e me<br />

relaxei pela primeira vez esse dia. Típico do Jeremy. Professor das declarações incompletas. Eu<br />

poderia lhe haver dito que uma cabeça nuclear escapou da Rússia e se dirigia para Nova Iorque e<br />

ele haveria dito a mesma coisa, com o mesmo tom tranquilo e sereno.<br />

—E não - disse— não estive bebendo ou ingerindo narcóticos ilegais.<br />

Ele riu entre dentes — Acredito em você. Onde está agora?<br />

— No aeroporto.<br />

—Bom. Não voe a Syracuse. Compre um bilhete para Buffalo e tome cuidado com<br />

espectadores curiosos. Encontrar-te-ei no aeroporto.<br />

***<br />

Quando meu avião aterrissou, tinha-me acalmado o suficiente para me sentir bastante<br />

parva a respeito de chamar Jeremy ao bordo do pânico e fazê-lo conduzir quase três horas a<br />

Buffalo. Devia haver uma explicação lógica, não sobrenatural, para o que tinha visto a noite<br />

anterior. Não sabia qual poderia ser, mas estava segura que isto existia.<br />

Quando a multidão de passageiros que desembarcavam me conduziu à área de espera,<br />

observei as cabeças procurando o Jeremy e o descobri imediatamente. Com 1 metro e 87<br />

centímetros de altura, Jeremy podia não ser o tipo mais alto no lugar, mas, em geral, tinha uns<br />

quantos centímetros mais que seus vizinhos, o bastante altos para mim para vislumbrar uns olhos<br />

negros emoldurados por um par de sobrancelhas negras e arqueadas e umas mechas às que os<br />

fazia falta um bom corte.<br />

Quando ele se dignou me deixar cortar seu cabelo por última vez, tinha notado os<br />

primeiros fios de branco. Não era surpreendente, considerando que Jeremy tinha cinquenta e dois<br />

anos. Envelhecíamos lento, Jeremy parecia, como muito, com uns quarenta e, provavelmente,<br />

menos ainda, se não fosse pela pouca cor cinza, mas o gracejava sem piedade. Com o Jeremy,<br />

valia a pena aproveitar-se de qualquer defeito. Não tinha suficientes deles.<br />

Quando finalmente ele me viu, seus lábios se curvaram no mais nu dos sorrisos, então<br />

saudou com a cabeça e esperou que me aproximasse. Típico.<br />

—De acordo - respondi quando cheguei a seu lado. —Diga-me que reagi de maneira<br />

exagerada.<br />

Ele tomou minha bolsa. —Certamente que não. Muito melhor que não fazer caso disso e,<br />

digamos, não me chamar logo que encontrou a essas mulheres.<br />

—Lamento-o.<br />

Ele desprezou a desculpa. —Estamos neles agora. Vamos diretamente a Vermont.<br />

Empacotei nossas bolsas. Não parece sábio voltar para o Stonehaven até que saibamos mais sobre<br />

33


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

esta ameaça.<br />

— Então vamos à reunião?<br />

—Não temos muitas opções. Estas mulheres-bruxas parecem ter todas as respostas.<br />

— Então conseguiremos informação delas, não uniremos a elas?<br />

Jeremy riu entredentes. —Parece aliviada. Não se preocupe, Elena. A Manada não<br />

necessita nenhuma ajuda externa.<br />

—Tratei de chamar o Clay do aeroporto, mas não estava. Deixei uma mensagem lhe<br />

dizendo que precisávamos falar com ele. Deveria tratar de contatá-lo agora?<br />

—Ele viu sua mensagem e chamou casa. Expliquei-lhe o que aconteceu. Acredito que é<br />

melhor se não nos una para esta reunião. Em certa medida, duvido que tivesse seu melhor<br />

comportamento.<br />

—Posso até vê-lo. Meter-se à força na reunião, exigir respostas, e ameaçar lançando<br />

alguém pela janela mais próxima se as respostas não vierem o suficientemente rápido. E seria seu<br />

melhor comportamento.<br />

—Exatamente. Não é o tipo de entrada que tinha em mente. De modo que minimizei o<br />

perigo e lhe disse que você e eu poderíamos dirigi-lo. Manterei o informado, e se as coisas ficam<br />

difíceis, ele pode unir-se a nós.<br />

— E que passa com o Nick e Antonio? Estarão na Europa durante outras duas semanas.<br />

— Três - disse. —Telefonei e disse ao Tonio que estivesse alerta. Se os necessitarmos,<br />

chamaremo-los. Por outra parte, ainda se esta ameaça é verdadeira, Europa pode ser o melhor<br />

lugar para eles. Fora de perigo.<br />

—Então só somos nós dois.<br />

Outro sorrisinho. —Estou seguro de que sobreviveremos.<br />

***<br />

Passamos a noite em uma casinha de campo que Jeremy tinha alugado em Vermont.<br />

Apesar da temporada repleta, tinha conseguido encontrar um lugar onde os convidados originais<br />

tinham anulado sua reserva no último momento. Não só era em uma região isolada, arborizada,<br />

mas também superava o ―conveniente‖ e os arredores eram perfeitos, um chalé à beira de um lago<br />

longe do tráfego dos veranistas.<br />

Eu teria tido sorte de nos conseguir reservas em um motel de estrada de pouca qualidade.<br />

Confiava no Jeremy para encontrar o Éden em menos de um dia.<br />

A reunião seria realizada na Sparta, Vermont. Já na estrada, Jeremy tinha chamado o<br />

número de celular da Ruth e lhe havia dito que chegaríamos na segunda-feira, embora a reunião<br />

começasse no domingo. Realmente, planejamos chegar no domingo, mas ele imaginou que a<br />

mentira poderia nos ajudar. Se estivéssemos nos colocando em uma armadilha, chegando antes,<br />

tomaríamos com a guarda baixa.<br />

À medida que as horas empurravam Pittsburgh longe em minha memória, meu ceticismo<br />

ia voltando. O que tinha visto realmente? Nada que uma boa companhia teatral de magos ou<br />

ilusionistas não pudesse montar. Feitiços de Cobertura e demônios teletransportando-se? De<br />

acordo. À luz do dia, tais coisas pareciam ridículas. Fantasmas de noite e nervos. Era muito mais<br />

provável que, em efeito, estivéssemo-nos metendo em uma armadilha, uma armadilha inteligente,<br />

mas muito humana. Ao menos, estávamos a ponto de encontrar algumas pessoas seriamente<br />

enganadas.<br />

34


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

***<br />

A manhã seguinte, quando conduzimos pela estrada da montanha, podia ver Sparta diante,<br />

recostado no vale, uma igreja branca solitária na ladeira, sua cruz envolta em nuvens ou névoa da<br />

tarde. Casas de madeira aos flancos, todas as cores do arco íris, sobressaíam-se da vegetação de<br />

agosto. Galinheiros e celeiros vermelhos alegravam os espaços esculpidos pelo páramo. Casinhas<br />

de campo rosadas rodeavam um lago ao sul. Era um quadro perfeito... a distância. Quanto mais<br />

perto conduzia, mais se notavam os sinais de decaimento. As casas alegremente coloridas pediam<br />

a gritos uma mão de pintura ou uma recoberta de verniz. As fundações do celeiro se derrubavam<br />

em pilhas de pedras que logo que sustentavam a estrutura em cima. As cercas oxidadas e os<br />

postes podres permitiam fugir às vacas aos pastos vizinhos. As casinhas de campo da beira do<br />

lago não pareciam bastante grandes para conter uma cama de casal, muito menos um banheiro.<br />

Na orla da cidade passamos por uma placa assim ―Bem-vindos a Sparta, população, 600<br />

habitantes‖. O cemitério, cruzando o caminho, tinha mais pessoas que a cidade por si mesma.<br />

Uma cidade agonizante, sustentada por uma fonte decadente de turismo, um lugar de<br />

acampamento maciço fora dos limites de povo, lotado por reboques e casas rodantes e nenhuma<br />

loja de campanha à vista.<br />

O centro da cidade estava cheio de turistas, uns de camping, outros provavelmente de<br />

casinhas de campo próximas. Não era que o centro da Sparta fosse alguma classe de Meca para os<br />

compradores. Havia um posto de gasolina Exxon, um restaurante chinês, A Casa Chinesa do<br />

Wang, Corte e Cachos do Lynn, a loja geral para Comerciantes do Yankee, com a vaidade de ter<br />

jogos de videogame e sorvetes de nata, e a cafeteria sempre presente, chamada, neste caso,<br />

simplesmente Joe. Por isso podia ver, havia só três ruas na Sparta, a estrada que cruzava de lado a<br />

lado, a Rua Baker para o Oeste e New Moon para o este. As duas ruas laterais estavam cheias de<br />

casas que se diferenciavam só por suas cores, que iam do azul bebê à violeta profundo para<br />

terminar em verde lima. Apesar da abundância de terra aberta além da cidade, as gramas eram<br />

apenas o bastante grandes para permitir o uso de um cortador. As flores estavam em duas<br />

variedades: Calêndula e begônia. Coroas penduravam das portas principais, e letreiros que<br />

proclamavam ―Os Millers: John, Beth, Arenosa, Lori, e Duke. Bem-vindos Todos!‖<br />

—Estranho que tenham escolhido uma cidade tão pequena para sua reunião -disse.<br />

— Possivelmente - disse Jeremy, —mas quantas dessas pessoas que andam dando voltas<br />

por aqui acredita que vivem aqui atualmente?<br />

Vi seu ponto. Ambos os lados da estrada estavam lotados com caminhonetes e mini<br />

caminhonetes. Famílias passeavam pela rua, lambendo cartuchos de sorvete e bebendo a sorvos<br />

sodas diet. Os forasteiros provavelmente superavam em número dez a um aos residentes. Uns<br />

quantos mais não seriam notados.<br />

— Ooops, passamos - respondi. —O sinal para o Centro Comunitário está justo atrás.<br />

Sinto muito.<br />

Jeremy entrou em um estacionamento, esperou que uma brigada de carrinhos de bebê<br />

passassem, e logo girou a caminhonete e voltou. O Centro Comunitário estava ao final da Baker,<br />

uma boa meia milha além da última casa da rua. Jeremy reduziu a marcha para olhar para a Casa,<br />

logo seguiu uns metros mais e dobrou por uma rua sem saída. Encontramos um caminho que<br />

conduzia para ao Centro Comunitário através dos bosques. Discutimos a respeito de tomá-lo, mas<br />

nos decidimos em contra. Enquanto isso poderia nos haver dado uma possibilidade para nos<br />

mover sigilosamente e olhar ao redor, corríamos também o risco de que alguém da reunião<br />

escolhesse esse momento para caminhar ao ar livre e nos pescasse bisbilhotando entre as árvores.<br />

35


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Não era exatamente uma entrada solene.<br />

Tomando o caminho, aproximamo-nos com cuidado. Quando nós chegamos ao final,<br />

contemplei o estacionamento e contei quatro veículos: dois carros de aluguel médios, um Jipe<br />

com placa de Califórnia, e um Accord com placa de Massachusetts.<br />

—Vejo que as bruxas conduziram - respondi, gesticulando para o Accord. —Um tanto<br />

para os feitiços de teletransporte e as vassouras mágicas. E olhe a este lugar. É o Centro<br />

Comunitário. Vamos a uma reunião de raças sobrenaturais em um Centro Comunitário. Em um<br />

formoso dia do verão, e nem sequer um trovão de fundo. Não podiam ter encontrado uma grande<br />

casa Vitoriana em algum lugar?<br />

—O mausoléu do cemitério estava reservado. Se ergue os olhos à esquina esquerda sob o<br />

beiral, acredito que vejo uma teia de aranha.<br />

—Isso é uma fita. Uma fita rosada. De uma recepção de bodas.<br />

—Bom, estou seguro que encontrará algumas teias de aranhas dentro.<br />

—Seguramente, justo ao lado da mesa de sanduíches das Damas de Companhia.<br />

Jeremy se inclinou para ler a pronta posta em uma nota detrás de uma vitrine trizada.<br />

— Sob que nome estamos reservados? - Perguntei. — Conferência de estilo de vida<br />

alternativo New Age?<br />

—Não, a Oficina de Tecnologia Corporativa.<br />

— Grandioso. Bruxas sem vassouras, teletransporte, feitiços, ou imaginações. O que é o<br />

seguinte? Se houver vampiros ali, provavelmente bebem o substituto de plasma sanguíneo<br />

artificial. Esterilizado, é obvio.<br />

—Se houver vampiros, estariam em suas criptas agora mesmo. Estamos a plena luz do dia.<br />

—Então, nesse caso, posso concluir logicamente que os vampiros não existem, verdade?<br />

Se o fizessem, estariam na reunião. E se viessem à reunião, esta se teria realizado de noite. Ergo,<br />

uma reunião de dia significa que não há vampiros. Bônus.<br />

— Não é uma admiradora dos vampiros?<br />

—Não é isso. Pensa nisso. Bruxas, feiticeiros, magos, o que seja... são a liga menor. Se tais<br />

coisas existissem, não seriam mais que humanos dotados. Os lobisomem são a liga principal.<br />

Nenhum jogo de mãos mágicas pode exceder nossa grande brincadeira. Adiciona força sobrehumana,<br />

sentidos preternaturais 11 , e uma atitude realmente repugnante…<br />

—Fala por ti.<br />

—Excetuando a presente companhia. O ponto é que as bruxas não têm nada de nós. Mas<br />

vampiros? Os vampiros poderiam ser mais poderosos. Eles certamente conseguem a melhor<br />

imprensa. Eu poderia ir a essa reunião e averiguar que não sou a coisa mais malote na sala.<br />

—Talvez não, mas ainda será a coisa mais má viva na sala.<br />

Sorri abertamente — A parte do não morto. Não tinha pensado nisso.<br />

—A classificação apropriada é a chave. Agora, entremos.<br />

Jeremy empurrou a porta. Esta não se deslocou.<br />

—Fechado com chave - disse.<br />

Fez uma pausa um momento, como se considera se terei que chamar, mas eu sabia que não<br />

o faria. O Alfa dos lobisomem não esperava confessar ser admitido em nenhuma reunião de<br />

seres sobrenaturais. Jeremy golpeou a porta, mas esta não se rompeu, nem sequer tremeu.<br />

— Suponho que os poderes estão obrigados a falhar uma vez que chega a certa idade -<br />

disse. —Me Permita.<br />

11 Que estão fora do estado natural de ser de uma coisa.<br />

36


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Jeremy se apartou com uma careta zombadora. Agarrei o trinco, subi-o e baixei com força<br />

suficiente como para que a porta tivesse pirado de suas dobradiças. Não se moveu.<br />

— Oh - disse.<br />

— Oh, em efeito. Possivelmente poderia resfolegar e soprar e derrubar a porta.<br />

Uma imagem de Pittsburgh me veio à memória. O tipo da fechadura que se queixava de<br />

não poder abrir a porta de habitação de hotel das Winterbournes.<br />

—Um feitiço - disse. —Puseram um feitiço. Suponho que teremos que chamar.<br />

—Sei minha convidada.<br />

Era embaraçoso. Um lobisomem golpeando a porta. Aonde estava indo o mundo? De<br />

todos os modos, não tínhamos nenhuma opção. Chamei e uns momentos mais tarde, Paige<br />

respondeu.<br />

Seus olhos se alargaram quando abriu a porta. —Chegaram antes.<br />

— É um problema? - perguntou Jeremy, sua voz pura seda.<br />

Paige lhe jogou uma olhada, vacilou, logo sacudiu a cabeça — Não, é obvio não. Entrem e<br />

conheçam todos.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

APRESENTAÇÕES<br />

Quando Paige nos conduziu pelo corredor, pudemos ver a sala principal diante. Havia quatro<br />

pessoas em cadeiras dobradiças ao redor de uma mesa de madeira dobradiça, o tipo do mobiliário<br />

que se pode encontrar em porões de igreja por todos os lados.<br />

Ao olhar aos quatro, senti-me aliviada, ou possivelmente ligeiramente decepcionado, ao<br />

notar uma completa ausência de cascos fendidos e apêndices de corpo antiestéticos. Os quatro se<br />

viam como se realmente pudessem ter estado em uma conferência, uma conferência casual em<br />

pleno verão em uma casinha de campo.<br />

Ruth estava sentada ao lado de uma cadeira vazia. Como Paige, tinha posto um vestido.<br />

Frente a ela, havia uma mulher na metade da quarentena, magra com o cabelo castanho<br />

avermelhado curto. Ao lado dela, havia um homem jovem de amplos ombros, de rosto infantil, e<br />

cabelo marrom claro com reflexos loiros. A sua esquerda, um homem a fins dos cinquenta,<br />

corpulento e cinzento. Parecia aborígine, provavelmente esquimó, seu rosto liso, uma máscara de<br />

calma meditativa. De modo que, Esta era uma reunião dos seres sobrenaturais mais capitalistas da<br />

América do Norte? Oh, por favor. Um diretor de casting poderia ter encontrado um rebanho de<br />

personagens mais provável no domingo de noite na televisão.<br />

Ao outro lado do quarto estava a mesa de sanduíches das Damas de Companhia. Bom, não<br />

exatamente, mas bastante perto. Quão única faltava era a matrona de cabelo azul que repartia<br />

guloseimas e protegia a caixa de arrecadações. Havia uma mesa com uma caixa de café, um pote<br />

de margarina com pó branco que, provavelmente, era leite em pó mais que cocaína, uma pirâmide<br />

de taças Styrofoam5, uma delas cheia de cubos de açúcar, e um prato de rosquinhas polvilhadas.<br />

Na parede de atrás, um letreiro escrito à mão recordava aos presentes que o café e as<br />

rosquinhas valiam um quarto cada uma, seguido de uma linha vermelha que esclarecia que isso<br />

significava cinquenta centavos tanto por uma rosquinha como por um café, não um quarto pelos<br />

dois juntos. Realmente esperava que a gente do Centro Comunitário fora a responsável pelas<br />

guloseimas e o letreiro. De outra maneira... bom, não queria considerar a alternativa. Só digamos<br />

se alguém passava pela habitação com o prato para pôr o dinheiro das cotas de membresia, eu ia<br />

dali.<br />

Ao lado da mesa havia uma caderneta e, na página superior, a agenda do dia. Não os<br />

engano. Tinham uma agenda do dia, não só uma pronta de temas, mas também uma lista cheia<br />

que começava com saudações e refrigério às 10h00min, discussão às 10h30min, mesa redonda às<br />

11h45min, seguido do almoço de 12h15min as 01h15min. Joguei uma olhada por cima de meu<br />

ombro para ver o Jeremy ler a lista, meus lábios movendo-se nervosamente.<br />

— Ao menos são organizados - murmurou ele, muito baixo como para que Paige pudesse<br />

ouvir.<br />

Todos se viraram quando entramos. Ruth ficou de pé, todas as expressões reajustando-se<br />

em um sorriso de bem-vinda quando tentou esconder sua surpresa.<br />

— Olá - disse. —Acreditei que não vinham até na segunda-feira.<br />

— Nossos projetos para o fim de semana fracassaram.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

— Oh? Oh, bom, sim. Entrem então. Todos, Este é Jeremy... Jeremy Danvers, o... líder...<br />

espero que esteja bem, líder?... da…<br />

—Jeremy está bem - terminou ele. — Esta é Elena.<br />

O homem jovem com cabelo loiro sorriu abertamente. —Os infames lobisomens?<br />

Gracioso, não parecem lobisomem. Nada de sobrancelhas conectadas, nada de palmas peludas.<br />

Maldição. Outro mito que se vai ao diabo. E pensei que todos os lobisomem eram machos. Essa<br />

definitivamente não é um menino.<br />

—Movimento de liberação feminina - disse. —Estamos em todas as partes agora.<br />

O sorriso do homem jovem se alargou — Nada é sagrado?<br />

—Elena é a única lobisomem feminina - disse Paige quando caminhou para a cadeira<br />

vazia. —Os lobisomem se fazem de duas formas, herdando os gens ou sendo mordido. A maior<br />

parte dos lobisomem são hereditários, já que poucas pessoas mordidas por um lobisomem<br />

sobrevivem. Como os gens passam só se herdam por linha masculina, as lobisomem femininas<br />

são muito estranhas.<br />

O homem jovem pôs os olhos em branco — O que segue no Discovery Channel, um<br />

exame a fundo dos lobisomens e o feminismo pelo Paige Winterbourne.<br />

—Vai ao diabo, Adam.<br />

—Não me apresse.<br />

—Ignorem-nos, por favor - disse Ruth. —Adam e Paige se conhecem desde meninos. Às<br />

vezes suspeito que não cresceram muito nos anos intermediários. Agora, apresentações. Esta ao<br />

meu lado é Paige e o homem jovem é Adam, em caso de que não tenha sido perfeitamente óbvio.<br />

Nossa geração mais jovem. O pobre homem apanhado entre os dois é Kenneth.<br />

O homem de meia idade piscou, como se voltasse para a terra. Olhou-nos e dirigiu um<br />

sorriso confuso.<br />

—Ao outro lado do Adam está Cassandra.<br />

O sorriso da mulher de cabelo castanho avermelhado não alcançou seus olhos, que nos<br />

estudavam com interesse, mas pouca emoção.<br />

—Isto não é o que vocês realmente querem saber, verdade? - disse Adam. —Ao menos,<br />

essa não é a parte boa, não os quais somos, a não ser o que somos, verdade? Embora<br />

provavelmente seja melhor explicar as duas partes por separado ou isto terminará por soar como<br />

uma apresentação de AA 12 com o maldito. ―Olá, meu nome é Adam e sou um meio demônio.‖<br />

— Meio...? - respondi.<br />

—Exatamente o que sonha. O humano de Mamãe. A encarnação viva do mal absoluto de<br />

Papai. Por sorte, obtive minha aparência do lado de Mamãe. Meu pai não exatamente material<br />

para GQ 13 . Não me perguntem o que minha mãe pensava. Obviamente muita tequila essa noite.<br />

—Os demônios tomam forma humana para violar ou seduzir mulheres humanas - disse<br />

Paige. —Os meios demônios sempre têm aspecto humano. Herdam outras qualidades de seus<br />

pais. Cada um tem poderes diferentes, segundo o tipo de demônio que os engendrou.<br />

—Os X-Men do sub mundo - disse Adam. —Agora que Paige resumiu com tanto esmero<br />

minha biografia, aqui está a história do resto. Paige e Ruth, bruxas, mas vocês já sabiam. Cass,<br />

vampiro. Ken, xamã. Sabem o que é um xamã?<br />

—Sim - disse Jeremy.<br />

12 AA: alcoólicos anônimos.<br />

13 GQ: revista de moda para homens.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

— Então isso é tudo. As raças sobrenaturais principais, todas em um lugar, como um<br />

Refúgio de Satã.<br />

—Adam, por favor - disse Ruth. Voltou-se para nós. —Ao Adam gosta de brincar, mas<br />

posso lhes assegurar, não somos maus, nem Discípulos de Satã, nem nada pelo estilo.<br />

— Só gente normal - disse Adam.— Com algumas sutilezas.<br />

Joguei uma olhada ao Adam. Então, este era um meio demônio. Uh-huh. Nunca tinha<br />

ouvido do meio demônios antes de Pittsburgh, mas estava segura de que se tais coisas existissem<br />

não se deveriam parecer com este tipo. Qualquer representação de demônios que eu tinha visto<br />

alguma vez, tinha absolutamente claros vários pontos: tinham cascos fendidos, cascos, chifres, e<br />

caudas.<br />

Logicamente, então, um meio demônio deveria ter ao menos a pele má. Não deveria ser<br />

um moço com cara de menino, tão americano que parecia como os tipos que saúdam os visitantes<br />

no Disney World. Talvez essa era a idéia. Talvez se supusesse que os meios demônios deviam<br />

parecer encantadores e inofensivos. Seria muito mais fácil tentar a mortais para o mal sem cascos<br />

e chifres arruinando a muito importante primeira impressão. Possivelmente baixo aquele exterior<br />

de olhos muito abertos estava à espreita uma alma de pura maldade.<br />

— Cadeiras - disse Adam, ficando de pé. —Vocês, meninos, necessitam cadeiras.<br />

Esperem. Estarei de volta de um salto.<br />

Talvez, profundamente escondida, estava a fonte do mal. Muito profundamente escondida.<br />

Logo, estava Cassandra. Um vampiro? A quem enganava? Parecia-se tanto a uma<br />

sanguessuga não morta como eu a um monstro meio lobo. Está bem, má analogia. O ponto era<br />

que Cassandra não podia ser um vampiro. Não era só seu aspecto.<br />

Vamos, ela se parecia menos a um demônio que dorme em uma cripta que a uma executiva<br />

da Wall Street, a classe de mulher cujos vestidos de desenhista, manicure perfeita, e maquiagem<br />

quase impecável eram uma armadilha à espera de saltar sobre alguém que confundisse o pacote<br />

com um sinal de brandura interior.<br />

Mas o problema era mais profundo que isto. Muito mais profundo. Primeiro, não havia<br />

presas, nada de presas de grande tamanho. Segundo, estava sentada em um quarto com luz do sol<br />

entrando pelas janelas. Terceiro, não havia forma no inferno de que pudessem me convencer de<br />

que qualquer mulher pudesse pentear seu cabelo e aplicar sua maquiagem tão bem se não podia<br />

ver seu reflexo em um espelho. Nem sequer com um espelho de três caras, posso pôr meu cabelo<br />

em um coque sem deixar mechas que me escapam em todas direções.<br />

Jeremy deve ter estado pensando a mesma coisa porque começou dizendo, — Antes de<br />

que comecemos, temos que esclarecer uma coisa. Não quero soar suspicaz mas…<br />

—Não peça desculpas - disse Cassandra. —Deve ser suspicaz.<br />

Jeremy assentiu com a cabeça —Embora Adam com tanto esmero os classificasse a cada<br />

um, verão, poderíamos necessitar mais... provas concretas.<br />

Disse — Para pô-lo sem rodeios, como sabemos que vocês são o que dizem ser? Diz que é<br />

um vampiro, mas...<br />

—Todos sabem que os vampiros não existem - disse Cassandra.<br />

—É um pouco difícil de tragar - respondi. —Vampiros, bruxas, xamãs, demônios.<br />

— Escuta a ti mesma? - disse Paige. —Não acredita no sobrenatural? É um lobisomem!<br />

— Um presumido lobisomem.<br />

Paige pôs os olhos em branco — Aqui vamos outra vez. Ainda não acredita que sejamos<br />

bruxas, verdade? Inclusive depois que fizemos múltiplos feitiços para salvar sua vida…<br />

— Salvar minha vida? - Chispei. —Você era quem passeava pelo vestíbulo do hotel em<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

camisola de noite, muito impaciente por ver o menino mau que bisbilhotava desde detrás da porta<br />

número um.<br />

Adam riu. Paige lhe lançou um olhar cintilante.<br />

—Bom - respondi, —Vou fingir que acredito em vampiros e bruxas. Como sei que<br />

realmente o são? Sabem quantos malucos andam por aí acreditando que são vampiros? Confiem<br />

em mim, não quer sabê-lo. Mantê-los-ia acordados toda a noite.<br />

—Vi-os - disse Cassandra. —Grandes lábios pintados de negros, unhas com esmalte negro,<br />

absolutamente, zero sentido de estética. De onde tiraram a idéia de que os vampiros são<br />

daltônicos? -Ela levantou sua lapiseira e me ofereceu. —Pode isso me apunhalar com isto. Só<br />

que não no coração, por favor.<br />

—Muito sujo - respondi.<br />

Ela se tornou para trás na cadeira, seus olhos sobre mim como se ninguém mais estivesse<br />

no quarto. Eu podia sentir a curiosidade em seu olhar fixo enquanto se movia através de meu<br />

rosto, me estudando. Seus lábios se curvaram em um sorriso, ainda mais fria, mas agora tinta de<br />

um interesse amistoso.<br />

— Poderia te morder - disse ela.<br />

—Eu poderia te morder de volta.<br />

O sorriso tocou seus olhos cor de avelã — Interessante pensamento. O que acredita que<br />

aconteceria? Um híbrido de vampiro/lobisomem? Ou não teria nenhum efeito? Intrigante idéia,<br />

mas pouco prática neste momento. Poderíamos comparar presas.<br />

—Definitivamente, uma coisa de meninos.<br />

Ela riu —Exatamente.<br />

—Talvez poderia me explicar então - disse. —Se for um vampiro.—Olhei a luz do sol que<br />

entrava pela janela.<br />

— Por que não explodo em uma nuvem de pó? Frequentemente me perguntei isso. Como<br />

Adam diria, ―Maldição, outro mito que se foi ao diabo‖. Estou completamente feliz de que este<br />

em particular não seja verdadeiro. Uma eternidade sem férias nas praias do Caribe seria mais do<br />

que poderia dirigir. Foi muito mais desalentador quando descobri que não podia voar. Mas quanto<br />

a uma demonstração, talvez esta sirva.<br />

Cassandra pôs sua mão esquerda na mesa, levantou a lapiseira, e o enterrou em sua palma<br />

estendida, mais ou menos 2 centímetros em sua mão. Ruth estremeceu e olhou longe. Cassandra<br />

examinou o dano com frio detalhe, como se tivesse apunhalado o tabuleiro.<br />

—Um pobre trabalho - disse ela. —A diferença dos lobisomens, não temos uma super<br />

força. Isto é o melhor que eu possa fazer, mas deveria demonstrar meu ponto.<br />

Atirou a lapiseira, logo levantou sua palma para me deixar examinar. A espetada estava<br />

tão limpa como um buraco feito com uma unha em um pedaço de cera. Quando olhei, as bordas<br />

da ferida se estavam juntando, a carne reconstituindo-se. Dentro de um minuto, sua pele estaria<br />

lisa e irrepreensível.<br />

—Nada dor, nada sangue, nenhum alvoroço - disse ela. —O suficientemente bom?<br />

—Sim - disse Jeremy. —Obrigado.<br />

— Meu turno? -disse Paige. —O que posso fazer para te convencer, Elena? Conjurar um<br />

demônio?<br />

— Paige! -Os olhos da Ruth se alargaram alarmados. Rapidamente se girou para nós. —<br />

Me deixem lhes assegurar que não conjuramos demônios. Além de encantamentos de autodefesa<br />

simples, as bruxas praticam só magia benévola.<br />

—E que não faz nenhum dano, é o que quer dizer - murmurou Cassandra.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Ruth sussurrou algo ao Paige, que assentiu com a cabeça, encolheu os ombros, pôs os olhos<br />

em branco, claramente adotando a defesa popular dos jovens: ―Estúpidos, só estava brincando.‖<br />

Teria estado brincado? Não a respeito de conjurar um demônio, a não ser a respeito de ser capaz<br />

de fazê-lo? Ruth disse que só praticavam a chamada magia branca. Era isso tudo o que poderiam<br />

fazer? Ou tudo o que deviam fazer? Ou, talvez certa aprendiz de bruxa, não era muito feliz com<br />

seu papel predefinido como descendente direta da Boa Bruxa do Norte? Hmmm.<br />

—É suficiente de demonstrações - disse Jeremy. —Agora mesmo, eu gostaria de saber<br />

mais sobre esses homens que espreitaram a Elena.<br />

—Ouvi sobre isso - disse Adam, sorrindo abertamente para mim. —A primeira baixa de<br />

guerra. Bom trabalho. Sinto-me invejoso.<br />

—Deveria está-lo - disse Paige.<br />

Ruth lhes jogou uma olhada aos dois com um olhar 90 por cento de afeto exasperado e o<br />

outros 10 por cento de suave advertência. Calaram-se tão rapidamente como se tivessem recebido<br />

um açoite na língua. Ruth fez uma pausa, como se assegurando de que foram estar tranquilos,<br />

logo começou sua história.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

AGENDA<br />

Cinco semanas atrás, um xamã tinha sido sequestrado e se pôs em contato com Kenneth<br />

via projeção astral, fosse isso o que fosse. Quando ficou em contato com Kenneth, ele estava<br />

ferido gravemente. Um xamã nunca era fisicamente o bastante forte para começar, por isso não<br />

custava muito machucar a um, ou um pouco parecido, segundo Ruth explicou. Devido a sua<br />

débil condição, sua comunicação foi entrecortada e às vezes incoerente. Pelo que Kenneth pôde<br />

distinguir, o xamã tinha sido sequestrado por dois homens e levado a um recinto há dois dias<br />

conduzindo desde seu lar na Virgínia. Ali, outros dois homens o tinham interrogado a respeito de<br />

seus poderes e habilidades. Nos primeiros dias de seu cativeiro, o xamã tinha tido a força<br />

suficiente para projetar-se astralmente através do recinto de noite, procurando pistas sobre quem<br />

o tinha capturado e por que. Tinha aprendido os nomes dos dois homens que o tinham<br />

interrogado, Lawrence Matasumi e Tyrone Winsloe. O nome do Winsloe não significava nada<br />

para o xamã ou para Kenneth. Pelo visto os acontecimentos atuais não estavam muito acima na<br />

escala de prioridades do xamã.<br />

Enquanto este xamã se projetou astralmente, tinha descoberto que não era o único ser<br />

sobrenatural que estava no recinto. Seus captores tinham um meio demônio capaz de<br />

teletransportar-se, que provavelmente era Houdini, entre seu pessoal. Também tinha ouvido que<br />

um feiticeiro lhes assistia, embora nunca viu o homem. Quanto aos outros cativos, quando se<br />

projetou astralmente pela primeira vez, encontrou uma bruxa, dois meio demônios, e um<br />

sacerdote Vodu. Então a bruxa desapareceu e se deu conta de que outra, uma bruxa mais forte<br />

tinha sido assinalada como branco para que tomasse seu lugar.<br />

Era tudo o que xamã sabia. Tinha prometido entrar em contato com Kenneth novamente ao<br />

dia seguinte, mas nunca o fez. Quando Kenneth comunicou a informação a Ruth, Paige<br />

reconheceu o nome do Winsloe e usou Internet para detectar ao Lawrence Matasumi, um<br />

renomado investigador de parapsicologia.<br />

— Tiveram um pouco de sorte encontrando a esses homens? - perguntou Jeremy quando<br />

Ruth terminou.<br />

— Encontrá-los? - disse Adam. —Infernos, não. Imaginamos que nos esconderíamos e<br />

rezaríamos para que eles não nos encontrassem.<br />

—Realmente, estivemos debatendo a respeito desse assunto. - disse Ruth, não fazendo<br />

caso ou não ouvindo o sarcasmo do Adam.<br />

— Temos feito? - disse Adam. —Pensei que estava decidido. Reativos, não proativos.<br />

Essa é nossa forma de ser. Bom, é a forma das bruxas, e desde que elas conduzem estas<br />

reuniões…<br />

—Por que, Adam - disse Paige, —está expressando interesse em um papel de maior<br />

comando? Mais responsabilidades?<br />

Ele só sorriu abertamente. Descarte o pensamento. Eu só dizia que, como nossas estimadas<br />

líderes, as bruxas geralmente tomam tais decisões estratégicas, e decidiram que procuremos<br />

forma de nos esconder.<br />

—Temos que discutir o assunto mais adiante- disse Cassandra — É uma situação nova<br />

para nós. Nunca tivemos que nos preocupar de descobrir aqueles que nos ameaçam. Se alguém<br />

pensar que eles têm prova de vampiros, não estarão interessados em explorar as complexidades<br />

de nossas vidas. Calculam quanto dinheiro obterão escrevendo um livro. Descobri-los não é um<br />

problema. Agitam enormes bandeiras vermelhas dizendo, ―Me encontrem, por favor,‖ me<br />

encontrem e me façam rico.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Mas com estes tipos é diferente - respondi. —Então, ameaça diferente, resposta diferente,<br />

verdade? Eles se escondem então vocês têm que encontrá-los.<br />

— E o que? - perguntou Paige. —Pedir-lhes que deixem de nos caçar?<br />

Jeremy olhou a Ruth. —Se encontrarmos a ameaça, eliminamos. Essa é nossa forma de<br />

fazer as coisas.<br />

—Aponto-me - disse Adam.<br />

— Vamos tomar medidas - disse Ruth. —Já sabe Adam, embora nossa idéia de ação pode<br />

não ser igual à tua. Esta é uma ameaça séria, e não me sinto tranquila, nem sequer reunidos aqui<br />

para discuti-lo. Não importa quão cuidadoso tenhamos sido em preparar esta reunião, temos sete<br />

seres sobrenaturais em um só lugar, cada um dos quais esses homens estariam felizes de<br />

colecionar.<br />

— Isso é o que fazem? - perguntou Jeremy. —Colecionar?<br />

— Não temos claros seus motivos - disse Ruth. —Não era algo que Roger, o xamã<br />

sequestrado, foi capaz de determinar. Por isso observou, sabemos que nos estudam, tratando de<br />

encontrar a raiz de nossos poderes.<br />

— Então poderiam encontrar um modo de usá-los para si mesmos - disse Paige.<br />

Ruth franziu o cenho. —Não estamos seguros disso. Eu não gosto de tirar conclusões<br />

apressadas, mas sim, que parece ser uma motivação viável. A presença do Lawrence Matasumi<br />

em sua equipe sugeriria fortes interesses científicos.<br />

—E a presença do Ty Winsloe significa que alguém espera cobrar em efetivo - disse<br />

Paige. —Winsloe não é nenhum filantropo. O tipo não cruzaria a rua para salvar a uma senhora<br />

velha a menos que lhe deixasse sua herança por sua moléstia.<br />

Um pequeno cenho franzido por parte da Ruth. —Possivelmente. O ponto é, entretanto, que<br />

eles parecem querer controlar nossos poderes. Para ganho pessoal ou em nome da ciência, não<br />

importa.<br />

—Não podem conseguir meus poderes - disse Adam. —São estritamente hereditários.<br />

— Está seguro disso? - disse Paige. —Talvez se eles lhe despedaçarem, órgão por órgão,<br />

poderiam encontrar em sua estrutura física, exatamente o que te dá esses poderes. É obvio, se o<br />

encontrarem ou não, não lhe importariam muito, já que estaria em um montão de pequenas bolsas<br />

de autópsia.<br />

—Uma agradável perspectiva, Paige - disse Adam.<br />

—O ponto é - disse Ruth, —que não sabemos o que podem conseguir de nós. Alguns<br />

costumes como encantamentos menores, podem ser aprendidos. Quanto a converter-se em um<br />

lobisomem ou em um vampiro, é um assunto friamente simples. E se estes homens começavam a<br />

vender a capacidade de converter-se em lobisomem?<br />

—Não acredito que consigam muito - resmunguei.<br />

—Estou segura de que muita gente veria as vantagens de possuir uma força sobre-humana<br />

- disse Ruth.<br />

—Por não mencionar a prolongada juventude - acrescentou Paige. —Teria centenas de<br />

idiotas alinhados por isso. A última alternativa a cirurgia plástica: Converta-se em um<br />

lobisomem.<br />

—O ponto é - disse Ruth, outra vez, — que tendo a capacidade para fazer essas coisas,<br />

livremente, ou não tão livremente, distribuem esses poderes, estes homens poderiam transtornar<br />

o equilíbrio ecológico. A gente morreria. A espécie humana estaria em perigo, ameaçada pela<br />

pior classe de excessos, ditadores imortais, tiranos que lancem feitiços, assassinos múltiplos que<br />

poderiam tomar a forma de lobos…<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Está ali, faz isso - murmurei bastante baixo para que só Jeremy pudesse ouvir. Um<br />

sorriso faiscou em seus olhos, mas manteve sua cara impassível.<br />

—Temos que pensar além de nós - disse Ruth.<br />

— Nós? - perguntou Cassandra. —Sei que assim é como se sente, Ruth, mas eu não estou<br />

tão terrivelmente preocupada em proteger à espécie humana da autodestruição. Preocupa-me o<br />

que esta ameaça significa para mim. Se me disser que esses homens querem me sequestrar, essa é<br />

uma razão bastante boa para mim para tomar isto a sério. A pergunta é, o que vamos fazer sobre<br />

isso?<br />

Certamente, essa era a pergunta. E passamos as sete horas seguintes falando disso,<br />

enviando ao Adam e a Paige a procurar o almoço às 13h00min e logo que detivemos o debate o<br />

tempo suficiente para comer.<br />

Assim, qual era o plano da Ruth? Bem, o passo um era que cada delegado notificasse a<br />

seus companheiros monstros. Parece simples e lógico, verdade? É obvio, Jeremy notificaria ao<br />

resto da Manada. Ele nunca sonharia fazendo outra coisa. Agora que ele compreendia o grau do<br />

perigo, diria ao Clay que se reunisse conosco em seguida. Feito isso, só teria que fazer outra<br />

chamada telefônica. Duas mortes em uma escaramuça o ano passado com os guias de ruas,<br />

tinham-nos reduzido a uma manada de cinco. Além de Clay, Jeremy, e eu, estavam só Antonio<br />

Sorrentino e seu filho, Nick. Sempre havia uma meia dúzia e algo mais de guias de ruas tratando<br />

de ser admitidos na Manada, e com nosso número diminuído, Jeremy estava considerando a dois<br />

ou três, mas não tinha nenhuma pressa em tomar uma decisão, de modo que, no momento, só<br />

éramos cinco. Duas simples chamadas telefônicas. Mas isso não era o que as bruxas queriam.<br />

Queriam que nós notificássemos aos cães de ruas. Dizer-lhes o que? Como Jeremy explicou, os<br />

guias de ruas eram nômades. O território era para a Manada. Só um guia de ruas tinha território, e<br />

era um acerto especial. Então Ruth queria que nós notificássemos a esse guia de ruas em<br />

particular e lhe deixássemos ficar em contato com outros. Bom. Seguro. Podia vê-lo agora. Eu<br />

chamaria Karl Marsten, pedir-lhe-ia que lhe dissesse uma mensagem a seus ―companheiros guias<br />

de ruas‖ e ele riria até que lhe arrebentasse a tripa. Ainda riria quando desligasse o telefone em<br />

minha cara.<br />

Ruth não entendia a forma em que as coisas funcionavam. Como nós, as bruxas tinham um<br />

pequeno grupo central, que chamavam o Aquelarre. Mais bruxas viviam fora do Aquelarre que<br />

dentro dele, tal como a Manada e os guias de ruas. As bruxas exteriores eram consideradas uma<br />

classe inferior, tal como os guias de ruas. Mas, a diferença de nós, as bruxas não admitiam que as<br />

outras eram inferiores. Oh, não. Segundo Ruth, as bruxas exteriores eram pobres almas perdidas<br />

necessitadas de amparo e conversão. Recordava-me um dos primeiros missionários cristão<br />

falando a respeito dos Índios Americanos, e notei que Paige se retorcia enquanto sua tia falava.<br />

Em todo caso, a diferença dos missionários, Ruth não queria que estas bruxas exteriores se<br />

unissem a seu, digamo-lo assim, ―igreja‖, quer dizer, seu Aquelarre. Oh, não. Só queriam que<br />

vivessem boas e apropriadas vistas elas sozinhas. O Aquelarre era especial.<br />

Se pensássemos em que a possibilidade de notificar aos lobisomem existia, informar aos<br />

vampiros e aos meio demônios eram quase impossível. Cassandra sabia onde encontrar a uma<br />

dúzia de casais vivos de (deveria dizer existentes?) vampiros, mas não tinha nenhum interesse<br />

zero em lhe avisar a ninguém e deixou claro que ela não perderia seu tempo em uma tarefa tão<br />

ridícula. Deixemos que outros cuidem de si mesmos. Em relação aos meio demônios, havia,<br />

aparentemente, mais de cem só na América do Norte, perto de 50 por cento deles, e se os<br />

notificava, inclusive poderiam solicitar emprego ao inimigo.<br />

Agora, é obvio Ruth não queria que nos puséssemos em contato cada um dos membros de<br />

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nossa raça, mas esperava que notificássemos ao menos a uns quantos e lhes puséssemos em<br />

alerta. Era algo que ninguém, exceto Kenneth, queria fazer. Jeremy, Cassandra, e Adam<br />

reconheciam que era uma perda de tempo. Depois de umas horas argumentando o ponto,<br />

abandonaram-no e passaram ao ponto dois.<br />

Todos convieram no ponto dois: Aprender mais sobre o inimigo. Como fazê-lo era outro<br />

assunto, mas todos convieram no princípio. Tínhamos que saber mais. E o ponto três? Não<br />

perguntem pelo ponto três. O grupo se dividiu entre bruxas e xamãs que queriam encontrar um<br />

modo de desalentar ou desacreditar a nossos antagonistas, e os lobisomem e os meios demônios<br />

que queriam eliminá-los. Cassandra não se interessava muito nem em uma nem em outra forma,<br />

enquanto esta gente partisse e a deixasse em paz.<br />

Às 7 horas da noite ainda falávamos. Todos estávamos cansados e um pouco fartos.<br />

Quando Ruth sugeriu que pedíssemos a comida, a resposta foi um ressonante Não!<br />

Necessitávamos um descanso. Conduziríamos até o Kingston para comer, logo voltaríamos para a<br />

reunião. Tal como Ruth havia dito com antecedência, nossa reunião era perigosa por si mesmo.<br />

Todos queríamos decidir um curso de ação esse dia e sair o mais rápido possível da Sparta.<br />

Quando a reunião se dissolveu para comer, todos, exceto Paige, caminharam em massa<br />

para o estacionamento. Talvez tivesse que arrumar seus apontamentos. Ou possivelmente ela era<br />

a equipe de limpeza. Quando saímos, Kenneth e Cassandra se dirigiam separados aos carros<br />

alugados. Jeremy e eu íamos para a caminhonete quando Ruth o chamou. Jeremy me fez gestos<br />

para ir a caminhonete e voltou rapidamente até a Ruth.<br />

— Rebanho de assustadiços, né!? - disse uma voz a minha esquerda.<br />

Girei-me para ver o Adam trotando a meu lado.<br />

Sorriu abertamente — Então qual era a parte mais atemorizante? A agenda do dia? As<br />

rosquinhas polvilhadas?<br />

—Por favor me diga que as bruxas não cobram um quarto de dólar pelo café e as<br />

rosquinhas.<br />

—Não, não, não. Não viu o letreiro. São cinquenta centavos por um café e por uma<br />

rosquinha. Um quarto cada um. Seriamente, entretanto, isso é parte dos misteres do Centro<br />

Comunitário. Mas a agenda e a pronta de pontos eram definitivamente coisa da Ruth. Um tipo<br />

que estava acostumado a ser delegado me disse, faz anos, que as bruxas tinham uma declaração<br />

de sua missão e um código de conduta para estas reuniões. Acreditava que estava brincando, mas<br />

nunca tinha estado seguro.<br />

—Então elas sempre são tão... formais?<br />

Adam riu — Formais. É uma boa palavra para descrever às bruxas. Bom, talvez não a<br />

Paige, mas certamente sim a Ruth e ao resto delas. Terrivelmente formais. Este é um assunto<br />

importante, maldição! - Pôs os olhos em branco. —Todo mundo tem que ter uma afeição, e a das<br />

bruxas, é organizar estas reuniões. Ouça, é certo que deixou a Paige essas contusões ao redor do<br />

pescoço?<br />

—Foi um mal-entendido.<br />

Ele sorriu abertamente — Apostaria. Também apostaria a que o merecia. Paige pode ser<br />

uma enorme moléstia, mas também pode ser muita diversão. Tem que tomar cuidado em que lado<br />

dela aterrissa - Jogou uma olhada para trás até Jeremy e Ruth. —Acredita que seu líder pode levar<br />

a estes tipos a tomar medidas?<br />

—Se ele não puder, faremo-lo nós mesmos. Não estamos acostumados a aceitar ordens de<br />

outros.<br />

—Minha gente tampouco. É por isso que os necessitamos nestas reuniões. Um líder forte,<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

não passivo.<br />

— Um líder macho?<br />

Adam levantou ambas as mãos para me rechaçar — Não disse isto. Não é uma coisa de<br />

gênero. É uma coisa de raça. As bruxas e os xamãs não se parecem conosco. E os vampiros?<br />

Bom, eles não parecem com ninguém, que é exatamente como gostam de ser. Cass pode chutar<br />

um traseiro se o desejar. Não é super forte ou algo assim, mas como ela disse, a questão de<br />

regenerar-se é realmente prática em uma luta. O tipo te pega um tiro, só segue andando e lhe tira<br />

a arma. Muito agradável.<br />

— São imortais?<br />

—Nah. Não exatamente, de todos os modos. Podem regenerar-se, vivem centenas de anos,<br />

e são malditamente difíceis de matar. O bastante perto da imortalidade para mim.<br />

Antes que pudesse perguntar algo mais, Paige se uniu a nós.<br />

—Vou contigo - disse a Adam. —Kenneth se ofereceu para levar a Ruth. Eu iria, mas à<br />

velocidade que ele conduz, deprimir-me-ia de fome antes que chegássemos ao restaurante - Me<br />

jogou uma olhada. —Quer vir conosco?<br />

Estive a ponto de declinar quando Jeremy me chamou, me economizando o problema de<br />

lhes dar uma desculpa cortês. Respondi que os veria no restaurante e trotei para o Jeremy.<br />

QUEIMADA<br />

Tínhamos decidido comer em um restaurante italiano. Má escolha. Embora fossem quase<br />

as oito, o lugar estava lotado. Esta parte de Vermont não tinha muitas ofertas em boa comida, ou<br />

ao menos, isso parecia se a alguém, dentro de um raio de cinquenta milhas, não gostava dos<br />

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hambúrgueres. Não havia nenhuma esperança de conseguir uma mesa para sete, por isso<br />

consentimos em nos separar. Quando o garçom nos encontrou uma mesa para seis e uma mesa<br />

para dois, Cassandra ofereceu ficar na mesa pequena. Ao princípio, pensei que queria comer<br />

sozinha, o qual não me teria surpreso, mas em vez disso, ela me convidou a me unir a ela. Não fui<br />

a única sobressaltada por isso. Paige me contemplou como se tentasse imaginar o que poderia<br />

estar possuindo a Cassandra para me escolher como sua companheira de mesa. Acredito que ela<br />

teria estado menos surpreendida se Cassandra me tivesse convidado a ser a comida. Inclusive<br />

Kenneth piscou, o qual parecia um sinal seguro de que um convite a comer da Cassandra não era<br />

um acontecimento comum. Confesso que me senti adulada. Cassandra não parecia o tipo que<br />

necessitasse, muito menos quisesse, companhia.<br />

Cassandra e eu nos sentamos separadas dos outros, no pátio. Perguntei-me se comeria a<br />

comida. Pediu o frango parmegiana e vinho branco. Enquanto bebia o vinho, só deu umas poucas<br />

mordidas ao frango, logo moveu o alimento ao redor de seu prato para fazê-lo ver como se tivesse<br />

comido mais. Talvez comeria mais tarde. Realmente não queria pensar neles. A delicadeza<br />

culinária pode parecer absurda a alguém que come coelho cru, mas havia uma diferença entre o<br />

que me parecia como lobo e o que me parecia como humano. Tão bom como o sabor os cervos<br />

recentemente assassinados depois caçá-los, eu não gostava de pensá-la comendo frutos do mar.<br />

— Tem curiosidade - disse Cassandra depois de que nossas comidas chegaram. —Mas não<br />

faz perguntas. Estranho por ser jornalista.<br />

— Quanto haviam dito Ruth e Paige a outros a respeito de mim?<br />

—Depende do tipo de jornalista - disse. —Trabalho em política e questões sociais.<br />

Assuntos estritamente da vida pública. Tenho que escavar pouca sujeira de natureza pessoal.<br />

—De modo que evita as perguntas pessoais. Provavelmente porque não quer a ninguém te<br />

devolvendo tais perguntas. Se tiver curiosidade, pode perguntar. Não me oponho.<br />

—De acordo - respondi... e não perguntei nada.<br />

Depois de uns minutos de silêncio, decidi que realmente deveria perguntar algo. Não só<br />

algo, mas também uma grande pergunta. Depois de tudo, estava-me saltando a pergunta à cara, da<br />

comida logo que tocada da Cassandra.<br />

Gesticulei para seu prato. —Suponho que o frango não é de seu agrado.<br />

—Sólidos em geral. Posso comer algumas dentadas, mas mais que isso me provoca um<br />

caso repugnante de indigestão.<br />

Ela esperou, com seu rosto inexpressivo, mas um sorriso brilhando em seus olhos.<br />

— Não tem sentido perguntá-lo, verdade? - Respondi, bebendo a sorvos meu vinho. —<br />

Perguntar se os vampiros, já sabe, seria como perguntar se lobisomem trocam em lobos. É o selo<br />

da espécie.<br />

—Realmente, em meu caso, estaria confundida. Já sei, já sei, tem lido tantas histórias. Mas<br />

não são exatamente verdadeiras. É mais, enfatizo energicamente que não durmo em um ataúde -<br />

fez uma pausa, logo arqueou as sobrancelhas. — Oh, não era isso o que queria dizer?<br />

—Queria dizer, obviamente se bebia… - gesticulei para minha taça.<br />

—Borgonha? Prefiro o branco. Sim, posso beber vinho. Graças ao céu pelos pequenos<br />

favores concedidos. São só os sólidos os que me provocam problemas. Deixe-me te dar uma mão,<br />

Elena. Acredito que a palavra que busca é ―sangue‖.<br />

—Isso. Ia da mente.<br />

Ela riu, uma risada rouca que assustou ao garçom que saía pela porta ao pátio. Pedimos<br />

mais vinho, logo esperamos até que se partiu.<br />

— Então, o que faz por estes dias? - disse. —Entregas a domicílio do banco de sangue?<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Que lhe atemorizem, não.<br />

— Um trato especial com o açougueiro?<br />

—A FDA o desaprovaria provavelmente. Tristemente, estamos apanhados, temos que<br />

conseguir nossa comida da forma antiga.<br />

—Ah.<br />

—Ah, em efeito - disse ela com outra gargalhada. —Sim, bebo-o diretamente da fonte.<br />

Com algumas regra, entretanto. Nada de meninos. Ninguém abaixo de trinta. Fá-lo mais<br />

esportivo.<br />

— Mencionei que tenho vinte e oito anos?<br />

—Isso não é o que ouvi - Sorriu abertamente. —Não tem necessidade de preocupar-se. Os<br />

ditados de cortesia dizem que nunca chupamos o sangue vital de alguém a quem fomos<br />

formalmente apresentados.<br />

Cortou uns pedaços do frango e os moveu ao redor de seu prato. —Para ser sincera, tenteio<br />

com sangue animal e bancos de sangue. Mas não funciona. Viver com isso é como subsistir a<br />

pão e água. Existimos, mas apenas. Alguns ainda o fazem. Sou muito egoísta. Se estiver viva,<br />

quero estar completamente viva. A única desculpa que posso dar consiste em que trato de<br />

escolher a aqueles que dão a boas-vindas à morte, os velhos, os doentes, os suicidas. Engano-me,<br />

é obvio. Posso dizer que um homem quer morrer, mas não tenho nenhum modo de saber se<br />

estiver a ponto de subir um edifício vinte pisos ou está temporariamente deprimido por um<br />

coração quebrado. A vida seria tão mais simples se perdêssemos nossas almas quando nascemos<br />

de novo, se perdêssemos a capacidade de sentir, discernir o bom do mau. Mas suponho por isso é<br />

que eles o chamam uma maldição. Ainda sabemos.<br />

—Mas não tem escolha.<br />

—Oh, sempre há uma opção. Suicídio. Alguns o fazem. A maioria o considera, mas a<br />

vontade para sobreviver é, ao final, muito forte. Se isso significar a escolha entre a morte deles e<br />

a minha, maldito seja o altruísmo. É o lema do realmente forte. Ou do incrivelmente egoísta.<br />

Ficamos queiram um momento, logo ela disse — Suponho então, que os lobisomem não<br />

são canibais?<br />

— Quer dizer se comemos humanos, ou a outros lobisomens, o qual seria, em sentido<br />

estrito, canibalismo.<br />

— Você não se considera humana?<br />

—Em grau relativo. Eu mesma, ainda penso meio-humano, meio-lobo. Cla…, outros não o<br />

fazem. Consideram os lobisomens como uma espécie à parte. Não estou evitando a pergunta. Os<br />

lobos da Manada estão proibidos de comer humanos. Não o faríamos, de todos os modos. Não<br />

tem sentido. Comer humanos não serviria a nenhum outro objetivo além de saciar uma fome que<br />

pode ser facilmente satisfeita por um cervo.<br />

— É fácil então?<br />

— Desejá-lo-ia. Infelizmente, não é só a fome. Está o instinto de caçar, e, tenho que<br />

admiti-lo, os humanos o satisfazem muito melhor que qualquer animal.<br />

Os olhos da Cassandra brilharam. —O Jogo mais Perigoso.<br />

O pensamento me golpeou então, quão estranho devia ser falar disto com outra mulher.<br />

Sacudi-me isso e continuei, — O problema é, que é difícil caçar sem matar. É possível, mas<br />

perigoso, arriscando a possibilidade que não será capaz de te deter antes de matar. Os lobisomens<br />

que não pertencem a emanadas caçam, assassinam, e comem humanos. A tentação é muito<br />

grande, e a maioria não está interessada em controlar seus impulsos.<br />

O garçom saiu para tomar nossa ordem de sobremesa. Estive a ponto de passar, tal como<br />

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geralmente fazia quando jantava com outras mulheres, logo compreendi que não importava.<br />

Cassandra não se preocuparia se comia três pedaços do bolo. Então pedi tiramisu e um café.<br />

Cassandra secundou o café. Quando o garçom deu a volta para partir, Cassandra estendeu a mão e<br />

agarrou sua boneca.<br />

—Descafeinado - disse ela.<br />

Enquanto falava, manteve sua mão na boneca dele, o polegar pressionado sobre seu pulso.<br />

O garçom era jovem de jeito latino, grandes olhos escuros e suave pele verde oliva. Dava-se<br />

conta de que ela sustentava seu braço muito tempo? Não tinha possibilidade. Enquanto ela o<br />

chamava de volta e trocava sua ordem, manteve seus olhos nele, como ele fosse a coisa mais<br />

fascinante no lugar. E parecia um camundongo encantado por uma cobra. Se lhe tivesse pedido<br />

que fosse ao beco traseiro com ela, teria tropeçado com seus pés para obedecer. Quando<br />

finalmente liberou seu braço, ele piscou, então algo como desilusão cruzou sua cara. Prometeu<br />

apressar-se com o café e voltou para a cozinha.<br />

—Às vezes quase não posso resistir - disse Cassandra depois de que se foi. —Inclusive<br />

quando não tenho fome. A intoxicação do poder. Um vício repugnante, não acredita?<br />

—É... tentador.<br />

Cassandra riu. —Não tem que fingir comigo, Elena. O poder é uma coisa gloriosa,<br />

sobretudo para mulheres. Passei quarenta e seis anos como uma mulher humana no século<br />

dezessete na Europa. Teria matado por uma possibilidade de ter poder - Seus lábios se torceram<br />

em um sorriso perverso. —Mas suponho que a tive, verdade? As opções um as cria -Se inclinou<br />

para trás e me estudou, logo sorriu outra vez. —Acredito que você e eu poderíamos nos levar<br />

perfeitamente bem, algo estranho para mim, encontrar uma guerreira que não é outro vampiro<br />

ensimesmado.<br />

Nossos cafés e minha sobremesa chegaram então. Perguntei a Cassandra o que era viver<br />

por tanto tempo como ela o tinha feito, e ela me deu de presente histórias durante o resto do<br />

jantar.<br />

Depois do jantar, Adam repetiu a oferta do Paige de nos unir a eles no caminho de volta ao<br />

Centro Comunitário. Novamente, estive a ponto de declinar, mas esta vez Jeremy o ouviu por<br />

acaso e insistiu em ir, provavelmente esperando que os dois delegados mais jovens falassem mais<br />

livremente sem seus mais velhos ao redor. Por sua parte, prometeu nos seguir na caminhonete<br />

Explorer.<br />

***<br />

A diferença de Jeremy, Adam não tinha encontrado estacionamento na pequena parte atrás<br />

do restaurante, de modo que nós três nos afastamos de outros e dirigimos a uma rua lateral.<br />

Diante, ao outro lado do caminho, vi o velho Jipe que estava no estacionamento do Centro<br />

Comunitário, e com a matrícula de Califórnia.<br />

— Teu? - perguntei ao Adam.<br />

—Infelizmente.<br />

—Está um pouco usado.<br />

—Bastante usado. Em um Jipe, muito, muito utilizado. Acredito que sacudi dois<br />

amortecedores esta vez. Superar o limite de velocidade é quase impossível. E adiantar? Esqueceo.<br />

É mais fácil conduzir sob o limite inferior do tráfego. A próxima vez, economizarei meus<br />

penes para poder viajar de avião.<br />

—Diz isso toda vez - disse Paige. —Robert te compraria um ingresso de avião qualquer<br />

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dia, mas sempre te nega. Ama conduzir esse pedaço de merda.<br />

— O calor se está levando o romance. Uma vez mais - merda!<br />

Elevei a vista para ver um Yukon estacionado um ponto adiante do Jipe do Adam. O<br />

espaço era apenas grande para encaixar um compacto. A enorme caminhonete andou marcha<br />

atrás até que esteve a centímetros do pára-choque dianteiro do Jipe. Outro carro estava<br />

estacionado a menos de um pé da parte traseira do Jipe.<br />

— Hey! - chamou Adam enquanto trotava para o Yukon. —Espere!<br />

Uma mulher de quarenta e alguma coisa no assento do passageiro deu a volta e olhou ao<br />

Adam com rosto inexpressivo.<br />

—Estou bem atrás de vocês - disse ele, lhe dirigindo um amplo sorriso. —Poderia avançar<br />

um segundo? Sairei dali e terá montões de espaço.<br />

A janela de passageiros estava abaixo, mas a mulher não respondeu. Olhou o assento do<br />

condutor. Não trocaram palavras. A porta do condutor se abriu e um homem com camisa de golfe<br />

saiu. Sua esposa fez o mesmo.<br />

— Hey! - chamou Adam. —Me ouviram? Encaixotaram-me. Se puder avançar um pouco,<br />

estarei fora dali em um salto.<br />

O homem fez clique em seu controle remoto. O alarme piou. Sua esposa ficou a seu lado e<br />

se dirigiram para o restaurante.<br />

—Asnos - resmungou Paige. —Possuem um gasoduto de cinquenta mil dólares e<br />

acreditam possuir toda a maldita estrada.<br />

—Falarei com eles - disse. —Talvez ele escute a uma mulher.<br />

—Não o faça. Ela agarrou meu braço. —Alcançaremos aos outros e voltaremos pegar o<br />

Jipe mais tarde.<br />

—Só vou falar com eles.<br />

Ela jogou uma olhada ao Adam, que olhava ao casal. —Não é por ti que estou preocupada.<br />

O homem se virou agora, seus lábios curvando-se quando lhe lançou um insulto Adam.<br />

— O que disse? - gritou Adam.<br />

—Oh, merda - murmurou Paige.<br />

O homem voltou as costas ao Adam.<br />

— O que disse? - gritou Adam.<br />

Enquanto Adam gritava ao homem, tomei a decisão, em uma fração de segundo, de<br />

interferir. Tratávamos de manter um sob perfil e não podíamos nos permitir chamar a atenção<br />

com uma briga que poderia implicar à polícia. Adam deveria ter sabido isto, mas suponho que<br />

inclusive os homens jovens mais tranquilos podem estar sujeitos a quebras de onda de<br />

testosterona.<br />

Quando dava volta para ir detrás o Adam, Paige agarrou meu braço.<br />

—Espera - disse. —Não faça…<br />

Puxei meu braço e comecei a correr, não fazendo caso de seus gritos de advertência e de<br />

seus passos me seguindo. Quando me aproximei do Adam, cheirei fogo. Não de fumaça de<br />

charuto ou um tição ou enxofre, a não ser o aroma subjacente ao fogo mesmo. Não fazendo caso<br />

disso, agarrei ao pulso de Adam e o fiz virar.<br />

—Esquece-o - disse quando ele se girou. —Jeremy pode nos levar…<br />

Adam me confrontou agora, e soube de onde vinha o aroma de fogo. Seus olhos brilhavam<br />

carmesins. O branco era um vermelho luminescente, cintilando com uma raiva sem fim.<br />

—Afasta suas mãos de mim - retumbou ele.<br />

Não havia rastro da voz do Adam nas palavras, nenhum sinal dele em sua cara. O calor<br />

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emanava de seu corpo em feitas ondas. Era como estar muito perto de uma fogueira. O suor<br />

saltou de meus poros. Afastei meu rosto do calor, ainda sustentando seu pulso. Ele me agarrou,<br />

uma mão em cada antebraço. Algo chispou. Ouvi-o primeiro, e tive um segundo para me<br />

perguntar o que era, logo estive cega pela dor que atravessava meus braços. Ele me soltou e<br />

tropecei para trás. Vergões vermelhos se elevaram imediatamente em meus antebraços.<br />

Paige me agarrou, me estabilizando. Empurrei-a longe e me voltei para o Adam.<br />

Caminhava a pernadas para um beco vazio.<br />

—Ele está bem - disse Paige. —Ficará sob controle agora.<br />

A caminhonete Explorer dobrou a esquina. Agitei meus braços para o Jeremy para que se<br />

detivesse e abri a porta de passageiros antes de que os da outra caminhonete chegassem. Quando<br />

saltei dentro, o olhar fixo do Jeremy foi a meus braços queimados e sua boca se apertou, mas não<br />

disse nada. Esperou até estive dentro, logo apertou o acelerador.<br />

DISSECAÇÃO<br />

Enquanto Jeremy conduzia, expliquei-lhe o que tinha passado. Uma vez fora da cidade,<br />

Jeremy se deteve em um posto de gasolina, estacionou diante da cabine telefônica, e saiu. Uns<br />

minutos mais tarde voltou e tomou a estrada de volta.<br />

— Ruth? - perguntei.<br />

—Disse-lhe que não voltaríamos para a reunião esta noite. Ouviu o que aconteceu. Estava<br />

muito compungida. Perguntou se viríamos se reunissem outra vez amanhã. Disse-lhe que não<br />

sabia por isso ela quer que a volte a chamar esta noite e nos inteiremos do que eles decidam.<br />

— Fá-lo-á?<br />

52


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Provavelmente. Minha primeira prioridade é proteger à Manada. Para fazer isso,<br />

teríamos que unir a esta gente temporariamente, enquanto investigam esta ameaça. Têm recursos<br />

que nós não. Durante o jantar falamos dessa projeção astral que realizam os xamãs, e sonha como<br />

um instrumento inestimável para aprender mais a respeito destes homens que encontrou em<br />

Pittsburgh. Além disso, não tenho nenhuma intenção de ficar para lhes ajudar. Nós lutamos<br />

nossas próprias batalhas.<br />

No silêncio que seguiu, refleti sobre nosso dia, nas coisas esmagadoras que tínhamos<br />

descoberto. Esmagadoras para mim, ao menos. Jeremy não só não parecia desconcertado, mas<br />

também tampouco surpreso por tudo isto. Eu poderia atribuí-lo a seu equilíbrio habitual, mas sua<br />

resposta a tudo parecia demasiado calma, inclusive para ele.<br />

—Você sabia - respondi. —Sabia que havia outras... coisas aí fora. Além de nós.<br />

—Tinha ouvido rumores. Quando era um menino. Largas noites, depois de uma Reunião,<br />

de vez em quando, falava-se da possibilidade de que existissem outras criaturas, vampiros,<br />

feiticeiros, e outros pelo estilo. Alguém recordava a um tio que uma vez tinha conhecido a um ser<br />

com estranhos poderes, essa classe de coisas. Muitos humanos discutem sobre a existência de<br />

aliens e fantasmas. Alguns acreditavam. A maioria não.<br />

— Você o fazia?<br />

—Parecia improvável que fôssemos as únicas criaturas legendárias com base real -<br />

Conduziu em silencio durante um momento, logo continuou. —Uma vez, pouco antes de sua<br />

morte, meu avô me disse que seu avô dizia haver-se sentado em um conselho do que Ruth<br />

chamaria ―seres sobrenaturais‖. Meu avô suspeitava que a história poderia ter sido simplesmente<br />

a imaginação confusas de um ancião, mas acreditou que me devia contar isso se fosse certo, se<br />

outras criaturas existissem, então alguém na Manada devia ser consciente da possibilidade.<br />

— Não deveriam todos os membros da Manada ter sido conscientes da possibilidade? -<br />

disse. —Sem ofender, Jer, mas eu realmente teria apreciado uma advertência.<br />

—Para ser sincero, o pensamento nunca cruzou por minha mente. Nunca tratei de<br />

descobrir se a história de meu avô era verdadeira ou não. O ponto parecia discutível. Não tenho<br />

nenhum interesse em outros seres, e estaremos seguros se eles se interessarem por nós. Sim,<br />

suponho que algum de vocês poderia cruzar-se com um deles por acaso, mas, considerando, os<br />

poucos de nós que existem, e quão poucos são eles, as possibilidades de não só encontrá-los mas<br />

também reconhecê-los também pareciam difíceis. Certamente, isto nunca tinha passado antes, não<br />

em minha vida ou a de meu avô. Agora parece que estas bruxas foram conscientes de nós durante<br />

muito tempo. Nunca considerei essa possibilidade.<br />

— Admite que cometeu um engano?<br />

Seus lábios se moveram nervosamente ao elevar-se em um sorriso cru —Admito ter<br />

cometido um descuido. Só seria um engano se tivesse considerado a possibilidade e tivesse<br />

decidido ignorá-la.<br />

—Mas se os lobisomem fossem parte realmente deste conselho em algum tempo, por que<br />

não está no Legado? - respondi, em relação ao livro da história da Manada.<br />

—Não sei. Se, tal como Ruth disse, os lobisomem se afastaram do conselho, poderiam ter<br />

decidido apagar essa parte de sua história para o Legado.<br />

—Possivelmente por uma boa razão - disse, roçando as gemas de meus dedos sobre meus<br />

braços queimados.<br />

Jeremy me jogou uma olhada e assentiu com a cabeça — Possivelmente.<br />

***<br />

53


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Na cabana, Jeremy lavou e enfaixou minhas queimaduras, logo perguntou se estava pronta<br />

para ir para cama ou se queria ficar mais tempo acordada.<br />

— Ficará acordado? - perguntei.<br />

—Se você o fizer.<br />

—Se fica levantado, fá-lo-ia, mas se está cansado...<br />

— Está cans…? - Jeremy se deteve. Um pequeno sorriso revoou por seus lábios e soube o<br />

que pensava. Podíamos continuar assim toda a noite, nenhum de nós desejava expressar uma<br />

opinião que pudesse incomodar ao outro. Com o Clay ou Nick ou Antonio, dizia meus desejos e<br />

opiniões sem vacilar. A sobrevivência do mais forte. Com o Jeremy, sua cortesia inefável<br />

ressuscitava minha educação, e uma simples escolha podia evoluir em um interminável ―depois<br />

de ti‖, ―Não, insisto, depois de que ti‖. Se Clay estivesse aqui, ele decidiria por nós antes da<br />

segunda ronda do baile. Sem ele, estávamos sozinhos nisto.<br />

— Vou ficar um momento acordada disse.<br />

—Te farei companhia.<br />

—Não tem que fazê-lo.<br />

—Sei. Sentaremo-nos à mesa. Sairei, e conseguirei um bocado.<br />

Saí. Minutos depois, Jeremy me seguiu com dois copos do leite e uma bolsa de bolachas.<br />

—Nada melhor para embotar a dor - disse, me dando o leite. —Terá que te conformar com<br />

a comodidade simples.<br />

Jeremy se sentou a meu lado. Olhamos fixamente a água uns minutos, o rangido das<br />

bolachas ressonava no silêncio. A fumaça de uma fogueira se deslizava por sobre o lago.<br />

—Deveríamos acender um fogo - disse.<br />

—Não há fósforos.<br />

—Maldição. Onde está Adam quando o necessita?<br />

Jeremy esboçou um meio sorriso. —Teremos uma fogueira para ti no Stonehaven. Haverá<br />

guloseimas de merengue brando também. Se só consigo recordar como esculpir um espeto de<br />

assar.<br />

— Sabe como?<br />

Ele riu entre dentes — Difícil de acreditar, verdade? Sim, fui a um par de acampamentos<br />

de escoteiros. Dominic estava acostumado a alugar uma casinha de campo cada verão, tirava o<br />

Tonio e seus irmãos da cidade, e os levava de volta à natureza. Levavam-me com eles.<br />

Quando Jeremy ficou em silêncio, lutei por pensar em um modo de mantê-lo falando.<br />

Jeremy não falava de sua infância. Nunca. Tinha ouvido alguns rumores de outros, a respeito de<br />

não tinha sido a juventude mais idílica, mas Jeremy se mantinha completamente mudo a respeito.<br />

Agora que havia cruzado essa janela, não queria lhe deixar que a fecha-se outra vez tão<br />

facilmente.<br />

— Onde foi? - perguntei.<br />

—Não muito longe. Vermont, New Hampshire.<br />

— Era divertido?<br />

Outro meio sorriso. Muito. —Não me interessava a parte de retornar à natureza.<br />

Stonehaven tem tudo isso. Mas isso me permitia e ao Tonio jogar como meninos verdadeiros,<br />

jogar com outros meninos. É obvio, conhecíamos outros meninos na escola. Mas sempre fomos a<br />

uma escola particular. Como Alfa, Dominic obrigava a fazê-lo aos filhos da Manada. Se seus pais<br />

não podiam economicamente permitir o lhes enviar, ele o pagava. Estrito controle ambiental. A<br />

casa durante os fins de semana e as férias, interação mínima com humanos. Durante as férias,<br />

54


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

entretanto, podíamos nos soltar, sempre que usássemos nomes falsos e todo isso.<br />

— Tinham que usar nomes falsos? Que idade tinha?<br />

—Jovem. Tonio era o mais velho, é obvio. Mas eu era o que inventava nossas histórias.<br />

Era divertido, realmente, inventar uma nova identidade cada verão. Um ano fomos da nobreza em<br />

visita da Inglaterra. Nossos acentos eram atrozes. Outro ano fomos integrantes da Máfia. Ao<br />

Tonio adorava. Dava-lhe uma possibilidade de praticar seu italiano e fazer tremer aos valentões<br />

locais.<br />

—Posso imaginá-lo.<br />

—Muita diversão, até que os meninos começassem a nos oferecer seu dinheiro de sorvetes.<br />

Tonio desenhou a linha ali. A integridade sobretudo, até se isso significasse perder o alimento<br />

suplementar. Discutíamos se teria que confessar que a toda a questão era uma fraude quando<br />

Malcolm chegou e me levou de volta ao Stonehaven. Cedo como sempre.<br />

Malcolm tinha sido o pai do Jeremy, embora eu nunca tinha ouvido o Jeremy chamá-lo por<br />

outra coisa que não fora seu nome.<br />

— Ele sentia saudades? — perguntei.<br />

Jeremy riu. Não seu sorriso habitual ou seu meio sorriso, a não ser uma gargalhada que me<br />

assustou tanto que quase deixei cair minha bolacha.<br />

—Não - disse, recompondo-se. —Malcolm certamente não sentia falta de mim. Ele o fazia<br />

cada verão, detinha-se brevemente para ver o que eu fazia. Se me divertia, o qual sempre fazia,<br />

ele decidia que era o momento para retornar a casa.<br />

Não soube que dizer a isto, de modo que não disse nada.<br />

Jeremy continuou. —Depois de uns anos, comecei a manipulá-lo. Logo que Malcolm<br />

chegava, tinha um ataque maciço de nostalgia. Tornava-me desesperadamente miserável. Morria<br />

por partir. Então, é obvio, ele me fazia ficar o resto do verão. Sorrentinos também ajudavam com<br />

a representação. Sabiam o que significava para mim estar em casa -Esboçou um meio sorriso<br />

sardônico. —Você, Clayton, e eu. Três companheiros de moradia, todos com uma infância<br />

putrefata. Quais são as possibilidades?<br />

—Clay teve uma boa infância.<br />

—Excluindo a pequena parte de ser convertido em um homem lobo à idade de cinco anos<br />

e passar os seguintes anos escondendo-se nos pântanos, comendo ratos e bebendo.<br />

—Quis dizer depois disso. Depois de que o resgatasse. Ele sempre disse que teve uma boa<br />

infância no Stonehaven.<br />

— Quando não estava sendo expulso da escola por dissecar o coelhinho de índias da<br />

classe?<br />

—Já estava morto.<br />

Jeremy riu entre dentes — Ainda posso ouvi-lo dizendo isso. Mais de trinta anos depois e<br />

ainda posso ouvi-lo perfeitamente. A primeira reunião de Manada do Clay. Tratei de fingir que<br />

tudo estava bem, não avisei a ninguém sobre a expulsão. E de repente, Daniel rugiu e o anunciou<br />

a toda a Manada. ―Expulsaram ao Clayton da escola por dissecar um coelhinho de índias‖. Clay<br />

chorou na sala, caminhou para o Daniel, com os olhos flamejando, tinham a mesma idade, mas<br />

Clay era pelo menos uma cabeça menor, e gritou, ―Já estava morto!‖<br />

—O que explicava tudo.<br />

—Absolutamente - Jeremy sorriu e sacudiu a cabeça. —Entre o animal doméstico partido<br />

em dois e o fiasco do animal de brinquedo, tive que me perguntar se estava feito para a<br />

paternidade substituta.<br />

— Animais de brinquedo?<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

— Clay não te contou isso? - Jeremy esvaziou seu vidro transparente, tomou o meu, e<br />

ficou de pé.<br />

Agarrei sua perna — Me conte.<br />

— Quando voltar.<br />

Gemi e esperei. E esperei. Tomava muito, muito tempo ver esse leite. O jogo de todo o<br />

assunto era o efeito.<br />

— Animais de brinquedo - disse, quando finalmente voltou.<br />

— Bom. Clay tinha problemas com os outros meninos na escola. Suponho que sabia isso.<br />

Assenti com a cabeça — Ele não se integrava e não o tentou. Pequeno para sua idade.<br />

Antissocial. O acento só o fazia pior. Perguntei-lhe sobre isso quando o conheci. Disse-me que<br />

tinha vivido em Nova York durante vinte anos, mas soava como se acabasse de baixar do trem da<br />

Luisiana. Dizia que quando era um menino, outros meninos zombavam de seu acento. Então o<br />

manteve. A lógica perversa do Clay.<br />

— Algo que o pusesse à parte. Então, depois do desastre com o coelhinho de índias, lhe<br />

dei aulas em casa até setembro seguinte, logo o enviei a uma escola diferente e lhe pedi ao<br />

principal que me notificasse de qualquer problema de conduta. Juro que passei três tardes por<br />

semana em reuniões com o professor. A maior parte eram pequenas coisas, mas um dia o<br />

professor disse que Clay tinha problemas nos recreios. Os outros meninos se queixavam que ele<br />

os seguia, olhava-os, essa classe de coisas.<br />

—Espreitava-os - respondi. —Procurando debilidades.<br />

—Exatamente. Agora, não me preocupava que fizesse algo. Eu era muito estrito naquele<br />

ponto. Não devorar companheiros de classe - Jeremy pôs os olhos em branco. —Outros pais<br />

advertem a seus meninos que não falem com estranhos. Eu tinha que advertir ao meu que não os<br />

comesse. De todos os modos, este professor disse que Clay não mostrava interesse em jogos de<br />

recreio normais, como jogar com brinquedos. Brinquedos. Sabia que me esquecia algo. Clay era o<br />

menino mais pouco infantil que eu tinha encontrado alguma vez, então tendia a esquecer que<br />

deveria fazer coisas infantis. Depois da reunião, conduzi diretamente à loja de brinquedos e<br />

comprei bolsas de brinquedos. Ele os ignorou todos... todos exceto um jogo de animais plásticos,<br />

vacas, cavalos, ovelhas, cervos, camelos, etc. Levava-os a seu quarto e permanecia ali durante<br />

horas. Elogiei a mim mesmo por minha grande perspicácia, caso que gostava dos animais porque<br />

sentia algum parentesco com eles. Então encontrei o livro.<br />

Jeremy fez uma pausa.<br />

— Que livro? - perguntei, porque sabia que era o que se supunha que devia fazer.<br />

—A Guia de Gibson de Anatomia Animal. Tinha-o roubado da biblioteca escolar e sovado<br />

um montão de páginas. Logo joguei um olhar mais de perto aos brinquedos plásticos. Estavam<br />

todos marcados com X vermelhos estrategicamente colocadas.<br />

—Identificando os órgãos vitais - disse. —Para caçar.<br />

—Exatamente.<br />

— Então o que fez?<br />

—Dei-lhe uma larga conferência a respeito de roubar e lhe fiz devolver o livro<br />

imediatamente.<br />

Joguei minha cabeça para trás e ri. Jeremy descansou sua mão ao redor de minha cintura,<br />

um gesto estranho de proximidade da qual desfrutei enquanto era possível.<br />

— O que opina de uma corrida? - perguntou depois de um momento. —Poderíamos correr<br />

para descarregar um pouco de tensão.<br />

Eu estava cansada, mas nunca o haveria dito. Os lobisomens preferiam correr com outros,<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

instinto de manada. Como em tantas outras coisas, Jeremy era diferente. Preferia a solidão<br />

quando trocava. Às vezes se unia a nós em uma corrida de caça, mas raramente ia por uma<br />

corrida com um companheiro. Assim, quando o ofereceu, eu poderia ter estado pronta para me<br />

deprimir de esgotamento e não me teria negado.<br />

Caminhamos para os bosques, tomando o caminho até que estivemos bastante dentro para<br />

encontrar lugares para nossa mudança. Tínhamos avançado aproximadamente um metro quando<br />

Jeremy se voltou para olhar fixamente por sobre meu ombro.<br />

— O que? - Perguntei.<br />

—Faróis de carro reduzindo a marcha no alto da rua - murmurou.<br />

O meio-fio se inclinava abruptamente da estrada a casinha de campo, deixando os carros<br />

no topo, de modo que podíamos ver o brilho das luzes com binóculos. Enquanto esperávamos, as<br />

luzes desligaram e o barulho do motor morreu. Uma porta de carro se abriu e fechou. Os passos<br />

caminharam pelo bordo da colina. Uma pedra soou debaixo de um sapato, tamborilando. Uma<br />

pausa. Alguém escutando uma resposta ao ruído. Então o sussurro do mato contra as pernas de<br />

alguém. Uma luz tênue em cima de nós, um movimento sem forma. Então se moveu para o sul,<br />

com o vento a favor. Intencionadamente. Uma árvore rangeu a nossa direita. Saltei. Só o vento.<br />

Jeremy olhava, escutava, cheirava, só o endurecimento de seu queixo traía sua tensão.<br />

Olhei-o, mas ele não me olhou de volta. Olhava demasiado ocupado. E esperando. O som de<br />

raminhos quebrados debaixo dos pés. Silêncio outra vez. Alguém gritou através do lago. Saltei<br />

outra vez. Então, uma rocha caiu pela ladeira a minha direita. Quando dava volta, vislumbrei uma<br />

mancha imprecisa de movimento a minha esquerda. Má direção. Merda. Muito tarde. A mancha<br />

imprecisa estava sobre mim, golpeando minhas pernas. As mãos me agarraram enquanto caía, me<br />

lançando de costas e fixando meus braços a meus flancos. Golpeei a terra com meu atacante sobre<br />

mim.<br />

VISITAS<br />

— Sentiu saudades? — perguntou Clay, sorrindo abertamente.<br />

Levantei-me, lançando-o por sobre minha cabeça, para uma pilha de lenha. A madeira caiu<br />

sobre ele, deixando-o sem fôlego.<br />

—Acredito que não - respirou com dificuldade, e, de alguma forma, ainda sorrindo<br />

abertamente.<br />

— Posso matá-lo? - perguntei ao Jeremy. —Por favor.<br />

—Mutila, mas não mate. Ainda poderíamos necessitá-lo - Jeremy ofereceu ao Clay uma<br />

mão e o pôs de pé com um pouco mais de força da necessária. —Me alegro de ver que recebeu<br />

minha mensagem, mas não acreditei que estaria aqui tão rápido. Teve algum problema por ter que<br />

te afastar de seu curso?<br />

Não, Clay não era um estudante na Universidade de Michigan. Era professor. Bom, não<br />

realmente professor. Quero dizer, não permanentemente. Era um antropólogo investigador, que<br />

de vez em quando fazia alguma série de conferências curtas, não porque gostasse, já que ao Clay<br />

não gostava de fazer nada que implicasse contato com humanos, mas, devido ao estranho roubo<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

de idéias no mundo dos acadêmicos, as relações interpessoais eram um mal necessário para<br />

manter sua rede de contatos e, por onde, sua carreira. A maior parte das pessoas que tinham<br />

conhecido ao Clay, assistido suas aulas, diziam algo a assim como ―Pensava que se necessitava<br />

um PhD para fazer isto‖. Claramente a visão do Clay e um grau de doutorado não andavam<br />

juntos. Sim, ele tinha um, posso testemunhá-lo, tendo visto o diploma no fundo de sua gaveta de<br />

meias três - quartos. Qualquer um que conhecesse o Clay, entretanto, podia ser perdoado pelo<br />

engano. Ele não falava como alguém que tivesse um grau tão avançado. E certamente não se via<br />

como um PhD. Clay era uma dessas pessoas detestáveis, dotadas tanto com inteligência ao nível<br />

de um gênio e por uma aparência magnífica. Olhos azuis, cachos loiros escuros, e um rosto<br />

severo tirado diretamente de uma revista. Combina-o com um corpo poderoso e tem um pacote<br />

que não passa despercebido em meio de uma convenção do Chippendales 14 . Ele o odiava. Clay<br />

teria estado feliz de despertar uma manhã e encontrar-se transformado na classe de tipo que<br />

chamava a atenção de maneira persistente só quando sua braguilha estava abaixada. Eu, por outra<br />

parte, criatura superficial que sou, não estaria tão contente.<br />

Clay disse ao Jeremy que sua série de conferências tinha sido parte de um curso interino,<br />

então não tinha tido nenhum problema em devolver-lhe ao professor regular e renegociar sua<br />

parte para o final da sessão. Enquanto explicava isto, pratiquei minha terceira classe de<br />

habilidades matemática.<br />

—Deixou uma mensagem ao Clay de meu telefone celular, e que, supostamente o recebeu<br />

em Detroit, verdade? - perguntei.<br />

Jeremy assentiu com a cabeça.<br />

— E quando deixou essa mensagem?<br />

—Antes do jantar. Depois de que foi se sentar com a Cassandra usei o telefone público no<br />

vestíbulo.<br />

—Uh-huh. Faz aproximadamente quatro horas, então. Assim, assumindo que Clay tomou a<br />

rota mais curta de Detroit, através de Ontario, para Quebec e logo para cá, seriam mais de<br />

seiscentas milhas. Um Porsche que viaja a, suponhamos, noventa milhas por hora, sem paradas<br />

ou retardos, tomaria ao menos sete horas para fazer a viagem. Alguém vê um problema com estas<br />

contas?<br />

—Eu não estava realmente em Detroit quando Jer chamou - disse Clay.<br />

—Uh-huh.<br />

—Eu estava um pouco... mais perto.<br />

—Quanto perto?<br />

—Ummm, digamos... Vermont.<br />

—Você, seu dissimulado filho da puta! Esteve todo o tempo aqui, verdade? O que fez, nos<br />

seguir todo o tempo?<br />

—Estava te protegendo.<br />

Resisti o impulso de bater meu pé com força na terra. Não era o modo mais amadurecido<br />

de lançar um argumento, mas às vezes a frustração fazia voar a maturidade a qualquer parte. Clay<br />

me fazia isto. Conformei-me com uma sacudida de terra.<br />

— Não necessito amparo - disse. —Em quantas brigas estive? Muitas para contar, e não<br />

me mataram ainda, verdade?<br />

—Oh, uma muito boa lógica. Tenho que esperar até que alguém o faça, querida? Então me<br />

permitirá te proteger? Proteger sua tumba talvez?<br />

14 Boate em que homens fazem danças eróticas. A primeira foi aberta em Los Angeles, Califórnia.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Ordenei-te que ficasse em Detroit, Clayton - disse Jeremy.<br />

—Você disse que não precisava vir - disse Clay. —Não que não podia.<br />

—Sabia o que queria dizer - disse Jeremy. —Falaremos disto mais tarde. Voltemos para a<br />

casinha de campo agora e lhe preencheremos com algo que não saiba ainda.<br />

Dirigimo-nos para a cabana. Quando estivemos a ponto de sair dos bosques, Jeremy se<br />

deteve e levantou uma mão, nos fazendo calar.<br />

— Alugou uma caminhonete? - sussurrou ao Clay.<br />

—Nah, uma pequena caixa de merda. Imaginei que o Boxster podia ser um pouco visível<br />

por estes lados. Por quê? - seguiu o olhar fixo do Jeremy. —Esse não é o meu.<br />

Olhei para o topo da colina para ver uma caminhonete estacionada ao final do caminho.<br />

— Que horas são? - perguntou Clay.<br />

—Muito tarde para passear - respondi. —Muito cedo para caçar ou pescar.<br />

—Eu diria que temos companhia - disse Jeremy. —Eu vigiarei. Vocês dois rodeiem a<br />

casinha de campo e saúdem nossos convidados.<br />

Clay e eu nos arrastamos para sair do bosque. O lado sul da cabana estava escuro e<br />

tranquilo. Enquanto escutava, captei o rangido de folhas secas do lado norte. Agitei a mão para o<br />

Clay para que tomasse o lado do lago enquanto me deslizava através do caminho.<br />

No lado do norte da casinha de campo encontrei minha mina, um homem só vigiando.<br />

Arrastei-me pelas árvores até que estive ao lado do homem. Tinha, provavelmente, cinquenta<br />

anos, mas com o físico e o porte de um homem da metade dessa idade. Sua postura era muito<br />

erguida, olhos treinados olhando o meio-fio, não oscilavam. Um profissional. Militar aposentado,<br />

possivelmente, considerando o corte e a roupa tão engomada que suspeitava levava ele como<br />

roupa interior. Sustentava sua arma a sua direita, inclinada mas tensa, preparado para tirar a trava<br />

e fazer fogo como um brinquedo de ação. De onde tirava Winsloe seus recrutas? Soldados<br />

Mercenários! Com a forma em que os tipos se viam, pareceu que se comprou um maldito exército<br />

inteiro.<br />

Clay saiu do bosque, por detrás do pistoleiro. Captou meu olhar através das árvores.<br />

Assenti com a cabeça e me coloquei de coque. Enquanto ele avançava, algum vândalo bêbado<br />

gritou através do lago. O vigilante girou ao redor, mas Clay já estava em metade do vôo. Saltei e<br />

golpeei a arma da mão do homem enquanto Clay o agarrava ao redor do pescoço. Um estalo.<br />

Logo, silêncio.<br />

Clay baixou o morto a terra. Abri a câmara da arma. As balas em seu interior brilhavam<br />

muito alegremente para ser chumbo. Os mostrei ao Clay enquanto ele arrastava o corpo para os<br />

bosques.<br />

—Balas de prata - sussurrei. —Não é a equipe padrão para um empregado de escritório.<br />

Clay assentiu.<br />

— Adiante ou atrás? - perguntei.<br />

—Escolhe você.<br />

Dirigi-me para a porta principal. Tinha uma fresta aberta. Enquanto me deslizava ao longo<br />

da parede, ouvia-se música pop silenciada, quando atrás da cabana Clay rompeu a fechadura<br />

traseira. Quando estive o suficientemente perto para ver pela greta da porta principal, fiz uma<br />

pausa. Nada de luz, som, ou movimento vinham de dentro. Com o dedo do pé, abri um pouco<br />

mais a porta. Ainda nada. Coloquei-me de bruços e me arrastei, ficando abaixo para não chamar a<br />

atenção de ninguém- ou apanhar uma bala disparada cegamente a nível de peito.<br />

As portas da frente e traseira estavam a uma frente à outra, conectadas por um corredor<br />

comum, por isso, tão logo quando me movi sigilosamente para dentro, vi o Clay. Ele levantou<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

suas sobrancelhas. Ouve algo? Neguei com a cabeça. Caminhamos pelo quarto principal, e ele<br />

assinalou para cima e articulou ―luz‖. Olhei para a escada. Vamos, uma luz vacilava, como uma<br />

lanterna móvel. Clay gesticulou desde mim para ele, logo assinalou para cima outra vez. Ambos<br />

íamos. Ele encabeçava.<br />

Três quartos de caminho para cima, um rangido. Era inevitável, verdade? Acredito que os<br />

carpinteiros o fazem a propósito, fazer ao menos um degrau que rangia, assim ninguém pode<br />

passar para cima ou para baixo sem ser detectado. Congelamo-nos e escutamos. Silêncio. Clay<br />

avançou ao seguinte degrau, deteve-se, e se inclinou para frente, jogando uma olhada ao corredor<br />

superior. Sacudiu a cabeça. Nada. Depois de um momento de pausa, subiu os três últimos<br />

degraus. Dirigiu-se para o dormitório traseiro, de onde vinha a luz. Fiquei de pé no alto da escada,<br />

pega à parede mais longínqua, vigiando o dormitório dianteiro, os degraus, e ao Clay sobre tudo.<br />

—Merda - sussurrou.<br />

Dava a volta. Jeremy tinha estado usando o dormitório traseiro. Ele ou um dos intrusos se<br />

partiram deixando a luz de noite acesa. Diante disso, um leque de pedestal girava a baixa<br />

velocidade, lâminas que bloqueavam intermitentemente a ampulheta, dando a impressão de uma<br />

luz vacilante. Enquanto sacudia minha cabeça, ouviram-se passos no nível principal. A escotilha<br />

ao porão se fechou.<br />

—Isso é - disse a voz de um homem. —Eles não estão aqui.<br />

—Então esperaremos - disse o outro. — Traz o Brant e vamos daqui.<br />

Passos no pórtico dianteiro. —Brant se foi.<br />

—Provavelmente a urinar. Que maldita maravilhosa vigilância. Vá ligar a caminhonete,<br />

então. Ele o calculará.<br />

Clay sussurrou — Os pegarei pelas costas. Toma a frente. Leva-os aos bosques. Longe de<br />

sua caminhonete e do Jeremy.<br />

Apressei-me para a escada, esperando que Clay me seguisse. Deveria havê-lo sabido<br />

melhor. Por que descer a escada quando havia uma saída mais dramática à mão? De todos os<br />

modos, não era puro teatro. A saída do Clay realmente impediu aos dois homens de me ouvir sair<br />

correndo da casa. Estava saindo pela porta dianteira quando a janela do banheiro do segundo piso<br />

se rompeu. Uma chuva de cristais caiu em cima dos homens. Quando elevaram a vista, Clay caiu<br />

à terra diante deles.<br />

— Vão a algum lado? - disse ele.<br />

Antes de que os homens pudessem reagir, Clay deu uma patada à pistola do homem da<br />

esquerda. O homem da direita se girou, viu-me, levantou sua arma, e disparou. Escapuli-me, mas<br />

algo cravou minha coxa. Um dardo de tranquilizador. Clay se tinha dado conta de que homem<br />

tinha a arma mais perigosa e o desarmou, deixando ao tipo da arma de tranquilizador para o<br />

segundo round.<br />

O primeiro homem esquivou a seguinte patada do Clay e se lançou para o bosque. Clay o<br />

seguiu. O outro homem ficou me olhando, com a arma de tranquilizador pronta. Arranquei o<br />

dardo de minha perna e corri. Seus olhos se alargaram como se tivesse esperado que eu me<br />

cambaleasse e caísse a terra. Obviamente alguém que acreditava que necessitava balas de prata<br />

para matar a um lobisomem tampouco sabia que necessitaria quantidade para o tamanho de um<br />

elefante de sedativo para conseguir derrubar a um. Quando apontou outra vez, lancei a suas<br />

pernas, agarrei-o e o empurrei, derrubando-o comigo. A arma caiu a um lado. Sua mão voou, não<br />

para mim, a não ser para a esquerda, estendendo a mão através da terra. Merda. A outra arma. A<br />

verdadeira.<br />

Rodei de lado e golpeei a arma fora de seu alcance. Ele ficou de joelhos, levantou o punho,<br />

60


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

logo fez uma pausa. Os tipos faziam isto. Parecia uma regra de pátio de recreio arraigada. Os<br />

moços não golpeavam às garotas. Nunca. Geralmente só vacilavam um momento antes de<br />

compreender que havia exceções a toda regra. De todos os modos, deu-me o tempo para esquiválo,<br />

o qual fiz. Lancei meu punho para seu estômago. Ele se dobrou, ainda de joelhos. Agarrei seu<br />

cabelo e golpeei seu rosto no chão. Ele se recuperou rápido, entretanto. Muito rápido para me<br />

deixar romper seu pescoço. Seu olhar foi diretamente para a arma. Quando ele investia para<br />

frente, tomei, balancei meu braço para trás e a impulsionei para seu coração. Seus olhos se<br />

ampliaram, e olhou para baixo, à arma que me sobressaía de seu peito, tocou o joro de sangue que<br />

se filtrava da ferida, franziu o cenho confuso, cambaleou uma vez sobre seus pés, logo caiu para<br />

trás.<br />

Clay saiu do bosque, olhou ao homem e inclinou sua cabeça.<br />

—Hey, querida - disse. —Isso é fazer armadilha. Os lobisomem não usam armas.<br />

—Sei. Estou tão envergonhada.<br />

Ele riu. —Como se sentiu depois desse dardo?<br />

—Nem sequer bocejo.<br />

—Muito bem, porque nos escapou um. O tipo se meteu na névoa. Imaginou que eu<br />

voltaria e veria se você necessitava ajuda antes de lhe dar caça. Não estará longe.<br />

—Troquemos, então - disse Jeremy, aproximando-se desde detrás de nós. —É seguro.<br />

Estão bem seus braços, Elena?<br />

Tirei as ataduras, fazendo uma careta enquanto o fazia. Curamo-nos rápido, mas o<br />

processo de todas as maneiras levava mais que umas horas.<br />

—Estarei bem - respondi.<br />

—Bom. Vão, então. Cuidarei destes dois.<br />

Clay e eu nos movemos para encontrar lugares onde mudar.<br />

***<br />

Depois de doze anos, eu tinha uma espécie de fórmula para a mudança, um simples jogo<br />

de passos que seguia para me impedir pensar na dor que viria. Primeiro passo: Encontrar uma<br />

clareira no bosque, preferentemente bem longe de todos outros, já que nenhuma mulher, frívola<br />

ou não, queria ser vista em meio de uma mudança. Segundo passo: Tirar a roupa e dobrá-la com<br />

esmero - este era o plano, embora de algum jeito minhas roupas sempre terminavam pendurando<br />

do avesso e penduradas nos ramos de uma árvore. Terceiro passo: Ficar em posição, a gatas, a<br />

cabeça entre os ombros, músculos relaxados. Quarto passo: Concentrar-se. Quinto passo: Tentar<br />

não gritar.<br />

Quando tive terminado minha mudança, descansei, logo me pus de pé e me estirei.<br />

Adorava me estirar como lobo, explorando as diferenças em minha estrutura, a nova forma em<br />

que meus músculos interatuavam. Comecei nas patas, enterrando minhas unhas no chão e<br />

empurrando contra a terra com as quatro patas. Logo arqueei minhas costas, ouvindo uma ou duas<br />

vértebras fazer um som estranho, desfrutando da ausência total de qualquer rigidez de costas ou<br />

de pescoço, das pequenas dores e contraturas que a gente bípede aprende a aceitar. Movi o<br />

espinhaço, levantando minha cauda sobre as costas, logo deixando-a cair e balançando a de um<br />

lado a outro, sentindo como sussurravam os cabelos contra a cara interna de minhas pernas.<br />

Finalmente, a cabeça. Fiz virar minhas orelhas e procurei, ao menos, um novo som, talvez um<br />

pássaro a uma milha de distância ou um escaravelho fazendo sua toca na terra a meu lado. Joguei<br />

mesmo jogo com meu nariz, cheirando e encontrando algo novo, estrume de vaca a uma distância<br />

61


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

de cinco milhas longe ou rosas que florescem no jardim de uma casinha de campo. Não podia<br />

fazer o mesmo com meus olhos. Se algo acontecia a respeito, era que minha vista era pior como<br />

lobo, mas pisquei e olhei ao redor, orientando minha visão noturna. Não via em branco e negro,<br />

como a maior parte dos animais, a não ser em uma paleta desbotada de cores. Finalmente, joguei<br />

atrás meus lábios em um grunhido fingido e sacudi a cabeça. Ali. Extensões prontas. Tempo de<br />

trabalhar.<br />

DIVERSÕES<br />

Desde que Clay o tinha deixado, o homem tinha percorrido um bom trecho. Tinha<br />

deslocado ao menos três quilômetros, todos no mesmo rádio do meio quilômetro, dando voltas e<br />

ziguezagueando sem parar. Algumas pessoas não têm nenhum sentido de orientação. Trágico, a<br />

verdade.<br />

Clay o tinha conduzido a uma área pantanosa onde nenhum dos visitantes da vila tinha<br />

razão de aventurar-se e desse modo, nenhum deles poderia seguir seus passos. À medida que nos<br />

aproximávamos, podíamos ouvir o homem, suas botas chapinhando construíam um mapa auditivo<br />

de seus movimentos. Uns metros ao leste, virando um pouco para o sul com cada passo, logo<br />

girou repentinamente ao sudoeste, avançando vinte passos para o norte, outra volta, uns passos<br />

mais e… esteve mais ou menos de volta onde tinha começado. O suspiro do Clay estremeceu seus<br />

flancos. Não havia desafio. Nada de diversão.<br />

Neste ponto, deveríamos ter terminado com o tipo, havê-lo cercado, um pela frente, as<br />

outras pelas costas, saltado sobre ele, arrancado sua garganta, e preparado o trabalho. Teria sido o<br />

que responsavelmente haveria que ter feito, acabar a ameaça sem risco ou alvoroço. Depois de<br />

tudo, este era um trabalho, maldição, não se supunha que fora diversão. Ainda assim, havia um<br />

problema. Barro. O barro gotejava entre os dedos de minhas patas, e a água fria avançava pouco a<br />

pouco por minhas patas dianteiras. Levantei a pata. Havia um espesso e negro barro, cobrindo<br />

cada cabelo. À medida que baixava a pata, o barro ia deslizando-se para a terra. Eu não podia<br />

trabalhar assim. Não era seguro. Havia só uma opção. Tínhamos que conseguir que o tipo saísse<br />

de seu entupo. O que significava que tínhamos que persegui-lo. E, maldição, sentia-me mal por<br />

62


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

isso.<br />

Nos separamos, dando voltas em sentidos contrários ao redor do homem atirado no barro.<br />

Tomei a direção sul e encontrei a terra ainda estava pantanosa. Quando nos encontramos no lado<br />

oposto, Clay moveu sua cabeça para o norte, me dizendo que a terra ali estava seca. Fiz uma<br />

pausa então e mediante a audição localizei ao homem outra vez. Para o sudoeste, talvez a quinze<br />

metros de distância. Clay roçou meu flanco e grunhiu brandamente. Rodeou-me, roçando ao<br />

longo de meu flanco, sua cauda fazendo cócegas através de meu focinho, logo caminhou para o<br />

outro lado. Aproximei-me mais, empurrei meu focinho sob sua garganta e pressionei ali. A<br />

antecipação tremeu por seu corpo, uma vibração evidente contra minha bochecha. Acariciou com<br />

o focinho meu ouvido e mordiscou o bordo. Dava-lhe uma cotovelada, logo retrocedi —<br />

Preparado? - perguntei com um olhar. Sua boca se abriu em um sorriso e se foi.<br />

Trabalhei em excesso pelo barro detrás o Clay. Fomos para o sul-sudoeste.<br />

Aproximadamente a dez metros ao sul de nosso objetivo, detivemo-nos. Logo nos encaminhamos<br />

para o norte. Diante, o homem ainda chapinhava através do pântano, pontuando cada um de seus<br />

passos com um juramento murmurado. Ao ter acreditado perder ao Clay vários quilômetros atrás,<br />

o homem se encontrava absorto em sair do que devia ter parecido o maior dos pântanos da<br />

América do Norte. Quando nos aproximamos mais, reduzimos a marcha, tratando de acalmar o<br />

som de nossa aproximação. Não era que isto realmente importasse. Este tipo estava tão absorvido<br />

em escapar do interminável pântano que provavelmente poderíamos ter saltado levando<br />

castanholas e ele não nos teria ouvido. Detivemo-nos uns metros dele. Embora a brisa estava a<br />

nossas costas, estávamos o suficientemente perto para cheirá-lo no vento. Clay roçou meu flanco<br />

para chamar minha atenção. Quando o olhei, ele levantou seu focinho ao céu imitando um uivo.<br />

Inspirei e sacudi minha cabeça. Advertir a nossa presa tinha seu atrativo, mas queria tentar algo<br />

diferente.<br />

Avancei pouco a pouco me arrastando sobre meu estômago. Quando o aroma do homem<br />

aumentou sua intensidade, fiz uma pausa e comprovei sua direção. Movia-se para o norte, direto<br />

para mim. Perfeito. Sacudi minha cabeça, descansei meu ventre contra o barro e me arrastei até<br />

que pude ver o homem empurrando através do pântano. Poderia ter avançado facilmente ao redor<br />

da árvore putrefata em frente dele, mas estava na escuridão, parecia ter perdido sua lanterna ou<br />

talvez a deixou com seu sócio morto. Além da árvore podre, a área que o rodeava estava clara.<br />

Saltei para trás, algo muito mais fácil de coordenar como lobo que como humano. Clay se<br />

avançou para me encontrar. Quando chegou junto a mim, deixei cair meus quartos traseiros a<br />

terra e meneei minha cauda ao ar. Ele grunhiu e inclinou a cabeça para um lado, um claro ―Que<br />

demônios está fazendo?‖ Soprei, pus-me de pé, e repeti o movimento, esta vez ricocheteando<br />

daqui para lá. Tomou um segundo, mas ele finalmente o entendeu. Ele se roçou contra mim uma<br />

última vez, afundando seu focinho em meu pescoço. Então se deu volta e avançou para o<br />

noroeste.<br />

Fui ao norte outra vez, me arrastando só uns pés mais antes de ver o homem. Avançava<br />

através de água que lhe chegava à altura do tornozelo, duas maldições por cada passo que dava.<br />

Elevei meus ouvidos e apanhei o som das patas da Clay chapinhando pelo barro. Quando esteve<br />

em paralelo a mim, deteve-se, seus olhos azuis cintilando na escuridão. Não tive que lhe<br />

comunicar minha posição. Minha pele pálida brilhava sob os céus mais escuros. Me girando para<br />

o homem, verifiquei duas vezes sua posição. Tinha conseguido dar talvez dois passos no<br />

intermédio. Acrescentei aqueles dois passos suplementares a minha posição. Então me agachei,<br />

meus quartos traseiros abaixo, a cauda ao ar, meneando-a quando troquei a posição e provei<br />

minhas patas traseiras. Vamos, abaixo, lado, lado, abaixo outra vez, esticar, soltar... perfeito.<br />

63


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Enfoquei minha concentração a minhas patas dianteiras, apertando os músculos. Uma última<br />

verificação ao objetivo. Não houve mudança de posição. Perfeito. Agora a caçar.<br />

Saltei através do ar. O mato chispou na decolagem. O homem o ouviu, girou-se e levantou<br />

suas mãos para me rechaçar, não dando-se conta de que minha trajetória não me levaria a não ser<br />

a uns metros dele. Aterrissei a sua direita. Deixei cair minha cabeça entre meus ombros e grunhi.<br />

Seus olhos cintilaram da surpresa à compreensão. Era o que desejava, o por que eu não tinha<br />

deixado ao Clay adverti-lo. Queria ver sua expressão quando compreendesse exatamente o que<br />

confrontava, que por uma vez não se confundia com um lobo ou cão selvagem. Queria ver o<br />

entendimento, o horror, e, finalmente, o pânico que soltava bexigas. Ofegou durante um<br />

comprido momento, suas mandíbulas abertas, nenhuma parte dele em movimento, nem sequer<br />

respirava. Então, o golpe de pânico. Deu a volta e quase tropeçou com o Clay. Chiou então, um<br />

chiado de terror. Clay jogou seus lábios para trás, suas presas cintilando à luz da lua. Ele grunhiu,<br />

e o homem se lançou para o lugar mais aberto, o norte, para a terra seca.<br />

Isto não era tanto uma perseguição em um pântano, era mas bem dois lutadores de barro<br />

perseguindo um terceiro, os três mais deslizando-se que correndo. Uma vez que alcançamos a<br />

terra seca, o homem se lançou em uma precipitada corrida. Corremos atrás dele. Era uma corrida<br />

injusta. Correndo em plenitude, um lobo é mais rápido que a maioria dos atletas profissionais.<br />

Este tipo estava em excelente forma, mas não era profissional, e tinha a desvantagem adicional de<br />

estar perto do esgotamento, cheio de pânico, e uma péssima visão noturna. Poderíamos havê-lo<br />

alcançado com um estalo de velocidade. Em vez disso, reduzimos a marcha. Tínhamos que dar ao<br />

tipo uma possibilidade, verdade? Certamente, a imparcialidade era nossa única motivação. Sério,<br />

não tratávamos de prolongar a perseguição.<br />

Trotamos atrás dele algo mais de um quilômetro a campo travessa. O aroma pestilento de<br />

seu pânico se precipitou para nós, enchendo meu nariz e saturando meu cérebro. A terra voava<br />

sob meus pés, meus músculos se contraíam e expandiam em uma síncope tão absoluta que a<br />

sensação era quase tão embriagadora como o aroma de seu medo. Seus laboriosos ofegos<br />

raspavam como o papel de lixa contra o silêncio da noite. Bloqueei-o, escutando em troca a<br />

respiração estável do Clay ofegando enquanto corria a meu lado. Um par de vezes Clay se<br />

aproximou o suficiente para roçar-se contra mim. A intoxicação da perseguição era completa.<br />

Então, com um novo aroma na brisa, a realidade tomou seu lugar. Vapores de diesel. Havia um<br />

caminhão a frente. O alarme se elevou dentro de mim, logo se foi em uma onda de sentido<br />

comum. Eram aproximadamente 3 horas da manhã de uma segunda-feira no meio do terreno das<br />

casinhas de campo. As possibilidades de topar-se com tráfego a frente eram nulas. As<br />

possibilidades de encontrar-se sequer com um carro eram quase tão baixas. Tudo o que tínhamos<br />

que fazer era seguir a este tipo através do caminho e nos manter atrás dele.<br />

Embora ainda pudesse cheirar o óleo diesel, não se misturava com o aroma do asfalto. Um<br />

caminho de terra. Melhor ainda. Subimos uma pequena colina e vimos o caminho diante, uma<br />

linha vazia de malha marrom através das colinas. O homem subiu a sarjeta na perto do lado.<br />

Quando saltamos do montículo, um brilho de luz iluminou o caminho durante um segundo, logo<br />

desapareceu. Fiz uma pausa. Durante um momento, tudo esteve escuro. Então a luz cintilou outra<br />

vez. Duas luzes redondas a distância, piscando sobre as colinas. O homem as viu também.<br />

Encontrou um último estalo da velocidade e correu para o veículo que vinha, agitando os braços.<br />

Clay saltou por trás de mim. Quando o carro desceu ao último vale, Clay saltou através do<br />

caminho, alcançou ao homem, e o lançou voando à sarjeta. Uma caminhonete vinha na última<br />

colina, um barco a motor retumbando detrás. Passou junto a nós e continuou seu caminho.<br />

Corri através do caminho. Clay e o homem estavam no fundo da sarjeta e caíram juntos,<br />

64


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Clay esperneava, tratando ficar de pé enquanto o homem se retorcia para escapar. Ambos<br />

estavam cobertos de barro, fazendo o trabalho do Clay muito mais difícil e o do homem mais<br />

fácil. O homem se retorceu de lado e alcançou o final de sua perna com um ofego. Em um brilho<br />

compreendi o que ele faria depois. Gritei uma advertência ao Clay. A mão do homem sujeitava<br />

algo fortemente em seu punho. Enquanto ele tentava alcançá-lo, Clay se lançou para sua mão.<br />

Um brilho de luz. O som de um trovão. Uma ducha de sangue. O sangue do Clay.<br />

Lancei-me para baixo à sarjeta, golpeei a arma da mão do homem, e dei a volta. Seus<br />

olhos se alargaram. Saltei para ele, agarrei sua garganta, e a rasguei. O sangue borbulhou. O<br />

homem convulsionou. Balancei-o de um lado a outro até que sua garganta se separou e seu corpo<br />

caiu aos arbustos. Algo cravou meu flanco e girei para ver o Clay ali. O sangue corria pela parte<br />

traseira de sua pata dianteira. Eu o coloquei de lado, lambi a ferida até deixá-la limpa, e o<br />

examinei. A bala tinha passado através da pele e o músculo que conecta sua pata dianteira com o<br />

peito. Cheirava a pólvora e carne queimada, e logo que limpei a ferida, encheu-se do sangue outra<br />

vez. Limpei-o outra vez, calibrando o fluxo de sangue. Já não se derramava, reduziu-se a uma<br />

fluxo estável. Feio, mas não ameaçava sua vida. Quando me jogava atrás para olhar outra vez,<br />

Clay lambeu a comissura de meu focinho e afundou seu nariz contra minha bochecha. Um<br />

estrondo baixo, como um ronrono, vibrou através dele. Ia revisar sua ferida outra vez, mas ele<br />

bloqueou minha visão e me deu uma cotovelada me obrigando a olhar para os bosques. Missão<br />

cumprida. Sem feridas mortais. Tempo para mudar de volta.<br />

***<br />

Depois de mudar, voltei onde estava o cadáver. Clay saltou atrás de mim, esmagando meu<br />

traseiro, e me agarrando pela cintura antes que pudesse responder. Enquanto se inclinava para me<br />

beijar, esquivei seus lábios para verificar sua ferida. A ferida de bala passava agora através da<br />

parte de trás de seu braço, a vários centímetros de seu torso, já que um ponto em nós quando<br />

somos lobos não sempre corresponde ao mesmo ponto sendo humano. O sangue se filtrava do<br />

buraco. Inclinei-me para um olhar mais próximo, mas ele agarrou meu queixo, levantou-me, e me<br />

beijou.<br />

—Necessita que revise isso - resmunguei no meio do beijo.<br />

Ele enganchou meu pé esquerdo e caí para trás, contra seu braço bom.<br />

—Realmente necessita...<br />

Ele me baixou à terra. Afundei meus calcanhares em terra e apertei meus joelhos.<br />

—Jeremy deveria olhar…<br />

Ele sufocou o resto me beijando com mais força. Soltei-me de seu abraço e dancei para<br />

trás. Ele sorriu abertamente e começou a avançar.<br />

—O braço está bem, então? - perguntei.<br />

—Não se preocupe se não o está.<br />

—Bem. Então não te oporá a trabalhar nisso.<br />

Girei e me escapei. Não fui longe. Este lado do caminho era bosque, e os bosques espessos<br />

não eram amáveis com a gente, particularmente, com gente nua correndo. Rodeei um grupo de<br />

árvores. Clay me seguiu uma vez, logo trocou a direção e tratou de me agarrar pelo outro lado. Ri<br />

e corri de volta e através da clareira. Quando me lancei ao redor outra vez, ele se mergulhou para<br />

meus pés e me apanhou. Tropecei, mas recuperei o equilíbrio quando ele golpeou a terra, sua mão<br />

ainda ao redor de meu tornozelo. Retorcendo-me de seu afeto, liberei-me e corri longe. Uma<br />

risada rouca ressonou pelas árvores, seguida por um grunhido quando ele ficou de pé. Escondi-<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

me detrás de um grupo de árvores e esperei a ver que direção o escolheria. Ouvi-o correndo para<br />

mim. Então silêncio. Esperei. Mais silêncio.<br />

Pondo-me de coque debaixo do nível de olho, avancei pouco a pouco desde atrás das<br />

árvores. Nada. Girei-me, esperando-o por detrás. Não estava ali. Fiz uma pausa, logo me arrastei<br />

até que estive de volta no lado do claro entre as árvores. Nenhum sinal dele. Escutei, cheirei,<br />

olhei... Nada. Quando dava um passo para trás no claro, vislumbrei uma mancha impreciso de<br />

movimento a minha esquerda, desde detrás de um enorme carvalho. Girei longe, mas muito<br />

devagar. Clay me agarrou pela cintura e lançou a ambos a terra com um forte golpe.<br />

Sua boca voltou para a minha, sua língua escorregando entre meus dentes. Sacudi-o das<br />

costas. Enquanto lutava para me separar, ele me atirou outra vez, suas mãos fixaram as minhas à<br />

terra. Lutei, mais pela sensação, de seu corpo movendo-se sobre o meu, seu peso, o arranhão<br />

áspero dos cabelos de suas pernas e peito contra minha pele, as contrações de seus músculos<br />

quando trabalhavam para me conter. O sangue de sua ferida correu através de nós, mesclando-se<br />

com o sangue seco do homem sobre mim. Havia sangue em seus lábios e em sua boca. Fechando<br />

os olhos, provei o sabor forte e agudo e explorei mais profundo com minha língua.<br />

A terra debaixo de nós estava coberta com folhas úmidas postas em capas com barro<br />

fresco e sangue. Escorregamos e nos deslizamos através de todo isso, lutando corpo a corpo e nos<br />

rindo e nos beijando e andando a provas, então Clay agarrou meus quadris e se inundou em mim.<br />

Ofeguei, e ele jogou sua cabeça para trás, rindo-se. Lutamos um pouco mais, rodando e<br />

empurrando juntos, não nos incomodando em encontrar um ritmo. A terra irritava e alguns<br />

raminhos empurravam lugares de condenadamente incômodos, mas seguimos fazendo-o, nos<br />

beijando até que estivemos sem fôlego, logo rindo e brigando. Fechei os olhos e o bebi tudo, o<br />

passo ligeiro de meu coração, o aroma de folhas úmidas e sangue, o som da risada gloriosa do<br />

Clay.<br />

Quando abri os olhos, ele sorria abertamente. Ele nunca fechava seus olhos quando<br />

fazíamos o amor, nunca olhava longe, sempre olhava meu rosto, me deixando ver tudo em seus<br />

olhos. Via o primeiro estremecimento do clímax, a dilatação de seus olhos, o movimento lento de<br />

seus lábios pronunciando meu nome. Ofegando, senti meu corpo esticar-se em ondas de perfeita<br />

sensação quando uni a ele.<br />

***<br />

—Sentiu saudades? - disse uns poucos minutos depois, ainda estando dentro em mim,<br />

saindo lentamente.<br />

Inclinei minha cabeça para trás para elevar a vista para ele e sorri abertamente - Em certo<br />

modo.<br />

—Ouch. Cruel. Muito cruel.<br />

—Ao menos te aprecio por uma coisa.<br />

—Só uma coisa?<br />

Sua mão se moveu a meu peito, acariciando o mamilo entre seus dedos, logo baixando<br />

seus lábios para fazer o mesmo. Fechei os olhos e gemi.<br />

—Ou talvez várias coisas - murmurei. —Esta é uma delas. Quer fazer uma lista?<br />

Ele riu entre dentes, a vibração zumbindo através de meu peito.<br />

—Nada de listas, por favor - disse uma voz profunda desde algum lugar a nossa direita. —<br />

Estive esperando aqui toda a noite. Já tive que esperar que terminasse o primeiro round.<br />

Girei minha cabeça para ver o Jeremy caminhar através das árvores.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Lamento-o - respondi.<br />

—Não o faça. Mas eu gostaria de limpar isto antes da alvorada.<br />

Clay gemeu e se levantou sobre seus cotovelos, ainda estando dentro de mim.<br />

—Sim - continuou Jeremy. —Terrivelmente desconsiderado de minha parte, esperar que<br />

eliminem os cadáveres que deixam antes que comecem com sua brincadeira de reencontro. Peçolhes<br />

perdão sinceramente. Agora, tira seu traseiro, Clayton, e te ponha a trabalhar.<br />

Clay suspirou, deu-me um último beijo, e ficou de pé. Pus-me de pé também e atropelei o<br />

cadáver. Sim, ainda estava nua, e, sim, Jeremy estava de pé aí mesmo, e, não, não tratei de me<br />

cobrir ou algo tão ridiculamente afetado. Jeremy me havia visto nua, tinha-me desenhado nua,<br />

tinha tropeçado comigo deitada nua. Somos lobisomem, recordam? Isso significava que depois de<br />

que mudamos, sempre estávamos nus e, muito frequentemente, bastante longe de nossa roupa.<br />

Acostumamo-nos a estar nus e, depois de um momento, estar vestido ou não vestido, era mais ou<br />

menos o mesmo.<br />

—Não devo supor que trouxe nossa roupa? - Respondi. —Não deveria importar, enquanto<br />

que não encontremos a nenhum pescador madrugador no caminho de volta.<br />

—Realmente, sim as trouxe, mas considerando a quantidade de barro e sangue sobre vocês,<br />

acredito que deveríamos ater-nos à nudez um momento mais. Estarão limpos bastante logo.<br />

Não perguntei o que queria dizer com isso. Deixei-me cair sobre meus joelhos ao lado do<br />

morto e procurei uma carteira ou uma identificação. Jeremy caminhou de volta à sarjeta e voltou<br />

com uma pá, que lançou ao Clay.<br />

—Enterramo-lo aqui? - perguntou Clay.<br />

—Não. Abra um buraco à altura seu pescoço, dá a volta, e lhe drene o sangue. Levaremolo<br />

de volta a casinha de campo. É aproximadamente a meio quilômetro de volta. Eu esperava que<br />

o matassem mais perto.<br />

—Não houve opção - disse. —O encontramos no pântano, perseguimo-lo para aproximá-lo<br />

da terra seca, então tirou uma arma. Disparou ao Clay no braço.<br />

Jeremy franziu o cenho, voltou-se para o Clay e examinou a ferida.<br />

—Um disparo limpo - disse ele. —Doeu?<br />

Clay levantou seu braço por cima do nível do ombro. —Só se fizer isto.<br />

—Então não o faça.<br />

—Não o pôde resistir, verdade? - perguntei.<br />

Clay sorriu abertamente. Os lábios do Jeremy se torceram em um sorriso nu, então<br />

golpeou ao Clay nas costas.<br />

—Ponha a isso, então. Drena o corpo e então poderemos movê-lo.<br />

—Não há nenhuma identificação - respondi.<br />

Jeremy assentiu com a cabeça. Quando Clay levantou a pá para cavar, Jeremy e eu<br />

saltamos ao mesmo tempo, ambos compreendemos que não era algo que ele deveria fazer com<br />

um braço mau. Depois de uma breve argumentação (eu discuti, Jeremy lhe tirou a pá e não a<br />

soltou) deixamos que Jeremy cavasse o buraco, então eu lancei o corpo dentro. Uma vez que o<br />

sangue se drenou, preenchemos o buraco com as folhas empapadas de sangue, logo o cobrimos<br />

com terra e levamos o cadáver de volta a casinha de campo.<br />

***<br />

Era noite ainda profunda quando voltamos para a cabana. Jeremy e eu levamos os dois<br />

cadáveres a um mole de madeira no lago. Clay ficou atrás com o terceiro, dizendo que tinha que<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

―fazer algo‖ com ele. Nem Jeremy nem eu pedimos detalhes. Com o Clay, era melhor não saber.<br />

Parei no aterro, ainda nua. Tínhamos atado uma corda grossa ao redor do pescoço e as<br />

pernas de cada um dos cadáveres e lhes atamos blocos de concreto de uma casinha de campo que<br />

estava sendo demolida rua acima.<br />

—Wow - disse ao Jeremy quando sentei e banhei minhas pernas na água gelada. —Estou<br />

fazendo que alguém ―nade com os peixes‖. Isto é magnífico. Minha primeira tarefa ao Estilo da<br />

Máfia. Compreende o que isto significa. Se me apanharem, vou ter que ser testemunha do estado<br />

contra todos vocês, meninos. Então venderei minha história por um milhão de dólares. Mas nunca<br />

conseguirei desfrutar disso, porque viverei o resto de minha miserável existência em um barraco<br />

nas Apalaches15 , comendo guisado de almíscar, saltando cada vez que ouça um ruído, esperando o<br />

dia em que algum de vocês me persiga como a cadela traidora que sou - Fiz uma pausa. —Espera.<br />

Talvez isto não seja tão magnífico depois de tudo. Não podemos simplesmente sepultá-lo?<br />

—Entra na água, Elena.<br />

Suspirei —Ser um gângster não é o que estava acostumado a ser. O Capone, onde foi?<br />

Jeremy me empurrou do mole. Golpeei a água com um chapinho.<br />

—E trata de fazê-lo em silêncio - disse ele.<br />

—Não fiz…<br />

Ele me lançou o homem, me afundando sob a água com o peso. Quando emergi de novo,<br />

Jeremy se tinha ido. Nadei para o meio do lago, arrastando o cadáver detrás de mim. Então me<br />

mergulhei para verificar a profundidade. Era do menos quinze metros. Este tipo sairia logo à<br />

superfície. Para estar segura, enredei-o em um montão de novelo submarino. Logo voltei pelo<br />

segundo corpo.<br />

Clay ainda não estava de volta quando alcancei à borda. Jeremy me passou o cadáver<br />

número dois, e nadei de volta para repetir o procedimento, deixando cair este trinta metros para o<br />

oeste mais longe, com a esperança de que seu um saísse a superfície, o outro não seria<br />

encontrado. Às vezes me assustava tanto que pensava em tais considerações. Tinha muita<br />

experiência com estas coisas. Muita.<br />

Quando emergi de novo depois de soltar o corpo, uns braços me agarraram ao redor da<br />

cintura e me tiraram do lago. Ao cair de novo golpeei a água com um chapinho gigante. Agarrei<br />

ao Clay pelo pescoço e o arrastei abaixo, sustentando-o ali por um segundo, talvez mais, antes de<br />

liberá-lo.<br />

—Disse-te Jeremy a parte a respeito de ser silencioso? - Vaiei quando ele subiu a respirar<br />

ar.<br />

Ele sorriu abertamente — Estou calado. Você é a que anda chapinhando.<br />

Investi contra ele. Apanhou-me, atirou-me contra ele e me beijou. Seus lábios estavam<br />

gelados, seu fôlego soltava volutas de vapor quente. Beijei-o mais profundo, enroscando meus<br />

braços e pernas ao redor dele, logo o afundando sob a água outra vez.<br />

—Realmente senti falta de você - respondi quando ele emergiu.<br />

Ele inclinou sua cabeça e golpeou seu ouvido com a palma de sua mão aberta —O<br />

lamento, querida. Água nos ouvidos, acredito. Juraria que confessou haver sentido falta de mim.<br />

15 Os Apalaches são uma cordilheira da América do Norte estendendo-se da Terra Nova e Labrador, no Canadá, ao estado do<br />

Alabama, no sudeste dos Estados Unidos da América, apesar de a sua parte mais setentrional acabar na península de Gaspé,<br />

do Quebec. A cadeia é dividida em uma série de picos, com as montanhas tendo uma altitude média de aproximadamente<br />

900 m. O ponto culminante é o Monte Mitchell, com 2040 m, sendo também o ponto mais elevado dos Estados Unidos a<br />

leste do rio Mississíppi, e de todo o leste da América do Norte. As Montanhas Verdes fazem parte desta cordilheira.<br />

68


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Fiz-lhe uma careta, logo me virei e comecei a nadar, me dirigindo para a borda. Clay<br />

agarrou minha perna e me arrastou de volta.<br />

—Eu também senti falta de você - disse ele, me atirando contra ele. Passeou seus dedos<br />

pró a cara interna de minha coxa. —Deveríamos entrar. Acredita que podemos enganar ao Jeremy<br />

se ficarmos um momento mais longe abaixo?<br />

—Por uns poucos minutos.<br />

—O suficiente?<br />

—O suficiente por agora.<br />

Ele sorriu abertamente —Bom. Quer correr?<br />

—Qual é o prêmio?<br />

—A escolha do ganhador.<br />

Lancei-me para frente. Ele agarrou meu tornozelo outra vez, atirou-me para trás, logo<br />

tomou a dianteira.<br />

***<br />

Quando chegamos à cabana, Jeremy já tinha metido tudo na caminhonete Explorer. Não<br />

ficaríamos na casinha de campo mais tempo, por óbvias razões. Antes de partir, Jeremy<br />

desinfetou a ferida do Clay e meus braços queimados, logo nos enfaixou. Logo partimos para<br />

encontrar um lugar onde passar a noite. Enquanto tínhamos estado eliminando os corpos, Jeremy<br />

tinha chamado a Ruth e, sem mencionar os nossos convidados, descobriu que o grupo se reunia<br />

outra vez pela manhã. Alguém havia dito a estes homens onde nos encontrar. Só as outras cinco<br />

pessoas sabiam que estávamos em Vermont. Os cinco estariam na reunião em umas horas. Assim<br />

aí estaríamos.<br />

69


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

CONFRONTAÇÃO<br />

A reunião estava programada para começar às oito. Despertamos às sete, mas estávamos<br />

atrasados. Uma hora não era tempo suficiente para que três pessoas em nosso diminuto quarto de<br />

motel tomassem banho, barbeassem (não, sendo uma lobisomem não me sai pelo estranho; os<br />

meninos se barbearam, não eu), vestir-se, sair, tomar algo para levar, comer, e conduzir a Sparta.<br />

Para economizar tempo, Clay e eu até compartilhamos uma ducha, que por alguma razão não<br />

conseguiu economizar nada de tempo no absoluto. Imaginem.<br />

Antes que submergíssemos os corpos, Jeremy tinha esvaziado seus bolsos. Inclusive se<br />

não tínhamos curiosidade sobre sua identidade, esse era o procedimento de operações padrão para<br />

destruir sua identificação antes de submergir um corpo. Como respondi, tínhamos muita<br />

experiência nesta matéria. Tal como o tipo que eu tinha revisado, um dos outros dois não tinha<br />

carteira, identificação, ou dinheiro em efetivo com ele. O terceiro tipo tinha vinte centavos e uma<br />

carteira de motorista em seu bolso traseiro. Dinheiro para uma emergência e uma licença se por<br />

acaso tivesse que atirar. O mais nu possível. Estes tipos sabiam o que faziam. Jeremy tinha<br />

encontrado a carteira de motorista e descoberto que era uma falsificação. Uma falsificação<br />

impressionante, mas uma falsificação. Jeremy sabia. Ele fabricou todas nossas identificações<br />

falsas, algo mais no que tínhamos muita experiência.<br />

***<br />

Chegamos ao Centro Comunitário às nove e trinta. Quatro carros estavam no<br />

estacionamento. Outra vez as bruxas usavam um feitiço para fechar com chave a porta, mas esta<br />

vez não chamamos. Clay tirou a porta das dobradiças e entramos. Quando entrei no quarto, Ruth<br />

deixou de falar. Todos elevaram a vista.<br />

—Onde estiveram? - perguntou Ruth.<br />

Sorri abertamente, ensinando os dentes. —Caçando.<br />

—Quer ver o que agarramos? - perguntou Clay atrás de mim.<br />

Caminhou a pernadas para a mesa e sacudiu uma bolsa de lixo sobre ela. Cassandra foi a<br />

única o olhou, perguntando-se quem era. Todos outros contemplaram a bolsa. Ninguém se moveu<br />

para tomá-la. Então Cassandra estendeu a mão, levantou um lado da bolsa, e olhou dentro. Um<br />

segundo depois, deixou cair a bolsa plástica de sua mão e se recostou sobre sua cadeira. Seus<br />

70


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

olhos se moveram do Clay a mim e de volta ao Clay, o rosto em branco, sem assombro,<br />

repugnância, nada. Paige jogou atrás o plástico e retrocedeu rapidamente.<br />

A cabeça do terceiro homem estava de lado, seus olhos abertos e embotados. Paige saltou<br />

sobre seus pés e tentou ao lançar o plástico de novo sobre a cabeça. A cabeça rodou com o<br />

repentino movimento. Ela soltou um grito.<br />

—Interessante forma de apresentar-se - disse Cassandra, olhando ao Clay. —Posso<br />

perguntar quem poderia ser?<br />

—Clayton Danvers - resmungou Paige entre dentes. —O cão guardião da Manada de<br />

lobisomem.<br />

—A pergunta não é quem é Clay - disse, —a não ser quem é o tipo da bolsa? Alguém tem<br />

informação que oferecer?<br />

—Encontramos este homem em nossa casinha de campo ontem à noite - disse Jeremy. —<br />

Estava com outros dois que, posso lhes assegurar, estão igualmente mortos. Vinham armados<br />

com balas de prata.<br />

—Prata... - começou Adam. —Merda, não se supunha que… - Ele se deteve e olhou ao<br />

redor, a outros. —Pensam que enviamos a estes tipos?<br />

—Olha-o - disse Paige, girando-se para mim. —Bem barbeado, corte militar. Exatamente<br />

como os tipos em Pittsburgh. Obviamente…<br />

—Obviamente nada - disse Clay. —Talvez toda a coisa de Pittsburgh foi só uma<br />

montagem ou vocês vestiram estes tipos para que se parecessem com o caçador da Elena, depois<br />

de tudo, se falhava, nós tiraríamos a conclusão óbvia. Se estes homens fossem parte deste<br />

esquema de sequestro, por que viriam detrás o Jeremy e Elena quando vocês estavam todos<br />

escondidos aqui, em uma reunião noturna? Vocês seriam a escolha óbvia.<br />

—Talvez queriam um lobisomem - disse Paige. —Além disso, sempre pomos feitiços de<br />

amparo ao redor de nossas reuniões. Eles não teriam sido capazes nos aproximar de nós.<br />

—Então esperava o problema? - Disse. —Obrigado por nos advertir. Mas isso não explica<br />

como eles chegaram aqui. Primeiro, eles se mostram em Pittsburgh, logo aqui. Como?<br />

—Eles devem ter seguido… - Paige se deteve, logo murmurou— a alguém.<br />

—Eles lhe seguiram - disse Cassandra, girando-se para a Ruth. —Vocês os conduziram<br />

diretamente a nós.<br />

—Possivelmente vocês não estiveram por trás do ataque da noite passada - disse<br />

Jeremy— mas logo que podem ser exoneradas da culpa. Assegurar-se de que não ser seguidas de<br />

Pittsburgh é uma medida de segurança elementar. Se assim for como este grupo opera, então não<br />

tenho nenhum interesse em alinhar minha Manada com vocês, nem sequer temporariamente. Tal<br />

como podem ver - ele gesticulou para a bolsa — podemos cuidar de nós. Seguiremos fazendo-o<br />

assim com nossa própria ajuda. Qualquer que venha atrás de nós ou interfira conosco outra vez<br />

será tratado do mesmo que os três homens de ontem à noite. Qualquer. Por qualquer razão.<br />

Partimo-nos. Ninguém veio atrás de nós.<br />

***<br />

Conduzi a Explorer de volta ao motel. Estava tudo empacotamento e preparado para partir.<br />

Tudo o que tínhamos vimos que fazer era recolher o carro de aluguel do Clay.<br />

—Aonde vamos depois? - perguntei quando estivemos no estacionamento do motel.<br />

—Montreal - disse Clay. —Temos que devolver o carro.<br />

Dava volta ao redor do carro econômico de aluguel, notando as matrículas do Quebec. —<br />

71


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Por que diabos deixou seu carro em Montreal?<br />

—Acredita que ia a circular por Vermont procurando uma agência de aluguel quando<br />

conduzia por uma cidade grande?<br />

—E se conduzir diretamente a casa e vocês me encontram lá?<br />

—Você vem a Montreal, Elena - disse Jeremy.<br />

Jeremy se dirigiu ao carro e se dobrou no diminuto assento de passageiro. Sim, teria estado<br />

mais cômodo em seu Explorer, mas isso significaria escutar ao Clay amaldiçoar a aborrecível<br />

caminhonete SUV durante umas centenas de quilômetros. Considerando a escolha entre cãibras<br />

de perna e uma enxaqueca, Jeremy escolheria o primeiro. Ir na SUV comigo e deixar ao Clay só<br />

no carro de aluguel não era uma opção. Até que o perigo tivesse passado, Clay se pegaria ao<br />

Jeremy, protegendo a seu Alfa tal como o instinto mandava.<br />

Uma vez que Jeremy esteve no carro, Clay se aproximou, pôs suas mãos ao redor de<br />

minha cintura, e me aproximou dele.<br />

—Faremo-lo - murmurou contra meu ouvido. —Esta noite. Iremos dar uma corrida.<br />

—Na cidade?<br />

Ele sorriu abertamente. —Discute?<br />

—Jeremy o fará.<br />

—O passaremos por cima. Falar-lhe-ei enquanto conduzo. E falando disso, quer animar<br />

um pouco o passeio?<br />

—Uma corrida?<br />

—Lê minha mente, querida.<br />

—Um carro de quatro cilindros contra um V6?<br />

—É o condutor, não o carro.<br />

—Tem-no. O primeiro em chegar a Montreal escolhe onde corremos esta noite.<br />

—Uma regra - disse Clay. —Temos que jogar sobre seguro e ficar à vista. Se não poder<br />

ver-te em meu retrovisor, reduzo a velocidade.<br />

—Retrovisor? Bebê, não me verá por nenhuma outra coisa que não seja o pára-brisa.<br />

Ele sorriu abertamente — Já o veremos.<br />

***<br />

A corrida de automóveis pelos caminhos vicinais de Vermont foi uma grande diversão.<br />

Uma vez que chegamos à Estrada 87, as coisas se voltariam decididamente aborrecidas, mas nos<br />

caminhos vicinais de duas veredas tínhamos que competir com montanhas, vales, cidades, curvas<br />

cegas, meninos de mochila nas esquinas, e turistas minúsculos. Muitas fugas pelos cabelos. Muita<br />

excitação. Os tipos maus não tinham que nos matar. Se esperavam o tempo suficiente, faríamo-lo<br />

nós mesmos.<br />

Depois de aproximadamente uma meia hora, estava colada atrás do Clay. Minha culpa.<br />

Tínhamo-nos estado adiantando por quilômetros. Eu tinha tido a vantagem, mas fiquei atrás de<br />

um jipe com um campista na parte de trás e cometi o engano de deixar um espaço seguro entre<br />

eles e eu, no qual Clay, é obvio, meteu-se. Agora estávamos colados em um caminho tortuoso<br />

atrás deste estúpido aborrecido que insistia em conduzir no limite da velocidade. Finalmente,<br />

notei um espaço o bastante aberto para passar. Mas Clay não avançou. Depois de pensar por um<br />

momento, compreendi por que. Ele não podia ver a frente jipe. Eu podia. A vantagem de conduzir<br />

uma SUV- a melhor visual. Hah! De modo que no próximo espaço conveniente, enquanto Clay se<br />

movia tentando sem êxito ver a frente do jipe, arranquei e passei. Uma vez diante do jipe, passei<br />

72


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

na frente de um carro e um trator de reboque. Então os adiantei. Clay desapareceu em uma<br />

corrente interminável de tráfego turístico. Estaria zangado porque tinha quebrado sua regra de<br />

―permanecer à vista‖, mas isso lhe ensinaria, pensando que poderia me deixar fora de<br />

competência com qualquer carro que conduzisse. A permanente segurança em si mesmo do Clay<br />

logo que podia sacudir-se. Ele me alcançaria bastante logo.<br />

Conduzi ao redor de dez quilômetros sem sinal do Clay no retrovisor, por isso reduzi a<br />

marcha. Não tinha sentido empurrar minha sorte ou teria ao Jeremy em minhas costas também.<br />

Jeremy nos deixava jogar nossos jogos, mas se eu ia muito longe, ele faria um pedaço de tira<br />

humorística de mim. Além disso, mantive-me perto da estrada e queria estar segura de que Clay<br />

estivesse atrás de mim. Então conduzi sob o limite de velocidade, girei a esquina no caminho de<br />

cascalho que conduzia à estrada, acendi a rádio, e me relaxei.<br />

Um quilômetro ou dois mais tarde, quando eu passeava com o passar da contente<br />

paisagem, algo apareceu diante de mim. Algo grande. Diretamente diante de mim. Tão perto que<br />

não tive tempo de ver se era um alce da América ou um cervo ou uma pessoa. Tampouco tive<br />

tempo para pensar. Reagi. Sacudi o volante e golpeei os freios. Muito forte ambas as coisas. Vi o<br />

brilho de uma cara na estrada. Então a Explorer girou à esquerda, e durante um segundo, pensei<br />

que poderia voltar-se. Não o fez. Em troca caiu de repente na sarjeta. A bolsa de ar explodiu, me<br />

golpeando a cara. Antes que pudesse me recuperar, a porta do condutor se abriu.<br />

—Está você bem? - perguntou a voz de uma mulher. Tirou a bolsa de ar de minha cara e<br />

franziu o cenho. pegada Está bem? Esse homem correu diretamente em frente de você. Não podia<br />

acreditá-lo.<br />

Senti que minha cabeça dava uma sacudida, aturdida, soava. —Um homem? Golpeei-o?<br />

—Não. Bem que lhe teria servido se o tivesse feito - A mulher sacudiu sua cabeça. —<br />

Suponho que não deveria dizer isto. Vamos tirá-la dali.<br />

Enquanto ela me ajudava a sair, obtive um melhor olhar dela. No meio ou final dos<br />

quarenta. Cabelo loiro escuro cortado à altura do queixo. Vestido de linho. Uma corrente de ouro.<br />

Cara franzida pela preocupação.<br />

—Sente-se no assento traseiro de meu carro - disse ela. —Chamei uma ambulância.<br />

Vacilei, me balançando sobre meus pés — Meus amigos vêm atrás.<br />

—Bem - Ela dirigiu a seu carro, uma Mercedes Benz negro, abriu a porta traseira, e me<br />

ajudou a entrar. —Os esperaremos aqui. Como se sente?<br />

—Como se alguém me houvesse nocauteado no primeiro round.<br />

Ela riu. —Não posso dizer que sei o que se sente, mas posso imaginá-lo. Está pálida, mas<br />

já está voltando a cor. O pulso se sente bem.<br />

Senti seus dedos contra minha boneca. Então senti algo mais ali. Uma espetada. Um golpe<br />

de frio sorvete. Enquanto jogava minha mão para trás, a porta do condutor se abriu. Um homem<br />

entrou. Deu a volta para me sorrir abertamente.<br />

—Logo que podia esperar por outra concorrência, né!?<br />

Sua cara cintilou em minha memória, mas meu cérebro estava nublando-se rapidamente e<br />

não podia pô-lo em seu lugar. Então, quando meus músculos estavam frouxos, recordei.<br />

O meio demônio de Pittsburgh. Houdini.<br />

Minha cabeça golpeou o assento. Tudo ficou negro.<br />

73


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

PRISÃO<br />

Durante horas, lutei por recuperar o conhecimento, despertando o suficiente para saber que<br />

algo estava mau, mas era incapaz de ficar acordada, como um nadador que vê a superfície da<br />

água em cima, mas não pode alcançá-la. Cada vez que avançava para a consciência, a corrente<br />

submarina do tranquilizador me arrastava de volta. Uma vez senti o motor de uma caminhonete.<br />

Então ouvi vozes. A terceira vez tudo estava tranquilo e silencioso.<br />

A quarta vez, consegui abrir meus olhos e os mantive abertos segura de que se os fechava<br />

estaria perdida. Durante ao menos uma hora, estive ali, ganhando contra o impulso de dormir,<br />

mas sem a força para fazer nada mais que contemplar uma parede bege. Era bege? Ou anil?<br />

Talvez areia. Definitivamente látex. Látex de casca de ovo. Assusta o que saiba tanto sobre<br />

pintura. Ainda assustava mais o jazer ali, paralisada das pálpebras para baixo e tratando de<br />

entender com que cor meus captores tinham pintado minha prisão. Meu conhecimento<br />

enciclopédico da pintura era culpa do Jeremy. Ele redecorava de uma forma obsessiva. Quero<br />

dizer obsessivamente. Tinha seus motivos, que não eram assunto de ninguém, só dele. Se<br />

empapelando a cozinha a cada dois anos reprimia qualquer dos fantasmas que o acossavam, eu<br />

mordia minha língua e pegava. E com respeito a por que eu pensava na pintura em um momento<br />

tão ridiculamente inoportuno, pois porque não havia muito mais no qual poder pensar ali. Poderia<br />

me preocupar e me preocupar e me levar a pânico me perguntando onde estava e o que meus<br />

captores planejavam fazer comigo, mas isso não trocaria nada. Não podia levantar minha cabeça.<br />

Não podia abrir a boca. Não podia fazer nada além de olhar fixamente a estúpida parede, e se a<br />

obsessão pela cor de pintura mantinha meus nervos acalmados, pois, assim fora.<br />

Malva. Sim, estava bastante segura de que isto era malva. Meu lábio superior zumbiu,<br />

como a anestesia dental quando se vai. Enruguei o nariz. Um leve movimento. Um aroma. Pintura<br />

fresca. Maravilhoso. De volta à decoração outra vez. Inalei mais profundo. Só pintura, o aroma<br />

era tão forte que afogava qualquer outra coisa. Não, esperem. Algo mais se mesclava com a<br />

pintura. Algo familiar. Algo... Sangue. Meu? Cheirei outra vez. Não era meu, o qual não era<br />

terrivelmente tranquilizador. Enquanto elevava os olhos, pude ver manchas escuras sob uma capa<br />

aplicada depressa de pintura. Paredes orvalhadas por sangue. Nunca era um bom sinal.<br />

Movi a cara. Todos os músculos funcionavam. Grandioso. Agora se alguém me atacava,<br />

poderia mordê-lo, a condição de que fora o bastante amável para pôr alguma parte vital de seu<br />

corpo em minha boca. O formigamento avançou para baixo por meu pescoço. Elevei a vista. Teto<br />

branco. Ruído distante. Vozes. Não, uma voz. Alguém falando? Escutei mais perto e ouvi o<br />

murmúrio de um DJ. Depois de uma façanha que teria quebrado um Record do Guinness de<br />

prolixidade, ele se deteve. Um violão ressonou de uma rádio remota. Música Country. Malditos.<br />

Tinham começado já a me torturar.<br />

74


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Movimento de mão e braço. Aleluia. Afundando meus cotovelos na cama, elevei meu<br />

torso e olhei ao redor. Quatro paredes. Três cores malva. A quarta refletia. Vidro transparente de<br />

direção única. Encantador. A meus pés, um banheiro. Eu podia dizer que isso era um banheiro e<br />

não um armário porque podia ver os serviços, não através da porta, a não ser através da parede<br />

dianteira, que era de vidro transparente claro. Olhar furtivamente o banheiro, a escola primária<br />

tinha deixado a alguém com um tipo de fetichismo muito inquietante.<br />

Mais aromas. Uma mulher. O quarto estava impregnado com seu aroma. A cama na qual<br />

jazia tinha lençóis limpos, perfumados de limão, mas o aroma da outra mulher tinha atravessado o<br />

colchão. Uma nota de familiaridade. Alguém que conhecia? A mulher que me tinha drogado?<br />

Não, alguém mais. Molestamente familiar... A associação fez clique. Reconheci seu aroma<br />

porque isto se assemelhava ao aroma do sangue nas paredes. Não era uma boa forma de fazer um<br />

conhecido, e de acordo com a quantidade de manchas escuras sob a pintura, uma reunião cara a<br />

cara não se via próxima. Não nesta vida ao menos.<br />

Um momento. Tinha quadris. Bem, não realmente - meus jeans ficavam sempre folgados.<br />

Quero dizer que meus quadris anatômicos, sem curva, tinham movimento e sensação. Logo as<br />

pernas. Sim! Balancei minhas pernas sobre a borda da cama e me lancei ao chão. Bem, as pernas<br />

não estavam completamente de volta ainda. Um tapete agradável, entretanto. Industrial, tecido<br />

com tear. Uma mescla agradável de cinzas e marrom, perfeita para esconder rastros de sangue<br />

que salpiquem.<br />

Depois de uns poucos minutos, fui capaz de apoiar meus pés. Olhei ao redor. Agora o que?<br />

Assumindo que estes eram a mesma gente que tinha capturado a esse xamã, deveria haver outros<br />

detentos nas celas contiguas. Talvez poderia me comunicar com eles.<br />

—Olá? - Respondi. Então mais alto. —Olá?<br />

Sem resposta. Indubitavelmente as paredes eram muito grossas para o cochicho de cárcere.<br />

Inclusive o ar que atravessava a abertura quadrada do teto tinha sido filtrado e processado. De<br />

todos os modos, se podia ouvir um jogo de rádio... Olhei ao redor procurando um alto-falante.<br />

Havia um intercomunicador na porta, mas a música não parecia metálica, por isso duvidei que<br />

tivessem uns tubos para isso. Enquanto escutava, capturei o som de alguém que gritava, uma voz<br />

crua, maldições gritadas apenas inteligíveis. Calibrei a distância do ruído. Muito devagar,<br />

provavelmente a mais de dez metros pés de distância. De modo que a isolação era boa, mas não a<br />

prova de lobisomem.<br />

Quando o que gritava se tomou um muito necessário descanso, ouvi arranhar. Ratos?<br />

Ratos? Não, cheirá-los-ia. Além disso, minha cela não era nada além de poda, tão esterilizada<br />

como a cozinha do McDonald durante o dia de inspeção de saúde. Fiz virar minha cabeça para<br />

recolher o som. Vinha do corredor. Arranhão, arranhão, pausa, arranhão, arranhão, arranhão,<br />

sussurro. O sussurro do papel. Alguém passando uma página, revolvendo-a, logo arranhão, uma<br />

pluma improvisada no papel. Alguém escrevendo fora de minha cela. Pus-me de pé, girei longe<br />

do vestíbulo, caminhei três passos, logo me girei para confrontar a porta. O ruído se deteve.<br />

Mostrei os dentes, grunhi, logo inclinei minha boca aberta mais perto da parede refletida e me<br />

tirei um pedaço de alimento imaginário de entre meus dentes. Os ganchos de ferro frenéticos<br />

seguiram. Bem, agora sabia o que tipo que anotava olhava. E não recordava ter assinado nenhum<br />

contrato de consentimento.<br />

Caminhei a pernadas para a porta e golpeei o vidro transparente. Embora este não se<br />

deslocasse com o impacto, meus punhos prosperavam com cada golpe. Não gritei. Se eles não<br />

podiam ouvir meus golpes, certamente não ouviriam meus gritos. Um minuto comprido passou.<br />

Então o intercomunicador em cima de minha cabeça soou.<br />

75


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Sim? - a voz de uma mulher. Jovem. Estudadamente neutro.<br />

—Quero falar com alguém responsável - respondi.<br />

—Temo que não será possível - disse ela, rabiscando com a pluma.<br />

Golpeei mais forte.<br />

—Por favor, não faça isso - Calma, aborrecimento próximo. Pluma que ainda arranhava.<br />

Retirei meu punho e o fechei de repente no vidro transparente. O golpe estremeceu o vidro<br />

transparente e meu braço. A pluma se deteve.<br />

—Entendo que está desgostada, mas isto não a ajudará. A violência nunca soluciona nada.<br />

Di-lo a quem?<br />

Dava a volta longe, como se me jogasse para trás, então lancei uma patada contra a parede<br />

lateral. Um pedaço de gesso voou, revelando uma fita de seda de metal sólido. Enganchei meus<br />

dedos atrás do metal e dava um puxão experimental. Não passou nada. Mas eu realmente não<br />

estava tentando-o. Agora se tirava bastante deste gesso, poderia conseguir pôr meus dedos atrás<br />

do metal e dar um verdadeiro puxão...<br />

Passos pesados ressonaram fora de minha cela. Ah, progredíamos.<br />

O intercomunicador fez clique.<br />

—Por favor, afaste-se da parede - disse uma voz masculina.<br />

Ele soava como a um desses alarmes de carro '905, onde se a gente cometia o horroroso<br />

engano de avançar a menos de um metro do Beemer 16 de algum yuppie, uma voz mecânica<br />

advertia que te afastasse, como se pudesse roçá-lo com um dedo e deixar impressões digitais. A<br />

última vez que tínhamos encontrado um desses, Clay tinha saltado à capota do carro, deixando<br />

muito mais que impressões digitais. O dono do carro tinha estado perto para nos ouvir. Nunca<br />

viram a um tipo de quarenta e mais anos gordinho mover-se tão rápido. Então tinha visto o Clay e<br />

tinha decidido que o dano não era tão mau depois de tudo. Seguindo o exemplo do Clay, não me<br />

afastei da parede. Golpeei meu punho no gesso entre os suportes metálicos, deixando um<br />

agradável buraco para a cela contígua.<br />

A porta se abriu. A cara do homem cintilou no quarto, logo se retirou. A porta se fechou de<br />

repente. Uma rádio grasnou.<br />

—Base um, esta é Alfa. Solicite a cópia de segurança imediata ao bloco de celas um<br />

unidade oito.<br />

—Está tendo confusões com minha moça? - uma voz lenta e preguiçosa do Meio Oeste<br />

perguntou, uma voz que vaiava com a estática. Houdini. — Parece um ácaro diminuto cheio de<br />

pânico ali, pequeno soldado. Quer que baixe e sustente sua mão?<br />

—Reese? Que demônios está fazendo no… Não importa.<br />

Clique. Final da estática.<br />

—Maldito bastardo presunçoso.<br />

—Não brinque - respondi.<br />

Silêncio. Então ―Merda‖, e um estalo quando o intercomunicador morreu.<br />

—Me traga alguém responsável - respondi. —Agora.<br />

Um intercâmbio murmurado, indecifrável através do vidro transparente. Logo botas<br />

afastando-se com passo majestoso. Decidi não aumentar o buraco na parede de adiante. Não<br />

ainda ao menos. Em troca me pus nas pontas dos pés e olhei atentamente ao lado. Poderia ter<br />

estado contemplando um espelho, uma imagem inversa de minha própria cela. Só que esta estava<br />

vazia. Ou isso parecia. Pensei chamar pela abertura, mas não tinha ouvido que o tipo que tomava<br />

16 Forma do Slang: faz referência aos automóveis marca BNW .<br />

76


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

notas se foi, e não tinha nenhum sentido dirigir-se a um potencial companheiro de cela enquanto<br />

tinha audiência. De modo que esperei.<br />

Passaram vinte minutos. Então o intercomunicador fez clique.<br />

—Meu nome é Doutor Lawrence Matasumi - disse um homem americano absolutamente<br />

inacentuado, tons que não pertenciam a nenhuma região, geralmente ouvidos só de jornalistas<br />

leitores de notícias nacionais. —Eu gostaria de lhe falar agora, Sra. Michaels - Como se tivesse<br />

sido idéia sua. —Por favor, vá ao banheiro, baixe o assento, sente-se escarranchado sobre os<br />

serviços em frente do tanque, coloque suas mãos estendidas detrás de você, e não gire a cabeça<br />

até que não lhe dê a ordem.<br />

De algum jeito ele fez que as absurdas instruções parecessem absolutamente racionais.<br />

Pensei em me sentar efetivamente no banheiro, mas desprezei a idéia. Não soou a um homem que<br />

apreciaria o humor em um banheiro.<br />

Enquanto eu me sentava, a porta exterior foi aberta, como abrindo um selo de<br />

esvaziamento. Os passos entraram. Um par de tipos, um par de saltos baixos, e dois, não, três<br />

pares de botas.<br />

—Por favor, não vire sua cabeça - disse Matasumi, embora eu não me tivesse movido. —<br />

Mantenha suas mãos estendidas. Um guarda entrará no banheiro e segurará suas mãos atrás de<br />

suas costas. Por favor, não resista.<br />

Se ele era tão cortês sobre isso, como poderia eu desobedecer? Sobretudo considerando os<br />

seguros de arma que foram soltos e que acompanhavam suas instruções. Alguém entrou no<br />

banheiro e agarrou minhas mãos, seu toque firme e impessoal, ―só negócios senhora‖. Juntou<br />

meus braços e os apertou com cintas metálicas e frias ao redor de meus pulsos.<br />

—O guarda a conduzirá agora ao quarto principal. Pode tomar um assento na cadeira<br />

proporcionada. Quando estiver sentada comodamente, o guarda assegurará seus pés.<br />

Bem, isto ficava aborrecido.<br />

—Está seguro que não quer que ele assegure primeiro meus pés? - Perguntei. —Ou que<br />

me ponha sobre seu ombro e me leve a cadeira?<br />

—Por favor, saia dos serviços e proceda por volta do quarto principal.<br />

—Posso olhar agora? - Perguntei. —Talvez deveria enfaixar meus olhos.<br />

—Por favor, proceda ao quarto principal.<br />

Ora, este tipo era atemorizante. Quando saí do banheiro, vi o homem da fotografia do<br />

Paige, baixo, rosto redondo, olhos parecidos com os de uma gama me olhando sem alterar-se. A<br />

sua esquerda estava uma moça com o cabelo cor borgonha e um nariz arrebitado embelezado por<br />

um aro de diamante. Mantinha seu olhar fixo em meu queixo como se não queria ver-se mais alta.<br />

Ambos estavam sentados em cadeiras que não tinham estado no quarto fazia cinco minutos.<br />

Flanqueando-os havia dois guardas, mais tipos militares. Como o tipo que me acompanhava,<br />

levavam colocada roupa negra, corte militar, carregavam armas, e se viam o bastante grandes<br />

para ser campeões da WWF. Contemplavam-me com expressões tão em branco que poderia<br />

pensar-se que protegiam às cadeiras em vez da gente viva. Capturei o olhar de um e lhe dirigi um<br />

sorriso tímido. Ele nem sequer piscou. Um tanto para a sedução dos guardas. Maldição. E se viam<br />

tão bonitos... Em um estilo GI Joe, moldado em plástico, e de tipo autômato.<br />

Uma vez que me sentei, minha escolta me assegurou à cadeira com bandas nos braços e<br />

ferros nas pernas.<br />

Matasumi me estudou ao menos três minutos inteiros, logo disse, — Por favor, não use<br />

esta oportunidade de tentar a fuga.<br />

—Realmente? - Olhei as cintas metálicas que atavam meus pulsos e tornozelos à cadeira,<br />

77


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

logo ao trio de guardas armados atrás de mim. —Era um bom plano.<br />

—Bom. Agora, Sra. Michaels, saltaremos a fase de negação e começaremos nossa<br />

discussão nos apoiando na premissa de que você é um lobisomem.<br />

—E se rechaço essa premissa? - Perguntei.<br />

Matasumi abriu uma caixa de isopor cheia de garrafas e seringas de injeção e<br />

instrumentos, cujos usos preferia não averiguar.<br />

—Você me apanhou - respondi. —Sou um lobisomem.<br />

Matasumi vacilou. A moça levantou sua pluma do papel, e me jogou uma olhada pela<br />

primeira vez. Talvez tinham esperado que eu resistisse. Ou talvez esperavam só uma<br />

possibilidade para usar seus brinquedos. Matasumi fez algumas pergunta para detectar mentiras, a<br />

classe de coisas que alguém que tivesse realizado a investigação mais básica de todas saberia:<br />

meu nome, idade, lugar de nascimento, ocupação corrente. Eu não estava o bastante aborrecida<br />

para mentir. Economizaria isso para coisas mais importantes.<br />

—Me deixe começar lhe dizendo que já temos a um lobisomem em custódia. Suas<br />

respostas serão comparadas com a informação que ele proporcionou já. Então eu sugeriria que<br />

diga a verdade.<br />

Maldito. Bem, isto mudava as coisas, verdade? Tanta evasiva para nada. Por outra parte,<br />

era possível que Matasumi mentisse sobre ter um guia de ruas. Inclusive se o fazia, eu poderia<br />

salpicar minhas mentiras com bastante verdade para mantê-los adivinhando qual de nós não era<br />

completamente honesto.<br />

—Quantos lobisomem há nesta... manada? - perguntou Matasumi.<br />

Encolhi os ombros. —Isso depende. Não é estático ou algo assim. Eles vêm e vão. Não é<br />

um grupo unido. A classe dos arbitrários, realmente, a quem o Alfa deixa entrar e sair, segundo<br />

seu humor. É um tipo muito temperamental.<br />

—O Alfa - interpôs seu ajudante. —Como o Alfa em uma manada de lobos. Você usa a<br />

mesma terminologia.<br />

—Suponho.<br />

—Interessante - disse Matasumi, assentindo com a cabeça como um antropólogo que<br />

acaba de descobrir uma tribo perdida faz muito. —Meu conhecimento da zoologia não é o que<br />

deveria ser.<br />

Atrás de mim, a porta fez clique e entrou ar. Dava volta para ver a mulher que me tinha<br />

tirado do carro.<br />

—Tucker me disse que tinham começado cedo - disse ela. Lançou um sorriso agradável<br />

para mim, como se fôssemos novos conhecidos que se encontram em um coquetel. —Me alegro<br />

de ver que se levanta tão rapidamente. Não houve efeitos duráveis com os tranquilizadores,<br />

espero.<br />

—Sinto-me fresca como uma alface - disse, tratando com força de sorrir sem mostrar os<br />

dentes.<br />

Ela se voltou para o Matasumi — Eu gostaria que a Doutora Carmichael a revisasse.<br />

Matasumi assentiu com a cabeça — Tess, por favor, chame à Doutora Carmichael do<br />

telefone do corredor. Diga-lhe que traga sua equipe para uma verificação às sete. Isso deveria nos<br />

dar o tempo suficiente com o sujeito.<br />

—O sujeito? - a mulher mais velha riu e me jogou uma olhada. —Por favor, nos perdoe.<br />

Nossa terminologia não é a mais civil, temo-me. Sou Sondra Bauer.<br />

—Muito contente de lhe conhecer - disse.<br />

Bauer riu outra vez. —Estou segura que o está. Espera Tess - disse ela quando a ajudante<br />

78


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

se dirigia para a porta. —Não há necessidade de telefonar à Doutora Carmichael. Ela estará nos<br />

esperando no hospital.<br />

—Hospital? - Matasumi franziu o cenho. —Não acredito que este sujeito…<br />

—Seu nome é Elena - disse Bauer.<br />

—Prefiro Sra. Michaels - disse.<br />

—Eu gostaria que Elena fosse verificada pela Doutora Carmichael imediatamente - seguiu<br />

Bauer. —Estou segura que ela apreciaria a possibilidade para estirar suas pernas e jogar uma<br />

olhada ao redor. Podemos seguir nossa discussão com ela no quarto acima. Estará cansada destas<br />

quatro paredes bastante logo.<br />

—Posso lhe falar em privado? - perguntou Matasumi.<br />

—Sim, sim. Está preocupado pela segurança. Posso ver isso - disse ela, seus lábios<br />

estirando-se quando olhou de minhas cadeias aos guardas. Ela me fechou um olho, como se<br />

compartilhasse uma brincadeira. —Não se preocupe Lawrence. Asseguraremo-nos que Elena<br />

esteja corretamente retida, mas não vejo a necessidade do excesso. As algemas e os guardas<br />

armados deveriam ser suficientes.<br />

—Não estou seguro…<br />

—Eu o estou.<br />

Bauer se dirigiu para a porta. Minha imagem da estrutura de poder aqui se desenvolvia<br />

rapidamente. Ajudante investigador, guardas, um meio demônio. Um cientista por cima deles,<br />

uma mulher misteriosa por cima do cientista. E Ty Winsloe? Onde entrava ele? Estava sequer<br />

comprometido?<br />

Meu guarda me desatou da correia da cadeira e tirou as restrições de meus braços e pernas,<br />

logo me conduziu ao corredor. Minha cela era a última, atravessando uma porta metálica em cuja<br />

parte superior havia duas luzes vermelhas. No final oposto do corredor havia outra porta idêntica,<br />

com as luzes vermelhas correspondentes. Filas de vidro transparente de direção única rodeavam o<br />

corredor. Contei cabos. Três mais em meu lado, quatro na parte de em frente.<br />

—Por este caminho Elena - disse Bauer, caminhando.<br />

Matasumi gesticulou para a porta mais próxima. —Esta rota seria mais rápida.<br />

—Sei - Bauer me fez gesto para que avançasse, sorrindo tranquilizadoramente como se eu<br />

fora um menino que dá seus primeiros passos. —Por este caminho, por favor, Elena. Eu gostaria<br />

de te mostrar os arredores.<br />

Realmente? Uma visita com guia por minha prisão? Bem, eu não podia discutir contra<br />

isso, verdade? Segui ae Bauer.<br />

79


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

EXIBIÇÃO<br />

Quando avancei para e Bauer, passei ao lado de uma cadeira em frente de minha cela,<br />

provavelmente onde Tess tinha estado tomando notas. Quando joguei uma olhada à cadeira,<br />

começou a tremer. Eu gostaria de pensar que estava assustada comigo, mas eu raramente<br />

invocava essa resposta em algumas criaturas, sem mencionar em objetos inanimados.<br />

—Zona de terremotos? - Perguntei.<br />

—Shhh! - Matasumi disse, sustentando sua mão acima.<br />

Matasumi ficou de coque ao lado da cadeira e a estudou. A cadeira se balançou de uma<br />

diagonal à outra, daqui para lá, mais rápido, logo se abrandou, logo recuperou a velocidade,<br />

inclinando-se quase ao ponto de dar-se volta, logo pondo marcha atrás.<br />

Matasumi me fez gestos para que avançasse. Quando não me movi o bastante rápido, ele<br />

se agitou com impaciência. Caminhei para a cadeira. Seguiu-se balançando. Matasumi empurrou<br />

seu palm para mim, me dizendo que me afastasse. Fiz-o. Nenhuma mudança. Ele torceu seu dedo<br />

para me fazer gestos que voltasse, seus olhos nunca abandonaram a cadeira. Caminhei até seu<br />

lado. A cadeira se seguiu balançando, a velocidade não diminuía. De repente se deteve. Bauer me<br />

dirigiu um amplo sorriso, quase orgulhosa.<br />

—O que pensa disso? - perguntou ela.<br />

—Realmente espero que isso não signifique que este lugar está construído em uma linha<br />

de enguiço.<br />

—Oh, não. Escolhemos o lugar com muito cuidado. Não sentiu um tremor?<br />

Sacudi minha cabeça.<br />

—Verá que esta classe de coisas acontece frequentemente aqui embaixo - disse ela. —Não<br />

se alarme se desperta pela manhã para encontrar suas revistas na ducha ou sua mesa de patas<br />

acima.<br />

—O que o causa?<br />

Ela sorriu — Vocês.<br />

—A Sra. Bauer quer dizer todos vocês - disse Matasumi. —Nossos sujeitos. Duvido que<br />

você pessoalmente tivesse muito impacto. Os lobisomens são conhecidos por seus poderes<br />

físicos, não mentais. Estes acontecimentos começaram faz várias semanas, quando nossa coleção<br />

de sujeitos cresceu. Minha hipótese é que resulta da alta concentração de energia diversa. Golpes<br />

arbitrários de energia ocasionam acontecimentos igualmente arbitrários.<br />

—Então só acontece? Ninguém o faz?<br />

—Não há nenhum padrão perceptível ou sentido nos acontecimentos. São também<br />

completamente inócuos. Ninguém foi ferido. Monitoramo-los estreitamente, já que sempre está a<br />

possibilidade de que a energia possa chegar a níveis perigosos, mas neste ponto, podemos dizer<br />

sem perigo que não tem nenhuma razão para preocupar-se.<br />

—Se os objetos começarem a voar, pato - disse Bauer. —Agora, reatemos a viagem antes<br />

que tenhamos alguma outra interrupção - assinalou o teto. —Estamos clandestinamente. As<br />

paredes externas estão construídas de vários pés de concreto armado. Possivelmente não seja<br />

impossível as romper - se tivesse uma bola de destruição, além de uma escavadora para cavar a<br />

saída. O primeiro piso também está clandestinamente, por isso este nível está a mais de quinze<br />

quilômetros de profundidade. O teto é de aço sólido, ao igual ao chão. O vidro transparente de<br />

80


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

direção única é um desenho experimental especial. É capaz de resistir… Quantas toneladas de<br />

pressão, Lawrence?<br />

—Não conheço as especificações precisas.<br />

—Então só diremos que ―muito‖, - disse Bauer. —As portas ao final dos corredores estão<br />

reforçadas com aço, ao menos tão forte como o vidro transparente. O sistema de segurança requer<br />

tanto comprovações de digitais como de retina. Tal como o tem descoberto por ti mesma já, as<br />

paredes entre as celas não são tão completamente impenetráveis. De todos os modos, não ganha<br />

muito fazendo miras a golpes para a seguinte cela, já que, tal como pôde ver, está vazia<br />

atualmente.<br />

Ela gesticulou para a cela contígua. Estava vazia, tal como a que estava junto à minha.<br />

—Nosso seguinte convidado poderia ser familiar - disse Bauer, me conduzindo mais longe<br />

e movendo-se para a esquerda.<br />

O homem estava olhando a televisão. Altura média, cabelo loiro sujo com algumas<br />

sombras mais sujas devidas a um comprido intervalo entre duchas, uma sombra de cabelo<br />

convertendo-se em uma barba de bom tamanho. Familiar? Só vagamente. Pela introdução de<br />

Bauer, supus que era um guia de ruas, mas não podia estar segura sem cheirá-lo. Das poucas<br />

dúzias de guias de ruas na América do Norte, eu poderia reconhecer aproximadamente na metade<br />

só de vê-los. Para outros, necessitava um aroma para empurrar ligeiramente minha memória.<br />

—Lobisomem? - perguntei.<br />

—Não o conhece?<br />

—Deveria?<br />

—Pensei que poderia. Ele te conhece muito bem. Pela reputação, suponho. Você tem<br />

algum contato com os lobisomem fora de sua Manada?<br />

—Tão pouco como é possível.<br />

Era certo. Não era nossa forma de ser os nos associar com guias de ruas. Infelizmente, isso<br />

não significava que carecíamos de contato com eles. Provavelmente eu tinha tido alguma<br />

escaramuça com este antes, mas eu tinha tido tantas escaramuças com tantos guias de ruas que<br />

logo que podia separar uma da seguinte.<br />

Bauer avançou. Matasumi estava justo detrás de nós agora. Tess tinha reatado seu tira de<br />

notas, apontando cada minha palavra. Teria que começar a ser mais eloquente. Se eles me<br />

registravam para a posteridade, queria parecer com o menos moderadamente inteligente.<br />

―engenhosa‖ estaria bem.<br />

—Justo à direita temos um sacerdote Vodu.<br />

—Vodu é o nome comum - disse Matasumi. A terminologia correta é ―Vudoun‖.<br />

Bauer agitou a mão com indiferença, logo apontou para a cela à direita. Eu sabia que teria<br />

pesadelos sobre isto, sonhando que estava sentada em minha jaula arranhando minha cabeça<br />

enquanto Vanna White conduz excursões guiadas pelo exterior- ―e à esquerda temos um exemplo<br />

estranho de fêmea Canis lupis homo sapiens, cujo nome comum é ―lobisomem‖.<br />

O homem na jaula tinha a pele escura, com rastas 17 e uma barba rapada. Fulminou com o<br />

olhar ao vidro transparente de direção única como se pudesse ver através dele, mas seus olhos<br />

estavam enfocados a uns metros de nosso grupo. Seus lábios se separaram e murmurou algo. Não<br />

pude distinguir seu idioma, mas reconheci a voz desafinada como a do homem que tinha estado<br />

gritando antes.<br />

—Amaldiçoa-nos - disse Bauer.<br />

17 São tranças grossas e compridas usadas pelos rastafáris.<br />

81


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Matasumi fez um estranho som de risada. Tess sufocou uma risada tola. Bauer pôs um de<br />

seus olhos em branco, e todos riram.<br />

—Os sacerdotes de vodu só têm poderes dos mais insignificantes - disse Bauer. —É uma<br />

raça menor. É-te familiar esse termo?<br />

Sacudi minha cabeça.<br />

Matasumi falou — Temos a sorte de ter a alguém do pessoal que é capaz de nos<br />

subministrar detalhes de classificação. Maior e menor se referem ao grau de poder que uma raça<br />

possui. As raças principais incluem bruxas, meio-demônios, xamãs, feiticeiros, nigromantes,<br />

vampiros, e lobisomem. Estes grupos são relativamente pequenos. As raças menores são muito<br />

maiores. De fato, seria um nome pouco apropriado chamá-los sequer ―raças‖ porque<br />

frequentemente não têm laços de sangue entre eles. Tipicamente, são gente normal que mostra<br />

certa aptidão e pode ser treinada para aguçar esses talentos. Estas raças menores incluem os<br />

sacerdotes Vodu, druidas, médiuns, e muitos outros. A um leigo esta gente pode parecer que têm<br />

um grande poder, mas em comparação com uma bruxa ou um lobisomem…<br />

—Não há nenhuma comparação - cortou Bauer. —Não para nossos objetivos. Este<br />

―sacerdote‖ não tem nenhuma habilidade que a bruxa ou o xamã mais fraco não pudesse<br />

ultrapassar. Nossa primeira e última incursão no mundo das raças menores.<br />

—E no momento vocês o mantêm aqui...? - perguntei.<br />

—Até que necessitemos a cela - disse Bauer.<br />

Supus que seria muito esperar que liberassem sujeitos que demonstravam ser inúteis.<br />

—Ensaio e engano - continuou Bauer. —Apesar disso, com maior frequência temos feito<br />

excelentes escolhas. Por exemplo, olhe ao convidado do quarto seguinte.<br />

O seguinte preso era outro homem, no final dos trinta, pequeno, com uma constituição<br />

compacta, pele café clara, e rasgos sutilmente desenhados. Levantou seu olhar de uma revista,<br />

estirou as pernas, e reatou sua leitura. Quando ele elevou a vista, emendei minha estimativa de<br />

sua idade, estava a metade da quarentena, inclusive talvez mais perto dos cinquenta.<br />

—Pode adivinhar o que é ele? - perguntou Bauer.<br />

—Nem idéia.<br />

—Maldição. Esperava que pudesse nos dizer.<br />

Matasumi forçou um sorriso afligido. Tess soltou uma risada obrigada. Evidentemente<br />

uma velha brincadeira.<br />

—Não sabem o que é ele? - perguntei.<br />

—Nem idéia - disse Bauer. —Quando o recolhemos, críamos que era um meio demônio,<br />

mas sua fisiologia está completamente mal. Como a maior parte das raças principais, os meios<br />

demônios têm rasgos físicos comuns, tal como aprendemos que exame dos três espécimes que<br />

adquirimos até agora. Armem não compartilha nada com nenhum deles. Sua anatomia é sua<br />

própria. Seus poderes tampouco são do meio demônio.<br />

—O que pode fazer?<br />

—É um camaleão humano - Ela sossegou os protestos do Matasumi. —Sim, sim, o Doutor<br />

Matasumi lhe dirá que isso não é uma descrição exata, mas eu gosto. Muito mais fácil de recordar<br />

que ―espécie desconhecida com capacidades de contorção facial‖ - me piscou os olhos um olho,<br />

outra vez como se compartilhasse comigo uma brincadeira privada. —Vendê-lo é tudo.<br />

—Capacidades de contorção facial? - repeti.<br />

—O Sr. Haig pode mudar a vontade sua estrutura facial - disse Matasumi. —Mudanças<br />

menores unicamente. Não pode converter-se, por exemplo, em você ou em mim, mas poderia<br />

mudar sua cara o suficiente como para já não parecer-se com sua foto de passaporte.<br />

82


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Uh-huh.<br />

—Não parece muito útil para a vida diária, mas é incrivelmente significativo no esquema<br />

maior de coisas. Este poder particular está completamente não documentado nos anais de<br />

parapsicologia. Estou postulando uma nova mudança evolutiva.<br />

Ele sorriu então, o primeiro sorriso que eu tinha visto dele. Tirava-lhe décadas da cara,<br />

iluminando seus olhos com um entusiasmo infantil. Olhou-me e esperou, seus lábios se moviam<br />

nervosamente como se logo que pudesse conter o impulso de seguir.<br />

—Mudança evolutiva? - repeti.<br />

—Minha hipótese é que todas as raças sobrenaturais -as raças verdadeiras, as raças<br />

principais- são o resultado de anomalias evolutivas. Por exemplo, com os lobisomens, em algum<br />

lugar no passado muito distante um homem de algum jeito desenvolveu a capacidade de<br />

transformar-se em lobo. Um completo capricho da natureza. Também foi capricho o que<br />

melhorasse sua capacidade de sobrevivência e por esta se visse refletida em seu DNA, que<br />

aconteceu seus filhos. Os poderes menores de um lobisomem, longevidade, força, maior alcance<br />

em seus sentidos, podem ter sido parte desta mudança inicial ou podem ter evoluído mais tarde,<br />

para deixar aos lobisomens melhor preparados para levar suas vidas. Anomalias similares<br />

explicariam os inícios de todas as raças principais.<br />

—Exceto dos meios-demônios - disse Bauer.<br />

—Isso falta por dizer. Os meios demônios são um híbrido por reprodução. Raramente<br />

transmitem seus poderes a sua descendência. Agora, de volta ao Sr. Haig. Se minha teoria for<br />

correta, estas mudanças evolutivas arbitrárias devem passar com alguma frequência, não<br />

usualmente, mas mais frequentemente, o que explicaria as poucas raças principais existentes.<br />

Possivelmente algumas destas separações são tão recentes que não há ainda muitos membros para<br />

classificá-los dentro de uma raça. Se for certo, então o Sr. Haig pode ser o antepassado de uma<br />

nova espécie. Em umas quantas gerações, seu poder poderia desenvolver-se exponencialmente.<br />

Onde o Sr. Haig só é capaz de enganar a um oficial de tráfico, seu tataraneto poderia ser capaz de<br />

mudar sua estrutura física o suficiente para transformar-se no oficial.<br />

—Uh-huh.<br />

Matasumi girou e fez gestos para ao último par de celas através do corredor - Aí estão há<br />

dois espécimes mais interessantes. Observe primeiro a sua esquerda, por favor.<br />

Na cela ao lado do guia de ruas, uma mulher jazia na cama, seus olhos abertos,<br />

contemplando o teto. Teria aproximadamente minha idade, talvez 1,65 metros de altura, 55<br />

quilos. Cabelo vermelho escuro, olhos verdes, e pele invejavelmente clara que parecia nunca ter<br />

tido um defeito. Ela irradiava vibrações de boa saúde, a classe de mulher que eu poderia imaginar<br />

alegremente conduzindo um grupo de expedicionários no Parque Nacional.<br />

—Bruxa? - perguntei.<br />

—Meio demônio - disse Bauer.<br />

Então os meios demônios podiam ser mulheres? Ninguém havia dito isso por outra parte,<br />

mas eu tinha assumido que todos seriam homens, talvez porque os únicos dois que eu tinha<br />

conhecido eram homens ou talvez porque quando pensava em ―demônio‖ pensava ―homem‖.<br />

—Qual é seu poder? - perguntei.<br />

—Telecinese - disse Bauer. —Pode mover coisas com sua mente. Leah é a filha de um<br />

demônio Agito. Possui familiaridade com a demonologia?<br />

—Uh-não. Os defeitos de uma educação moderna.<br />

Bauer sorriu. —Não há muita demanda por isso nestes dias, mas é um sujeito fascinante.<br />

Há dois tipos de demônios: Eudemonios e Cacodemonios. Eudemonios, os bons, cacodemonios,<br />

83


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

os maus.<br />

—Demônios bons?<br />

—Surpreendente verdade? Embora seja uma crença religiosa comum, a verdade. Só na<br />

mitologia cristã é possível encontrar demônios tão pouco... Demonizados. É certo que ambas as<br />

classes existem, embora só os cacodemonios procriam. Dentro de cada um dos dois tipos há uma<br />

hierarquia apoiada no grau relativo de poder do demônio. Um Agito está muito acima na escala.<br />

—Então suponho que a telecinese é mais que uma brincadeira de salão, depois de tudo.<br />

—Muito mais - disse Matasumi. —As implicações e aplicações de tal poder são infinitas.<br />

—O que pode fazer ela?<br />

—Pode mover coisas com sua mente - disse Matasumi, parafraseando a descrição anterior<br />

de Bauer.<br />

Em outras palavras, não tinham nem idéia o que eram ―as implicações e aplicações‖.<br />

Certamente a telecinese soava bem, mas o que poderia realmente fazer-se com ela? Além de<br />

tomar o sal da cozinha sem deixar a mesa.<br />

—Há muitos meio demônios mulheres? - perguntei.<br />

—Os homens são mais comuns, mas as mulheres não são desconhecidas - disse Matasumi.<br />

—Realmente selecionamos a Leah por seu gênero. Tivemos algumas dificuldades com nossos<br />

sujeitos homens, então pensei que as mulheres poderiam ser mais fáceis de dirigir. Mais passivas.<br />

—Olhem-no - disse Bauer. —Está rodeado por mulheres aqui, Lawrence. Sim, as<br />

mulheres parecem se sujeitar melhor mas isso não tem nada que ver com a passividade. As<br />

mulheres são mais capazes de ponderar a situação e ver a inutilidade da resistência. Os homens<br />

parecem sentir a obrigação de aguentar, aconteça o que acontecer. Tome por exemplo o nosso<br />

sacerdote de Vodu. Discursos enfáticos e maldições todo o dia, cada dia. Isso ajuda? Não mas ele<br />

segue fazendo-o. Como reage Leah à mesma situação? Fica tranquila e coopera - Ela se girou<br />

para mim. —Viu alguma vez telecinese?<br />

—Uh, não - disse. —Não acredito.<br />

Ela sorriu — Tempo de ver uma atuação então.<br />

SAVANNAH<br />

Bauer elevou a mão para o botão do intercomunicador da jaula do meio demônio. Algo em<br />

meu estômago se apertou, e abri a boca para detê-lo, logo sosseguei o protesto. Por que me<br />

84


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

preocupava se Bauer se dirigia a essa mulher? Talvez simplesmente eu não gostava da idéia de<br />

que meus companheiros cativos soubessem que estavam sendo observados e comentados como<br />

animais de zoológico.<br />

—Leah? - disse Bauer, inclinando-se para o alto-falante.<br />

—Hey Sondra - disse Leah, elevando-se da cama. —Necessita minha aprovação outra<br />

vez?<br />

—Não, só passava por aqui. Mostrando a uma nova hóspede os arredores. Ela está muito<br />

interessada em seus poderes. Faria uma demonstração?"<br />

—Seguro - Leah deu volta à pequena mesa. Depois de um segundo, uma taça de café se<br />

elevou da superfície e girou. —Algo assim?<br />

—Perfeito. Obrigada, Leah.<br />

A mulher sorriu e saudou com a cabeça. Se ela tivesse alguma objeção a ser tratada como<br />

um macaco treinado, não dava nenhum sinal disso, só ficava de pé e aguardava ordens.<br />

—Ver-te-ei logo, Leah - disse Bauer.<br />

—Não irei a nenhuma parte. Saúda o Xavier de minha parte. Diga-lhe que passe por aqui<br />

em algum momento. Que traga um maço de naipes.<br />

—Farei-o.<br />

Bauer apagou o intercomunicador.<br />

—Xavier é nosso outro meio demônio - me disse ela. —Já o conhece.<br />

—Houdini.<br />

Bauer sorriu. —Sim, suponho-o. Nenhuma cadeia pode mantê-lo amarrado, muito em<br />

breve o descobrimos. Felizmente para nós, ele esteve feliz de cooperar com nossas perguntas e<br />

experimentos graças a um correto incentivo financeiro. Tão mercenário, nosso Xavier. Um ativo<br />

valioso para equipe, entretanto.<br />

—Como o feiticeiro - disse.<br />

Bauer me lançou um olhar estudadamente em branco.<br />

—Ouvi que tinham contratado a um feiticeiro também - disse.<br />

Bauer vacilou, como se refletisse se teria que mentir, logo disse —Sim, temos a um<br />

feiticeiro. Ajuda-nos a encontrar a nossos sobrenaturais. Não terá que conhecer Sr. Katzen, se<br />

isso te incomodar.<br />

—Deveria?<br />

—Os feiticeiros têm uma... Reputação desagradável entre algumas raças sobrenaturais.<br />

Não de todo injustificada.<br />

Matasumi tossiu discretamente, mas Bauer não fez caso dele e golpeou suas unhas contra a<br />

parede da cela do sacerdote vodun. Ele olhou, talvez sentindo a alguém ali, e lançou um olhar<br />

deslumbrante para o vidro transparente refletor.<br />

—A maior parte deles são egomaníacos e pouco confiáveis - continuou Bauer. — Nosso<br />

Sr. Katzen, temo-me, não é nenhuma exceção. Tal como respondi, entretanto, não tem que<br />

preocupar-se por ele. Ele não se associa com o que considera as raças ―inferiores‖. Agora Xavier<br />

é muito mais sociável.<br />

—Ele mantém a Leah entretida, segundo o que vejo.<br />

—Realmente não. Provavelmente ele não tomará em conta em sua oferta. Triste,<br />

realmente. Quando Leah averiguou que tínhamos a outro meio demônio aqui se comoveu. Não<br />

acredito que ela nunca tivesse conhecido a outro de sua classe. Mas Xavier não terá nada que ver<br />

com ela. Ele a viu uma vez e rechaçou após aproximar-se dela. Tentamos até subornos. Manter a<br />

nossas hóspedes felizes é muito importante para nós. Leah é uma moça muito gregária. Necessita<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

estimulação social. Por sorte encontramos outros modos de acomodá-la. Ela tomou um<br />

verdadeiro interesse por dois de nossos outros hóspedes.<br />

—Curtis e Savannah - disse Tess.<br />

Bauer assentiu com a cabeça — Os que são também nossas dois hóspedes mais<br />

necessitados de companhia. Acredito que Leah tem uma aguda sensibilidade para isto. Um<br />

sentido inato de altruísmo. Curtis e Savannah desfrutam de sua companhia enormemente. O que<br />

só faz que a animosidade do Xavier seja mais profunda. Ele não se dirigirá a ela. Isso nos<br />

ocasiona alguma preocupação. Nós gostaríamos de ter a Leah na equipe, mas não podemos nos<br />

permitir a tensão que isso causaria.<br />

—Têm muitos hóspedes dentro ―da equipe‖?<br />

Os olhos de Bauer faiscaram como se eu tivesse feito a pergunta do milhão de dólares. —<br />

Não muitos, mas é possível. Em particular para nossas hóspedes mais honradas, como você. Uma<br />

vez que estamos seguros da cooperação de um hóspede, estamos realmente felizes de poder lhe<br />

fazer uma oferta. É algo pelo qual esforçar-se.<br />

Em outras palavras, se eu era uma moça muito, muito boa, também poderia sequestrar e<br />

torturar os meus companheiros sobrenaturais. Oh, que felicidade.<br />

—Alguma idéia de por que Xavier não gosta de Leah? - perguntei.<br />

—Ciúmes - disse Matasumi. —Dentro da hierarquia dos meios demônios Leah tem a<br />

posição mais alta.<br />

—Eles são conscientes dessa hierarquia? - perguntei. —Acreditei que os meios demônios<br />

não tinham muito contato os uns com os outros. Não têm algum grupo central ou dirigente,<br />

verdade? Então, como sabe qual é seu status?<br />

Silêncio.<br />

Depois de um momento Matasumi disse — Em algum nível, estou seguro de que eles são<br />

conscientes de seu status.<br />

—Um demônio Agito está por sobre um Evanidus, o pai do Xavier - disse Bauer. —E um<br />

Exustio está sobre ambos. Isso é o pai do Adam Vasic, verdade? Um Exustio?<br />

—Surpreendentemente, isso nunca saiu na conversa.<br />

A desilusão cruzou sua cara, logo desapareceu em outro sorriso falsamente cordial —<br />

Faremos que a Doutora Carmichael revise essas queimaduras. Suponho que Adam lhe fez isso.<br />

Ela fez uma pausa. Não disse nada.<br />

—Um meio demônio Exustio é muito capitalista - continuou ela. —Justo no topo da<br />

escala. Ele seria um de primeira classe para apanhar. Talvez poderia nos ajudar com isso. Estou<br />

segura de que essas queimaduras não fazem cócegas.<br />

—Curam-se - respondi.<br />

—De todos os modos, estaríamos muito agradecidos…<br />

Matasumi interrompeu — Não sabemos se o pai do Adam Vasic é um Exustio, Sondra. Só<br />

temos uma informação de segunda mão.<br />

—Mas era uma boa informação - Bauer se virou para mim. —Um de nossos primeiros<br />

cativos foi um xamã que serve no conselho da Ruth Winterbourne quando o padrasto do Adam<br />

começou a levá-lo às reuniões. Ele é um meio demônio Tempestras. O padrasto, quero dizer. Ele<br />

é também, supostamente, um perito em demonologia, e estava convencido de que o pai do Adam<br />

era um Exustio.<br />

—Embora ele nunca deu nenhuma indicação de ter um grau tão alto de poder - disse<br />

Matasumi. —As queimaduras de pele são, mais provavelmente, um sinal de um Igneus. Um<br />

Exustio teria incinerado à Sra. Michaels.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—De qualquer forma, até um meio demônio Igneus seria um verdadeiro golpe. E eu<br />

adoraria apanhar a seu padrasto. Temos muito poucos dados sobre demônios Tempestras.<br />

—Eu gostaria de encontrar à mãe - disse Tess. —Qual é a possibilidade que uma mulher<br />

seja escolhida para levar a descendente de um demônio e logo termine por casar-se com um meio<br />

demônio? Deve haver algo nela que os atrai. Isso poderia ser uma investigação muito útil. E<br />

interessante.<br />

Isto me estava assustando. Quanto sabia esta gente sobre nós? Era bastante mau que<br />

soubessem que existíamos, mas ter afundado em nossas vidas pessoais como o tinham feito era<br />

absolutamente inquietante. Fariam isto muito frequentemente, discutir a respeito de nós como se<br />

fôssemos personagens da telenovela Dark Shadow 18 ?<br />

—Por que não apanharam ao Adam em vez de mim? - perguntei.<br />

—Não subestimemos sua própria importância, Elena - disse Bauer. —Estamos muito<br />

emocionados de te ter conosco.<br />

—E não pudemos encontrar ao Adam - acrescentou Tess.<br />

Caramba, obrigada.<br />

Bauer continuou —E, ao lado de Leah, a que, certamente não será a última de nossas<br />

hóspedes.<br />

Dava a volta. Na cela atrás de mim havia uma moça. Não, não refiro a uma moça. Refiro a<br />

uma menina, de não mais de doze ou treze anos. Assumi que seu aspecto juvenil era a<br />

manifestação de alguma raça sobrenatural desconhecida.<br />

—O que é ela? - perguntei.<br />

—Uma bruxa - disse Bauer.<br />

—Faz feitiços? Faz-se ver mais jovem? Um bom truque, mas se eu fosse ela, de seguro<br />

não quereria voltar para essa idade. Antes ou muito depois da puberdade para mim, muito<br />

obrigada.<br />

Bauer riu — Não, não faz feitiços. Savannah tem doze anos.<br />

Detive-me. Se eu tivesse estado tremendo antes, estaria congelada agora, havia um bloco<br />

de gelo agasalhado em meu estômago.<br />

—Doze? - repeti, esperando que ter ouvido mal. — Capturaram a uma bruxa de doze<br />

anos?<br />

—Absolutamente a melhor idade - disse Matasumi. —As bruxas obtêm seu poder pleno<br />

com o início de suas primeiras menstruações. Estando ao bordo da puberdade, Savannah nos<br />

apresenta a oportunidade perfeita para estudar as mudanças mentais e fisiológicas que poderiam<br />

explicar a capacidade de uma bruxa de enfeitiçar. Tivemos um notável golpe de sorte ao<br />

encontrá-la. Um acidente, a verdade. Savannah é a filha de uma antiga bruxa do Aquelarre que<br />

tínhamos como branco faz várias semanas. Quando nossos homens capturaram à mãe, a filha<br />

chegou de improviso da escola, então se viram obrigados a trazê-la também.<br />

Observei a cela — Não a têm com sua mãe?<br />

—Tivemos alguns problemas com sua mãe - disse Bauer. —Seus poderes eram mais fortes<br />

que o que nosso feiticeiro nos levou a acreditar. Magia escura, poderia chamá-lo, o que explicaria<br />

provavelmente seu afastamento do Aquelarre. Eva era... Bom, tivemos que…<br />

—Apagamo-la do programa - cortou Matasumi. —A melhor coisa, realmente. Ela<br />

demonstrou ser muito difícil como sujeito útil, e sua presença distraía à menina.<br />

18 Sombras escuras, ou Sombras tenebrosas. Creio que faz referência a uma série britânica que misturava viagens no tempo e<br />

vampiros.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

O gelo se estendeu para encher meu estômago. Esta gente mantinha a uma menina em uma<br />

cela subterrânea, felicitando-se por havê-la encontrado, e elogiavam as vantagens de matar a sua<br />

mãe? Olhei à moça. Era alta para sua idade, magra, com um rosto que era todos planos e ângulos<br />

agudos. O cabelo lhe chegava à cintura, negro. Um par de enormes olhos azuis escuros dominava<br />

sua magra cara. Uma menina estranha que levava a promessa de uma grande beleza. Olhava<br />

atentamente um livro de palavras cruzadas, com o lápis equilibrado em cima da página. Depois de<br />

um momento ela saudou com a cabeça e rabiscou algo. Sustentou o livro a distância, estudou o<br />

quebra-cabeças completo, logo o abandonou, deixando-o em cima da mesa, passeou um par de<br />

voltas, e finalmente se conformou inspecionando o conteúdo de uma prateleira para livros atrás<br />

do televisor.<br />

—Ela deve aborrecer-se - disse.<br />

—Oh, não - disse Bauer. —Isto não é fácil para o Savannah. Sabemos. Mas fazemos todo<br />

o possível para reconfortá-la. Tudo o que queira. Pastilhas de chocolate, revistas... Inclusive<br />

trouxemos alguns vídeos jogos na semana passada. Ela está completamente... Bauer fez uma<br />

pausa, fazendo rodar uma palavra em sua língua, logo a desprezou e disse tranquilamente — Ela<br />

está cômoda.<br />

De modo que ela sabia quão mau tudo isto soava. ―Lamentamos ter executado a sua<br />

mamãe, pequena, mas aqui há uma coleção de palavras cruzadas e um Game Boy para compensálo‖.<br />

Bauer deu um toque de suas unhas manicuradas contra a parede, logo forçou um sorriso.<br />

—Bem, isso é - disse ela. —Provavelmente se perguntará para que é tudo isto.<br />

—Possivelmente mais tarde - murmurou Matasumi. —A doutora Carmichael espera e este<br />

não é realmente o lugar...<br />

—Mostramos a Elena os arredores. Agora acredito que é justo que ofereçamos alguma<br />

explicação.<br />

Os lábios do Matasumi se apertaram. Então isto não era geralmente parte do passeio? Por<br />

que agora? Uma necessidade repentina de justificar-se depois de me mostrar a Savannah? Por que<br />

a Bauer importaria o que eu pensava? Ou se defendia a si mesma?<br />

Antes que Bauer continuasse, conduziu-me fora do bloco de celas. Estudei os<br />

procedimentos de segurança. Uma vez que passamos através da porta, encontramos a dois<br />

guardas armados colocados em um cubículo além da porta assegurada. Seus olhos dançaram<br />

sobre mim como se eu fora a senhora da limpeza. Uma das vantagens de aluguel de guardas com<br />

alguma experiência militar: a curiosidade tinha sido extraída deles. Seguir ordens e não faz<br />

perguntas.<br />

—Alguma classe de conexão militar? - perguntei. Enquanto Bauer estivesse de humor para<br />

responder perguntas, eu deveria as fazer.<br />

—Militares? - Ela seguiu meu olhar fixo aos guardas. —Usar seres sobrenaturais para<br />

construir a arma perfeita? Intrigante idéia.<br />

—Não realmente - disse. —O fizeram no Buffy, a Caça-vampiros. A temporada anterior.<br />

Dormia pela metade dos episódios.<br />

Bauer riu, embora podia dizer que ela não tinha nem idéia do que eu falava. Eu não podia<br />

imaginar a vadiando diante de um televisor, e até se o fizesse, estava segura de que a única coisa<br />

que olharia seria CNN.<br />

—Não se preocupe - disse ela. —Esta é uma empresa completamente privada. Nossa<br />

escolha de guardas foi simplesmente prática. Nenhuma alusão governamental.<br />

Transpassamos outro jogo de portas em um comprido corredor.<br />

—Em nossa sociedade pós-industrial, a ciência empurra constantemente os limites da<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

tecnologia - disse Bauer, ainda andando. Joguei uma olhada para cima aos alto-falantes, quase<br />

segura de que ouvia a voz de Bauer em alguma fita pré-gravada. —A raça humana deu grandes<br />

passos no campo da tecnologia. Passos maciços. Nossas vidas se fazem mais fáceis com cada dia<br />

que passa. Mas somos felizes?<br />

Ela fez uma pausa, mas não olhou para trás, como se não esperasse uma resposta. Pergunta<br />

retórica, pausa dramática. Bauer se sabia um par de recursos para falar em público.<br />

—Não o somos – disse. — Todos a quem conheço têm um terapeuta e uma prateleira de<br />

livros de auto-ajuda. Seguem tratamentos espirituais. Contratam yoghis e meditação. Serve isso?<br />

Não. São miseráveis. E por quê?<br />

Outra pausa. Eu mordi meu lábio para me impedir de responder. Não teria sido a classe de<br />

resposta que ela queria.<br />

Bauer continuou, — Porque eles se sentem impotentes. A ciência faz todo o trabalho. A<br />

gente se vê reduzida a escravos tecnológicos, introduzir diligentemente dados em computadores e<br />

esperar a que o grande deus da tecnologia lhes honre com resultados. Quando pela primeira vez<br />

chegaram os computadores, a gente se emocionou. Sonharam com semanas de trabalho mais<br />

curtas, mais tempo para o aperfeiçoamento pessoal. Não aconteceu. A gente hoje trabalha tão<br />

duro, se não mais duro, que o que faziam faz trinta anos. A única diferença é a qualidade do<br />

trabalho que realizam. Já não levam a cabo um pouco de valor. Só atendem as máquinas.<br />

Pausa número três.<br />

—O que propomos fazer aqui é devolver um sentido de poder à humanidade. Uma nova<br />

melhora. Não uma melhora tecnológica. Melhora do interior. Melhorar a mente e o corpo.<br />

Através do estudo dos seres sobrenaturais, podemos realizar essas mudanças. Xamãs,<br />

nigromantes, bruxas, feiticeiros, eles podem nos ajudar a aumentar nossas capacidades mentais.<br />

Outras raças podem nos ensinar como fazer melhoras imensas em nossas vidas físicas. A força e<br />

acuidade sensorial dos lobisomens. A regeneração e longevidade dos vampiros. Outros avanços<br />

inumeráveis dos meios demônios. Um novo mundo para a humanidade.<br />

Esperei a música para aplaudir. Quando isso não passou, consegui dizer com a cara rígida,<br />

— Parece muito... nobre.<br />

—É-o - disse Matasumi.<br />

Bauer apertou um botão e as portas do elevador se abriram. Entramos.<br />

MUTRETA<br />

O hospital era exatamente o que alguém esperaria de um centro de operações de tão alta<br />

tecnologia: anti-séptico, branco, e frio. Cheio de instrumentos de aço inoxidável reluzente e<br />

máquinas digitais. Bom, nunca tanto, dado que um pôster descolorido na parede anunciava os<br />

―sintomas de um ataque cardíaco‖. Todo o assunto, assim como sua doutora, uma mulher de meia<br />

idade e bastante corpulenta. Carmichael cobriu todas as cortesias de apresentação com um brusco<br />

olá. Logo seguiu diretamente com um ―abra isto, aproxime isso, isto levante, gire isso‖. Nada de<br />

conversação. Apreciava isto. Mais fácil de tragar que a injustificada sociabilidade de Bauer.<br />

O exame foi menos intrusivo que o médio. Nada de agulhas ou amostras de urina.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Carmichael tomou minha temperatura, peso, altura, e tensão arterial. Comprovou meus olhos,<br />

ouvidos, e garganta. Perguntou por possíveis náuseas ou outros efeitos secundários do<br />

tranquilizador. Quando escutou a meu coração, esperei as perguntas inevitáveis. Meu batimento<br />

do coração de coração estava bastante acima do normal. Uma típica ―anomalia fisiológica‖,<br />

lobisomem como diria Matasumi. Jeremy dizia que se devia a nosso metabolismo aumentado ou<br />

ao fluxo de adrenalina ou algo assim. Não recordava a razão exata. Jeremy era o médico perito.<br />

Logo que estudei biologia na escola secundária. Carmichael não comentou sobre minha<br />

frequência cardíaca, entretanto. Só assentiu com a cabeça e o anotou em minha ficha. Suponho<br />

que eles já esperavam isto logo depois de examinar ao guia de ruas.<br />

Depois de que Carmichael terminou comigo, reincorporei a minha festa na sala de espera.<br />

Só um dos três guardas me tinha acompanhado ao hospital. Ele nem sequer tinha arrojado um<br />

olhar enquanto eu me punha e tirava a roupa. Um sério golpe para meu ego. Não que eu o<br />

culpasse. Não havia muito que ver.<br />

Matasumi, Bauer, Tess, e os três guardas me conduziram pelo corredor longe da sala de<br />

espera de hospital. Antes que puséssemos rumo a nosso lugar do destino, a rádio de um guarda<br />

emitiu um sinal sonoro. Havia uma espécie de ―incidente menor‖ no bloco de celas, e alguém<br />

chamado Tucker queria saber se Matasumi ainda necessitava os guardas. Era a hora de comida e a<br />

maior parte dos guardas fora de serviço se foram à cidade. Poderia Matasumi enviar aos três<br />

acompanhantes que foram conosco? Matasumi disse ao Tucker que os enviaria em cinco minutos.<br />

Então fomos a turba a uma área a qual Bauer se referiu como ―sala de descanso‖.<br />

A sala de descanso era uma câmara de interrogatórios. Alguém que tivesse visto um só<br />

polícia não poderia ser enganado pelo espetáculo das cadeiras cômodas e quadros do Artigo nas<br />

paredes. Quatro cadeiras estavam ordenadas ao redor de uma mesa de madeira. Uma janela de<br />

vidro transparente de uma direção dominava a parede longínqua. Videocâmaras e microfones<br />

penduravam de duas esquinas do teto. Bauer podia chamá-lo um maldito salão formal se quisesse.<br />

Isto era um quarto de interrogatórios.<br />

Minha escolta me conduziu ao flanco mais próximo do quarto, confrontando o vidro<br />

transparente de direção única. Uma vez que estive sentada, abriu umas tampas a um e outro lado<br />

da cadeira e tirou correias reforçadas, que sujeitou ao redor de minha cintura. Embora meus<br />

pulsos ainda estavam danificadas, ele usou outro jogo de correias para atar meus cotovelos aos<br />

braços da cadeira. Logo, do chão, tirou uma fivela pesada com cadeias encostadas que se<br />

retraíram debaixo do tapete. Com isto afirmou meus pés. As quatro patas da cadeira estavam<br />

soldadas ao chão. Maldição, necessitamos um destes em nossa sala no Stonehaven. Nada como<br />

uma cadeira cheia de ataduras de aço para te fazer sentir como um hóspede gostoso em casa.<br />

Uma vez que estive segura, Matasumi deixou que os guardas se fossem. Wow, estava<br />

deixando uma grande possibilidade ali. Nada de guardas armados? Quem sabia que estrago<br />

poderia causar eu. Eu poderia... bom, poderia cuspir em sua cara e chamá-lo com nomes<br />

realmente repugnantes.<br />

Quanto ao interrogatório, foi bastante aborrecido. Mais da mesma classe de perguntas<br />

Matasumi me tinha arrojado na cela. Segui mesclando verdades e mentiras, e ninguém me<br />

chamou a atenção por eles. Aproximadamente vinte minutos de começada a sessão, alguém bateu<br />

na porta. Um guarda entrou e disse ao Matasumi e Bauer que este tipo Tucker solicitava sua<br />

presença no bloco de celas para que lhe aconselhassem em uma ―questão‖. Bauer o impediu,<br />

insistindo em que Matasumi podia dirigi-lo, mas isto implicava algum projeto especial dela, e<br />

depois de discutir um momento, ela consentiu em ir. Tess seguiu ao Matasumi, embora ninguém<br />

a houvesse convidado. Suponho que ela tinha medo de que a fora a cuspir. Bauer prometeu que<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

estariam de volta quanto antes, e se foram. Deixando-me sozinha. Hmmm.<br />

Meu otimismo decaiu rapidamente. Não havia nenhum modo de que escapasse desta<br />

cadeira. Nenhum broto de adrenalina me daria a força suficiente para romper estas cadeias. Da<br />

forma em que estava amarrada, alguém poderia me realizar uma cirurgia a coração aberto e eu<br />

não poderia fazer nada mais que gritar. Nem sequer podia mudar em lobo e esperar escapar. As<br />

correias e as cadeias estavam atadas com um dispositivo que trabalhava como um cinto de<br />

segurança. Se mudava, só arriscaria a possibilidade de me fazer danifico.<br />

Enquanto examinava minhas ataduras, a porta detrás de mim se abriu. Um homem entrou<br />

em tropeções no quarto, tropeçando sobre as cadeiras. Antes que pudesse ver sua cara, um aroma<br />

me golpeou e os cabelos de meus braços se pararam. Um guia de ruas. Girei meu pescoço para<br />

ver o guia de ruas da jaula de abaixo. Patrick Lake. O nome saltou a minha consciência ao<br />

primeiro espiono de seu aroma. Eu só o tinha visto uma vez, e não tinha sido uma reunião<br />

memorável, mas o cérebro de um lobisomem classifica aromas com a eficiência de um<br />

empregado de escritório de primeira categoria que arquiva dados. Com umas moléculas do<br />

aroma, a informação que o acompanha chega imediatamente a nossa mente.<br />

Patrick Lake era nômade e um canibal. Não um assassino muito prolífico 19 , só um corpo<br />

por aqui, um corpo por lá, como a maior parte dos guias de ruas, com o bastante sentido comum<br />

para saber que cada matança lhe levava mais perto da exposição, mas incapaz ou sem o desejo de<br />

deixá-lo. A Manada não se incomodava muito com guias de ruas como Lake. Possivelmente isto<br />

soe feio, como se nós devêssemos deter cada guia de ruas que assassine humanos, mas se<br />

fizéssemos isso, teríamos que exterminar a três quartas partes de nossa raça, e realmente, esse não<br />

era nosso trabalho. Se os humanos estavam sendo assassinados, deixemos que os outros humanos<br />

se ocupem disso. Duro mas prático. Envolvíamo-nos só quando um guia de ruas atraía a atenção<br />

para ele, pondo assim em perigo ao resto de nós. Lake fez isso faz aproximadamente quatro anos<br />

matando à filha de um funcionário da cidade do Galveston, Texas. Clay e eu tínhamos pirado<br />

para levar a cabo nossos respectivos empregos. Eu tinha investigado o estado do caso de<br />

assassinato. Se Lake terminava como suspeito, tinha que morrer. Já que nunca conseguia manterse<br />

longe, Clay se conformava derrubando na merda ao Lake como advertência, logo se<br />

assegurava que tomasse o seguinte avião fora do Texas. Patrick Lake não nos tinha dado nenhum<br />

problema após.<br />

Quando Lake se cambaleou no quarto, sacudi-me em meu assento, rompendo as cadeias.<br />

Houdini-Xavier-caminhou atrás dele. Vendo-me, deteve-se e piscou, logo olhou ao redor do<br />

quarto.<br />

—Completamente sozinha? - perguntou.<br />

Não respondi. A menos que houvesse guardas meio demônio com poderes de<br />

invisibilidade, aparente eu estava completamente sozinha. De todos os modos, Xavier apareceu à<br />

porta para verificar o corredor. Então, empurrou ao Lake diante dele, cruzou até chegar ao vidro<br />

transparente de direção única, olhou atentamente através dele, franziu o cenho, observando o<br />

quarto contiguo, e voltou.<br />

—Só - disse, sacudindo sua cabeça. —Deve amar este lugar. Eficiência militar, segurança<br />

de alta tecnologia, os últimos aparelhos de comunicação. E no final, tudo tão desorganizado como<br />

os armários de cozinha de minha mãe. Não posso acreditar que lhe deixassem sozinha. São as<br />

oito, verdade?<br />

—Me deixe verificar meu relógio - disse.<br />

19 Produtivo.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Ele riu entre dentes — O sinto. Certamente lhe ataram, verdade? Alguém não está dando<br />

possibilidades. Mas estou seguro que são oito horas, e se supunha que eu devia trazer aqui ao<br />

Lake às oito. Agora nem sequer podem manter o programa corretamente. Alguém necessita um<br />

secretário.<br />

Lake me contemplou. Ele nunca me tinha visto antes, não oficialmente de todos os modos.<br />

No Galveston, eu tinha estado bastante perto para cheirá-lo, mas me tinha ficado fora do vento e<br />

fora de vista. Era uma complicação que Clay não necessitava. Os guias de ruas ficavam um<br />

tanto... excitados a primeira vez que me viam. Uma coisa hormonal. Haviam-me dito que<br />

cheirava como uma fêmea acalorada, não era a descrição mais lisonjeira, mas explicava bastante<br />

do problema. Depois de que um guia de ruas me chegava a conhecer, seu cérebro humano<br />

geralmente dava patadas e anulava os sinais, mas as primeiras reuniões eram sempre arriscadas.<br />

Às vezes eu podia usar essa reação em minha vantagem. Geralmente só era uma dor no traseiro.<br />

—Como ela? - perguntou Xavier.<br />

Lake murmurou algo e tratou de arrancar seu olhar de mim, mas não teve êxito em romper<br />

o contato visual. Caminhou para minha cadeira, as cadeias de suas pernas faiscavam criando<br />

estática contra o tapete. Olhei-o diretamente. Termina-o, asno. Lake rodeou a mesa duas vezes.<br />

Quando Xavier riu dissimuladamente, Lake fez uma pausa só um segundo antes que o instinto o<br />

obrigasse a avançar outra vez, rodear, seus olhos de volta em mim.<br />

—Confesso-o, é uma moça aposta - disse Xavier. —Mas não acha que exagera,<br />

companheiro?<br />

—Se cale - grunhiu Lake e seguiu dando voltas.<br />

—Não se preocupe - disse Xavier, virando-se para mim. —Se tratar de cheirar sua<br />

entreperna, romper-lhe-ei o focinho.<br />

Lake se voltou para o Xavier, tenso como se fosse investir contra ele, logo pareceu pensar<br />

melhor e se conformou em grunhir uma fileira de maldições. O feitiço se rompeu, entretanto, e<br />

quando se virou para me confrontar, seus olhos ainda ardiam, mas com fúria, não com luxúria.<br />

—Estava ali, verdade? - disse. —No Galveston. Com ele. Quando me fez isto - Ele<br />

levantou suas mãos voltas de reverso e me mostrou isso. Sua palma esquerda estava fixa<br />

permanentemente na posição inicial, o resto do antebraço nodoso e gasto, como resultado de<br />

muitas rupturas e insuficiente ajuste.<br />

—Quem é ―ele‖? - perguntou Xavier.<br />

—Clayton - cuspiu Lake, seu olhar fixo ainda sobre mim.<br />

—Oh, o noivo - Xavier soltou um suspiro fingido. —Tinha que mencionar ao noivo? Vi-o<br />

em Vermont, e ainda me sinto um tanto inferior quanto a beleza por todo o assunto. Por favor me<br />

diga que o tipo tem algum hábito repugnante. Aroma de corpo. Arranha-se o nariz. Dê-me algo.<br />

—Ele é um ferrado psicopata - grunhiu Lake.<br />

—Perfeito! Isso é exatamente o que queria. Obrigado, Pat. Sinto-me muito melhor agora.<br />

Independente de meu estado mental questionável, ninguém me acusou nunca de ser um psicopata.<br />

Lake se aproximou e observou minhas cadeias.<br />

—Que não lhe ocorram idéias pouco civilizadas - disse Xavier—. —Você a toca e terei<br />

que deixar que ela toque de volta. Não quer isso. Ela é uma moça forte.<br />

Lake soprou.<br />

—Não acredita? - disse Xavier. —Ela esteve aqui umas horas e já deixou um buraco em<br />

sua parede de cela. Você esteve aqui duas semanas e nem sequer amolgaste a tua. Poderia ser<br />

mais forte que você.<br />

—Provavelmente não.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Não, talvez não. Você é maior. Mais massa musculosa. Vantagem masculina. Mas ela é<br />

definitivamente mais preparada. Ocorreu-lhe a forma de me derrubar em seu segundo intento.<br />

Você e eu tivemos dez rondas e nunca me puseste um dedo em cima. A fêmea da espécie é mais<br />

mortal que o macho. Quem disse isso?<br />

—Foi Kipling - disse.<br />

—Vê? Ela é mais pronta que nós.<br />

—Melhor educada - disse Lake. —Não mais preparada.<br />

—Fazemos uma aposta então? Um round. Se ela te apanhar, obtenho seu anel de<br />

diamantes.<br />

—Vai ao diabo - resmungou Lake.<br />

—Um tipo sociável, verdade? Um brilhante conversador. Não sente saudades que não o<br />

deixasse entrar em sua Manada.<br />

—Vai ao diabo - articulou Lake mais lentamente agora, girando seu olhar para o Xavier.<br />

—Toquei um ponto doloroso, verdade? Oh, vamos. Joga meu jogo. Me mostre que grande<br />

lobo mal é. Quer alguma vingança por esse braço, verdade? E você, Elena? O que lhe parecem<br />

umas rondas com o Senhor Personalidade?<br />

—Não luto sob ordens - disse.<br />

Xavier suspirou e pôs os olhos em branco. Então me aproximou e desfez todas as cadeias<br />

que me sustentavam ao assento, deixando só as algemas.<br />

—Hey! - disse Lake, avançando a pernadas para nós.<br />

Xavier o deteve com uma mão estendida, ajoelhou-se para desfazer as ataduras das pernas<br />

do Lake, logo abriu suas algemas. Lake tirou as algemas e lançou seu braço para o Xavier. Mas<br />

seu punho conectou com o espaço vazio. Xavier se tinha ido.<br />

Eu me tinha ficado em meu assento. Não havia nenhuma razão para brigar com este guia<br />

de ruas. Melhor sentar-se aqui, rechaçar o jogo e esperar a que Matasumi e Bauer voltassem logo.<br />

Lake retrocedeu e me contemplou. Um sorriso fez cócegas nas comissuras de sua boca.<br />

—Não se incomode - respondi. —O tentaram antes em circunstâncias muito mais<br />

vantajosas. Sabe o que acontecerá sequer o tenta. Clay se assegurará de que não o possa voltar a<br />

tentar nunca mais.<br />

—Na verdade? —Os olhos do Lake se alargaram e olhou ao redor. —Não o vejo aqui.<br />

Talvez queira tomar a oportunidade.<br />

—De acordo - respondi. —Se golpeie a si mesmo.<br />

Não me movi. As lutas entre lobisomem eram puro alarde em 70 por cento. Nestes dias,<br />

Clay ganhava a maior parte de suas batalhas simplesmente mostrando-se. Sua reputação era<br />

suficiente. Ao menos isto servia para os lobisomem machos. Eu não era tão afortunada. Não<br />

importa quantos combates ganhasse, os guias de ruas ainda me imaginavam indefesa sem o Clay<br />

para me proteger.<br />

Lake rodeou a cadeira. Não me movi. Ele agarrou meu cabelo, enredando largas mechas<br />

ao redor de seu punho. Apertei os dentes e ainda assim não me movi. Ele atirou minha cabeça<br />

para trás. Só o fulminei com o olhar. Com um grunhido, ele liberou meu cabelo, agarrou meus<br />

ombros e me tirou da cadeira. Joguei-me atrás, tratando de me empurrar contra a mesa, mas, a<br />

diferença de minha cadeira, não a tinham deixado pega ao chão. Quando golpeei o bordo da<br />

mesa, esta patinou fora de alcance e caí sobre meus joelhos, minhas mãos algemadas adiante para<br />

evitar minha queda. Lake me deu uma patada no traseiro e me lançou longe, me fazendo estrelar<br />

contra minha cara. Fiquei quieta, com a cara contra o tapete.<br />

—Uf! - disse —Isso Lake doeu.<br />

93


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Minhas mãos estão algemadas - resmunguei contra o tapete.<br />

—Sim? Bom, minha mão esquerda não trabalha muito bem, graças a seu amante moço.<br />

Talvez eu deveria te fazer o mesmo. Nah. Não no braço. Na cara. Talvez então ele não te<br />

encontrará tão atrativa.<br />

—Cara ou braço, não importa. Toque-me e está morto.<br />

—Já estou morto, doçura. Contigo aqui, estes bastardos já não me necessitam mais.<br />

Poderia conseguir minha vingança enquanto possa.<br />

Enquanto trocávamos impressões, mantive meus braços colocados embaixo de mim e me<br />

concentrei. O suor saltou de minha frente. Lake se ajoelhou diante de mim e sorriu abertamente.<br />

—Está um pouco pálida, doçura. Não é tão resistente como pretende.<br />

Movi-me, tirando meu peso de meus braços. Lake saltou sobre seus pés e pisou com força<br />

no centro de minhas costas. Algo soou. A dor formou um arco através de mim. Sufocando um<br />

grito, fechei os olhos e me concentrei em minhas mãos. Relaxei meu ventre contra o tapete e<br />

enrosquei minha palma. Senti o peso do pé do Lake em minhas costas, descansando ali. Sem<br />

advertência, ele empurrou, me esmagando contra o tapete. Cinco agulhas transpassaram minha<br />

blusa e meu estômago. Ofeguei e cheirei o sangue.<br />

—Doeu? - disse Lake. —Ora, sinto-me tãããão mau. Sabe quanto me dói este braço? Tem<br />

alguma idéia? Incapaz de ir ao hospital, a um doutor? Detectar algum problema que tivesse feito<br />

revogar sua licença…<br />

Lancei-me sobre o Lake rapidamente, apanhando-o com o guarda baixo. Ele tropeçou para<br />

trás. Em um segundo, ele recuperou seu equilíbrio e retirou seu pé, que apontou a meu peito<br />

quando girei. Balancei minha mão direita e agarrei sua perna. Minhas unhas rasgaram seu jeans e<br />

se afundaram na carne. Quando lhe tive dado um bom apertão, atirei para trás, rasgando sua<br />

perna. Lake gritou e tropeçou para trás.<br />

—Merda! Que merda…?<br />

Ele olhou minha mão. Só que não era uma mão. Era uma garra, o apertão e os dedos de<br />

uma mão humana, a pele de um lobo, largas unhas, muito afiadas, e duras como rocha. As<br />

algemas penduravam de minha outra mão. A mudança parcial tinha estreitado minha mão o<br />

suficiente para deixá-las sem as algemas.<br />

—Que merda!? - repetiu Lake apoiando-se contra a parede.<br />

—Mutreta de Manada - disse. —Leva um pouco de concentração. Muito para um guia de<br />

ruas.<br />

Avancei para ele. Vacilou, logo se lançou contra mim. Caímos. Agarrei suas costas. Ele<br />

grunhiu e tratou de lutar. Agarrei as costas de sua camisa com minha mão esquerda e o arrojei<br />

longe. Quando me pus de pé, a porta se abriu de repente. Bauer entrou apressadamente no quarto<br />

com o Matasumi, Tess, e dois guardas a seus calcanhares. Os cinco ficaram parados na entrada e<br />

olharam fixamente. Então Bauer avançou a pernadas através do quarto, observando ao Lake.<br />

—Que demônios passa aqui? - disse Bauer.<br />

—Ela começou - disse ele.<br />

—Oh, por favor - disse, me pondo de pé.<br />

Minha mão estava normal agora. Eu a tinha metido de novo na algema. Xavier passou pela<br />

entrada.<br />

—Ele começou - disse Lake.<br />

—Só seguia ordens - Xavier se apoiou contra o marco da porta, as mãos em bolsos. —O<br />

anel é meu, Pat. Ela chutou seu traseiro.<br />

—Está gravado em fita? - perguntou Matasumi.<br />

94


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Xavier bocejou — É obvio.<br />

Bauer se girou para ambos — Ordens? Fita? O que passou aqui?<br />

Eu sabia o que tinha passado. Tinha sido estupidamente utilizada, e estava furiosa por não<br />

havê-lo visto antes. Acaso não deveria me haver perguntado por que Matasumi, o paranóico da<br />

segurança deixava livres a meus guardas? Por que logo me deixava sozinha no quarto? Por que<br />

Xavier entrava sozinho com outro lobisomem logo depois de que Matasumi tinha discutido sobre<br />

deixar minha cela sem guardas armados? Matasumi deve ter arrumado tudo enquanto eu estava<br />

no hospital. Enquanto estava fora de minha cela, por que não tentar um pequeno de experimento?<br />

Averiguar o que acontece quando põe a um lobisomem da Manada no mesmo quarto que um guia<br />

de ruas.<br />

Bauer começou a gritar ao Matasumi, logo se deteve. Despediu-se do Xavier e Tess para a<br />

noite, logo pediu aos dois guardas que me escoltassem de volta a minha cela. Uma vez que<br />

estivemos fora da distância normal de ouvir, ela se lançou contra Matasumi outra vez.<br />

CONTATO<br />

Tinha estado de volta em minha cela em aproximadamente vinte minutos quando Bauer<br />

trouxe minha comida. Presunto, batatas fritas, cenouras de bebê, couve-flor, salada, leite, café, e<br />

bolo de chocolate. Alimento suficientemente decente para lançar longe qualquer idéia de greve de<br />

fome, não era que eu estivesse disposta a fazer uma de todos os modos. Não protestar era bastante<br />

bom para garantir a conservação.<br />

Antes que eu comesse, Bauer me mostrou os arredores da cela, indicando os artigos de<br />

penteadeira, mostrando como funcionava a ducha, e explicando a carta de comidas. Uma<br />

camisola de noite e um traje de dia estavam guardados em uma gaveta sob a cama. Por que só<br />

uma mudança de roupa? Bauer não o disse. Talvez temiam que se tivéssemos muita tecido,<br />

encontraríamos um modo de nos pendurar das inexistentes vigas. Ou pensavam que não tinha<br />

nenhum sentido nos proporcionar mais quando não poderíamos viver o tempo suficiente para<br />

necessitá-la? Agradável pensamento.<br />

Bauer não partiu depois de terminar meu passeio pela cela. Talvez esperava um<br />

agradecimento.<br />

—Peço-te perdão - disse depois de que me sentei a comer. —O que aconteceu acima... eu<br />

95


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

não sabia que planejavam isso. Não acredito em enganar a nossas hóspedes. Todo este acerto já é<br />

bastante difícil para ti sem necessidade de preocupar-se por brincadeiras desse estilo.<br />

—Está bem - disse entre meio de um bocado de presunto.<br />

—Não, não o está. Por favor, me diga se algo assim passar quando não estou perto. Quer<br />

que a Doutora Carmichael olhe suas feridas no estômago?<br />

—Estou bem.<br />

—Há roupa limpa se quer te mudar essa blusa.<br />

—Estou bem - respondi, logo acrescentei um conciliatório. —Talvez mais tarde - Ela<br />

tratava de ser agradável. Eu sabia que devia corresponder. Saber e fazer são duas coisas<br />

diferentes. O que se supunha que devia dizer? Obrigada por preocupar-se? Se ela se preocupasse,<br />

não me teria sequestrado em primeiro lugar, verdade? Mas enquanto me olhava comer, seu olhar<br />

de preocupação parecia genuíno. Talvez ela não visse a contradição, entre me sequestrar e logo<br />

preocupar-se de como era tratada. Ela estava parada ali como se esperasse que eu dissesse algo.<br />

Dizer o que? Eu tinha pouca experiência com outras mulheres. Fofocar com alguém que me tinha<br />

drogado e tinha sequestrado estava além de meu espectro de habilidades sociais.<br />

Antes que eu pudesse pensar no bate-papo conveniente, Bauer se foi. O alívio se mesclou<br />

com a culpa. Assim como sabia que devia tratar de ser amistosa, realmente não estava de humor<br />

para conversar. Meu traseiro estava ferido. Meu estômago doía. Tinha fome. E queria me deitar, o<br />

que não significava que estivesse cansada, mas sim queria falar com o Jeremy. Jeremy podia<br />

comunicar-se conosco mentalmente. O problema era que só podia fazê-lo enquanto dormíamos.<br />

Depois do incidente com o Lake, a ansiedade tinha começado a filtrar-se de minhas barricadas<br />

cuidadosamente eretas. Queria falar com o Jeremy antes que minha tensão saísse de controle. Ele<br />

devia já estar trabalhando em um plano de resgate. Eu tinha que ouvi-lo, saber que tomavam<br />

medidas. Inclusive mais que isso, necessitava sua tranquilidade. Estava assustada, e necessitava<br />

consolo, alguém que me dissesse que tudo estaria bem, mesmo que eu soubesse que era uma<br />

promessa vazia. Seria amistosa e cortês com e Bauer amanhã. Esta noite queria ao Jeremy.<br />

Uma vez que tive terminado minha comida, tomei uma ducha. Definitivamente a<br />

intimidade não era um tema para o que pôs a ducha. As paredes eram transparentes. A porta de<br />

vidro transparente no cubículo da ducha era só ligeiramente opaca, rabiscando contornos, mas<br />

deixando muito pouco à imaginação de um observador. Fiz uma cortina estirando a toalha de<br />

banho dos serviços frente ao espelho sobre a pia. Dançar a valsa ao redor Stonehaven nua era<br />

uma coisa. Eu não o fazia diante de estranhos. Quando usava os serviços, punha a toalha sobre<br />

meu regaço. Alguns costumes exigem intimidade.<br />

Depois da ducha, pus-me roupa. Eles podiam me proporcionar uma camisola de noite, mas<br />

eu não o usaria. Tampouco usaria sua roupa limpa amanhã. Tomaria outra ducha pela manhã e<br />

esperaria que nada começasse a cheirar. Minha roupa era a única coisa pessoal que tinha.<br />

Ninguém as levaria longe de mim. Ao menos, não enquanto o aroma fora suportável.<br />

***<br />

Jeremy não entrou em contato comigo essa noite. Não sei o que esteve mau. O único<br />

momento em que eu sabia que Jeremy era incapaz de ficar em contato conosco era quando<br />

estávamos inconscientes ou sedados. Estava segura de que os sedativos estavam fora de meu<br />

sistema, mas agarrei a essa desculpa. Também era possível que Jeremy fosse incapaz de ficar em<br />

contato comigo aqui, clandestinamente, mas preferia não considerar que isto significava não só<br />

que não teria a ajuda do Jeremy para planejar minha fuga, mas também ele poderia assumir que<br />

96


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

eu estava morta e nem sequer tentar efetuar o resgate. Profundamente em meu interior, eu sabia<br />

que esta última parte era uma merda. Clay viria por mim. Ele não daria por terminado o assunto<br />

até que visse um cadáver. De todos os modos, sempre estava a insegurança, a voz fastidiosa que<br />

sempre trata de destruir minha fé, me dizendo que me equivocava, que ele não arriscaria sua vida<br />

para me salvar, que ninguém poderia sentir tanto carinho por mim. Deste modo, apesar de tudo<br />

sabia o contrário, despertava banhada em suor frio, segura de que tinha sido abandonada. Nem a<br />

maior quantidade de tempo dedicada a bate-papos de autoconversação comigo mesma me<br />

ajudaria. Eu estava sozinha e temia permanecer sozinha, obrigada a confiar em minhas próprias<br />

habilidades para escapar. Não confiava tanto em minhas habilidades.<br />

Nas últimas horas da noite, já aproximando a alvorada, alguém entrou em contato comigo.<br />

Mas não era Jeremy. Ao menos, não acreditei que o fora. Sonhava que estava uma loja uso<br />

mongol com o Clay, discutindo sobre quem se levaria o último M&M vermelho. Só quando tinha<br />

começado a considerar a possibilidade de deixar-lhe Clay tomava suas peles e saía ao vento<br />

uivador, jurando não voltar nunca. O sonho me assustou tanto que me fez despertar, fazendo<br />

pulsar meu coração com um ruído surdo. Quando tratei voltar a dormir, alguém me chamou por<br />

meu nome, a voz de uma mulher. Estava segura que era uma mulher, mas estava nesse estado<br />

confuso entre dormir e despertar, incapaz de dizer se era alguém em minha cela ou uma voz que<br />

me chamava de volta ao sonho. Lutei para levantar minha cabeça do travesseiro, mas me inundei<br />

em um novo pesadelo antes que pudesse despertar.<br />

A manhã seguinte, fiquei na cama enquanto pude, estirando o sonho frente à improvável<br />

possibilidade de que Jeremy ainda tentasse ficar em contato comigo e só necessitasse um minuto<br />

mais. Às oito e trinta, admiti o fracasso. Não dormia, só mantinha meus olhos fechados e<br />

simulava.<br />

Tirei as pernas fora da cama, dobrei-as, e quase caí contra o chão. Meu estômago parecia<br />

ter sido talhado, músculo por músculo, enquanto dormia. Quem pensaria que cinco pequenas<br />

feridas de garras poderiam doer tanto? O fato que tinham sido auto-infligida não ajudava. Um dia<br />

em cativeiro e eu me fazia já estava mais machucada que meus inimigos. Talvez Patrick Lake<br />

estivesse mais dolorido que eu. Provavelmente não. Minhas costas se havia duro a 24 horas da<br />

pisada do Lake, e quando lutei para me pôr de pé direita, meu corpo se rebelou de ambos os<br />

lados, estômago e espinhaço. Caminhei coxeando até a ducha. O vapor a água ajudou a minhas<br />

costas, mas pôs meu estômago em chamas. A água fria acalmou meu estômago, mas emperrou<br />

minhas costas outra vez. Nos dia dois tinha longe um princípio maravilhoso.<br />

***<br />

Meu humor se afundou quande Bauer trouxe meu café da manhã. Nenhuma queixa sobre a<br />

comida, é obvio, e tampouco tinha queixa de que Bauer o trouxesse, mas dar um olhar a ela fazia<br />

que meu espírito caísse em picada. Bauer se passeava vestida com cômodas calças bege, uma<br />

camisa de linho branco ondeante, expulsa até os joelhos, e seu cabelo artisticamente tomado com<br />

uma forquilha, suas bochechas com um toque rosado que não provinha exatamente de uma<br />

garrafa, cheirando ligeiramente a urze, como se viesse de um passeio matinal. Eu estava vestida<br />

com uma camisa rasgada e manchada de sangue, meu cabelo, muito fino, enredado devido ao<br />

áspero xampu, e meus olhos inchados devido a uma noite espantosa. Quando ela me deu o bom<br />

dia, eu sapateava meu caminho para a mesa, incapaz de estar de pé totalmente erguida ou dizer<br />

mais que um grunhido monossilábico como saudação. Inclusive inclinada, eu era dez ou quinze<br />

centímetros mais alta que Bauer. Sentia-me como uma mulher Neanderthal muito grande, feia, e<br />

97


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

não muito brilhante.<br />

Quande Bauer tratou de me integrar na conversa, senti-me tentada de frustrar seus esforços<br />

outra vez, mas um café da manhã pacífico não era um luxo que eu pudesse me permitir. Se tinha<br />

que planejar minha própria fuga, tinha que sair desta cela. O melhor modo de sair desta célula<br />

seria ―unir-se‖ a meus captores. E o melhor modo de unir-se a eles seria assegurar o favor de<br />

Bauer. Então tinha que jogar a ser agradável. Era mais difícil do que soava. Por estranho que<br />

pareça, eu tinha um problema com o de conversar sobre o tempo com a mulher que me tinha<br />

levado a cativeiro.<br />

—Então vive perto do Syracuse - disse ela quando comia meu pão-doce.<br />

Assenti com a boca enche.<br />

—Minha família é de Chicago - disse ela. —Produtos de Papel Bauer. Ouviste sobre eles?<br />

—Parece familiar - menti.<br />

—Dinheiro antigo. Muito antigo.<br />

Devia estar impressionada? Fingi-o com um assentimento com os olhos muito abertos.<br />

—É estranho, sabe - disse ela, sentando-se em uma cadeira. —Crescer com essa classe de<br />

nome, essa classe do dinheiro. Bem, não estranho para mim. É todo que conheço. Mas te vê ti<br />

mesma refletida nos olhos de outras pessoas e te dá conta que é considerado como muito<br />

afortunado. Nascido com a proverbial colher de prata. Supõe-se que é feliz, e Deus te ajude se<br />

não o é.<br />

—O dinheiro não pode comprar a felicidade - disse, clichê se sentiu amargo em minha<br />

língua. Do que se tratava tudo isto? Pobre e pequena menina rica? Sou rica e infeliz, então<br />

sequestro a estranhos inocentes, bom talvez não tão inocentes, mas à força depois de tudo.<br />

—Mas você é feliz - disse Bauer. Uma declaração, não uma pergunta.<br />

Consegui esboçar um meio sorriso genuíno. —Bom, neste preciso momento, sendo<br />

mantida como cativa em uma cela, eu não diria isso exatamente…<br />

—Mas de outra maneira. Antes disto. Foi feliz com sua vida.<br />

—Sem queixa. Não é perfeito. Está ainda a repugnante maldição de lobisomem…<br />

—Não o vê desse modo, entretanto. Como uma maldição. Você o diz, mas não o quer<br />

dizer.<br />

Ela me contemplava agora. Não, não a mim. Dentro de mim. Seus olhos ardendo,<br />

inclinando-se para frente. Faminta. Joguei-me atrás.<br />

—Alguns dias, quero dizer. Confia em mim - Despachei meu pão-doce —Estes são<br />

grandes. Verdadeiros pães-doces de Nova Iorque. Suponho que não há possibilidade de repetir.<br />

Ela se inclinou para trás, as chamas em seus olhos extintos, um sorriso cortês em seu lugar.<br />

—Estou segura de que podemos arrumar algo - comprovou seu relógio. —Deveria te conseguir<br />

uma entrevista com a Doutora Carmichael para seu exame físico.<br />

—É algo cotidiano?<br />

—Oh, não. O de ontem foi só uma verificação. Hoje é o exame físico completo.<br />

Bauer levantou sua mão. A porta se abriu e dois guardas entraram. De modo que aí é onde<br />

tinham estado escondendo-se. Me tinha perguntado isso, esperando talvez que Bauer se sentisse o<br />

bastante cômoda para renunciar ao séquito armado. Má hipótese. Aparência de confiança, mas<br />

carência de substância. Ou possivelmente só carência de estupidez. Maldição.<br />

***<br />

Já tinha um vizinho. Quando saí de minha cela, vi alguém no quarto cruzando o meu. Uma<br />

98


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

mulher sentada frente à mesa, de costas a mim. Via-se como... Não, não podia ser. Alguém me<br />

haveria isso dito. Eu o teria sabido. A mulher se virou do meio perfil. Ruth Winterbourne.<br />

—Quando...? - perguntei.<br />

Bauer seguiu meu olhar fixo e sorriu como se eu tivesse destampado um presente<br />

escondido. —Ela chegou contigo. Estávamos em Vermont perto do lugar da reunião essa manhã.<br />

Quando lhe vimos partir com os Danverses, Xavier e eu decidimos segui-los. O resto da equipe<br />

ficou perto de outros. Sabíamos que alguém ficaria sozinho eventualmente. Por sorte foi Ruth.<br />

Uma muito boa aquisição. É obvio, qualquer deles teria estado bem. Bem, exceto sua sobrinha.<br />

Não serve muito uma bruxa aprendiz dessa idade. Savannah é outro assunto, considerando sua<br />

juventude e o que sabemos dos poderes de sua mãe.<br />

—Como é que não vi a Ruth ontem?<br />

—A viagem foi excepcionalmente... difícil para ela. Sua idade. A mesma coisa que a faz<br />

ter valor é algo que requer responsabilidade. Superestimamos a dose calmante. Mas está<br />

completamente bem agora, assim como a pode ver.<br />

Ela não parecia bem. Talvez alguém que nunca tivesse visto a Ruth confundiria os olhos<br />

embotados, a pele amarela, e os movimentos letárgicos por sinais normais de envelhecimento,<br />

mas eu a conhecia melhor. Fisicamente, ela parecia estar bastante bem. Não havia sinais de<br />

enfermidade ou ossos quebrados. O dano era mais profundo que isso.<br />

—Ela parece cabisbaixa - respondi. —Deprimida.<br />

—Acontece —Declaração de fato. Nada de emoção.<br />

—Talvez eu pudesse lhe falar - disse. —Animá-la.<br />

Bauer deu um toque com suas unhas largas contra seu flanco, considerando-o. Se ela visse<br />

uma segunda intenção em meu altruísmo, não deu nenhum sinal disso.<br />

—Possivelmente poderíamos arrumar algo - disse. —Foi muito cooperadora, Elena.<br />

Outros estavam preocupados, mas além da perfuração da parede, tiveste um surpreendente bom<br />

comportamento. Acredito em recompensar o bom comportamento.<br />

Sem outra palavra, ela deu a volta e me deixou que a seguisse. Interiormente me arrepiei,<br />

mas na aparência me arrastei atrás de seus calcanhares como um cachorrinho bem treinado.<br />

Cachorrinho treinado, em efeito. Me perdoem, mas ―bem comportada‖ não é um termo que terei<br />

que aplicar a uma mulher grande, ainda quando Bauer o tenha feito sem malícia ou insinuações,<br />

se um bom cachorrinho, Elena, e te darei um caramelo. A tentação por mostrar ae Bauer o que<br />

pensava exatamente de seu sistema de recompensas era quase esmagadora. Quase. Mas queria<br />

realmente falar com a Ruth. Ela era meu único contato neste lugar, e eu não estava por cima das<br />

petições de ajuda. Um feitiço nos tinha tirado dessa maldita situação no beco de Pittsburgh. Com<br />

seus feitiços e minha força, deveríamos ser capazes de idealizar uma saída daqui.<br />

De modo que seria um bom cachorrinho. Sofri o exame físico sem protestar. Esta vez<br />

minha visita ao hospital foi bastante intrusiva. Tomaram raios X, amostras de sangue, amostras de<br />

urina, amostras de saliva, e amostras de fluidos corporais que eu não sabia que tinha. Logo me<br />

puseram arames e tomaram leituras de meu coração e cérebro. Carmichael empurrou e cravou e<br />

fez perguntas que eu me ruborizaria de responder a meu ginecologista. Mas me recordei que este<br />

era o preço de falar com a Ruth, então não fiz caso das intrusões e respondi as perguntas.<br />

O exame físico durou várias horas. Ao meio dia, alguém golpeou, logo abriu a porta sem<br />

esperar uma resposta. Dois guardas entraram. Poderiam ter sido até estes quem havia me trazido<br />

para cá, mas não podia estar segura. Neste ponto, os cortes de cabelo ao corte de barba se<br />

mesclaram com uma gota sem rosto, e sem nome. Ver um, significava que os tinha visto todos.<br />

Um dos guardas -possivelmente um destes dois, possivelmente não- ficou-se no hospital comigo<br />

99


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

antes, mas depois de uma hora mais ou menos, tinha murmurado algo sobre uma mudança de<br />

turno e havia dito à doutora Carmichael que chamasse segurança. Ela não podia. Quando estes<br />

dois chegaram, pensei que vinham para tomar o lugar desse guarda ausente. Em vez disso,<br />

escoltavam ao ―camaleão humano‖, Armem Haig.<br />

—Estou trabalhando aqui atrás - disse Carmichael, sem virar-se de uma série de raios X<br />

presos a uma parede iluminada.<br />

—Deveríamos esperar lá fora? - perguntou um guarda.<br />

—Não é necessário. Por favor, toma a segunda mesa, senhor Haig. Já estarei com você.<br />

Haig assentiu com a cabeça e caminhou para a mesa. Seus guardas prometeram voltar em<br />

uma hora, logo se foram. A diferença de mim, Haig não estava algemado. Suponho que seus<br />

poderes não eram nenhum grande risco para a segurança. Inclusive assim ele se fazia ver<br />

diferente, os guardas estavam obrigados a notar um aparente estranho rondando pelo lugar. A<br />

fuga não era provável.<br />

Pelos seguintes vinte minutos, Carmichael andou ocupada ao redor do hospital,<br />

comprovando raios X, olhando atentamente através de microscópios, apontando notas em uma<br />

caderneta de notas. Finalmente se deteve, contemplou o quarto e logo tomou uma bandeja de<br />

frascos cheios de fluídos de um carro metálico.<br />

—Tenho que realizar uma prova no laboratório antes que terminemos aqui, Sra. Michaels.<br />

Déjà vu ou o que? Trazer outro cativo a um quarto comigo, encontrar uma desculpa para<br />

deixar o quarto, e ver que diversão e caos emocionante segue. Podiam estes tipos não idealizar<br />

algo de mais astúcia?<br />

Carmichael se dirigiu para a saída, logo se deteve e nos olhou para mim e ao Haig. Depois<br />

de uma pausa, pôs a bandeja no contador e recolheu o fone do intercomunicador. Embora ela<br />

voltasse às costas e baixasse sua voz, suas palavras eram impossíveis de perder no quarto<br />

silencioso. Perguntou a alguém em segurança se havia alguma ―situação‖ deixando ao Haig e a<br />

mim juntos por uns minutos, se eu estava algemada. Não havia.<br />

—Não esqueça ligar a câmera - murmurou Haig quando ela pendurou. Sua voz era rica e<br />

suave, com rastros de um acento.<br />

Carmichael soprou. —Não posso programar meu maldito gravador de vídeo. Acredita que<br />

posso operar essa coisa? - agitou uma mão para a videocâmara montada acima. —Uma palavra de<br />

advertência, entretanto. Não pensem em partir. Fecharei com chave a porta atrás de mim. Há uma<br />

câmara que funciona perfeitamente na sala de espera e protege o corredor. Não serão amáveis<br />

com um intento de fuga.<br />

Ela tomou sua bandeja de frascos e deixou o quarto.<br />

100


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

FESTA<br />

Depois de que Carmichael partiu, estudei a videocâmara procurando sinais de atividade,<br />

mas estava silenciosa e quieta.<br />

—Então - disse Haig. —Por que está aqui?<br />

—Violação e pilhagem.<br />

As comissuras de sua boca se elevaram — Teria sido minha primeira conjetura. Encontra<br />

os alojamentos de seu gosto?<br />

—Minha residência, quer dizer?<br />

Outro sorriso inclinado — Oh, então você é lobisomem. Eu não sabia se era cortês<br />

perguntar. Emily Post não cobre circunstâncias como esta. — Hmmm. Eu tive um paciente com<br />

licantropismo uma vez. Sentia-se obrigado a virar três vezes antes de sentar-se no canapé. Três<br />

intentos. Mas sempre tinha que inclinar-se para fazê-lo.<br />

Recordei como Carmichael se dirigiu a ele —Doutor Haig - disse. —Então é um loquepsiquiatra?<br />

—Loquero, sim. Minhas capacidades especiais não são muito proveitosas na vida diária.<br />

Suponho que poderiam ajudar se eu fosse um assassino internacional, mas sou terrível. E por<br />

favor, me chame Armem. A formalidade parece bastante desconjurado aqui.<br />

—Sou Elena. Psiquiatria, né? Então conhecia o Matasumi? Antes de vir aqui?<br />

—Eu tinha ouvido dele - Seus lábios escuros se torceram em uma careta de repugnância.<br />

—Parapsicologia. Com reputação de rodear o código de ética de investigação.<br />

—Realmente? Imaginemo-lo. Não deve ter nenhuma escassez de gente para analisar aqui,<br />

entre os cativos e os captores.<br />

101


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—De maneira bastante alarmante, as pessoas nas jaulas com maior probabilidade usariam<br />

minhas recomendações para liberar-se.<br />

—Matasumi tem alguns problemas definidos - respondi. —E Bauer?<br />

—Um dos sãos, realmente. Só triste. Muito triste.<br />

Não era a impressão que eu tinha, mas antes que pudesse exigir detalhes, Armem<br />

continuou. —O que me mais gostaria de subir ao canapé é ao Tyrone Winsloe. Embora uma vez<br />

que o tivesse ali, estaria profundamente tentado de atá-lo e correr como o diabo.<br />

—O que está mal com ele?<br />

—Por onde começo? Tyrone Winsloe é - Armem moveu sua cabeça para a porta; passos<br />

entravam na sala de espera, logo se detiveram fora da sala nesse momento. Ele baixou sua voz. —<br />

Se necessitar ajuda... para te adaptar, por favor, pergunta. Este não é um lugar muito agradável.<br />

Quanto mais logo possamos estar fora disto, mais logo nos sentiremos todos muito melhor.<br />

Enquanto ele me observava com olhar conhecedor, eu soube que não se oferecia a me<br />

ajudar com meu ajuste psicológico.<br />

—Como ia dizendo, minha habilidade especial não é muito útil - murmurou. —Mas sou<br />

muito observador... como psiquiatra. E como todos, sempre posso usar o companheirismo. Como<br />

suporte moral. Recursos adicionais e força. Isso acredito, é sua especialidade. Força.<br />

O trinco deu volta. Carmichael a abriu de repente com seu caderno de notas e entrou,<br />

enquanto folheava páginas.<br />

—Está preparada, então, Sra. Michaels - disse. —Sua escolta está na sala de espera.<br />

—Um prazer te conhecer, Elena —disse Armem enquanto ia. —Desfruta de sua estadia.<br />

***<br />

Bauer e os guardas me levaram de volta à sala de descanso. Um guarda sujeitou às cadeias<br />

de sujeição de pernas e torso, e tirou as cadeias de meu braço, o qual me agradou até que<br />

compreendi que só me tinham deixado as mãos livres para que pudesse comer o almoço. Uma vez<br />

que terminei, voltaram as algemas. Então Matasumi e Tess se uniram a nós, e aguentei dois<br />

rounds de interrogatórios.<br />

Um par de horas mais tarde, quando Bauer voltou, observei através do corredor. A cela de<br />

em frente estava vazia.<br />

—Onde está Ruth? - perguntei.<br />

—Um leve problema. Está no hospital.<br />

—Está bem?<br />

—Não há nenhum perigo imediato. Reagimos de maneira exagerada provavelmente, mas a<br />

saúde de nossas hóspedes é muito importante.<br />

—Posso vê-la quando volte?<br />

—Temo que não será possível - disse ela, estendendo a mão para a porta de minha cela. —<br />

Mas tenho feito acertos para que tenha companhia de uma classe diferente.<br />

—Eu gostaria de falar com a Ruth.<br />

Deixando aberta minha porta, Bauer entrou como se eu não houvesse dito nada. Os<br />

guardas me empurraram para que avançasse. Dava um passo em minha cela, logo me detive. As<br />

ninharias de minha nuca se elevaram, e algum antigo instinto me advertiu que minha guarida<br />

tinha sido invadida.<br />

—Recorda a Leah, verdade? - disse Bauer.<br />

A meio demônio ruiva estava sentada a minha mesa, servindo uma taça de vinho. Jogou-<br />

102


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

me uma olhada e sorriu.<br />

—Hey - disse ela. —Elena, verdade?<br />

Assenti com a cabeça.<br />

—Bem-vinda à festa - disse ela, levantando sua taça. —Pode acreditar isto? Veio, queijo,<br />

biscoitinhos salgados. Não como tão bem nem sequer em casa. Unirá a nós, Sondra?<br />

—Se não se opuserem.<br />

—Um delicioso merrier - Leah emitiu um sorriso cem por cento livre de sarcasmo. —<br />

Posso lhes servir um copo senhoras?<br />

—Por favor - disse Bauer.<br />

Não respondi, mas Leah encheu dois copos mais. Enquante Bauer avançava para tomar a<br />

sua, eu só podia bocejar. Uma festa de queijo e vinho? Por favor, me digam que estão brincando.<br />

—Você gosta de branco? - perguntou Bauer, me estendendo um copo. —É uma muito boa<br />

colheita.<br />

—Uh-obrigada - Tomei o vinho e consegui me sentar em uma cadeira, uma tarefa que<br />

parecia muito mais difícil do que devesse.<br />

—Elena é jornalista - disse Bauer.<br />

—De verdade? TV ou rádio? - perguntou Leah.<br />

—Escrita - murmurei, embora saísse como um murmúrio gutural, perigosamente perto de<br />

um grunhido.<br />

—Faz o trabalhos free-lance - disse Bauer. —Cobre a política canadense. É canadense.<br />

—Oh? Interessante. Vocês têm um primeiro-ministro, verdade? Não um presidente.<br />

Assenti com a cabeça.<br />

Leah soltou uma risada humilde.— Bem, essa é a extensão de meu conhecimento de<br />

política internacional. Lamentável.<br />

Bebemos a sorvos nosso vinho.<br />

—Leah é ajudante do xerife em Wisconsin - disse Bauer.<br />

Assenti com a cabeça, lutando para pensar em algum comentário pertinente para fazer e<br />

ficando em branco. Oh, por favor, Elena. Pode fazer algo melhor que isto. Diga algo. Diga algo.<br />

Não se sente ali como uma resmungona, uma idiota que assente com a cabeça. Depois de que<br />

tivemos mencionado minha carreira, eu deveria ter perguntado ao Leah sobre a sua. Assim era<br />

como funcionavam os bate-papos. Minha experiência socializando com outras mulheres era<br />

desconcertantemente breve, mas certas regras se tinham como certas não importando a quem te<br />

dirigia.<br />

—Então é uma policial - disse, logo me estremeci interiormente. Duh. Se não podia sair<br />

com um pouco mais inteligente que isso, deveria manter minha boca fechada.<br />

—Não é tão excitante como sonha - disse Leah. —Sobretudo não em Wisconsin. Alguém<br />

quer queijo?<br />

Ela cortou partes de um redondo queijo Gouda e ofereceu a tabela de queijo. Cada um de<br />

nós tomou um, junto com um biscoitinho salgado que se desmanchou impropriamente quando a<br />

mordi. Enquanto mastigávamos, Bauer preencheu nossas taças meio vazias. Derrubei a minha,<br />

rezando para que isto pudesse ajudar, logo notei que ambas as mulheres me olhavam.<br />

—Mais forte do que acreditei - respondi. —Talvez devesse ater-me à água.<br />

Bauer sorriu. —Bebe tudo o que queira. Há mais de onde este veio.<br />

—Assim, vive no Canadá? - perguntou Leah.<br />

Vacilei, mas compreendi que se não respondia, faria-e Bauer. Minha vida não era<br />

exatamente um segredo por aqui. —No Estado de Nova Iorque.<br />

103


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Seu marido é americano - disse Bauer. —Clayton é seu marido, verdade? Não pudemos<br />

encontrar um registro de matrimônio, mas quando os seguíamos, notei que ele tinha posta uma<br />

aliança de casamento - Ela jogou uma olhada a minha mão esquerda. —Oh, mas você não o leva.<br />

Era um anel de compromisso o que levava, entretanto, verdade?<br />

—Longa história - disse.<br />

Leah se inclinou para frente. —Essas são sempre as melhores.<br />

Joguei-me pouco a pouco para trás em minha cadeira. —E o que há a respeito de vocês<br />

duas? Casadas? Noivas?<br />

—Superei ao material casadoiro em minha pequena cidade - disse Leah. —Pus meu nome<br />

para que me transfiram antes que os viúvos de setenta anos comecem a parecer bem.<br />

—Estive casada - disse Bauer. —Rebelião juvenil. Casei-me com ele porque meu pai o<br />

proibiu e logo compreendi que às vezes os pais sabem realmente o melhor para nós.<br />

—O que faz seu marido? - Leah me perguntou.<br />

—Clayton é antropólogo - respondeu Bauer antes que eu pudesse desviar a pergunta.<br />

—Oh? Parece... Fascinante.<br />

Bebendo a sorvos seu vinho, Bauer soltou uma risada tola. —Admite-o, Leah. Parece<br />

absolutamente horrível.<br />

—Não disse isso - disse Leah.<br />

Bauer esvaziou sua taça e a preencheu — Não, mas o pensou. Confia em mim, esse tipo<br />

não é nenhum acadêmico aristocrático. Deveria vê-lo. Cachos loiros, olhos azuis, e um corpo...<br />

Material de deus grego.<br />

—Tem uma foto? - perguntou-me Leah.<br />

—Uh, não. Então, você gosta…<br />

—Temos algumas imagens de vigilância acima - disse Bauer. — Mostrar-lhe-ei isso mais<br />

tarde. Elena é uma moça muito afortunada.<br />

—A beleza não é tudo - disse Leah, soltando um sorriso perverso. —É o rendimento o que<br />

conta.<br />

Estudei as borbulhas de minha taça. Oh, por favor, por favor, por favor, que não<br />

perguntem.<br />

Leah derrubou seu vinho - Tenho uma pergunta. Se não for muito pessoal.<br />

—E até se o é - disse Bauer com uma risada tola.<br />

Oh, por favor, por favor, por favor…<br />

—Vocês mudam para lobos, verdade? - disse Leah. Então, quando você e seu marido são<br />

lobos, ainda são... já sabe. São ainda amantes?<br />

Bauer inspirou tão forte que o vinho orvalhou seu nariz. Bem, era uma pergunta ainda pior<br />

que perguntar como era Clay na cama. Isto era um pesadelo. Meu pior pesadelo. Não só lançada a<br />

uma festa de queijo e vinho com duas mulheres que logo que conhecia, a não ser com duas<br />

mulheres que sabiam tudo sobre mim e estavam um pouquinho bêbadas. Que o chão se abra e me<br />

trague agora. Por favor.<br />

—O queijo está realmente bom - respondi.<br />

Bauer riu com tanta força que começou a ter soluço.<br />

A porta se abriu de repente. Um guarda colocou sua cabeça dentro.<br />

—Sra. Bauer?<br />

Em uma piscada de olho, Bauer esteve sóbria. Ela tossiu uma vez em sua mão, logo se<br />

endireitou, seu rosto tão régio como sempre.<br />

—Sim? - disse.<br />

104


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Temos uma situação - disse ele. —Com o prisioneiro três.<br />

—Não são prisioneiros - soltou ela, ficando de pé. —Qual é o problema com o Sr. Zaid?<br />

—Sua roupa não está.<br />

Leah inspirou uma risada e cobriu sua boca com o guardanapo de linho.<br />

—O que tem feito ele com elas? - perguntou Bauer.<br />

—Ele não tem feito, uh, nada, senhora. Terminou sua ducha e eles, uh, não estavam.<br />

Então começou o inf.., digo, animação. Maldições, vociferações. Toda essa coisa de vodu. A<br />

necessita. Imediatamente.<br />

A moléstia revoou através da cara de Bauer —Diga ao Sr. Zaid... - deteve-se. Vacilou. —<br />

De acordo. Falar-lhe-ei. Entre. Já voltarei.<br />

FANTASMAS<br />

Bauer realmente não esteve muito tempo fora para que Leah e eu pudéssemos mudar mais<br />

que umas frases. Quando voltou, passou por diante do guarda que tinha deixado na cela conosco.<br />

Ela não parecia contente.<br />

—Como está Curtis? - perguntou Leah.<br />

Bauer piscou, como se estivesse distraída com seus próprios pensamentos. —Bem - disse<br />

depois de uma pausa. —Ele está bem. Só... nervoso por tudo isto.<br />

—Onde estava sua roupa? - perguntou Leah.<br />

Outra piscada. Outra pausa. —Oh, em sua prateleira para livros - Ela se sentou em sua<br />

cadeira e preencheu sua taça. —Esmeradamente dobrada na prateleira superior.<br />

—Os espíritos estão trabalhando - entoou Leah, Sorrindo misteriosamente.<br />

—Não comece com isso - disse Bauer.<br />

—Pode mover… - comecei. —Quero dizer, pode fazer coisas assim?<br />

Leah agitou um biscoitinho coberto de queijo, dispersando miolos. —Nah. Não seria<br />

divertido, entretanto. A telecinese está limitada à fila de visão do meio demônio. Se não puder vêlo,<br />

não posso movê-lo. Meus poderes não são muito precisos tampouco. Se tratasse de levantar<br />

um montão de roupa… - Ela deu volta e olhou minha cama. A manta dobrada aos pés levitou,<br />

flutuou sobre o lado, e caiu em um montão sobre o tapete. —A gravidade a apanha. Eu poderia<br />

lançá-la contra a parede ou sacudi-la no ar, mas quando a deixei ir, nunca cairia amavelmente<br />

dobrado.<br />

—Então é coisa de energia psíquica arbitrária? - Perguntei a Bauer.<br />

—Eles estão de volta - disse Leah com a voz de um menino agudo.<br />

Bauer riu, cobrindo sua boca cheia de biscoitinhos com uma mão e meneando seu<br />

indicador livre para Leah. —Para isso - se virou para mim. —Isto é o que quero dizer. A teoria<br />

favorita do Leah. Ela pensa que temos um duende.<br />

—Duende? - Repeti. —Não me diga que construiu este lugar sobre um cemitério indígena.<br />

105


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Depois de três filmes, a gente realmente pensaria que a gente aprenderia.<br />

Leah riu. —Viu? Obrigada, Elena. Sondra não viu nem sequer o primeiro Poltergeist.<br />

Todas minhas referências à cultura pop estão perdidas para ela.<br />

—Então brinca - respondi. —Sobre o duende.<br />

—Uh-uh.<br />

—Não a deixe começar - disse Bauer.<br />

—Realmente não acredita em fantasmas - disse.<br />

—Seguro - disse Leah, Sorrindo abertamente. —Mas faço a linha de separação nos<br />

lobisomem. Seriamente, entretanto, quanto se sabe sobre duendes?<br />

—Aborreci-me no segundo filme e saltei o terceiro. Isso é tudo.<br />

—Bem, sou algo assim como uma perita autodidata. Quando estava na escola secundária,<br />

li tudo o que pude encontrar sobre duendes. Devido às semelhanças com minha ―condição‖.<br />

Queria saber mais sobre mim e minha classe e imaginei que os chamados duendes talvez<br />

realmente eram manifestações do meio demônio telecinéticos.<br />

—Parece plausível - respondi.<br />

—É-o, até que aprende mais sobre isso. Os duendes típicos parecem meninos próximos à<br />

puberdade. Os meios demônios não entram em seus poderes plenos até estar, bem perto da fase<br />

adulta. Os duendes também se associam com ruídos e vozes, que não são parte de meu repertório.<br />

Não tem nada que ver comigo o acerto do mobiliário novo ou mover com esmero os objetos de<br />

um lugar a outro, o que são outras marcas de um duende.<br />

—Não ouvimos nenhum ruído estranho - disse Bauer.<br />

—Mas não todas as manifestações de duendes implicam som. Todo o resto sobre estes<br />

acontecimentos indicam a um duende.<br />

—Um duende que justo foi aparecer aqui? - respondi. —De todos os lugares?<br />

—Não é Savannah - disse Bauer, enviando um olhar de advertência a Leah.<br />

—A bruxa jovem? - respondi.<br />

—Só é outra teoria - disse Leah. —Savannah está na idade perfeita, e com seus poderes,<br />

seria um conduto ideal, sobre tudo nestas estranhas circunstâncias.<br />

—Acredita que ela conjurou…<br />

—Oh, não, não - disse Leah. —Savannah é um amor. Totalmente inocente, estou segura.<br />

Agora, sua mãe era um verdadeiro problema, e eu não teria posto nada diante dela, mas estou<br />

segura de que Savannah não herdou nenhum de seus poderes mais escuros.<br />

—Se - disse Bauer. —E repito, se Savannah tiver feito que uma espécie de duende se<br />

materialize, o qual duvido, estou segura de que ela não é consciente do fato.<br />

—Certamente - disse Leah. —Provavelmente não pode controlá-lo. Não há nenhuma<br />

prova do contrário... bem, exceto...<br />

Bauer suspirou. —Algumas das perturbações mais alarmantes giraram em torno de<br />

Savannah. Quando está desgostada, a atividade aumenta.<br />

—Se esse pobre guarda não tivesse esquivado- disse Leah. —Mas não, ainda digo que está<br />

mais à frente do controle do Savannah. Provavelmente, sua cólera esporeia ao duende a reagir.<br />

Uma união emocional involuntária, embora potencialmente, poderia ser absolutamente perigoso<br />

se alguém se cruzar…<br />

—Isso é energia psíquica arbitrária - disse Bauer firmemente. —Até que o Doutor<br />

Matasumi ou eu vejamos algo que demonstre o contrário, isso é o que assumimos.<br />

A porta se abriu.<br />

—Sim - cuspiu Bauer, logo se girou para ver o ajudante do Matasumi pendurar-se na<br />

106


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

entrada. —O sinto, Tess. O que acontece?<br />

—São quase quatro e trinta. O doutor Matasumi acreditou que eu devia lhe recordar…<br />

—Ah, sim. A teleconferência. Sinto muito. Estarei contigo. Poderia por favor, enviar os<br />

guardas a escoltar a Leah de volta a seu quarto?<br />

—A festa terminou - disse Leah e tragou o resto de seu vinho.<br />

***<br />

Depois da comida, a voz que eu tinha ouvido a noite anterior não chamou outra vez. Esta<br />

vez estava segura que estava acordada. Bem, razoavelmente segura, ao menos. Ainda tinha a<br />

esperança que a festa de queijo e vinho tivesse sido um pesadelo.<br />

—Quem está ali? - disse em voz alta.<br />

—Sou eu, querida. Ruth.<br />

Apressei-me para o buraco que tinha perfurado entre minha cela e a seguinte, pus-me de<br />

coque, e olhei atentamente através dele. Não havia ninguém ali.<br />

—Onde está? - perguntei.<br />

—Cruzando o corredor. Este é um feitiço de comunicação. Pode me falar normalmente e<br />

te ouvirei como se estivesse ali no quarto. Graças a Deus finalmente pus-me em contato contigo.<br />

Estive tendo uma temporada de todos os diabos. Primeiro os sedativos. Logo o campo obstrutor.<br />

Justo quando imaginei um caminho para rodeá-lo, tiraram-me daqui porque minha conta de<br />

leucócitos era baixa. O que esperam eles a minha idade?<br />

—Bloquear o campo? - Repeti.<br />

—Explicar-lhe-ei isso. Sente-se e te ponha cômoda, querida.<br />

***<br />

Para assegurar nossa intimidade, Ruth lançou um feitiço de detecção que poderia descobrir<br />

a qualquer no corredor. Uma coisa útil, a magia. Não como minha taça de chá, mas muito mais<br />

prática do que eu teria imaginado.<br />

Nossos captores tinham tomado a Ruth mais ou menos ao mesmo tempo que Bauer e<br />

Xavier me tinham apanhado, por isso ela não sabia que eu tinha sido sequestrada, o que<br />

significava que não sabia se Jeremy e Clay haviam retornado com outros ou se já sabiam o que<br />

me tinha passado. Quando lhe disse que não tinha sido capaz de me pôr em contato com o<br />

Jeremy, surpreendeu-se até um ponto vizinho no choque, não de que não pudéssemos entrar em<br />

contato, mas sim de que algum lobisomem tivesse capacidades telepáticas. Temos nossos<br />

estereótipos, suponho. As bruxas tinham o poder mental, os lobisomem tinham o poder físico, e<br />

nunca se encontraria uma união.<br />

—O que aconteceu quando tratou de te pôr em contato com ele? - perguntou.<br />

—Não posso fazê-lo - disse. —Ele é o único com o poder. Tenho que esperar que ele entre<br />

em contato.<br />

—Tentou-o? - perguntou.<br />

—Eu não saberia como.<br />

—Deveria tentá-lo. É muito simples. Relaxe-te e finge — Não importa. Não funcionará de<br />

todos os modos.<br />

—Por que não funcionará?<br />

—Eles puseram um campo obstrutor. Conheceu a seu homem dos feitiços?<br />

107


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Sacudi minha cabeça, e, compreendendo que ela não podia ver o movimento, respondi —<br />

Não. Ouvi que ele, entretanto. Katzen, acredito que o chamaram.<br />

—Isaac Katzen?<br />

—Conhece-o?<br />

—Sei dele. Ele estava com um dos Conspiradores, acredito. Oh querida, espero que eles<br />

não estejam implicados. Seria um problema espantoso. Os Feiticeiros Conspiradores são... - Ela<br />

se deteve. —O lamento, querida. Negócios de feitiçaria. Não precisa saber sobre isto.<br />

—E este tipo Katzen? Tenho que saber algo sobre ele? Bauer diz que provavelmente não<br />

precisarei conhecê-lo. Por que o disse? Ele não se associa com ―raças inferiores‖?<br />

Um sorrisinho curto —Ele é definitivamente um feiticeiro. Não, querida, eu acredito que<br />

tenha que preocupar-se com Isaac Katzen. Os feiticeiros têm pouca de facilidade para feitiços<br />

sem palavras. Pouca facilidade para as bruxas, também. Os feiticeiros não são bruxos homens.<br />

São uma raça completamente diferente. Um rebanho repugnante, lamento dizê-lo. Não têm o<br />

sentido de que são parte de algo maior. Uma ausência absoluta de altruísmo. Nunca sonhariam<br />

usando seus poderes para ajudar… - um suspiro e um sorrisinho. —Deixa de te desviar, Ruth. A<br />

idade, já sabe. Não é que a mente comece a vagar; é só que está tão cheia de informação que salta<br />

sempre fora da pista e se desliza por tangentes.<br />

—Não me importa.<br />

—Tempo, minha querida. Tempo.<br />

Virei-me para a porta — Vem alguém?<br />

—Não ainda. Se eles tiverem ao Isaac Katzen na ―equipe‖, então certamente, ele é quem<br />

lançou um feitiço para bloquear a telepatia, entre outras coisas.<br />

—E que outras coisas?<br />

—Bem, ele poderia fiscalizar as comunicações, proporcionar segurança adicional…<br />

—Monitorar as comunicações? Quer dizer que ele poderia nos escutar agora mesmo?<br />

—Não, querida. Ele teria que estar perto para fazê-lo, e averiguei já que não há ninguém<br />

aqui, além de nossos companheiros cativos. Tome cuidado, entretanto. Se ele realmente visitar as<br />

celas, poderia escutar sem usar o sistema intercomunicador. Para a maior parte dos feitiços, ele<br />

precisa estar perto, mas pode bloquear a telepatia de longe.<br />

—Mas você conseguiu realizar um caminho ao redor do feitiço. Pode te pôr em contato<br />

com alguém fora daqui?<br />

—Acredito que posso, embora não tive uma oportunidade. Vou tentar o mais tarde. Porme-ei<br />

em contato com Paige e lhe direi que você está aqui, assim ela poderá comunicar-se<br />

contigo. Ela recebeu o treinamento apropriado. Nunca teve a necessidade de usá-lo, mas deveria<br />

sair bem. Ela será uma bruxa letrada muito poderosa um dia. Tem o potencial e mais que<br />

suficiente ambição. Com um pouco de dificuldade para aceitar seus limites agora mesmo, de<br />

modo que isto pode não ir tão facilmente como gostaria. Seja paciente com ela, Elena. Não deixe<br />

que se sinta frustrada.<br />

—Por que tenho que me comunicar com Paige? Você pode fazê-lo, verdade? Posso falar<br />

com ela, eu falarei contigo...<br />

—Tenho outra coisa que preciso fazer. Não quero ser grosseira, querida. Não te estou<br />

abandonando. Com a ajuda do Paige, poderá organizar tudo muito bem sem mim. Há alguém que<br />

me necessita mais. Têm outra bruxa aqui. Uma menina.<br />

—Savannah.<br />

—Conheceu-a?<br />

—Vi-a.<br />

108


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Horrível, verdade? - A voz da Ruth se obstruiu com a emoção. —Definitivamente<br />

horrível. Uma menina. Como alguém pode ser tão insensível… mas não posso falar extensamente<br />

sobre isso. Tenho que lhe ajudar.<br />

—Pode tirá-la daqui?<br />

Silêncio. Quando este durou mais de dez segundos, perguntei-me se alguém tenha entrado<br />

o corredor. De repente Ruth continuou — Não. Infelizmente, isso está além de minhas<br />

capacidades ou eu o faria com ambas, junto com todas as demais pobres almas deste lugar. O<br />

melhor que posso fazer é dar à menina as ferramentas que necessitará para sobreviver. A sua<br />

idade, ela tem só o conhecimento mais rudimentar e pode lançar feitiços só muito benignos.<br />

Tenho que lhe ensinar mais. Acelerar seu desenvolvimento. Não é o caminho que eu escolheria<br />

em qualquer outra circunstância. Poderia ser... Bem, poderia não ser a melhor coisa, mas dada a<br />

opção entre isso e a morte... sinto muito, querida. Não tenho que te incomodar com os detalhes.<br />

Baste dizer que estarei ocupada com a menina, embora me ponha em contato contigo sempre que<br />

puder. Agora, aqui está o que precisa fazer para ajudar a Paige a comunicar-se contigo.<br />

Ruth me disse como me preparar para os conjuros telepáticos do Paige —Seja receptiva -<br />

era a versão condensada. Nada terrivelmente complicado. Eu poderia sentir algo como o início de<br />

uma dor de cabeça devido à tensão. Em vez de não fazer caso disso, tinha que me relaxar e me<br />

concentrar em limpar minha mente. Paige faria o resto. Ruth ficaria em contato com ela esta<br />

noite, avisá-la-ia que estávamos a salvo, dar-lhe-ia alguns conselhos a respeito de como trabalhar<br />

conjuro para conseguir vencer o campo obstrutor. Uma vez que me comunicasse com Paige, eu<br />

poderia lhe dizer como ficar em contato com o Jeremy.<br />

—Agora - disse Ruth quando teve terminado. —Uma precaução. Não deve permitir que<br />

Paige saiba sobre a menina da Eva. Savannah, quero dizer.<br />

—Conhecia-a? - perguntei.<br />

—A Savannah? Não. Eva partiu quando estava grávida. Paige provavelmente nem sequer<br />

a recorda. Era só uma menina por então. Ninguém estava perto da Eva. Não importa. Se Paige<br />

souber que há uma bruxa jovem aqui, insistirá em resgatá-la imediatamente. Se ela viesse a<br />

resgatá-la e algo acontecesse... - Ruth inalou bruscamente. —Paige nunca se perdoaria.<br />

—Isso não importará. Quando sairmos, levaremo-nos a Savannah.<br />

Ruth fez uma pausa. Quando falou, havia uma dor em sua voz tão profundo pude senti-lo<br />

— Não, não pode preocupar-se pela menina. Não agora. Darei a Savannah todo o poder que<br />

possa. Deve te concentrar em sair daqui.<br />

—E você?<br />

—Não tem importância.<br />

—Não tem importância? Não irei…<br />

—Fará o que deve fazer, Elena. Você é a que importa agora. Conheceu a esta gente. Viu<br />

este lugar. Esse conhecimento será inestimável para ajudar a outros para que possam lutar contra<br />

esta ameaça. Do mesmo modo, sua fuga assegurará a ajuda de sua Manada. Se não sair… mas o<br />

fará. Sairá, e sua Manada ajudará outros a deter esta gente antes que capturem a mais de nós.<br />

Então, quando voltar, pode preocupar-se pela menina. Se…, digo, quando voltar e a tire daqui,<br />

leva-a diretamente a Paige. Isto é importante. Depois do que vou fazer pela Savannah, só Paige<br />

será capaz de controlar o dano. Ao menos, espero… - Sua voz se acalmou. —Não posso me<br />

preocupar com isso. Não agora. O importante…<br />

Ela se deteve e se calou. Logo, — Alguém vem, querida. Falar-te-ei quando puder. Deve<br />

estar pronta para Paige.<br />

—Espero ao segundo fantasma quando o relógio das duas.<br />

109


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Ruth riu entre dentes. —Pobre Elena. Isto deve ser absolutamente inquietante para você.<br />

Fá-lo-á bem, querida. Muito bem. Agora vá dormir. Boa noite.<br />

RECHAÇO<br />

Bauer trouxe meu café da manhã na manhã seguinte, junto com um café para ela.<br />

Colocamo-lo sobre a mesa e, depois de lhe dizer as formalidades esperadas do tipo como esteve<br />

seu café da manhã? Como dormiu? Respondi, — Realmente eu gostaria de ver a Ruth. Se for<br />

possível - Mantive meus olhos baixos, voz tão próxima ao ponto de rogo como pude.<br />

Incomodava-me como o inferno, mas havia coisas mais importantes que a dignidade ferida para<br />

considerar.<br />

Bauer esteve silenciosa um momento, logo pôs sua mão em cima da minha. Lutei contra o<br />

impulso de arrancar e mantive meu olhar baixo de modo que ela não visse minha reação.<br />

—Não é possível, Elena. Sinto muito. O doutor Matasumi e o Coronel Tucker pensam que<br />

isso seria arriscado para a segurança. Só posso empurrar coisas até o ponto onde eles começam a<br />

empurrar de volta.<br />

—Como está Ruth? - Perguntei. —Ainda deprimida?<br />

Bauer fez uma pausa, logo assentiu com a cabeça — um pouco. Mais problemas de ajuste<br />

que de costume.<br />

—Talvez se ela me visse. Uma cara familiar.<br />

—Não, Elena. Realmente, não posso. Por favor, não pergunte outra vez.<br />

Tomei uma fatia de maçã e a, logo respondi, — Bem, talvez ela poderia ter outro visitante,<br />

então. E Savannah? Isso poderia reanimá-la.<br />

Bauer golpeou com suas unhas a taça — Sabe, poderia não ser uma idéia tão má. Mas,<br />

outra vez, está a questão da segurança.<br />

—Ali? Pensei que Savannah não tinha obtido seus poderes ainda. Comigo, existe o perigo<br />

de que Ruth e eu pudéssemos armar um plano juntas. Entendo isso. Mas que tipo de feitiços<br />

poderia lançar Savannah que Ruth não pudesse lançar já?<br />

—É um bom ponto. Mencioná-lo-ei ao Lawrence. A doutora Carmichael e eu estamos<br />

preocupadas com a Ruth. Uma visita do Savannah poderia ser justo o que ela necessita. Muito<br />

atento de sua parte, Elena, pensar nisso.<br />

Hey, sou garota atenta. Nada de segundas intenções aqui —Poderia estar bem para o<br />

Savannah, também - disse. —Uma bruxa mais velha com quem falar, agora que sua mãe morreu.<br />

Bauer estremeceu ao ouvir isso. Bom tiro, Elena. Tenro e baixo. Decidi arrancar a lingueta<br />

antes que tivesse tempo de ulcerar-se. Continuar com minhas formas atentas... E seguir entrando<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

na graça de Bauer.<br />

—Desfrutei conhecendo Leah ontem - disse. —Obrigada por arrumá-lo.<br />

—Faço o que posso, Elena. Sei que estas não são... as melhores de circunstâncias.<br />

—Não são tão malotes como poderia ser. Embora vá perder a data limite de publicação se<br />

não voltar antes de na próxima semana. Embora não suponho que haja alguma possibilidade...<br />

Bauer esboçou um sorriso diminuto — O lamento, Elena. Nada de promessas.<br />

—Esperarei - Terminei meu suco de laranja. —De qualquer modo, quando falávamos de<br />

carreiras ontem, esquecemos te perguntar sobre a tua. Trabalha para o negócio da família? Polpa<br />

e papel, verdade?<br />

—Assim é. Meu pai se retirou uns anos atrás, por isso encabeço o negócio agora.<br />

—Wow.<br />

Um sorriso pálido — Há pouco ―wow‖ nisso. Estou ali só porque meu pai teve a desgraça<br />

de engendrar só dois meninos. Meu irmão mais jovem assumiu a companhia depois de que meu<br />

pai se retirou. Realmente, ―assumiu‖ é um exagero menor. Meu pai lhe deu a companhia.<br />

Resultou ser muito para meu irmão. Matou-se no ano noventa e oito.<br />

—Sinto muito.<br />

—Depois disso, eu fui herdeira em ausência, para desgosto de meu pai. Se ele não tivesse<br />

sofrido um golpe depois da morte de meu irmão, provavelmente teria tomado as rédeas de novo<br />

antes que dar-lhe a uma mulher. Como respondi, velha companhia, velha família. O lugar de uma<br />

filha é casar-se bem e trazer sangue fresca à junta diretiva. Tecnicamente, encabeço a companhia,<br />

mas em realidade sou só um disfarce a frente, uma mulher ainda razoavelmente jovem e atrativa<br />

para tirar reluzir em funções principais, mostrar ao mundo quão progressiva é a família Bauer.<br />

Presidentes, gerentes, eles fazem todo o trabalho. Pensam que não posso dirigi-lo. Não importa se<br />

for duas vezes mais pronta que meu irmão. Duas vezes ambiciosa. Duas vezes capaz. Mas deve<br />

saber o que é isso.<br />

—Eu? Não realmente…<br />

—A única lobisomem fêmea? Uma moça, brilhante e tenaz invadindo o último baluarte de<br />

exclusividade masculina? Vamos. Esta tua Manada. Tratam-lhe como uma espécie de animal<br />

doméstico, verdade?<br />

—Jer-eles não fazem nada disso.<br />

Ela estava tranquila. Joguei uma olhada a tomo o café da manhã para vê-la me olhar com<br />

um sorriso de satisfação, como se eu houvesse dito exatamente o que ela queria ouvir.<br />

—Consegue respeito? - perguntou.<br />

Encolhi os ombros, esperando que isto tirasse a satisfação de seu sorriso. Não o fez. Em<br />

vez disso, aproximou-se pouco a pouco em sua cadeira. Seus olhos queimavam com a mesma<br />

intensidade que eu tinha visto ontem quando me tinha perguntado sobre minha vida.<br />

—Desfruta de seu status especial, verdade? A única fêmea.<br />

—Eu não diria isso.<br />

Ela riu. Triunfo. —Falei com esse outro lobisomem, Elena. Patrick Lake. Ele sabia tudo<br />

sobre ti. Você fala pelo líder da Manada. Intercede com os lobisomens de fora em seu lugar.<br />

Inclusive pode tomar decisões em seu lugar.<br />

—Sou só uma mediadora - disse. —Quando se trata de guias de ruas, faço mais limpeza<br />

que política.<br />

—Mas se sente confiante com o poder de falar pelo Alfa. Um poder imenso em seu<br />

mundo. A mão direita do lobisomem mais importante e a amante do segundo mais importante.<br />

Tudo porque é a única fêmea.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Ela sorriu como se inconscientemente ela acabasse de me insultar. Quis lhe dizer que Clay<br />

e eu não tínhamos apaixonado antes que eu me convertesse na única lobisomem fêmea‖ e que eu<br />

tinha ganho qualquer status que tivesse na Manada. Mas não cairia na armadilha. Não o<br />

necessitava. Ela só fez uma pausa para recuperar o fôlego antes de continuar.<br />

—Sabe qual é a pior coisa em minha vida, Elena?<br />

Pensei em lhe dar uma resposta, mas duvidava que ela apreciasse o esforço.<br />

—O aborrecimento - disse. —Estou atada a um trabalho que ninguém me deixará fazer,<br />

pega a uma vida que ninguém me deixará conduzir. Tratei que aproveitá-la, o tempo livre, o<br />

dinheiro. Alpinismo, esqui alpino, mergulho em alta mar. Dava o que queira. Tenho-o feito.<br />

Quanto mais arriscado e mais caro, melhor. Mas sabe o que? Não sou feliz. Não me sinto<br />

realizada.<br />

—Huh - Uma dor de cabeça golpeou detrás de meus olhos.<br />

Bauer se inclinou para frente. —Quero mais.<br />

—Deve ser difícil…<br />

—Mereço mais - disse ela.<br />

Antes que eu pudesse tentar outra resposta, ela ficou de pé e dançou pela cela como uma<br />

prima Donna depois de sua melhor função.<br />

—Que demônios passa? - Resmunguei depois de que ela partiu.<br />

A dor de cabeça ficou pior. Maldição, parecia uma confusão. A coluna pisoteada, o<br />

estômago cravado, e agora uma dor de cabeça. Pensei em Bauer. Suficiente de seus problemas,<br />

senhora, agora vamos falar de meus. Ri-me entre dentes, logo ofeguei quando a risada enviou<br />

espetadas de dor através de meu crânio. Esfreguei meu pescoço. A dor só piorou. Quando estive<br />

na cama, a luz chamuscou meus olhos. Maldita seja. Não tinha tempo para uma dor de cabeça.<br />

Tinha tanto que fazer. Terminar o café da manhã, tomar banho, esfregar as manchas de sangue de<br />

minha blusa, planejar como sair desta fossa infernal, e frustrar os maus projetos dos bandidos.<br />

Um horário muito ocupado para alguém encaixotado em uma jaula subterrânea.<br />

Obriguei-me a subir à cama. O movimento repentino fez que aparecessem agulhas atrás de<br />

meus olhos. Dor de cabeça devido à tensão? Considerando todas as coisas, tinha direito a um.<br />

Esfregando meu pescoço outra vez, dirigi-me para a ducha.<br />

—Elena?<br />

Dava-me volta e olhei ao redor. Não havia ninguém ali.<br />

—Ruth? - Respondi, embora a voz não soasse como a seu. Este não era o modo em que<br />

Ruth se teria comunicado comigo tampouco. A voz da Ruth teria sido audível. Esta era mais algo<br />

que sentia mas bem que ouvia.<br />

—Elena? Vamos!<br />

Esta vez, sorri. Embora a voz fora ainda um sussurro, muito fraco para reconhecer, a<br />

exasperação era notavelmente identificável. Paige.<br />

Fechei os olhos, dispus-me a responder, e compreendi que não tinha nem idéia do que<br />

fazia. Não era como falar com o Jeremy. Com o Jeremy, a comunicação ocorria em um estado de<br />

sonho, onde imaginava que podia vê-lo e ouvi-lo. Soava e se sentia como uma conversação<br />

natural. Isto não. As frases de Paige eram proverbiais ―vozes em sua cabeça‖, e ilusões auditivas<br />

não eram parte de meu psicopatologia normal. Como respondia? Tratei mentalmente de formar<br />

uma resposta e esperei.<br />

—Vamos... Responde...!<br />

Bem, ela não podia me ouvir e eu a perdia. Concentrei-me com mais força, imaginando<br />

dizendo as palavras. O silêncio voltou.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Paige? —Respondi, provando as palavras em voz alta. —Está aqui?<br />

Nenhuma resposta. Chamei-a outra vez, mentalmente esta vez. De todos os modos nada. O<br />

nó em minha cabeça se soltou e comecei a sentir pânico. Tinha-a perdido? E se eu não podia fazer<br />

isto? Maldição, te concentre. O que me havia dito Ruth? Relaxe-te. Limpa sua cabeça. Minha<br />

cabeça estava clara... Bom, exceto pela frustração de comprimir por meu cérebro. Concentre-te, te<br />

concentre. Nada bom. Enquanto com mais força tentava, mais temia não poder fazê-lo. Agora<br />

estava tensa. E Paige se foi. Respirei fundo. Esquece isto. Vá tomar banho te. Vestir-te. Relaxarte.<br />

Ela tentaria outra vez... Esperava.<br />

***<br />

A segunda tentativa do Paige ocorreu duas horas mais tarde. Esta vez eu estava na cama,<br />

lendo um aborrecido artigo de revista e quase adormecida. Esse deve ter sido o ambiente de<br />

telepatia perfeito. Quando ouvi sua chamada, respondi sem pensar, respondendo em minha<br />

cabeça.<br />

—Bom - disse ela — Aqui.<br />

—Posso te ouvir - disse.<br />

—Isso... Você não... Experiência.<br />

Embora não podia ouvir a oração completa, podia conjeturar o conteúdo ausente. Não<br />

podia ouvi-la porque eu era nova nisto. O problema não tinha nada que ver com sua<br />

inexperiência. Naturalmente.<br />

—... Ruth?<br />

—Ela está bem.<br />

—Bem - Mais alto, mais claro, como se a tranquilidade se acrescentou ao sinal. —E você?<br />

Está bem?<br />

—Sobrevivendo.<br />

—Bom. Mantém nisso.<br />

—Mantenho…?<br />

Muito tarde. O sinal se desconectou. Estava sozinha. Outra vez. Condenada.<br />

***<br />

Vinte minutos mais tarde que acordo, estou de volta.<br />

Paige. Outro contato fácil, provavelmente porque, outra vez, eu não o esperava.<br />

—Está preparada? - perguntou.<br />

—Para que?<br />

O chão se deslizou embaixo de mim. Virei-me para evitar minha queda, mas não havia<br />

nada ali. Nada de chão. Nada ―eu‖. A ordem de mover-se veio de meu cérebro e se foi... A<br />

nenhuma parte. Vi-me lançada à escuridão completa, mas não perdi o conhecimento. Meu<br />

cérebro lançava ordens selvagens, move isto, faz isto, olhe, cheira, escuta, grita. Nada. Não havia<br />

nada para responder. Não podia ver, ouvir, falar, me mover, nem cheirar. Cada sinapsis em meu<br />

cérebro explorava em pânico. Pânico animal absoluto.<br />

—Elena?<br />

Ouvi algo! Minha mente se cambaleou de volta à prudência, agarrando-se a uma palavra<br />

como a um salva-vidas. Quem disse isso? Paige? Não, não era Paige. A voz de um homem. Meu<br />

coração saltou ao reconhecê-lo antes que meu cérebro até imaginasse.<br />

113


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Jeremy?<br />

Respondi a palavra, não a pensei, mas a respondi e a ouvi. Mesmo que meus lábios não se<br />

moveram e a voz que ouvia não a minha. Era Paige.<br />

Vi a luz. Uma figura velada diante de mim. Então um pop mental e todo se voltou claro.<br />

Estava sentava em um quarto. Jeremy estava de pé diante de mim.<br />

—Jer?<br />

Minhas palavras. A voz de Paige. Tratei de me pôr de pé. Nada aconteceu. Olhei para<br />

baixo e vi minhas mãos descansar sobre os braços de uma cadeira, mas não eram minhas mãos.<br />

Os dedos eram mais curtos, suaves, embelezados por anéis de prata. Segui a linha de meu braço.<br />

Cachos marrons se transbordavam sobre meu ombro, em cima de um vestido com motivos de<br />

―lilás no vale‖ sobre um fundo verde escuro. Um vestido? Definitivamente, este não era meu<br />

corpo.<br />

—Elena? - Jeremy ficou de coque diante de mim - ou meu não - eu. Ele franziu o cenho.<br />

—Funciona? Está ai, carinho?<br />

—Jer? - Respondi outra vez.<br />

No fundo de meu campo visual, vi o movimento por meus lábios, mas não senti nada.<br />

Inclusive meu campo visual estava enviesado, o ângulo estava todo mal, como se estivesse<br />

olhando a cena através de uma câmara colocada de uma maneira estranha. Tratei de me mover<br />

para cima, acrescentar alguma altura a minha posição, mas não passou nada. A sensação era<br />

inquietante ao ponto do pânico. Era isto o que se sentia ao estar paralisada? Meu coração revoou<br />

em meu peito. Não sentia que este palpitasse, só o percebia em minha mente, alguma conscientiza<br />

a nível visceral das respostas normais de meu corpo, sabendo que meu coração devia revoar,<br />

mesmo que não estivesse.<br />

—O que… - comecei. A voz era tão alheia a meus ouvidos que tive que me deter. Tragar.<br />

Tragar mentalmente, quero dizer. Se minha garganta se movia, não era consciente disso. —Onde<br />

estou? Quem sou eu? Não posso me mover.<br />

A cara do Jeremy estava nublada. —Ela não…? - Ele murmurou algo pelo baixo, logo<br />

começou outra vez, com calma. —Paige não te explicou?<br />

—Explicar o que? Que demônios passa?<br />

—Ela transportou a seu corpo. Pode ver, ouvir, falar, mas não terá nenhuma aula de<br />

mobilidade. Ela não te explicou…?<br />

—Não, ela me lançou ao limbo e despertei aqui. Idiota.<br />

—Escuto isto - disse uma voz distante em minha cabeça. Paige.<br />

—Ela está ainda aqui - disse. —Ali. Em algum lugar. Escutando às escondidas.<br />

—Não escuto às escondidas - disse Paige. —Você tem meu corpo. Onde se supõe que vou<br />

estar? Não foi idiotice. Sabia que quereria falar com o Jeremy, então quis te surpreender. Deveria<br />

ter sido uma transição tranquila, mas suponho que sua falta de experiência…<br />

—Minha falta de experiência? - Respondi.<br />

—Não lhe faça caso - disse Jeremy.<br />

—Ouvi isso - disse Paige, mais tranquila.<br />

—Como está? - perguntou Jeremy. Pôs sua mão sobre a minha. Eu o vi, mas não podia<br />

senti-lo e senti uma pontada de perda.<br />

—Só - respondi, me surpreendendo. Subi meu tom. —Não por falta de companhia,<br />

entretanto. Parece que sou ―a hóspede‖ mais popular deste lugar. Mas é — estou… - inalei. —<br />

Vamos, Elena. A última coisa que Jeremy necessitava, era me ouvir o bordo de um desastre<br />

emocional. De onde veio isso?<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Estou cansada - respondi. —Não durmo bem, não como bem, nada de exercício. Então<br />

estou delicada. Febre, suponho. Fisicamente, estou bem. Eles não me torturam, me golpeando, me<br />

privando de comida. Nada assim. Estarei bem.<br />

—Sei que o estará - disse ele brandamente. Sentou-se em uma cadeira. —Se sente bem<br />

para falar disso?<br />

Contei-lhe sobre Bauer, Matasumi, recitei a toda pressa alguns detalhes sobre os guardas e<br />

o resto do pessoal como Xavier, Tess, e Carmichael, lhe dando uma imagem áspera da situação.<br />

Expliquei tanto como pude sobre a organização do lugar, logo sobre os outros cativos, recordando<br />

a presença silenciosa do Paige e me detendo antes de falar do Savannah.<br />

—Só estou interessado em te tirar - disse Jeremy quando tive terminado. —Não podemos<br />

nos preocupar com outros.<br />

—Sei.<br />

—Como te mantém?<br />

—Be...<br />

—Não diga ―bem‖, Elena.<br />

Fiz uma pausa — Está Clay... por aí? Talvez poderia falar com ele.... Só uns minutos. Sei<br />

que temos que fazer isto curto. Não há tempo para socializar. Mas eu gostaria - se pudesse...<br />

Jeremy estava tranquilo. Dentro de minha cabeça, Paige murmurou algo. O alarme me<br />

percorreu.<br />

—Ele está bem, verdade? - Perguntei. —Não passou...<br />

—Clay está bem - disse Jeremy. —Sei que você gostaria de lhe falar, mas este poderia não<br />

ser... Um bom momento. Ele está... dormindo.<br />

—Dormindo...? - Comecei.<br />

—Não estou dormindo - grunhiu uma voz desde mais à frente do quarto. —Não<br />

voluntariamente, ao menos.<br />

Elevei a vista para ver o Clay na entrada, o cabelo enredado, os olhos atenuados por<br />

sedativos. Ele se moveu pesadamente pelo quarto como um urso que acordada da hibernação.<br />

—Clay - disse, meu coração pulsando ligeiro logo que pude dizer seu nome.<br />

Ele se deteve e me fixou com o cenho franzido. Minhas seguintes palavras se entupiram<br />

em minha garganta. Traguei-as e tentei outra vez.<br />

—Causando problemas outra vez? - Perguntei, forçando um sorriso em minha voz. —O<br />

que fez para fazer que Jeremy te drogasse?<br />

Seu cenho se endureceu com algo que eu tinha visto em sua cara um milhão de vezes, mas<br />

nunca quando me olhava. Desprezo. Seus lábios se enroscaram, e abriu a boca para dizer algo,<br />

logo decidiu que não valia o esforço e girou sua atenção ao Jeremy.<br />

—Cl… - comecei. Minha tripa era rocha sólida. Não podia respirar, logo que poderia falar.<br />

—Clay?<br />

—Sente-se, Clayton - disse Jeremy. —Estou falando com…<br />

—Posso ver com quem fala - Outra torcedura de lábios. Seus olhos fulminaram em minha<br />

direção. —E não sei por que perde seu tempo.<br />

—Ele pensa que você é eu - sussurrou Paige.<br />

Eu sabia isso. Profundamente, sabia, mas isso não ajudava. Vi o modo em que me olhou, e<br />

não importava quem acreditava Clay que estava ali, ele me olhava. A mim.<br />

—Não é Paige - disse Jeremy. —É Elena. Ela se comunica através de Paige.<br />

A expressão do Clay não mudou. Não se abrandou. Nem sequer por um segundo. Ele virou<br />

seu olhar e vi o desdém ali, mais forte agora, duro e agudo.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—É isso o que ela te disse? - disse. —Sei que quer atenção, Paige, mas isto é baixo.<br />

Inclusive para você.<br />

—Sou eu, Clay - disse. —Não é Paige.<br />

Ele se mofou, e vi ali tudo o que nunca tinha querido ver na cara do Clay quando me<br />

olhasse, cada gota do desprezo que sentia pelos humanos. Eu tinha tido pesadelos disto, vendo-o<br />

dar-se volta e me olhar dessa maneira. Tinha despertado suando, o sangue palpitando em minhas<br />

veias, absolutamente aterrorizada, de um modo que nenhum pesadelo de infância me tinha<br />

assustado alguma vez. Agora o olhei e algo se rompeu. O mundo se voltou negro.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

RENASCIMENTO<br />

Despertei no chão de minha cela. Não me levantei. Tinha estado sonhando? Queria<br />

acreditar, logo me repreendi para um desejo tão tolo. É obvio, não queria que tivesse sido um<br />

sonho. Queria acreditar que tinha falado com o Jeremy, comunicado todas minhas observações,<br />

pondo as rodas do resgate em movimento. Quem se preocupava com o Clay? Bem, eu me<br />

preocupava. Preocupada mais do que queria a maior parte das vezes, mas tinha que pôr esta coisa<br />

em perspectiva. Clay não me havia olhado dessa forma. Ao menos, ele não tinha acreditado me<br />

olhar a mim. Obviamente ele não suportava Paige, e francamente, não me surpreendia. Ali onde<br />

os humanos conversavam, Clay não era o Senhor Simpatia no melhor dos casos e certamente não<br />

quando o dito humano era uma bruxa presumida, o bastante jovem para ser uma de seus<br />

estudantes. Jazia no chão e me dizia tudo isto, e não ajudava nem sequer um pouco. Sentia-me...<br />

Minha mente a sujeitou com braçadeiras antes que a última palavra saísse, mas a abri. Admito-o.<br />

Tinha que admiti-lo, ao menos frente a mim mesma. Sentia-me rechaçada.<br />

Isso era tudo, verdade? Sentia-me rechaçada. Grande coisa. Mas era uma grande coisa.<br />

Uma coisa muito grande. No segundo em que permiti que a emoção me tocasse, esta me engoliu.<br />

Era uma menina outra vez, tomando a mão de um novo padrasto, abraçando-o forte e rezando<br />

para não ter que deixá-lo ir nunca. Tinha seis, sete, oito anos, rostos que apareciam ante mim<br />

como páginas em um álbum de fotos, nome que tinha esquecido, mas rostos que reconheceria se<br />

os visse mesmo que passassem por uma fração de segundo em um trem afastando-se. Ouvi vozes,<br />

o zumbido de uma televisão, meu pequeno corpo estava apertado contra a parede, apenas capaz<br />

de respirar por medo a ser ouvido por acaso, lhes escutando falar, esperando ouvir ―A Conversa‖.<br />

A Conversa. Confessando-se ambos os culpados de que isto não funcionasse, que eu era ―mais do<br />

que podiam tratar‖. Convencendo-se de que tinham sido enganados pela agência, enganados<br />

quando o que queriam era adotar uma menina loira, uma boneca de olhos azuis, uma boneca rota.<br />

Não tinham sido enganados. Não tinham escutado. As agências sempre tratavam de adverti-los<br />

sobre mim, sobre meu passado. Quando tinha cinco anos, tinha visto meus pais mortos em um<br />

acidente de carro. Tinha-me sentado no caminho rural toda a noite, tratando desesperadamente de<br />

despertá-los, gritando para pedir ajuda na escuridão. Ninguém me encontrou até a manhã, e<br />

depois disto, bom, nunca estive bem depois disto. Retirei a minha mente, surgindo só para lançar<br />

fora minha raiva. Sabia que danificava as coisas para mim. Cada vez que uma nova família<br />

adotiva me recolhia, jurava que os faria apaixonar-se por mim; que seria o pequeno anjo perfeito<br />

que eles esperavam. Mas não podia fazê-lo. Tudo o que podia fazer era me manter em minha<br />

cabeça, ver a mim mesma gritar de raiva, esperando o rechaço final, e ter a certeza que era minha<br />

culpa.<br />

Nunca contei essa história. Tenho ódio. Tenho ódio, ódio, ódio. Não permito que meu<br />

passado explique meu presente. Cresci, pus-me mais forte, venci-o. Fim da história. Para o tempo<br />

em que fui o bastante grande para compreender que meus problemas não eram minha culpa, tinha<br />

decidido não lançar toda essa culpa a todas essas famílias adotivas, a não ser me desfazer dela.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Lançá-la. Movê-la. Não podia imaginar nenhum destino pior que me converter em alguém que<br />

conta a história de sua infância disfuncional a cada estranho que conhece no metro. Se eu fizesse<br />

as coisas bem na vida, queria que a gente dissesse que o fazia bem, não que fazia bem ―todas as<br />

coisas considerando a questão‖. Meu passado era um obstáculo privado, não uma desculpa<br />

pública.<br />

Clay era a única pessoa a que eu lhe tinha contado alguma vez sobre minha infância.<br />

Jeremy conhecia pedaços, as partes que Clay sentia necessário compartilhar naqueles primeiros<br />

dias quando Jeremy teve que tratar comigo como uma lobisomem recém transformada. Eu tinha<br />

conhecido ao Clay na Universidade de Toronto, onde eu era um estudante com interesse na<br />

antropologia e ele dava uma série de conferências curtas. Apaixonei-me por ele. Com força e<br />

rápido, não impressionada por sua aparência ou sua atitude de menino mau, mas sim por algo que<br />

não posso explicar, algo nele me fazia ter fome de possuí-lo, algo que tinha que tocar. Quando ele<br />

me favoreceu com sua atenção, soube que era algo especial, que ele não se abria às pessoas mais<br />

que eu. Quando nos aproximamos, ele me contou sobre sua própria infância, encobrindo detalhes<br />

que não podia contar sem revelar seu segredo. Contou-me sobre seu passado, então lhe contei<br />

sobre o meu. Tão simples como isso. Estava apaixonada e confiava nele. E ele traiu essa<br />

confiança de um modo do que nunca me repus completamente, como nunca me repus dessa noite<br />

interminável no caminho rural. Não perdoei ao Clay. Tínhamos deixado a conversa do perdão<br />

para depois. Não era possível. E ele nunca o tinha pedido. Não acredito que ele o esperasse. Com<br />

o tempo, eu tinha aprendido a deixar de esperar que ser capaz de dá-lo.<br />

O motivo do Clay para me morder era inexplicável. Oh, ele tinha tratado de explicá-lo.<br />

Muitas vezes. Ele me tinha levado ao Stonehaven para conhecer o Jeremy, e Jeremy tinha estado<br />

planejando nos separar, e Clay tinha entrado em pânico e me tinha mordido. Talvez fosse certo.<br />

Jeremy confessou que tinha tido a intenção de terminar a relação do Clay comigo. Mas não<br />

acredito que a mordida do Clay tivesse sido inesperada. Possivelmente o momento foi, mas<br />

acredito que em alguma parte de sua psique, ele sempre tinha estado preparado para fazê-lo se a<br />

necessidade alguma vez surgisse, se eu alguma vez ameaçasse deixando-o. Então o que passou<br />

depois de que ele me mordeu? Passamos por cima e seguimos nossas vidas? Não em sua vida.<br />

Fiz-o pagar e pagar e pagar. Clay fazia um inferno de minha vida, e eu lhe devolvi o favor<br />

duplicado. Ficaria em Stonehaven durante meses, inclusive anos, logo me partiria sem avisar,<br />

rechaçando todo contato, tirando-o de minha vida completamente. Tinha procurado outros<br />

homens para o sexo e, uma vez, para um pouco mais permanente. Como reagiu Clay a isto? Ele<br />

me esperou. Nunca procurou a vingança, nunca tentou me fazer dano, nunca ameaçou procurando<br />

a alguém mais. Eu poderia haver ido durante um ano, voltar para o Stonehaven, e ele me teria<br />

estado esperando como se eu nunca me tivesse partido. Inclusive quando tinha tratado de começar<br />

uma nova vida em Toronto, sempre soube que, se o necessitasse, Clay estaria ali para mim. Não<br />

importa quão mal o tivesse feito tudo, ele nunca me deixaria. Nunca me daria as costas. Nunca<br />

me rechaçaria. E agora, depois de mais de uma década de ter aprendido essa lição, tudo o que<br />

precisou foi um olhar dele, um olhar sozinho, e estava enroscado no chão, dobrada de dor. Toda a<br />

lógica e o raciocínio no mundo não trocavam como me sentia. Tanto como queria acreditar que<br />

tinha vencido minha infância, e não o tinha feito. Provavelmente nunca o faria.<br />

***<br />

O almoço veio e passou. Não o trouxe Bauer, pelo qual estava agradecida. Não a vi de<br />

novo até quase as seis. Quando abriu a porta de minha cela, verifiquei duas vezes a hora,<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

calculando que a comida chegava cedo ou meu relógio se parou. Mas ela não trazia comida. E<br />

quando ela transpassou a porta, soube que nenhuma comida estava próxima. Algo andava mau.<br />

Bauer entrou sem nada de sua graça assertiva habitual. Meio tropeçou com uma ruga<br />

imaginária no tapete. Sua cara estava limpa com água, em suas bochechas havia pontos brilhantes<br />

de carmesim, seus olhos estavam estranhamente brilhantes, como se tivesse uma febre. Dois<br />

guardas a seguiam. Ela lhes fez gestos para mim, e eles me ataram à cadeira onde tinha estado<br />

lendo uma revista. Todo o tempo enquanto me amarraram, Bauer rechaçou encontrar meus olhos.<br />

Não era bom. Realmente não era bom.<br />

—Fora - disse quando eles terminaram.<br />

—Deveríamos esperar fora - começou um.<br />

—Disse fora. Nos deixem. Voltem para seus lugares.<br />

Uma vez que se que foram, ela começou a passear. Passos pequenos e rápidos. Detrás e<br />

adiante, daqui para lá. Dedos golpeando seu lado, o maneirismo trocou agora, não um toque com<br />

lentidão pensativa, a não ser rápido. Maníaco. Uma obsessão de passear-se. Seus olhos. Tudo.<br />

—Sabe o que é isto?<br />

Ela tirou algo de seu bolso e o sustentou. Uma seringa de injeção. Cheio até um quarto<br />

com um líquido claro. Oh, merda. O que ia fazer me?<br />

—Olhe - respondi. —Se eu fiz algo para transtornar…<br />

Ela agitou a seringa de injeção —Perguntei se sabia o que era isto.<br />

A seringa de injeção escorregou de suas mãos. Ela gesticulou para recuperá-la, como se o<br />

plástico fosse romper-se ao golpear o tapete. Quando ela se moveu, apanhei um odor familiar.<br />

Medo. Ela tinha medo. O que parecia uma obsessão era uma luta pelo controle, ela<br />

desesperadamente tratava adaptar-se a uma emoção que não estava acostumada a sentir.<br />

—Sabe o que é isto, Elena? - Sua voz se elevou uma oitava. Chiava.<br />

Ela tinha medo de mim? Por que agora? O que tinha feito eu?<br />

—O que é? - Respondi.<br />

—Isto é uma solução salina mesclada com sua saliva.<br />

—Meu o que?<br />

—Saliva, saliva, baba - Voz subiu outra escala. Uma risada tola e nervosa, como uma<br />

menina apanhada dizendo uma má palavra. —Sabe o que isto pode fazer?<br />

—Não…<br />

—O que fará se me injeto isso?<br />

—Injetar…?<br />

—Pensa, Elena! Vamos. Não é estúpida. Sua saliva. Remói a alguém. Seus dentes<br />

perfuram sua pele, como esta agulha perfura a minha. Sua saliva entra em sua corrente sanguínea.<br />

Minha corrente sanguínea. O que acontece?<br />

—Mudaria - poderia mudar…<br />

—Em lobisomem - Ela deixou de andar e ficou quieta. Completamente quieta. Um<br />

pequeno sorriso entreabriu seus lábios — Isso é exatamente o que vou fazer.<br />

Tomou um momento registrar isso. Quando o fiz, pisquei e abri minha boca, mas nada<br />

saiu. Traguei, lutado me acalmar. Não infundir pânico. Não fazê-lo pior. Tratá-lo como uma<br />

brincadeira. Suavizar a situação.<br />

—Oh, vamos - respondi. —É a resposta a seus problemas? Não consegue respeito no<br />

trabalho então te converterá em lobisomem? Conseguir um bom trabalho na Manada, golpear<br />

algumas cabeças, encontrar um formoso amante? Porque se isso é o que está pensando, confia em<br />

mim, não funciona dessa maneira.<br />

119


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Não sou idiota, Elena.<br />

Ela me cuspiu as palavras, arrojando baba de seus lábios. Ooops, tática incorreta.<br />

—O que quero é mudar - continuou ela. —Para me inventar de novo.<br />

—Fazer-se lobisomem não é a resposta - disse brandamente. —Sei que não é feliz…<br />

—Não sabe nada sobre mim.<br />

—Então conta…<br />

—Fiz-me parte deste projeto por uma razão. Pela possibilidade de experimentar algo novo,<br />

um pouco mais perigoso, mais estimulante, que alterasse mais minha vida que escalar o Monte<br />

Everest. Experiências que todo meu dinheiro e influência não podiam comprar. Feitiços,<br />

imortalidade, percepção extra-sensorial, não sabia o que queria. Talvez um pouco de tudo. Mas<br />

agora sei exatamente o que quero, o que procurava. Poder. Não mais saudar humildemente aos<br />

homens, fingindo que sou mais parva que eles, mais débil, menos importante. Quero ser tudo para<br />

o qual tenho potencial. Quero isto.<br />

Meu cérebro ainda vacilava, incapaz de encontrar a coerência ao que Bauer dizia. A<br />

brutalidade de tudo isto me afligia, quase me convenci de que devia estar sonhando ou tendo<br />

alucinações. Como tinha acontecido isto? Incrível, da minha perspectiva, mas e da sua? Faz<br />

quanto tempo tinha ela seu olhar posto no desfile de presidiários, esperando ver o que poderia lhe<br />

dar o poder que ansiava. Agora, tendo encontrado o que acreditava desejar, possivelmente tinha<br />

medo de vacilar, medo de mudar de opinião. Tinha que trocá-lo por ela. Mas como?<br />

Bauer sustentava no alto a seringa de injeção. Enquanto a contemplava, piscou, e<br />

empalideceu. Um medo tão espesso que obstruiu minhas fossas nasais, inconscientemente minha<br />

adrenalina começou a bombear. Quando ela me olhou, a cólera se foi. O que vi nesses olhos me<br />

deixou fria. Súplica. Medo e súplica.<br />

—Quero que entenda, Elena. Me ajude. Não me faça usar esta coisa.<br />

—Não tem que usá-lo - disse tranquilamente. —Ninguém pode te obrigar a fazê-lo.<br />

—Faz-o por mim então. Por favor.<br />

—Fazer o que?<br />

—Remói meu braço.<br />

—Não posso…<br />

—Tenho uma faca. Cortarei a pele. Só tem que…<br />

O pânico se instalou em meu peito. —Não, não posso.<br />

—Me ajude a fazê-lo bem, Elena. Não sei como funcionará a solução salina. Eu só posso<br />

conjeturar a quantidade, a proporção. Necessito que você…<br />

—Não.<br />

—Estou-te pedindo…<br />

Atirei minhas cadeias, mantendo meus olhos sobre ela — Me escute, Sondra. Dê-me um<br />

minuto e me deixe te explicar o que acontecerá se usar isso. Não é da forma em que acredita que<br />

é. Não quer fazer isto.<br />

Seus olhos brilharam então. Toda a obsessão se foi. Congelou-se — Não quero?<br />

Levantou a seringa de injeção.<br />

—Não! - Gritei, pulando de minha cadeira.<br />

Enterrou a agulha em seu braço, empurrou o êmbolo. E pareceu. Um segundo. Uma fração<br />

de segundo. Tanto tempo como lhe tinha tomado ao Clay me morder.<br />

—Maldita seja! - Gritei. —Você maldita cadela estúpida —Chama o hospital. Agora!<br />

Sua cara estava preternaturalmente tranquila, lábios curvados em um pouco parecido à<br />

felicidade. Alívio ditoso por havê-lo feito — Por que, Elena? Por que deveria chamar o hospital?<br />

120


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Então podem investi-lo? Tirar o presente de minhas veias como se fosse o veneno de uma<br />

serpente? Oh, não. Não farão nada disso.<br />

—Chame o hospital! Guardas! Onde infernos estão os guardas?<br />

—Ouviu que os despedi.<br />

—Não sabe o que tem feito - grunhi. —Acredita que isto é algum grande presente. Uma<br />

espetada de agulha e é um lobisomem? Fez suas investigações, verdade? Sabe o que passará<br />

agora, verdade?<br />

Bauer girou seu sorriso sonhador para mim — Posso senti-lo correndo por meu sangue. A<br />

mudança. É quente. Formiga. O princípio da metamorfose.<br />

—Oh, isso não é tudo o que vai sentir.<br />

Ela fechou os olhos, estremeceu, voltou-os a abrir, e sorriu — Parece que ganhei algo esta<br />

noite e você perdeu algo. Já não é a única lobisomem fêmea, Elena.<br />

Seus olhos se abriram então. Inchados. As veias em seu pescoço e frente apareceram.<br />

Ofegou, afogada. Suas mãos foram a sua garganta. Seu corpo se sacudia. Se coluna se enrijeceu.<br />

Olhos em branco. Elevou-se sobre os dedos dos pés, movendo-se para frente e para trás, como um<br />

presidiário pendendo do final da corda do carrasco. Então sofreu um colapso, caindo ao piso.<br />

Gritei por ajuda.<br />

121


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

WINSLOE<br />

—O que fez à Sra. Bauer? - perguntou Matasumi.<br />

Os guardas tinham tirade Bauer rapidamente logo depois de que comecei a gritar. Vinte<br />

minutos mais tarde, haviam retornado com o Matasumi. Ele agora esta ali de pé, me acusando<br />

sem um rastro de acusação em sua voz.<br />

—Disse aos guardas - Sentei no bordo de minha cama, tratando de me relaxar, como se<br />

esta classe de coisas passasse cada dia. —Ela se injetou com minha saliva.<br />

—E por que faria isso? - perguntou Matasumi.<br />

—A mordida de um lobisomem é um modo de converter-se em lobisomem.<br />

—Compreendo isso. Mas por que… - Ele se deteve. —Oh, já vejo.<br />

Ele? Realmente o via? Duvidava-o. Nenhum deles poderia entender o que vinha. Eu podia,<br />

e estava tentando com todas minhas forças não pensar nisso.<br />

Matasumi esclareceu sua garganta — Você afirma que a Sra. Bauer se injetou…<br />

—A seringa de injeção está no chão.<br />

Seus olhos vacilaram para a agulha, mas não fez nenhum movimento para recolhê-la —<br />

Você afirma que ela usou esta seringa de injeção…<br />

—Não afirmo nada. Digo-lhe o que aconteceu. Ela se injetou no braço. Procure a marca de<br />

agulha. Prove os conteúdos da seringa de injeção.<br />

A porta se abriu. Carmichael se apressou a entrar, sua bata de laboratório ondeando detrás<br />

dela.<br />

—Não temos o tempo para isto - disse. —Tenho que saber o que fazer por ela.<br />

Matasumi fez ao Carmichael à parte — Primeiro, devemos estabelecer a natureza exata da<br />

doença da Sra. Bauer. É muito fácil para a Sra. Michaels afirmar…<br />

—Ela diz a verdade - disse Carmichael. —Vi a marca de agulha.<br />

Teria sido difícil falhar. Inclusive enquanto os guardas se levaram a Bauer da cela, eu tinha<br />

visto o ponto de injeção, aumentado ao tamanho de uma bola do ping-pong. Uma lembrança de<br />

minha própria mordida se abriu passo a minha mente, mas o empurrei atrás. Observação fria,<br />

clínica. Era o único modo em que poderia tratar com isto. Tomar notas do Matasumi.<br />

Carmichael se voltou para mim — Tenho que saber tratar com isto. Sondra está<br />

inconsciente. Sua pressão baixa. Sua temperatura sobe. Suas pupilas não reagem aos estímulos.<br />

Seu pulso corre e se volta errático.<br />

—Não há nada que eu possa fazer.<br />

—Você passou por isso, Elena. Sobreviveu.<br />

Não disse nada. Carmichael avançou para mim. Joguei-me atrás na cama, mas ela se<br />

aproximou mais, empurrando sua cara contra a minha até que pude cheirar sua frustração. Girei<br />

minha cabeça. Agarrou meu queixo e atirou minha cara para a sua — Ela está morrendo, Elena.<br />

Morrendo horrivelmente.<br />

—Isso só piorará.<br />

Seus dedos se apertaram, afundando-se nos músculos de minha mandíbula — Vai ajudá-la.<br />

Se fosse você a que estivesse lá encima, eu não ficaria parada e te olharia morrer. Diga-me como<br />

ajudá-la.<br />

—Quer ajudá-la? Ponha uma bala em sua cabeça. Não é necessário que seja de prata. O<br />

chumbo regular servirá.<br />

122


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Carmichael empurrou meu queixo e retrocedeu para me contemplar — Meu Deus, é fria.<br />

Não disse nada.<br />

—Isto não ajuda - disse Matasumi. —Trate os sintomas à medida que os veja, Doutora<br />

Carmichael. Isso é o melhor que podemos fazer. Se a Sra. Bauer se infligiu esta desgraça a si<br />

mesma, então tudo o que podemos fazer tratar os sintomas e deixar o resto ao destino.<br />

—Isso não é o melhor que podemos fazer - disse Carmichael, seus olhos perfurando os<br />

meus.<br />

Não quis me defender. Realmente não queria. Mas o peso desse olhar deslumbrante era<br />

muito.<br />

—O que, exatamente, acredita que posso fazer? - Perguntei. —Não corro ao redor dos<br />

humanos mordendo-os e cuidando-os quando se adoecem. Sabe quantos lobisomem recém<br />

mordidos encontrei? Nenhum. Zero. Não acontece. Nunca estive perto de um lobisomem<br />

hereditário de maior de idade. Não sei o que fazer.<br />

—Passou por isso.<br />

—Acredita que tomei notas? Sabe o que lembro? Lembro o Inferno. Completo, com fogo e<br />

enxofre, demônios e fantasias de diabo, lanças candentes e fossas sem fundo, cheios de lava.<br />

Recordo o que vi aqui - Golpeei minha palma contra minha frente. —Recordo o que imaginei, o<br />

que sonhei. Pesadelos, delírios, isso é tudo o que havia. Não sei uma merda a respeito da<br />

temperatura e a pressão sanguínea e a resposta das pupilas. Alguém mais tratou com isso. E<br />

quando tudo terminou, não quis saber o que ele tinha feito. Tudo o que queria era esquecer.<br />

—Essas visões do Inferno - disse Matasumi. —Possivelmente poderia as descrever para<br />

mim mais tarde. A união entre o sobrenatural e o ritual Satânico…<br />

—Por Deus, deixa-a em paz - disse Carmichael. —Por uma vez. Deixa-a em paz.<br />

Saiu a pernadas do quarto. Matasumi se inclinou para agarrar a seringa de injeção, logo se<br />

deteve, fez gestos a um guarda para que a recolhesse, e seguiu ao Carmichael.<br />

***<br />

Teria ajudado eu a Bauer se pudesse? Não sei. Por que deveria? Ela me sequestrou e me<br />

lançou em uma jaula. Devia-lhe algo? Infernos, não. Se a mulher foi o bastante estúpida para<br />

converter-se em um lobisomem, não era meu problema. Fiz ou respondi algo que a fizesse desejar<br />

essa loucura incrível? Contei-lhe histórias da vida maravilhosa e cheia de diversão de um<br />

lobisomem? Claro que não. Procurei a vingança animando-a a afundar essa agulha em seu braço?<br />

Absolutamente não. Sim, ela era minha inimiga, mas ela fez isto a si mesma. Então, por que me<br />

sentia responsável? Não o era. Inclusive uma parte de mim lamentava que não pudesse ajudar, ao<br />

menos aliviar seu sofrimento. Por quê? Porque entendia esse sofrimento. Esta era outra mulher<br />

que se converteu em lobisomem, e tão diferente como nossas circunstâncias eram, não queria que<br />

sofresse. O resultado seria certamente a morte. Esperava que ocorresse rapidamente.<br />

***<br />

Pela meia-noite, Winsloe entrou em minha cela. Através das sombras de um pesadelo<br />

iminente, ouvi a porta que a porta se abria, subconscientemente compreendi que o som provinha<br />

do mundo verdadeiro, e me obriguei a despertar, agradecida pela diversão. Rodei da cama para<br />

ver o Tyrone Winsloe parado na entrada da cela, rodeado pela luz do vestíbulo, apresentando-se,<br />

esperando meu consentimento. Uma quebra de onda de desconcertante de temor me transpassou.<br />

123


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Era como ter ao Bill Gates na porta de minha casa - não importava quanto desejava não me sentir<br />

impressionada, não podia evitá-lo.<br />

—De modo que você é a lobisomem fêmea - deu um passo dentro, ladeado por dois<br />

guardas. —Um prazer te conhecer - disse com uma vênia 20 fingida. —Sou Ty Winsloe.<br />

Apresentou-se a si mesmo, não com modéstia, como se eu não pudesse reconhecê-lo, a não<br />

ser com uma presunção lisonjeadora, uma apresentação tão falsa como sua vênia. Dado que não<br />

respondi rápido, um tremor de moléstia perturbou suas facções.<br />

—O Fogo do Prometeo - disse, me dando o nome de sua companhia de fama mundial.<br />

—Sim, sei.<br />

Sua cara se reajustou em um sorriso satisfeito. Fazendo gestos aos guardas para que<br />

ficassem quietos, entrou mais na cela. Seu olhar se passeou lentamente sobre mim, pelos<br />

arredores, dando a minhas costas uma lenta olhada, me esquadrinhando sem vergonha, como se<br />

eu fosse um potencial escravo em um mercado romano. Quando deu a volta até ficar em frente de<br />

mim, seu olhar fez uma pausa sobre meu peito, seus lábios curvando-se para baixo em um cenho<br />

franzido e decepcionado.<br />

—Nada mal – disse. — Nada que um par de implante não podem arrumar.<br />

Entrecerrei meus olhos. Ele pareceu não notá-lo.<br />

—Alguma vez o pensou? - perguntou seu olhar fixo sobre meu peito.<br />

—Não planejo ter meninos, mas, se alguma vez o fizer, estou segura que eles encontrarão<br />

este equipamento completamente adequado.<br />

Ele jogou sua cabeça atrás e riu como se esta fosse a coisa mais graciosa que tinha ouvido<br />

nunca. Logo se inclinou para trás de mim e posou seu olhar sobre meu traseiro outra vez.<br />

—Grande traseiro, entretanto.<br />

Sentei-me. Ele só sorriu e continuou estudando minha metade inferior. Logo tirou um<br />

vulto de roupa de cima da mesa.<br />

—Pode deixar os jeans em cima - disse. —Traga uma saia, mas eu gosto dos jeans. Esse<br />

traseiro foi feito para os jeans. Eu não gosto dos traseiros grandes e frouxos.<br />

Gostava das mulheres com traseiros pequenos e tetas grandes? Parece que alguém tinha<br />

jogado com muitas bonecas Barbie sendo um menino. Joguei uma olhada ao montão de roupa,<br />

mas não fiz nenhum movimento para tomá-lo.<br />

—As botas - disse. —Há uma bolsa ali. Tire o soutien.<br />

Contemplei-o, incapaz de acreditar o que ouvia. Era uma brincadeira, verdade? Supunhase<br />

que os milionários eram excêntricos, de modo que esta devia ser a estranha idéia do Winsloe<br />

de uma brincadeira pesada. Enquanto o olhava fixamente, seus lábios se apertaram, não em um<br />

sorriso, mas sim de ressentimento.<br />

—Toma a roupa, Elena - disse, toda a jovialidade fora de sua voz.<br />

Atrás dele, os dois guardas avançaram, apertando suas armas como se quisessem me<br />

recordar sua presença. Bem, talvez não fosse uma brincadeira. O que acontecia com a gente neste<br />

lugar? Em poucas horas eu tinha visto uma mulher inteligente converter-se em um lobisomem e<br />

encontrava a um milionário com a maturidade e modo de pensar de um moço adolescente.<br />

Comparado com este rebanho, eu era completamente normal.<br />

De todos os modos, recordei a mim mesma, Tyrone Winsloe era o responsável aqui, e era<br />

um homem acostumado a obter o que queria quando o queria. Mas, se ele acreditava que eu ia pôr<br />

um top para que ele pudesse olhar com lascívia meus peitos de qualidade inferior, pois uma moça<br />

20 Inclinação que se faz com a cabeça em sinal de cortesia; mesura, reverência.<br />

124


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

tem que pôr limites, verdade? Eu tinham tratado de fazê-lo com os guias de ruas, embora sabia<br />

como dirigi-los. Se eles falavam assim, arreganhava-os. Se me tocavam, rompia seus dedos. Eles<br />

não o quereriam de nenhuma outra forma. Tal como Logan sempre dizia, aos guias de ruas gosta<br />

que suas mulheres tenham bolas. Ty Winsloe não era um guia de ruas, mas era um tipo com seus<br />

hormônios afligindo-o. O suficientemente perto.<br />

—Meus braços ainda estão queimados - respondi, me dando volta longe da roupa. —Se<br />

vêem como merda.<br />

—Não me importa.<br />

—A mim sim.<br />

Um comprido momento de silêncio.<br />

—Pedi-te que pusesse o top, Elena - disse. Olhou-me, seus lábios curvados em um sorriso<br />

sem senso de humor, expondo os dentes de uma maneira que qualquer lobo teria reconhecido.<br />

Passeei meu olhar desde ele aos guardas, arrebatei o top do montão, desprezando o<br />

impulso de devolver um grunhido de advertência ao Winsloe, e me conformando com a idéia de<br />

entrar no banheiro.<br />

***<br />

Entrar no banheiro para trocar-me era uma perda de tempo, considerando a parede<br />

transparente, mas ainda assim, poderia lhe voltar as costas enquanto me trocava de camisetas. O<br />

top era adequado para uma moça pre-púbere, mas bem dito, para uma moça pré-púbere mas<br />

pequena. Deixava ao ar meu tórax e marcava sulcos em meus ombros. Olhando para baixo, vi que<br />

não deixava absolutamente nada à imaginação. Primeiro, era muito apertado. Segundo, era<br />

branco. Círculos escuros pressionavam contra o tecido. Se pescava sequer a mais leve brisa, não<br />

seria só isso o que se pressionaria contra o tecido. Uma onda de fúria humilhada me alagou.<br />

Depois de que tudo o que tinha passado nas últimas doze horas, isto era o clímax. A palha<br />

proverbial. Eu não levaria isto, eu não... Detive-me. Eu não faria o que? Recordei o olhar nos<br />

olhos do Winsloe quando eu tinha desafiado sua ordem de me mudar. Recordei os comentários de<br />

Armem Haig sobre o estado mental do Winsloe. O que faria Winsloe se eu me negasse? Queria<br />

realmente tomar esse risco sobre um pouco tão corriqueiro como não desejar levar colocada uma<br />

camiseta que revelava tudo? Esfreguei minhas mãos sobre minha cara, resisti ao impulso de<br />

cruzar de braços sobre meu peito, e parti de volta à cela.<br />

Winsloe estudou meu peito durante dois minutos inteiros. Sei porque contei os segundos,<br />

lutando para não passar esse mesmo tempo fantasiando sobre uma vingança. Isto não era nada,<br />

disse-me. Nada. Mas o era. De algum jeito, ser obrigada a alardear minhas tetas diante deste<br />

homem era pior que qualquer tortura que Matasumi poderia ter idealizado com sua caixa de<br />

brinquedos. Compreendi então que esta farsa juvenil não tinha nada que ver me fazendo pôr uma<br />

determinada camiseta. Era sobre o poder. Winsloe podia me fazer pôr esta camiseta e não havia<br />

uma maldita coisa que eu pudesse fazer sobre isso. Ele queria assegurar-se de que eu sabia.<br />

—Ao menos são firmes - disse Winsloe. —Não estão mau, realmente, se você gostar de<br />

pequenos. Acredito que os implantes fariam um bom contribuição, entretanto.<br />

Mordi meu lábio. Mordi-o com força suficiente para provar o sangue e desejar o seu.<br />

—Um tom assombroso - disse ele, me rodeando. —Magra e apertada, mas nada de vultos.<br />

Estava preocupado sobre os vultos. Os músculos em uma moça são absolutamente arrepiantes.<br />

—Oh, tenho músculos - disse. —Quer vê-los?<br />

Ele só riu - Esse buraco na parede me diz tudo o que tenho que saber. Além disso, vi o<br />

125


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

vídeo de você e Lake, embora suponha que não foi tanto força como astúcia. Engenho rápido.<br />

Muito rápido.<br />

—Como está a Sra. Bauer? - Perguntei, esperando mudar o tema.<br />

—Sabe sobre isso? - Ele moveu uma cadeira para minha mesa de comilão e se senti ali. —<br />

Suponho que o faz. Estranho, né? Ninguém o viu vir. Sondra sempre foi tão apurada. Nervosa,<br />

inclusive. Suponho que é dessas pessoas rígidas que exploram de pior maneira, né? A respeito<br />

desse vídeo…<br />

—Como está ela? - Repeti. —Qual é o prognóstico?<br />

—De merda, segundo o último que ouvi. Provavelmente não passará a noite. Agora,<br />

falando desse vídeo, tenho algumas notícias que você gostará de ouvir - sorriu, a morte iminente<br />

de sua sócia já esquecida. —Quer adivinhar qual é?<br />

—Eu não poderia nem sequer começar a imaginar.<br />

—Esta noite envio a seu companheiro a sua recompensa final. O grande osso de cachorro<br />

no céu - ou na outra direção. Vamos ter uma caça.<br />

—Uma... caça?<br />

Ele saltou da mesa. —Uma caça. Uma grande caça de lobinho. Esta noite. Larry pagou por<br />

seu ―guia de ruas‖ e vamos lhe dar uma apropriada despedida - Winsloe estalou seus dedos por<br />

volta dos dois guardas, de cuja presença nesta derrota eu tinha estado tentando com força não<br />

fazer caso. —Vamos, vamos, moços. Subam e digam a seus companheiros que se prepararem<br />

para a convidada de honra. Encontraremo-los em vigilância.<br />

Eu tinha passado a maior parte da meia hora passada bocejando para o Winsloe. Agora<br />

minha incredulidade se mesclou com algo mais. Um horror crescente. Quis dizer o que acreditei<br />

que queria dizer? Ia caçar ao Patrick Lake? Liberá-lo e persegui-lo como um prêmio em uma<br />

reserva de caça? Não, devo estar confundida. Tinha que estar confundida.<br />

—Bem? - disse ele, dando-se a volta. —Toma essa jaqueta da mesa. Faz frio aí. Não<br />

quereria que pegasse uma pneumonia.<br />

—Vou fora? - Respondi lentamente.<br />

Winsloe riu. —É seguro como o inferno que não poderíamos caçá-lo aqui.<br />

Jogou sua cabeça para trás, ladrando de risada, me dando palmadas nas costas, e dançando<br />

uma valsa pela cela.<br />

JOGO<br />

A noite era fria para finais do verão. Era ainda agosto, verdade? Calculei. Sim, ainda era<br />

agosto. Só parecia que tinha estado dentro mais tempo.<br />

126


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Se eu tinha esperado recolher alguma pista de nossa posição por ir fora, fiquei<br />

decepcionada. Tomamos um elevador dois pisos para cima, até o nível da terra, saímos por uma<br />

porta assegurada, e aparecemos a uma dúzia de pés de um bosque que poderia ter existido em<br />

todas as partes desde Cabo Bretão até a parte norte de Califórnia. Talvez se eu conhecesse minha<br />

fauna regional melhor, poderia ter diminuído as possibilidades, mas examinar árvores estava<br />

bastante longe de minha mente.<br />

Minhas mãos estavam algemadas. Winsloe caminhava diante de mim. Os dois guardas,<br />

suas armas agora escondidas, seguiam-nos detrás. Um caminho se via através do espesso bosque<br />

até um claro onde um posto de vigilância se elevava a cem pés no ar. Patrick Lake estava de pé<br />

junto a um pilar de madeira, com os pés estampados contra o frio, ambas as mãos cavadas ao<br />

redor de um cigarro aceso.<br />

—Hey- disse quando nos aproximamos. —O que está passando? Está de ferrar o frio aqui<br />

fora.<br />

—Termina seu charuto - disse Winsloe. —Estará quente bastante logo.<br />

—Perguntei…<br />

Um dos guardas do Lake o cravou com um extremo de seu rifle.<br />

Lake grunhiu, levantou uma mão para esmagar ao guarda, logo se deteve. —Eu só<br />

perguntava…<br />

—É uma surpresa - disse Winsloe, agarrando o corrimão da escala. —Termina seu<br />

charuto.<br />

—O que faz ela aqui? - Lake agitou seu cigarro para mim.<br />

Winsloe estava cinco degraus acima. Inclinou-se sobre o corrimão.<br />

—É uma surpresa - repetiu. —Começaremos logo que esteja preparado.<br />

Lake lançou seu cigarro a terra e o pisou com força - Estou preparado agora.<br />

—Então começaremos.<br />

—Ponto dois de liberação? - perguntou um guarda.<br />

—Tal como está planejado - disse Winsloe. —Tudo como está planejado.<br />

Winsloe seguiu sua ascensão. Segui-o, com nossos dois guardas detrás. Quando<br />

alcançamos a cúpula, Winsloe soprava. Contemplei o bosque para baixo. Lake e seus dois<br />

guardas tinham desaparecido na escuridão.<br />

—Aí - Winsloe ofegou, agitando a mão para ao leste. —Ponto dois de liberação. Ponto de<br />

liberação um, justo abaixo. Ponto de liberação três pelo rio.<br />

Não só havia um ponto de liberação pré designado, mas também havia mais de um. Por<br />

quê? Abri minha boca para perguntar, logo compreendi que poderia não querer sabê-lo.<br />

—A escolha do ponto de liberação depende da espécie - continuou Winsloe. —Até agora<br />

soltei a uma bruxa e a um meio demônio.<br />

—Você... caçou-os?<br />

Ele fez uma careta. —Não foi exatamente uma caça. Sobretudo com a bruxa. A gente<br />

pensaria que ela teria sido mais desafio, enfeitiçando e tudo isso. Nos RPG10, as raças mágicas<br />

podem ser os jogadores mais fortes uma vez que ganham bastante experiência. Mas na vida real?<br />

Ela se desfez. Não podia tomá-lo. Lançou uns pequenos feitiços ao princípio e o deixou.<br />

Encontramo-la enroscada sob um arbusto. Nada de instinto de sobrevivência. Como essa velha<br />

senhora que recolheram contigo. Primeiro sinal de problemas e se afundou na depressão. Não<br />

pôde aguentar a pressão.<br />

Observei o terreno abaixo. Perguntei-me se seria o bastante alto para matar ao Winsloe se<br />

desse um tropeção e caísse.<br />

127


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—O meio demônio foi apenas uma melhora menor. Ao menos o tentou. Logo esteve o<br />

xamã. Não o cacei, entretanto. Foi uma fuga. Solucionamos o problema bastante logo, de modo<br />

que é melhor que isso não te dê idéias. Não chegou longe de todos os modos. Os cães se<br />

ocuparam dele. Por isso ouvi, ele era ainda pior que a bruxa. Correu a todo pulmão até que sofreu<br />

um colapso.<br />

—Assim agora. - limpei minha garganta, me forçando à tranquilidade. —De modo que<br />

agora vai caçar ao Lake.<br />

—Um lobisomem - Winsloe baixou seus gêmeos para me sorrir abertamente—.<br />

Esplêndido, né? O caçador se converte na presa. Isto vale a pena, o desafio. Tudo o que a merda<br />

do ―Jogo Mais Perigoso‖ promete, é fantasia. Ponha um tipo moderno em meio dos bosques e se<br />

aterra. Tirem-lhe seus instrumentos e suas armas e poderia ir também à caça de cervos. Ao menos<br />

os cervos têm um pouco de experiência evitando caçadores. Os humanos, nada. Mas os lobos?<br />

Eles são os caçadores. Têm seus próprios instrumentos, suas próprias armas. Conhecem o bosque.<br />

Combina isso com a inteligência humana e bingo: tem o jogo mais perfeito - sustentou os<br />

gêmeos. —Quer jogar uma olhada?<br />

Sacudi minha cabeça.<br />

—Vamos. Têm visão noturna. Não é que você a necessite, suponho. Ouvi dizer que vocês<br />

podem ver na escuridão. Por isso faço isto de noite. Mais desafio. É obvio, tenho todo o último<br />

em brinquedos, como este. Não quereria que fora muito desafio.<br />

Levantei os gêmeos a meus olhos. Olhei, e tudo o que vi foi bosque. Bosque interminável.<br />

Logo, um brilho de luz laranja.<br />

—Chama-a - disse Winsloe, voz que elevando-se devido ao entusiasmo. —Atordoaram ao<br />

Lake. Agora sairão. Em dez, talvez quinze minutos ele despertará absolutamente só nos bosques.<br />

Se tiver meio cérebro, compreenderá que isto é uma brincadeira, mas correrá de todos os modos.<br />

Minha conjetura é que cheirará o rio e se dirigirá ao oeste. Melhor que tome cuidado, entretanto.<br />

Se tomar a rota fácil, encontrar-se-á na cova de um urso - Winsloe riu, um som inarmônico.<br />

Armadilhas por toda parte. Aqui, aqui e lá.<br />

Dava-me a volta para vê-lo assinalar lugares em um mapa laminado. Quando me<br />

aproximei, ele o tirou de minha vista e meneou um dedo para mim.<br />

—Uh-uh. Não pode deixar que aprenda todos meus segredos. Você gosta desses<br />

binoculares?<br />

—Estes... funcionam bem.<br />

—É obvio que o fazem. Não os compraria de outra maneira. Espera até que veja o resto de<br />

meus aparelhos. E as armas - pôs os olhos em branco, em algo próximo à luxúria. —As armas.<br />

Incrível o que podem fazer nestes dias. Faço pôr armários delas por toda parte do campo de<br />

treinamento, de modo que tenho uma variedade. A única coisa que falta é uma broca. Dá-me<br />

raiva. Sempre as brocas foram minhas armas favoritas.<br />

—Caça com uma broca?<br />

—Não aqui fora. Nos jogos, é obvio. As brocas são absolutamente as melhores. O fator de<br />

trituração pode exceder às granadas.<br />

—Jogos - repeti. —Quer dizer jogos de videogame.<br />

—Que outra classe?<br />

Olhei para o bosque mais à frente. Campo de treinamento, tinha-o chamado. Um campo de<br />

treinamento gigantesco, desenhado com aparelhos de alta tecnologia, armadilhas explosivas, e um<br />

arsenal de armas.<br />

—Isso é o que é - respondi devagar. —Um jogo de videogame. Um jogo de videogame<br />

128


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

real.<br />

—A um passo da realidade virtual. Realidade real. Que conceito - sorriu abertamente e me<br />

deu umas palmadas nas costas outra vez. —Nos movamos. O jogo é a pé.<br />

***<br />

Encontramos aos dois guardas do Lake antes que alcançássemos o caminho principal. Eles<br />

confirmaram que a liberação tinha ido correta e então tomaram posições diante do Winsloe,<br />

armas fora, rodeando-o para protegê-lo. Caminhei detrás do Winsloe. Os outros dois guardas nos<br />

seguiram, lado a lado, a minhas costas. Todos exceto eu levavam postos óculos de visão noturna.<br />

Inclusive eu poderia ter usado um par. A escuridão era quase completa, uma meia lua débil que se<br />

elevava entre nuvens e taças de árvores, nenhuma estrela à vista. Minha visão aumentava e<br />

diminuía como a lua. Não era que houvesse muito que ver. Somente árvores, árvores, e mais<br />

árvores.<br />

Apesar da bola de temor alojada em minha tripa, meu coração começou a aliviar-se na<br />

antecipação enquanto entrávamos nos bosques. Inclusive enquanto meu cérebro sabia o que eu<br />

fazia aqui, meu corpo rechaçava acreditá-lo. Estava nos estímulos - o rangente ar da noite, o<br />

aroma de folhas podres e terra úmida, os sons de esquilos e ratos brincando de correr a nosso<br />

passo - e se formava sua própria interpretação, apoiada em anos de experiência. Ia caminhando<br />

pelo bosque na noite, ergo devia ir a uma corrida. Ignorando todas as ordens ao contrário, meu<br />

corpo reagiu como um cachorrinho excitado atirando de sua corda. Minha pele formigava. Meu<br />

sangue galopava. Minha respiração se acelerou. Além disso, meus sentidos se afiaram, me<br />

deixando ouvir e cheirar duas vezes mais. Por outra parte, estava a preocupação constante sobre<br />

meu corpo retorcendo-se e o crescimento de cabelo antiestético.<br />

Antes de sufocar a reação de meu corpo, usei minha consciência aumentada para conseguir<br />

uma melhor perspectiva de meus arredores. Apesar do aumento visual, não serve de muito. Não<br />

importava quão bem pudesse ver, não tinha visão de raios X, por isso não podia ver através das<br />

malditas árvores. Meus outros sentidos eram muito mais proveitosos. Uns minutos de escutar me<br />

convenceram não havia nada que ouvir. Bem, havia abundância de ramos que rangiam, as urzes<br />

sussurrando, predadores e presas ululando, chiados, e mergulhadas- mas não era o que desejava.<br />

Esperava algum som distante de civilização, e o único que descobri eram os bufos e fôlegos da<br />

maquinaria que havia no recinto onde nos encontrávamos. Movi-me para cheirar, meu melhor<br />

sentido. Novamente, procurei vida humana e encontrei só o aroma pestilento do edifício principal<br />

e o caminho de cascalho que conduzia a ele. O aroma do caminho era débil, indicando que ia pelo<br />

sul do recinto. Infelizmente, o bosque ia ao norte, a que seria a direção em que teria que correr se<br />

me escapasse do recinto. Claro que poderia haver uma saída fácil no sul, mas era mais seguro<br />

apegar-se ao que já conhecia, e agora mesmo, tudo o que tinha visto era este bosque.<br />

Mais à frente do recinto, o páramo emitia só seus próprios aromas. A natureza reinava ali.<br />

Nem sequer o mais mínimo rastro de aroma humano, como se a natureza o limpasse ferozmente<br />

uma vez que quão humanos por ali passavam se foram. Novamente, meu cérebro e corpo<br />

competiram pela interpretação do lugar e situação. Meu corpo acreditava que isto era o céu, um<br />

paraíso natural tão antigo como o era Stonehaven e inclusive melhor, um paraíso fresco e novo<br />

para explorar. Meu cérebro decidiu que isto era o inferno, um bosque interminável sem<br />

civilização à vista. Se escapasse, teria que ir a algum lugar. A algum lugar parecido a uma casa,<br />

uma cidade, um lugar público onde meus perseguidores pudessem temer o me seguir.<br />

Escapar agora era inadmissível. Inclusive se pudesse passar por diante dos guardas<br />

129


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

armados, só me teria convertido em uma atração acrescentada na caça do Ty Winsloe. Teria que<br />

esperar, mas ainda esperava me evadir do recinto em algum momento, preferentemente antes que<br />

meus captores se aborrecessem comigo tal como o tinham feito com o Patrick Lake. Se eu… não,<br />

quando escapasse, aonde iria? Não havia nada aqui fora, além de bosque. Bosques intermináveis.<br />

Poderia correr e correr durante horas e… espera um segundo. Que demônios estava dizendo? Eu<br />

era um lobo. Um meio lobo, ao menos. Caramba, o que faria um lobo no páramo? Ora.<br />

Sobreviver, é obvio. Ali poderia evitar a meus perseguidores muito melhor que em qualquer selva<br />

de concreto. Este era meu elemento. Inclusive agora, em forma humana, estava em casa aqui,<br />

capaz de ver quase na completa escuridão, capaz de cheirar a água e o alimento, capaz de ouvir o<br />

descida em picada de um tranquilo mocho de acima. Não necessitava a rede de amparo da<br />

civilização. Bem, eventualmente, teria que encontrar um caminho de volta aos outros, mas<br />

poderia durar muito mais tempo que qualquer humano que tentasse de me capturar com óculos de<br />

visão noturna, telescópios de alta potencializa, e toda classe de brinquedos. Teria que tomar<br />

cuidado, mas o único perigo que confrontaria viria de meus perseguidores. Certamente não tinha<br />

que me preocupar de morrer de fome, desidratação, ou exposição.<br />

—Onde está sua roupa? - bufou Winsloe.<br />

Patinei antes de me estampar nas costas do Winsloe. Emergindo de meu sonho, pisquei e<br />

olhei ao redor. Estávamos de pé ao lado de uma árvore embelezada com pedaços de plástico<br />

laranja fluorescente.<br />

—Este é o ponto de liberação dois - disse Winsloe.<br />

—Sim, senhor - disse um dos guardas dianteiros, tirado um mapa de seu bolso e<br />

estendendo-o.<br />

Winsloe golpeou o mapa em terra. —Eu não estava perguntando. Eu estava dizendo-o. Sei<br />

que este é o ponto de liberação dois. Quero saber se vocês, sou idiotas, sabem. É aqui onde<br />

liberaram o Lake?<br />

A mandíbula do guarda se apertou, mas sua voz permaneceu respeitosa — É obvio,<br />

senhor.<br />

Winsloe se girou para mim — Tem que despir-se para transformar-se em lobo, verdade?<br />

Deve fazê-lo ou rasgariam sua roupa, certo?<br />

Assenti com a cabeça.<br />

—De um modo ou outro, deveria haver roupa aqui. Onde está?<br />

Fiz o movimento para olhar ao redor, embora eu podia dizer com uma simples inspiração<br />

que Lake não tinha deixado nada —Se não estarem aqui, então ele não trocou de forma.<br />

Winsloe girou por volta de um dos guardas de atam — Pendecki. Revisa os pontos de<br />

controle.<br />

O guarda as minhas costas tinha posto um cinturão coberto de aparelhos, com arames que<br />

o conectavam a uma bateria. Tranquilamente tirou um aparelho e estalou um interruptor. O<br />

dispositivo faiscou, houve uma piscada de luzes vermelhas, como um desses jogos de videogame<br />

portáteis.<br />

—O objetivo aconteceu os pontos de controle cinco e doze, senhor.<br />

—Temos o objetivo às cinco - disse Winsloe.<br />

—Sim, senhor. O ponto de controle cinco tem uma câmara com censor de movimento e…<br />

—Não estou perguntando! Digo-o! - disse Winsloe. —Me Mostre a maldita fita!<br />

Ainda tranquilo, Pendecki tirou outro aparelho, desatou o arame de conexão, e o ofereceu<br />

ao Winsloe, que o arrebatou com uma maldição. A expressão do Pendecki não trocou. Estava<br />

acostumado a tratar com o Winsloe ou tinha trabalhado com homens como ele antes. Os outros<br />

130


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

três guardas não estavam tão tranquilos sob pressão. Um dos guardas de adiante tinha começado a<br />

suar. O outro golpeava os dedos do pé contra a terra como se tentasse manter-se quente. O<br />

companheiro do Pendecki estava de pé, imóvel, tenso pelo problema.<br />

Winsloe sustentava uma pequena tela em branco e negro. Pela extremidade do olho,<br />

observei enquanto ele esmurrava os diminutos botões. Uma fita se rebobinou e passeou de novo,<br />

mostrando uns poucos segundos de vídeo infravermelho. Um braço e uma perna apareceram na<br />

tela, logo desapareceram. Winsloe golpeou os botões e o olhou outra vez.<br />

—Ele não é um lobo - disse, levantando a cabeça. —Pode alguém me dizer por que não é<br />

um lobo?<br />

É obvio, ninguém podia. Exceto eu. Esperei até que todos os olhos se giraram em minha<br />

direção, logo respondi — Muitos dos lobisomens que não pertencem à Manada não pode mudar a<br />

vontade - Incluso enquanto as palavras saíam de minha boca as lamentei. Conduziam a outra<br />

pergunta dolorosamente óbvia.<br />

—Que não pertencem à Manada - disse Winsloe. —Então Lake não pode mudar de forma<br />

quando quer. Mas você pode.<br />

—Isso depende de…<br />

—É obvio que pode - disse Winsloe. —Vi a fita.<br />

Compreendi então por que estava aqui eu. Tinha assumido que Winsloe me tinha<br />

convidado para me impressionar com seu jogo, gabar-se de um caçador a outro. Talvez isso era<br />

parte disso. Mas havia uma razão mais profunda pela que me tinha contado a respeito de seus<br />

aparelhos, armadilhas e armas, mas não me tinha deixado me aproximar de seu mapa. Estava-me<br />

advertindo. Se eu me levava mal, se o desgostasse, este seria meu destino. Matasumi poderia não<br />

ser capaz comigo, mas Winsloe se ocuparia. Era jovem, rico e poderoso. A satisfação retardada<br />

não estava em seu vocabulário. Agora mesmo, ele desejava uma caça. Se Lake não podia<br />

proporcioná-la, eu poderia.<br />

Senti meus lábios moverem-se, as palavras saindo. Tratei de me persuadir de que o que<br />

respondi depois nascia de minha vontade de sobreviver. Mas não se sentia dessa forma. Parecia<br />

covardia. Não, pior ainda que covardia. Parecia uma traição.<br />

—Ele mudará se ficar assustado.<br />

Winsloe sorriu, mostrando todos os dentes — Então vão assustá-lo.<br />

FRACASSO<br />

—Ponto de controle oito faz quatro minutos - disse Pendecki.<br />

Winsloe jogou uma olhada por sobre seu ombro para mim, o entusiasmo infantil voltava<br />

para seus olhos —Assim já sabe, não uso o rastreamento dos pontos de controle quando caço.<br />

Não é muito esportivo, camarada. O sistema de câmara nem sequer foi minha idéia. Tucker<br />

insistiu nisso. Conhece o Tucker? O guarda principal?<br />

Assenti com a cabeça, meus dentes tocavam castanholas. Disse-me que não fazia frio, mas<br />

não podia deixar de tremer.<br />

131


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Militares da velha escola. Tão rígidos que nem sequer se pode contar com cães. Depois<br />

de que o xamã fugiu, ele supôs que necessitávamos estas câmaras no caminho. Mais tarde,<br />

quando apanhamos ao Lake, decidi que as câmaras poderiam ser práticas em minhas caças. Como<br />

respondi, não as usamos para rastrear, a não ser para me assegurar que ele se mantém dentro do<br />

perímetro do campo de treinamento. Temos milhas para correr antes de alcançar o limite da<br />

propriedade, mas imagino que os lobisomens são monstros que poderiam ser capazes de correr<br />

bastante longe.<br />

—E se realmente consegue chegar tão longe? Deixar-lhe-á ir?<br />

—Oh, seguro. Cem metros mais à frente do perímetro é liberdade. Essa é minha regra. É<br />

obvio com estas câmaras, asseguramo-nos mais ou menos que nunca chegará tão longe.<br />

—Ponto de controle doze, senhor. Lamento interromper, e estamos bastante perto para que<br />

não haja nenhuma tardança no sinal.<br />

—Ele só o passou?<br />

—Afirmativo.<br />

Winsloe sorriu abertamente. —Aperta o passo, então.<br />

Como grupo, trotamos com o passar do caminho.<br />

—Ponto de controle doze outra vez, senhor.<br />

—Rodeando - festejou Winsloe. —Perfeito. Bom cachorro. Espera aí mesmo.<br />

—Subimos a doze…<br />

Winsloe levantou sua mão para que nos detivéssemos. Sua cabeça se balançava na<br />

escuridão. Então assinalou ao nordeste, onde eu podia cheirar ao Lake a aproximadamente setenta<br />

pés de distância. O mato chispou. O sorriso do Winsloe se alargou. Colocou a mão em sua<br />

jaqueta. Com sua outra mão, fez uma complexa série de movimentos. Os guardas assentiram com<br />

a cabeça. Os dois de adiante levantaram seus rifles. Os dois de atrás silenciosamente estiveram<br />

puseram os seus sobre a terra e tiraram suas pistolas de debaixo de seus casacos. Winsloe tirou<br />

uma granada de sua jaqueta. Deu-se volta para mim com um sorriso e uma piscada, como se não<br />

tivesse estado contemplando minha morte só minutos antes.<br />

Winsloe tirou o pino da granada e a lançou pelo ar. No momento em que a liberou, os<br />

guardas da retaguarda correram, em sentidos contrários, ao redor do caminho da granada. Os<br />

guardas dianteiros apontaram seus rifles mais longe. Quando a granada detonou, os guardas<br />

fizeram fogo. O bosque explorou com a capacidade armamentícia.<br />

—Corre, filho de puta, corre - riu Winsloe. Sorriu-me abertamente. —Acredita que isso o<br />

assustará?<br />

—Se não o matou...<br />

Winsloe rechaçou meu pessimismo, logo fez uma pausa e sorriu abertamente — Ouve<br />

isso? Está-se movendo. Silêncio, moços. Temos um corredor.<br />

***<br />

O caos seguiu a isto. Ao menos para mim isto era o caos. Seis humanos correndo meios<br />

cegos através do espesso bosque depois de um lobisomem aterrorizado não era minha idéia de<br />

uma busca elegante. Quanto mais corríamos, mais ruído levantávamos, mais assustávamos ao<br />

Lake, e mais corria ele. Um círculo vicioso que se terminou só quando Winsloe se deteve,<br />

ofegando e apoiando-se contra uma árvore.<br />

—Tenho que lhe dar uma possibilidade para mudar de forma - respirou com dificuldade<br />

Winsloe.<br />

—Boa idéia, senhor - disse Pendecki, a escuridão escondendo o brilho sarcástico em seus<br />

olhos de todos exceto de mim.<br />

132


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Winsloe se dobrou pela cintura, ofegando. —Está o ar mais espesso aqui?<br />

—Poderia ser, senhor.<br />

Tínhamos subido uma colina? Hmmm, não posso dizer que o notei.<br />

—Deste modo, ele mudaria de forma agora? - perguntou-me Winsloe.<br />

—Deveria - respondi.<br />

Se não estiver totalmente esgotado, pensei. Com sorte, depois da corrida inicial e esta<br />

perseguição, Lake estaria muito esgotado para mudar. Por que esperava isto? Porque não queria<br />

que Winsloe conseguisse sua caça. Queria que este jogo fora tão decepcionante como outros. Se<br />

Lake não dava ao Winsloe a elevação de adrenalina que desejava, Winsloe abandonaria aos<br />

lobisomens como sua teoricamente ―última‖ presa e procuraria em outra parte, tal como o tinha<br />

tido que fazer depois de caçar uma bruxa e um meio demônio. Se Lake enchesse as expectativas<br />

do Winsloe, ele registraria logo as outras celas em busca de outra vítima e, sendo como era a<br />

única lobisomem restante, não era difícil adivinhar em que lugar recairia sua atenção. Gostaria de<br />

me comer em um bolo e realizaria de um puxão todas suas fantasias, embora eu suspeitava que<br />

Ty Winsloe punha mas variedade em suas conquistas de caça que em sua vida sexual.<br />

Um gemido atravessou as árvores. Winsloe deixou de ofegar e levantou a cabeça. Outro<br />

gemido, profundo, dolorido. Os cabelos de meus braços se elevaram.<br />

—Vento? - articulou Winsloe.<br />

Pendecki sacudiu sua cabeça.<br />

Winsloe sorriu abertamente e nos fez gestos para o ruído. Arrastamo-nos pelo bosque até<br />

que um dos guardas de adiante levantou sua mão e assinalou. Através dos matagais, algo pálido<br />

piscava. Inalei, logo afoguei um grito afogado. O aroma pestilento do medo e o pânico alagaram<br />

o claro, um aroma tão forte que me perguntei se Lake tinha perdido o controle de suas vísceras.<br />

Winsloe ficou de coque e avançou pouco a pouco.<br />

—Não - vaiei, agarrando as costas da jaqueta do Winsloe. —Ele está mudando.<br />

Winsloe só sorriu abertamente. —Sei.<br />

—Não quer ver isto.<br />

O sorriso se alargou. —Sim, quero.<br />

Um dos guardas anônimos enterrou seu rifle em meu braço, golpeando minha mão<br />

colocada na jaqueta do Winsloe. Dava-me volta para fulminá-lo com o olhar, mas ele já me tinha<br />

adiantado, alcançando ao Winsloe. Pus-me de coque e esperei que detivesse o Winsloe. Em vez<br />

disso, o guarda deu voltas ao redor dele e tirou um feixe de vegetação que ocultava ao Lake.<br />

—Jesus Cristo! —gritou o guarda, saltando sobre seus pés. —Que merda...!<br />

De uma vez que saltava, tinha tirado a samambaia de raiz, expondo o claro. Uma mancha<br />

imprecisa de carne pálida cintilou de dentro, logo um chiado que fez meus dentes tocar<br />

castanholas. Lake rodava sobre a terra, pernas em alto, protegendo seu sob ventre. Durante um<br />

momento, ele se moveu muito rápido como para que alguém visse mais que a pele. Então ficou<br />

imóvel e todos viram mais. Muito mais.<br />

Um focinho sem cabelos nem lábios sobressaía do meio da cara do Lake, seu nariz ainda<br />

humano grotescamente pego em cima, as fossas nasais flamejavam amplas. Seus olhos estavam<br />

aos lados de sua cabeça no lugar em que seus ouvidos humanos deveriam ter estado. Seus<br />

ouvidos tinham crescido, parecendo-se com os de um morcego, parados a metade de caminho na<br />

parte superior de seu crânio. Uma débil pele aplaudia os dedos de suas mãos e seus pés. Um nu<br />

pedaço de cauda se movia entre suas pernas. A fatia que eu tinha talhado de sua perna se via<br />

brilhante e rosada onde sua pele se estirou até o limite de rasgar as crostas. Suas costas estavam<br />

encurvadas e enroscadas, seu pescoço fundo e sua cabeça inclinada para seu peito.<br />

133


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Que merda lhe passou? - gritou o guarda, ainda retrocedendo, sua mão indo a sua arma.<br />

A fúria me encheu. Isto não era algo que ninguém deveria ver a parte mais privada da vida<br />

de um lobisomem. Este era um lobisomem em seu momento mais vulnerável, nu e horrível, um<br />

verdadeiro monstro, mas nu inclusive dos meios mais básicos de autodefesa. Guia de ruas ou não,<br />

naquele momento, Lake era mais próximo a mim que estes humanos malfadados e pestilentos.<br />

—Está mudando - grunhi. —Que demônios pensou que parecia?<br />

—Não isto - disse Winsloe, olhando fixamente como um menino ante um espetáculo de<br />

monstros de carnaval. —Merda Santa. Pode acreditar isto? É o mais asqueroso…<br />

O focinho sem lábios do Lake se torceu em um bramido de dor. O guarda apontou seu rifle<br />

para o claro e cravou ao Lake.<br />

—Detenham isto! - Gritei, me voltando para o guarda. —Atrás e deixem-no terminar.<br />

Lake se retorceu sobre suas costas, suas mãos cruzadas protegendo seus órgãos vitais. O<br />

guarda empurrou sua arma para diante outra vez. Pendecki se equilibrou sobre ele e agarrou a<br />

arma.<br />

—Ela tem razão - disse Pendecki. —Se quiser sua caça, senhor, eu sugeriria que<br />

fizéssemos o que ela diz. Voltemos e deixemo-lo terminar... independente do que faça.<br />

Winsloe suspirou —Suponho isso. Mas algum dia tenho que ver isso.<br />

—Espere uns dias - disse. —Pode olhar a Sondra Bauer passar por isso.<br />

—Se viver - Ele suspirou, não pela perspectiva da morte de seu colega, mas sim porque a<br />

idéia de sua morte iminente arruinava sua possibilidade de ver uma mudança de lobisomem. —<br />

De acordo. Deixemos de incomodar ao bruto, Bryce. Meia volta, moços. Retrocedamos.<br />

Pendecki e os outros dois guardas voltaram para claro. Bryce não fez caso da ordem, mas<br />

Winsloe não o notou, sua atenção absorvida no espetáculo ante nós. Enquanto Lake se mantinha<br />

imóvel curvado em posição fetal, sua carne começou a retorcer-se, como se serpentes estivessem<br />

apanhadas sob sua pele. O cabelo brotou, levantando-se em uma linha reta desde sua boneca até<br />

seu ombro.<br />

—Jesus! - disse Winsloe.<br />

O cabelo se retraiu e Lake convulsionou, gemendo.<br />

—Retornem - vaiei. —Ele não pode…<br />

Winsloe agitou uma mão pedindo silêncio e avançou pouco a pouco. A cabeça do Lake<br />

girou como louca, tratando de olhar ao Winsloe desde ambos os olhos tão separados ao mesmo<br />

tempo. Suas costas se arquearam e filas idênticas de músculos saltaram de seu pescoço,<br />

engrossando-o a duas vezes sua largura. Os tendões pulsaram, cresceram, encolheram-se,<br />

cresceram, encolheram-se. A mudança se deteve ali, só os músculos do pescoço movendo-se<br />

desde humano a lobo e de volta outra vez.<br />

—O que vai mau? - perguntou Winsloe, não tirando o olho de Lake.<br />

Lake estava pego entre formas. Não disse isto ao Winsloe. Não me atrevi a abrir minha<br />

boca por medo de que, se me movesse no mais mínimo, teria que agarrar ao Winsloe pelos<br />

ombros e jogá-lo nos arbustos, o qual ganharia uma bala dos guardas. Quando olhei ao Lake,<br />

rezei para que o afeto se terminasse. Que lhe permitisse voltar-se lobo ou humano. Algo. Algo.<br />

Ele era um maldito, mas morrer assim? Minhas tripas estavam congeladas de só pensá-lo. O<br />

pesadelo subconsciente de cada lobisomem devia ser ficar pego entre formas, apanhado nesse<br />

corpo monstruoso, disforme, incapaz de mudar para uma ou outra forma. O horror mais<br />

espantoso.<br />

Lake rodou de um lado a outro, ofegando e suando e fazendo sons de dor horrorosos. Seus<br />

músculos se sacudiam e faziam espasmos ao azar. Só seu pescoço trocava de formas, os tendões<br />

134


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

crescendo e encolhendo-se. Teve uma enorme convulsão, e caiu sobre seu flanco. Olhando-me<br />

diretamente. Dava a volta.<br />

—Dê-lhe um tiro - disse tranquilamente.<br />

—Que merda? - Winsloe subiu para me fulminar com o olhar. —Quem dá as ordens aqui?<br />

Você não me diz o que devo fazer. Nunca.<br />

—Ele está apanhado - respondi. —Não pode terminar e não pode voltar atrás.<br />

—Esperaremos.<br />

—Isso não vai a…<br />

—Respondeu, esperaremos.<br />

—Então retrocedamos - Me obriguei a acrescentar, — Por favor. Dê-lhe um pouco de<br />

privacidade.<br />

Winsloe grunhiu e me lançou outro olhar letal, mas gesticulou para outros para que<br />

retrocedessem, embora os outros três guardas já estavam a dez metros da espessura. Bryce não<br />

pôde resistir um último golpezinho. Quando ele empurrou seu rifle para frente, as mãos do Lake<br />

voaram a seus flancos.<br />

—Olhe...! - Comecei.<br />

Com um chiado desumano, Lake se levantou sobre seus braços e se jogou em si mesmo<br />

contra Bryce. O guarda disparou. Lake chiou e caiu para trás, golpeou a terra, e passou roçando o<br />

mato, deixando um rastro de sangue em seu caminho como uma lesma.<br />

—Que demônios faz? - bramou Winsloe. Disparou-lhe!<br />

—Ele atacou...<br />

—Retorna! - gritou Winsloe, cuspindo saliva. —Todos vocês. Retornem. Agora!<br />

O mato rangeu. Todos saltaram. Bryce e outro guarda levantaram suas armas.<br />

—Armas abaixo! - disse Winsloe. —Deixem as malditas armas!<br />

Congelamo-nos e escutamos o silêncio. O aroma do Lake estava em todas as partes. Girei<br />

minha cabeça, me sentindo em casa ao cheirá-lo.<br />

—Bem - disse Winsloe, inalando profundamente. —Bem, foi uma maldita coisa. Agora,<br />

isto é o que vamos fazer, e se ouvir um maldito disparo mais, melhor para mim. É…<br />

Os arbustos exploraram. Bryce levantou seu rifle.<br />

—Não se atreva a fazê-lo! - gritou Winsloe.<br />

O corpo disforme do Lake voou pelo ar. Dois tiros soaram. Caí-me. A terra se estremeceu<br />

uma vez, logo duas vezes mais. Um gemido. Um gemido muito humano. Levantei minha cabeça<br />

para ver o Bryce a meu lado no mato, sua cabeça de flanco, seus olhos fixos em meus. Sua boca<br />

se abriu. A espuma sangrenta borbulhou. Tossiu uma vez. Então ficou quieto. Tirei meu olhar de<br />

seus olhos mortos e olhei ao redor. Lake estava a meu outro lado, tinha um buraco sangrento em<br />

sua frente.<br />

Lutei para me pôr de pé, tratando de entender como Lake poderia ter matado ao Bryce tão<br />

rapidamente. Quando estive de pé, vi o buraco de bala no peito do Bryce. Atrás dele, Winsloe<br />

arrojou sua pistola ao chão.<br />

—Pode acreditá-lo? - gritou. —Pode acreditá-lo? Ordenei que não disparasse. Uma ordem<br />

direta. Ele matou a meu lobisomem. Deu um tiro em meu lobisomem.<br />

Só Pendecki se moveu, mas seus membros não coordenavam. Caiu torpemente, ajoelhouse<br />

ao lado do cadáver do Bryce, seus dedos tremiam quando sentiu seu pulso.<br />

—Maldito estúpido! - gritou Winsloe ao céu. Apertou seus punhos a seus flancos, sua cara<br />

purpúrea de raiva. Avançou e lhe deu uma patada ao corpo do Bryce. —Ordenei que não<br />

disparasse. Ouviu alguém que eu ordenava que não fizessem fogo?<br />

135


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—S-im, senhor - disse Pendecki.<br />

Winsloe girou para mim. Meu coração se deteve.<br />

—Levem-se a daqui - disse. —Leva-a de volta a sua jaula de merda. Vão. Todos vocês.<br />

Saiam de minha maldita vista antes que eu… - avançou a pernadas ao lugar onde estava sua<br />

pistola no mato.<br />

Estávamos fora de sua vista antes que desse a volta.<br />

ENFERMEIRA<br />

Eu era a seguinte.<br />

Quando os guardas me devolveram a minha cela, sentei-me no bordo da cama e não me<br />

movi durante três horas. A caça do Winsloe tinha sido um desastre maior o que eu poderia ter<br />

sonhado. Era o que eu tinha querido, verdade? No bosque me tinha parecido tudo tão claro. Se a<br />

caça falhasse, eu estaria segura. Mas não estava segura. Era a seguinte.<br />

Tinha raciocinado que se Winsloe não conseguisse o que queria do Lake, deixá-lo-ia.<br />

Tinha-me equivocado. Esta noite não tinha sido uma desilusão menor para o Winsloe. Tinha sido<br />

um fracasso. Um abjeto fracasso. Como reagiria ele a isto? Zangando-se, pisando em forte,<br />

assassinando um guarda, e avançar a uma nova fonte de diversão? Seguro. Esse era justo o tipo de<br />

reação ao fracasso que teria ajudado ao Winsloe a construir uma das corporações maiores no setor<br />

informático. Não, este ―reverso‖ não deteria o Winsloe. Para a gente como Tyrone Winsloe o<br />

fracasso não era um obstáculo a ser vencido, mas sim era algo que destruir e fazer voar na<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

estratosfera, destruir tão a fundo que não deixasse nem sequer uma marca em seu orgulho. Tendo<br />

falhado -e falhado ante um público de seres inferiores- ele retrocederia, analisaria a situação, a<br />

fonte de seu fracasso, arrumá-lo-ia, e começaria desde o começo. Quando tivesse determinado o<br />

que tinha saído mal e se assegurou que não passasse outra vez, viria por mim. Não podia esperar<br />

a ser resgatada. Tinha que atuar.<br />

Agora, isto tinha perfeito sentido, isto de entrar em ação. Mas tinha perdido os últimos três<br />

dias vadiando em minha cela ignorando absolutamente boas saídas de fuga. Se soubesse como<br />

sair, o teria feito. Meu único plano tinha sido me congraçar com Bauer. Grande plano, realmente,<br />

excluindo o pequeno probleminha dela convertendo-se em lobisomem e morrendo. De acordo, ela<br />

não estava morta ainda, mas até se recuperasse, não estaria em condições de me ajudar. Ou sim?<br />

Eu não tinha mentido ao Carmichael quando havia dito que não podia ajudar a Bauer. Mas<br />

Jeremy poderia. Se pudesse me comunicar com ele, talvez poderia salvar a vida de Bauer, e se<br />

salvasse sua vida, talvez ela se sentiria bastante endividada comigo para me ajudar. Muitos ses e<br />

possivelmente nesse plano, mas era tudo o que tinha.<br />

Formulei meu curso da ação com um detalhismo lógico que meio me impressionou e meio<br />

me assustou. Me sentando na cama, olhando o relógio digital passar os minutos, logo horas, e não<br />

senti nada. Absolutamente nada. Recordei o rechaço do Clay e não senti nada. Recordei Bauer<br />

afundando a seringa de injeção no braço e não senti nada. Recordei ao Lake apanhado em sua<br />

mudança, o guarda morto a meu lado, a raiva frustrada do Winsloe. De todos os modos não senti<br />

nada. Dois e trinta, três, três e trinta. O passado do tempo absorvia cada partícula de minha<br />

atenção. Às quatro avancei com meu plano. As quatro e trinta olhei o relógio e compreendi que<br />

uma meia hora tinha passado. Onde se tinha ido? O que tinha feito eu? Não importava. Nada<br />

importava, realmente. Jeremy e Paige dormiriam. Não devia incomodá-los. As cinco. Talvez<br />

deveria tratar de me pôr em contato com o Paige. Manter-lhe preparada para o conselho do<br />

Jeremy enquanto os guardas traziam meu café da manhã. De todos os modos, tomava esforço.<br />

Tanto esforço. Era muito mais fácil olhar o relógio e esperar. Todo o tempo do mundo. Cinco e<br />

trinta. Possivelmente Jeremy se levantaria já. Não quereria despertá-lo. Não era realmente<br />

importante. Poderia tentá-lo, entretanto. Poderia levar um momento conseguir que Paige me<br />

agarrasse. Não tinha sentido atrasá-lo. Às seis. Seis…? Onde…? Não importa. Façamos um<br />

intento.<br />

Tentei-o. Nada passou. É obvio nada passou. O que me fazia pensar que algo aconteceria?<br />

Não era eu a que contava com capacidades telepáticas. Nunca me ocorreu este pensamento.<br />

Mentalmente chamei Paige, e quando ela não respondeu, pensei, ―Né!, que estranho‖, e o segui<br />

tentando. Bem, então meu cérebro não trabalhava com todos os cilindros. Nas últimas dezoito<br />

horas tinha sido rechaçada por meu amante, vi minha única esperança de liberdade converter-se<br />

em um lobisomem, e descobri que o investidor principal neste projeto era um psicopata com um<br />

fetiche pelas mulheres atléticas e caça de monstros. Tinha direito a fazer voar alguns de meus<br />

circuitos mentais.<br />

Finalmente aceitei que não podia me pôr em contato com Paige. Então esperei a que ela<br />

ficasse em contato comigo. E esperei. E esperei. Veio café da manhã. Ignorei-o. O café da manhã<br />

se foi.<br />

Às nove e trinta, Paige tratou de ficar em contato comigo. Ou acredito que o fez. Começou<br />

com uma dor de cabeça, como no dia anterior. À primeira pontada de tensão, tinha saltado da<br />

cama, estirei-me, fechei meus olhos, e esperei. Nada passou. A dor de cabeça diminuiu,<br />

desapareceu, logo voltou uma meia hora mais tarde. Ainda estava na cama, com medo incluso de<br />

mudar de posição por medo a bloquear a transmissão de Paige. Novamente, nada passou. Relaxei-<br />

137


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

me. Imaginei me abrir, imaginei me dirigir a Paige, imaginou cada parte possível de imagens<br />

condizentes que pude. Não foi tão quando o nu sussurro recompensou meus esforços.<br />

E se Paige não pudesse entrar em contato comigo? E se não fosse bastante forte, se a vez<br />

passada tivesse sido uma coisa de sorte? E se eu tivesse bloqueado coisas quando tinha talhado<br />

por descuido a união? E se, agora mesmo, alguma parte profunda de minha psique resistisse ao<br />

contato, aterrorizada pelo rechaço adicional? E se o dano fosse permanente? E se fosse sozinho...<br />

Para sempre?<br />

Não, não era possível. Paige voltaria. Encontraria uma forma, e eu falaria com o Jeremy e<br />

tudo estaria bem. Isto era temporário. Talvez ela não tinha estado tratando de ficar em contato<br />

comigo. Talvez eu só tinha uma dor de cabeça, completamente compreensível dadas as<br />

circunstâncias.<br />

Paige voltaria, mas eu não ficaria vadiando enquanto esperava. A ação era a única para o<br />

pânico. Tinha um plano. Sim, seria mais fácil se tivesse o conselho do Jeremy, mas poderia<br />

começar sozinha. Tudo o que tinha que fazer era recordar minha própria transformação colocando<br />

mão no mais profundo, as gretas que com mais cuidado tinha suprimido de minha psique e tirar<br />

as lembranças do Inferno. Nenhum problema.<br />

Duas horas mais tarde, empapada de suor, saí sem minhas lembranças. Durante os vinte<br />

minutos seguintes, sentei-me no bordo da cama, reunindo os pedaços de mim mesma. Então fui e<br />

tomei banho. Estava preparada.<br />

***<br />

Durante o almoço disse aos guardas que queria ver Carmichael. Não responderam. Nunca<br />

me falaram mais do necessário. Uma meia hora mais tarde, quando tinha começado a suspeitar<br />

que não tinham feito caso de minha petição, voltaram com o Matasumi. Isto complicava meu<br />

plano. Enquanto Matasumi parecia querer ajudar a Bauer, ele não estava inclinado a fazer algo<br />

assim a custa me tirar de minha jaula. Se fizesse o que queria, não acredito que os cativos<br />

pudessem pôr um pé fora de suas celas a partir do momento em que eram capturados até que<br />

alguém viesse para tirar a cabeça de gado morta.<br />

Finalmente, persuadi Matasumi a me levar acima, a condição de que fora algemada, com<br />

cadeias nas pernas, e fosse acompanhada por um grupo de guardas que me impedissem de me pôr<br />

a menos de dez metros do Matasumi. No hospital Matasumi me deixou para que encontrasse<br />

Carmichael. Três guardas me escoltaram dentro enquanto outros bloqueavam a saída pela sala de<br />

espera.<br />

Bauer jazia na primeira cama. Ao lado dela, Tess lia uma novela de mistério em edição<br />

rústica e cuidava suas cutículas. Quando Tess me viu, sacudiu-se alarmada, logo notou os guardas<br />

e se conformou amassando-se no respaldo antes de reatar a leitura.<br />

Na cama de hospital, Bauer pareceu inclusive mais régia e tranquila que em vida. Seu<br />

cabelo loiro escuro se dispersava sobre um travesseiro branco antigo. As linhas finas ao redor de<br />

seus olhos e boca tinham desaparecido, desaparecido no rosto de alguém da metade de sua idade.<br />

Seus olhos estavam fechados, suas pestanas descansavam contra a branca pele impecável. Seus<br />

lábios plenos se torciam no mais fraco dos sorrisos. Absolutamente quieta, tranquilo, e<br />

etereamente formosa. Em resumo, ela parecia morta.<br />

Só a elegante ascensão e queda de seu peito me dizia que não era muito tarde, que eles não<br />

tinham posto a Bauer ali para uma autópsia. De todos os modos, o impulso de felicitar ao<br />

cosmetólogo mortuário era quase esmagador. Quase. Guardei meus comentários para mim. De<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

algum jeito duvidava que meu auditório os apreciasse.<br />

—Pacífica - a voz do Carmichael disse detrás de mim.<br />

—Ela não está encadeada - respondi quando Carmichael caminhou ao redor da cama e<br />

agitou ao Tess.<br />

—Os flancos da cama são bastante altos para acautelar acidentes.<br />

—Não do tipo que estou pensando. Ela necessita cadeias nas pernas e braços. Os melhores<br />

que puder encontrar.<br />

—Ela dorme profundamente. Não…<br />

—Encadeie-a ou parto.<br />

Carmichael deixou de verificar o pulso de Bauer e elevou a vista bruscamente —Não me<br />

ameace, Elena. Admitiu frente ao Doutor Matasumi que pode ajudar a Sondra, e vai fazê-lo, sem<br />

condições. Ao primeiro sinal de uma reação violenta, encadeá-la-ei.<br />

—Não será capaz de fazê-lo.<br />

—Então os guardas o farão. Quero que ela esteja cômoda. Se isto for tudo o que posso<br />

fazer, então está bem.<br />

—Nobres sentimentos. Alguma vez se perguntou quão cômodos estamos no bloco de<br />

celas? Ou não contamos? Não sendo humano e tudo isso, suponho que não estamos cobertos pelo<br />

juramento Hipocrático.<br />

—Não comece isto - Carmichael reatou sua revisão dos sinais vitais de Bauer.<br />

—Tem seus motivos para fazer isto, verdade? Motivos bons, morais. Como todos outros<br />

aqui. Posso adivinhar o seu? Vejamos... descobrir brechas médicas inimagináveis que beneficiará<br />

a toda espécie humana. Estou perto?<br />

A boca do Carmichael se apertou, mas manteve seus olhos em Bauer.<br />

—Wow - disse. —Boa conjectura. Então justifica o encarceramento, a tortura, e a matança<br />

de seres inocentes com as esperanças de criar uma super raça humana? Onde conseguiu sua<br />

licença, Doutora? Auschwitz?<br />

Sua mão se apertou ao redor do estetoscópio, e pensei que ia me lançar isso. Em vez disso,<br />

apertou-o até que seus nódulos se branquearam, então inalou e olhou por diante de mim aos<br />

guardas.<br />

—Por favor devolvam à Sra. Michaels… - Ela se deteve e girou seu olhar para a minha.<br />

—Não, isto é o que quer, verdade? Ser devolvida a sua cela, aliviada de suas obrigações. Bem,<br />

não o farei. Vai dizer-me como tratá-la.<br />

O corpo de Bauer estava rígido. Um tremor a percorreu. Então seus braços voaram,<br />

golpeando com força. Suas costas se arquearam contra a cama, e começou a convulsionar.<br />

—Agarra suas pernas - gritou Carmichael.<br />

—Encadeiem-na.<br />

As pernas de Bauer voaram, um joelho golpeou a Carmichael no peito quando ela se<br />

inclinou para dominá-la. Carmichael voou para trás, o ar escapou de seus pulmões, mas ela<br />

ricocheteou em um segundo e se lançou sobre o torso de Bauer. Os guardas trotaram através do<br />

quarto e se dispersaram ao redor da cama. Um agarrou os tornozelos de Bauer. Suas pernas<br />

convulsionaram, e ele perdeu seu agarre, caindo para trás e derrubando um carro ao chão. Os<br />

outros dois guardas se olharam um ao outro. A gente tomou sua arma.<br />

—Não! - disse Carmichael. —É só um movimento. Elena, agarre suas pernas!<br />

Afastei-me da mesa —Encadeia-a.<br />

A parte superior do corpo de Bauer se elevou, lançando a Carmichael ao chão. Bauer se<br />

sentou direita, logo seus braços voaram, fazendo em um círculo perfeito. Quando passaram por<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

sobre sua cabeça, não viraram de curso para voltar para a normalidade de postura. Em vez disso,<br />

foram-se diretamente para trás. Houve um dobro estalo de ombros deslocados.<br />

Carmichael agarrou as correias magras que penduravam dos lados da cama. Estive a ponto<br />

de lhe dizer que Bauer devia ser retida com algo dez vezes mais forte, mas eu sabia que tinha ido<br />

já muito longe, convertendo isto em uma luta de vontades que a doutora não perderia. O guarda<br />

que tinha agarrado as pernas de Bauer deu um passo tentativo para diante.<br />

—Retorna! - Grunhi.<br />

Caminhei para os pés da cama, ignorando os esforços frenéticos do Carmichael para atar<br />

as restrições da cama, prestando atenção só aos movimentos das pernas de Bauer. Quando passei<br />

o carro derrubado, recolhi dois cilindros de ataduras. Contei os segundos entre as convulsões,<br />

esperei a próxima para me aproximar, logo agarrei os tornozelos Bauer com uma mão.<br />

—Toma isto - respondi, lançando um cilindro de atadura ao guarda mais próximo. —Ata<br />

uma ponta a seu tornozelo, a outra à cama. Não o faça apertado. Romperá suas pernas. Se mova<br />

rápido. Tem vinte segundos.<br />

Enquanto falava, atei a perna esquerda de Bauer ao pilar de cama, lhe deixando bastante<br />

espaço para mover-se sem fazer-se dano a si mesma. Carmichael recolheu outro cilindro de<br />

atadura do chão e agarrou os braços de Bauer, esquivando como um vôo torpemente.<br />

—Conta… - comecei.<br />

—Sei - cuspiu Carmichael.<br />

Conseguimos atar os braços de Bauer, suas pernas, e torso soltos à cama, agora poderia<br />

convulsionar sem fazer-se dano. O suor emanava dela em riachos almiscarados, pestilentos. A<br />

urina e a diarréia acrescentavam seu próprio fedor ao conjunto. Bauer tinha náuseas, vomitava<br />

bílis esverdeada, sob sua camisola de noite cheirava asqueroso. Então começou a mover-se outra<br />

vez, seu torso se arqueava em um semicírculo impossivelmente perfeito fora da cama. Uivou,<br />

seus olhos fechados inchando-se contra as pálpebras. Carmichael correu através do quarto para<br />

trazer uma bandeja de seringas de injeção.<br />

—Tranquilizadores? - Perguntei. —Não pode fazer isso.<br />

Carmichael encheu uma seringa de injeção — Ela sofre.<br />

—Seu corpo tem que trabalhar por isso. Os tranquilizadores só o farão mais difícil a<br />

próxima vez.<br />

—Então, que espera que faça?<br />

—Nada - respondi, me deixando cair em uma cadeira. —Recoste-se, relaxe-se, observe.<br />

Inclusive tome notas. Estou segura de que Doutor Matasumi não quereria que ignorasse uma<br />

oportunidade educativa tão única.<br />

***<br />

Os estremecimentos de Bauer terminaram uma hora mais tarde. Para então seu corpo<br />

estava tão esgotado que nem sequer se estremeceu quando Carmichael fixou seus ombros<br />

deslocados. Ao redor da hora de comer tivemos outra mini crise quando a temperatura de Bauer<br />

se elevou. Outra vez, adverti a Carmichael contra tudo, além dos procedimentos de primeiros<br />

socorros mais benignos. Compressas frescas, água entre seus lábios ressecados, e muita<br />

paciência. Tanto como fosse possível, o corpo de Bauer devia ser deixado em paz para trabalhar<br />

na transformação. Uma vez que sua temperatura caiu, Bauer dormiu, que era a melhor medicina e<br />

a mais humana de todas.<br />

Quando nada mais passou até as dez, Carmichael deixou que os guardas me levassem de<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

volta a minha cela. Tomei banho, pus-me roupa, e deixei o banheiro para encontrar que não<br />

estava sozinha.<br />

—Sai de minha cama - disse.<br />

—Comprido dia? - perguntou Xavier.<br />

Lancei-lhe minha toalha, mas ele só se teletransportou à cabeceira.<br />

—Sensível, sensível. Esperava uma saudação mais hospitaleira. Não te aborreceu falar<br />

com humanos ainda?<br />

—A última vez que falamos, deixou-me ―algemada‖ em um quarto com um guia de ruas<br />

enfurecido.<br />

—Não te levei. Estava ali.<br />

Grunhi e agarrei um livro da prateleira. Xavier desapareceu. Esperei o brilho que<br />

pressagiava seu reaparecimento, logo lancei o livro.<br />

—Merda - grunhiu quando o livro golpeou seu peito. —Aprende rápido. E leva um bom<br />

rancor. Não sei por que. Não parecia que não pudesse dirigir ao Lake. Eu estava aí. Se algo se<br />

descarrilou, poderia havê-lo detido.<br />

—Estou segura que poderia.<br />

—É obvio. Estava sob ordens estritas de não deixar que nada te passasse.<br />

Agarrei outro livro.<br />

Xavier estendeu seus braços para rechaçá-lo. —Hey, vamos. Jogo agradável. Vim aqui<br />

para falar contigo.<br />

—Sobre o que?<br />

—O que seja. Aborreço-me.<br />

Resisti ao impulso de lançar o livro e o pus de volta na prateleira. —Bom, sempre pode se<br />

converter em um lobisomem. Parece ser a saída comum para o tédio por estes lados.<br />

Ele se aproximou mais à cama. —Não brinque. Pode acreditar isto? Sondra, de toda a<br />

gente. Não é que eu não possa imaginar a um humano que queira ser algo mais, mas ela deve ter<br />

algum parafuso solto para fazê-lo dessa maneira. Tem que passar, depois de tudo. Toda a<br />

exposição. Os complexos de inferioridade são inevitáveis.<br />

—Complexos de inferioridade?<br />

—Seguro - Ele captou minha expressão e pôs os olhos em branco. —Oh, por favor. Não<br />

me diga que é uma desses que pensa que os humanos e os sobrenaturais são iguais. Temos todas<br />

as vantagens dos seres humanos e mais ainda. Isso nos faz superiores. Mas ainda, agora pensa<br />

nesses humanos que, depois de uma vida de acreditar que estão no mais alto da escala evolutiva,<br />

dão-se conta que não o estão. Pior ainda, descobrem que poderiam ser algo melhor. Não podem<br />

converter-se no meio demônio, é obvio. Mas quando os humanos vejam o que as outras raças<br />

podem fazer, querê-lo-ão. É o putrefato centro de todo este plano. Não importa quão altruísta<br />

sejam seus motivos, finalmente todos quererão um pedaço. O outro dia…<br />

Ele se deteve, jogou uma olhada ao vidro transparente de direção única como se<br />

verificasse que não havia bisbilhoteiros, logo desapareceu durante um segundo e reapareceu. —O<br />

outro dia, fui ao escritório do Larry, e sabe o que fazia? Praticava feitiços. Agora, ele diz que<br />

conduzia uma investigação científica, mas sabe que isso é um montão de merda. Sondra é só o<br />

princípio.<br />

—Então, o que vai fazer a respeito disto?<br />

—Fazer? - Seus olhos se alargaram. —Se a raça humana está tentando destruir-se a si<br />

mesma, é seu problema. Enquanto que me paguem em grandes dólares por ajudar, sou um tipo<br />

feliz.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Simpática atitude.<br />

—Honesta atitude. Então me diga…<br />

A porta fez clique e ele se deteve. Uma vez aberta, dois guardas entraram, conduzidos por<br />

um homem uniformizado mais velho com um corte de cabelo ao corte de barba e perfurantes<br />

olhos azuis.<br />

—Reese - grunhiu ao Xavier. —O que faz aqui?<br />

—Só mantendo a nossos presidiários felizes. Os femininos ao menos. Elena, este é Tucker.<br />

Ele prefere que lhe digam Coronel Tucker, mas seu nível militar é um pouco truculento. Passar<br />

por conselho de guerra e todo isso.<br />

—Reese… - começou Tucker, logo se deteve, endireitou-se, e se girou para mim. —Você<br />

é requerida acima, senhorita. A doutora Carmichael pediu por você.<br />

—Está bem a Sra. Bauer? - Perguntei.<br />

—A doutora Carmichael nos pediu lhe levar.<br />

—Nunca espere uma resposta direta dos ex-militares - disse Xavier. Saltou da cama. —Te<br />

levarei acima.<br />

—Não necessitamos sua ajuda, Reese - disse Tucker, mas Xavier me tinha empurrado já<br />

para a porta.<br />

Quando passei frente à cela da Ruth, notei que estava vazia.<br />

—Ruth está bem? - Perguntei.<br />

—Ninguém te contou? - disse Xavier. —Ouvi que tinha feito uma sugestão a Sondra antes<br />

que ela se lançasse à loucura.<br />

—Sugestão? Oh, claro. Para que Ruth visitasse a Savannah. Eles a deixaram?<br />

—Ainda melhor. Vêem olhar.<br />

Xavier encabeçou a fila para as celas.<br />

CRISE<br />

—A doutora Carmichael a quer acima agora - disse Tucker.<br />

Xavier seguiu andando, de modo que o segui. Joguei uma olhada em cada cela enquanto<br />

passamos. Armem Haig estava sentado em sua mesa lendo uma National Geographic. Leah<br />

dormia a sesta na cama. A cela do sacerdote Vodú estava vazia. Havê-lo-ia Matasumi ―removido‖<br />

do programa? Tremi ao pensá-lo, outro aviso do que aconteceria quando os cativos<br />

sobrevivessem a sua utilidade.<br />

Quando passamos diante da cela de Savannah, Xavier alcançou o trinco.<br />

—Não te atreva - vaiou Tucker, avançando a pernadas para nós.<br />

—Relaxe-se, ancião. Dará-lhe um ataque cardíaco.<br />

—Estou em melhor forma de que você estará alguma vez, moço. Não leve a esta...<br />

senhorita a essa cela.<br />

—Por quê? Teme que o que vá passar? Quatro seres sobrenaturais em um lugar. Imagine a<br />

concentração incrível de energia psíquica - disse Xavier em uma imitação passável do Matasumi.<br />

Xavier abriu a porta. Savannah e Ruth estavam sentadas à mesa, suas cabeças juntas<br />

enquanto Ruth desenhava linhas imaginárias sobre um tabuleiro. Quando a porta se abriu, elas se<br />

apartaram.<br />

—Oh, só é você - disse Savannah quando Xavier entrou. —O que acontece? Já não pode<br />

atravessar mais pelas paredes? Deve ser uma vergonha, perder seu solitário e único poder.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Não é um amor? - disse Xavier, olhando para mim enquanto Ruth fazia calar ao<br />

Savannah.<br />

Ignorando à mulher mais velha, Savannah se parou e estirou o pescoço para ver atrás do<br />

Xavier.<br />

—Quem está contigo? - perguntou.<br />

—Uma convidada - disse Xavier. —Mas se não ir for agradável…<br />

Savannah o adiantou e olhou para mim. Ela sorriu. —Você é a nova, a lobisomem.<br />

—Seu nome é Elena, querida - disse Ruth. —Não é cortês…<br />

—Um lobisomem. Vamos isso é verdadeiro poder - disse Savannah, lançando um olhar ao<br />

Xavier.<br />

—Entra, Elena - disse Ruth. Quando o fiz, ela me abraçou. —Como está, querida?<br />

—Sobrevivendo.<br />

—Ouvi a coisa mais horrível sobre essa pobre senhorita Bauer…<br />

—Então, o que acontece muda a lobo? - perguntou Savannah. —Dói? É espetacular? Vi<br />

esse filme uma vez, sobre lobisomem, e o focinho saía diretamente pela boca desse tipo e rasgava<br />

sua cabeça…<br />

—Savannah! - disse Ruth.<br />

—Está bem - respondi, sorrindo. —Mas não temos muito tempo. Eles me levam acima -<br />

Joguei uma olhada a Ruth. —Vai tudo bem?<br />

Ruth olhou a Savannah. Uma faísca de orgulho penetrou sua exasperação.<br />

—Muito bem - disse Ruth.<br />

—Tucker se está agitando - disse Xavier. —Deveríamos ir.<br />

—Trá-la algum dia - disse Savannah, voltando para seu assento. —E traz barrinhas Mares<br />

também.<br />

—E me recorde, o que deveria me obrigar te fazer esses favores? - disse Xavier. —Seu<br />

encanto ilimitado?<br />

Savannah soltou um suspiro fingido, seus olhos cintilaram com uma astúcia que era meio<br />

de menina, e meio de mulher. —Bem. Consiga-me algumas barras de caramelo e jogarei<br />

monopólio contigo. Já que se põe tão aborrecido.<br />

—Não acredito que seja uma idéia tão boa, querida - sussurrou Ruth.<br />

—Está bem - disse Savannah. —Ele realmente é um jogador como a merda de mau.<br />

Podemos ganhar entre nós duas.<br />

Havia ainda algo que eu tinha que dizer a Ruth, mas não me ocorria como fazê-lo sem que<br />

Xavier ouvisse por acaso. Não me atrevia a pedir falar com a Ruth em privado. Inclusive se eu<br />

pudesse, Onde encontraríamos intimidade em um cubo de vidro transparente?<br />

—Se tiver problemas te ponha em contato com Paige - disse Ruth.<br />

Saltei e joguei uma olhada ao Xavier. Ele ainda brincava com a Savannah.<br />

—Não pode me ouvir - disse Ruth. —Não responda em voz alta, entretanto. O conjuro só<br />

serve para mim. Só concorde com a cabeça.<br />

Assenti com a cabeça.<br />

Ruth suspirou —Tenho um pouco de temor. Falei-lhe ontem, mas quando tentei fazê-lo<br />

esta manhã, não pude me pôr em contato contigo ou com ela. Possivelmente é porque concentro<br />

muito de meu poder na menina. Não tinha idéia de quão capitalista podia ser Savannah. Sua mãe<br />

tinha um grande potencial, mas ela nunca cumpriu com ele. Muito indisciplinada. Muito inclinada<br />

para... coisas mais escuras. Com a formação apropriada, esta poderia ser… - Se deteve. —Mas<br />

isto é assunto de bruxas. Não te aborrecerei com isso. Unicamente e por favor te assegure que<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

consegue contatar a Paige. Depois do que estou fazendo, Savannah não deve ser deixada sozinha.<br />

Quanto a obter o contato novamente, trata de te relaxar, querida. Já funcionará. Se meu poder<br />

voltar, comunicar-me-ei com Paige eu mesma e te trarei uma mensagem.<br />

—… pôker? - perguntava-me Savannah.<br />

—Hmmm? - Respondi.<br />

—Joga pôquer - disse ela. —Xavier diz que ele não jogará porque necessitamos uma<br />

quarta pessoa, mas acredito temente que será vencido por uma garota.<br />

—Boa noite, Savannah - disse Xavier, me empurrando fora da cela.<br />

—Não das barras Mares escuros - gritou Savannah atrás dele. —Me fazem sair grãos.<br />

Xavier riu entre dentes e fechou a porta. Tucker ainda estava de pé no corredor, com os<br />

braços cruzados.<br />

—E? - perguntou-lhe Xavier. —Vê algum tipo de objeto voador não identificado?<br />

Derrubaram-se as paredes?<br />

Tucker só fulminou com o olhar. Xavier sorriu abertamente e me conduziu para a saída.<br />

—Não acredita nessa explicação da energia psíquica? - Perguntei enquanto<br />

caminhávamos. —O que acredita que é? Um duende?<br />

—Du…? - começou ele, então seu lábio se curvou. —Leah.<br />

—Ela parece acreditar…<br />

—Sei o que ela pensa - Xavier abriu a porta de segurança. —Sua teoria de duendes.<br />

—Ali está! - chamou uma voz.<br />

Olhei para ver Carmichael correr para nós.<br />

—Você - disse ao Xavier. —Deveria havê-lo adivinhado. Pedi que Elena viesse faz mais<br />

de vinte minutos.<br />

—Se fosse uma emergência, teria ido você mesma - disse Xavier.<br />

—É uma emergência agora - Ela a tirou de nosso meio. —Vá fazer algo útil por uma vez.<br />

Talvez possa ajudar…<br />

Xavier desapareceu. Carmichael suspirou e sacudiu sua cabeça, logo agarrou meu cotovelo<br />

e me empurrou ao elevador. Quando avançamos pelo corredor para o hospital, agarrei uns<br />

pedaços de conversa depois de uma porta fechada. A isolação amortecia as vozes quase até o<br />

ponto de escuridão, inclusive para mim. Alguém parecia ser Matasumi. O outro era desconhecido,<br />

homem com matizes de um acento melodioso.<br />

—Vampiros? - disse a voz desconhecida. —Quem lhe deu permissão para capturar um<br />

vampiro?<br />

—Ninguém tem que lhe dar a permissão - disse Matasumi, sua voz próxima a um sussurro,<br />

embora ninguém exceto um lobisomem pudesse ouvir através das paredes tiradas o som. —Com<br />

a Sondra incapacitada, ele começa a lançar seus dardos a outros lados. Quer que você nos diga<br />

onde podemos encontrar um vampiro.<br />

―Ele‖ tinha que ser Winsloe. E o segundo homem? Bauer disse que um feiticeiro lhes<br />

ajudava a encontrar potenciais cativos. Este era o evasivo Isaac Katzen? Reduzi a marcha para<br />

escutar quando passamos por diante da porta.<br />

—Perde seu tempo com isto, Lawrence - disse o homem. —Sabe que o faz. Tem que dar<br />

marcha atrás. Diga-lhe que não. Demos-lhe dois lobisomem. Isso é o bastante. Temos que apontar<br />

às raças mais altas. Os lobisomens e os vampiros são brutos comuns, conduzidos completamente<br />

por necessidades físicas. Não têm nenhum objetivo mais alto. Nenhum uso mais alto.<br />

—Isso não é completamente certo - disse Matasumi. —Embora eu esteja de acordo em<br />

que deveríamos nos concentrar nos feiticeiros, os lobisomens proporcionam perspectivas<br />

144


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

inestimáveis da natureza do poder físico e sensorial. Um vampiro poderia ser útil para…<br />

—Maldição! Não posso acreditar isto! Está tão louco como Sondra! Seduzido por...<br />

Sua voz se acalmou quando Carmichael me empurrou pelo corredor. Pretendi tropeçar, me<br />

dando tempo para ouvir mais, mas as vozes se silenciaram até que já não pude me deter mais<br />

tempo e tive que seguir ao Carmichael ao hospital.<br />

***<br />

Não havia nenhuma emergência. Do ponto onde Bauer se injetou saía a fervuras um pus<br />

espesso, pestilento, matizado com sangue e se inchou ao tamanho de uma bola de golfe, que<br />

ameaçava cortando a circulação de seu braço. Bem, talvez isto seria normalmente uma causa de<br />

alarme, mas na metamorfose de humano a lobisomem, isto era só uma de várias dúzias de<br />

barreiras que ameaçavam potencialmente a vida. Outra vez, aconselhei ao Carmichael contra<br />

curas médicas de fantasia. A transformação tinha que seguir seu curso. A medicina simples, quase<br />

primitiva era a única solução. Neste caso, significava limpar a ferida, aplicar compressas para<br />

reduzir o inchaço e vigiar a temperatura. Durante tudo isto, Bauer se manteve adormecida. Não<br />

tinha recuperado nem uma vez o conhecimento do desmoronamento em minha cela. A natureza<br />

tinha assumido o controle, apagando o cérebro para enviar todos os recursos ao corpo durante<br />

este período crucial.<br />

Uma vez que a crise passou, Carmichael decidiu que eu deveria ficar permanentemente no<br />

hospital. Hey, eu não o discutiria. Algo por estar fora de minha cela e um nível mais perto da<br />

liberdade. Naturalmente, Matasumi não as tinha com a idéia. Discutiu com Carmichael e, como<br />

de costume, perdeu. Deram-me uma cama no hospital e guardas as vinte e quatro horas, um no<br />

quarto e dois fora de minha porta. Então exigi algo para mim mesma. Queria que me tirassem as<br />

algemas. Se Bauer recuperasse o conhecimento, eu tinha que ser capaz de me defender. Três de<br />

nós discutiram sobre isto, mas Matasumi e Carmichael finalmente se abrandaram, consentindo<br />

em tirar minhas algemas em troca de pôr um segundo guarda dentro do quarto.<br />

Ainda convencida de que teria notícias do Paige, mentalmente fiz uma lista de perguntas<br />

para fazer ao Jeremy. Havia tantas coisas que não podia recordar de minha própria transformação.<br />

Recordei-o explicando que não podia me dar nada para a dor, constantemente reiterando ―a<br />

natureza deve seguir seu curso‖, mas em uma ocasião ele me tinha administrado sedativos. Por<br />

quê? Não podia recordá-lo, mas isso significava que devia haver exceções à regra ―nada de<br />

remédios‖. Quais eram? Como de mal tinham que ficá-las coisas antes que não drogar Bauer fora<br />

mais perigoso que drogá-la? E as cadeias? Quão apertadas era muito apertadas? Quão soltas era<br />

muito soltas? A loucura outorgava força, mas fazia isto a Bauer mais forte que um lobisomem<br />

com experiência, fisicamente preparado como eu? E a transferência de saliva? Uma mordida<br />

injetava uma quantidade limitada de saliva. Bauer se havia sobre medicado. Era um problema? O<br />

fato de que ela tinha injetado a saliva em vez de recebê-lo através de uma mordida ocasionava<br />

problemas? Eu estava segura de que Jeremy saberia. Tudo o que tinha que fazer falar com ele.<br />

Não aconteceu. Estive sem dormir enquanto pude, mas depois de trinta e seis horas<br />

repletas de tensão, e insônia, não pude deter o sonho muito tempo. Paige nunca entrou em contato<br />

comigo.<br />

***<br />

O dia seguinte começou com mais crises médicas. Primeiro, mais cadeias. Logo, antes que<br />

145


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Bauer se repusesse disto, deixou de respirar. Sua garganta se inchou e os músculos se incharam<br />

quando ela começou a mudar de humano a lobo. Sua anatomia subjacente não estava pronta ainda<br />

para a transformação, de modo que, enquanto seu pescoço mudava, o interior de sua garganta –<br />

traquéia, esôfago, o que fora- permanecia humano. Não me peçam dados concretos. Não sou<br />

doutora. Inclusive Carmichael parecia aturdida. O ponto era que Bauer deixou de respirar. Se nos<br />

tivéssemos ficado nos perguntando por que, ela se teria asfixiado. Inclinei sua cabeça para trás,<br />

endireitando sua traquéia, e massageei seu pescoço, pressionando-o de volta à forma humana. Isto<br />

funcionou, mas muito devagar. Carmichael começou a preocupar-se com a privação de oxigênio,<br />

e tive que estar de acordo. Então realizou uma traqueotomia de emergência. Muito<br />

entretenimento. Uma vez que Bauer respirou, pudemos nos relaxar. Um momento.<br />

Estar no hospital tinha mais vantagens do que tinha imaginado. Não só estava mais perto à<br />

liberdade, mas também depois do primeiro dia as pessoas me trataram mais ou menos do mesmo<br />

modo que a Tess. Não como a um presidiário, mas sim como a ajudante do Carmichael, tão<br />

pouco importante na hierarquia total que minha presença era ignorada. Em outras palavras, a<br />

gente falava ao redor de mim como se eu fosse parte do mobiliário. Matasumi falava com o<br />

Carmichael, os guardas falavam uns com os outros, Tess falava com o bonito porteiro. Todos<br />

falavam. E eu escutava. Assombroso o que eu podia recolher, não só informação sobre o<br />

complexo e sua estrutura organizativa, a não ser pequenas coisas como que os guardas tinham<br />

uma reputação que guardar. Um assunto fascinante.<br />

Mais tarde esse mesmo dia, inclusive consegui ver Armem Haig outra vez e ao sacerdote<br />

Vodu, Curtis Zaid, que estava ainda muito vivo. Não tive muita sorte com o Zaid. Se, come Bauer<br />

tinha comprometido, Leah tivesse devotado sua amizade ao sacerdote Vodú, ela tinha ainda<br />

melhores habilidades sociais do que acreditei. Quando tratei de falar com o Zaid, ele bloqueou<br />

inclusive as cortesias típicas como ―bom dia‖ com olhadas funestas e silêncio. Definitivamente<br />

não era um aliado potencial. Armem, por outra parte, era uma perspectiva muito prometedora.<br />

Não só queria escapar -e queria ajuda- mas sim tinha estado fazendo suas tarefas. Conhecia o<br />

sistema de segurança, as mudanças de guardas, e a disposição do complexo. Ainda melhor, ele<br />

conseguiu me comunicar esta informação diretamente diante de Carmichael, inserindo-a em tal<br />

conversa banal que ela nunca o notou. Observador, ardiloso, e muito brilhante. Minha classe de<br />

tipo... para um sócio de fuga, quero dizer.<br />

146


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

SAÍDA<br />

A seguinte crise foi outro combate com suas cadeias. Depois de que pudemos submeter a<br />

Bauer, não podia ficar quieta. Rondei pelo hospital, tocando isto, jogando com o outro, até que<br />

meu joelho golpeou um carro de aço e Carmichael finalmente levantou a vista de sua papelada.<br />

—Poder-te-ia sentar? - resmungou ela. —Antes que rompa algo.<br />

Caminhei para a cadeira, olhei-a, logo avancei para a máquina de Bauer.<br />

—Não... - começou Carmichael.<br />

—O que há ali?<br />

—É uma solução geral, sobre tudo água com… - o Carmichael se deteve, vendo que eu<br />

tinha avançado já, minha atenção agora apanhada pelo monitor dos batimentos do coração do<br />

coração, que emitia um sinal sonoro. —Está perto seu tempo para mudar?<br />

Considerei-o. Minha última mudança tinha sido a manhã da segunda-feira, faz cinco dias.<br />

Como a maior parte dos lobisomens, meu ciclo seguia uma ordem semanal. Isto significava que,<br />

embora eu pudesse mudar tão frequentemente como quisesse, tinha que mudar ao menos uma vez<br />

por semana, ou me arriscar a ter uma mudança à força. Já podia sentir a agitação de meu corpo.<br />

Logo meus músculos começariam a ferroar e doer. No momento, entretanto, poderia controlá-lo.<br />

Tinha uns poucos dias mais. Se tivesse que mudar neste lugar, eles provavelmente me poriam em<br />

uma cela segura com um auditório cheio e uma câmara de vídeo. Suportaria o maior dos dores<br />

antes de deixar que acontecesse isso.<br />

—Não, ainda - respondi. —Só estou agitada. Não estou acostumada a estar em um espaço<br />

tão pequeno.<br />

Carmichael tampou sua pluma. —Eu provavelmente poderia pedir que tomasse um passeio<br />

pelo complexo. Sob guarda suficiente. Deveria ter recomendado um pouco de exercício em seu<br />

programa.<br />

—Exercício? - disse uma voz da porta. —Não falem assim em meu complexo.<br />

147


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Olá, Tyrone - disse Carmichael sem dar a volta para confrontá-lo. —Necessita algo?<br />

Winsloe entrou no quarto e me sorriu abertamente. —Só o que tem ali. Acredito que<br />

tomarei a companhia da Elena por um momento, deixar-lhe-emos fazer seu trabalho.<br />

—É muita... consideração de sua parte, Tyrone, mas temo que terá que esperar se tiver que<br />

falar com a Sra. Michaels. Estive a ponto de pedir alguns guardas adicionais para que a levassem<br />

a passear. Ela está agitada.<br />

—Agitada? Ela está pronta para mudar?<br />

—Não, não o está - Carmichael golpeou sua prancheta na mesinha e se dirigiu para o<br />

intercomunicador.<br />

—Deveria ser logo. Talvez ela necessite…<br />

—Ela não necessita nada.<br />

Carmichael golpeou o botão do intercomunicador. Winsloe avançou detrás dela e o<br />

apagou.<br />

—Diz que ela tem que fazer exercício? - disse Winsloe. —E o quarto de pesos? Consiga<br />

alguns guardas extras e a escoltarei eu mesmo.<br />

Carmichael fez uma pausa, olhando do Winsloe a mim, e logo disse, — Não acredito que<br />

seja uma idéia tão sábia. Um passeio…<br />

—Não será bastante - disse Winsloe, Sorrindo abertamente, com seu sorriso de moço. —<br />

Verdade, Elena?<br />

Considerei-o. Enquanto eu preferia andar e explorar o complexo, também tinha que me<br />

congraçar com o Winsloe, lhe dar uma razão para me manter viva. —O quarto de pesos seria<br />

melhor.<br />

Os olhos de Carmichael encontraram meus, comunicando a mensagem de que não tinha<br />

que ir com o Winsloe se não o desejasse. Quando olhei longe, ela disse, —Bem - e esmurrou o<br />

botão do intercomunicador.<br />

Deixamos meus dois guardas de quarto no hospital, recolhemos os dois da porta, e<br />

acrescentamos três mais, o que queria dizer que era protegida por mais que o dobro da capacidade<br />

armamentícia e músculos que tinham deixado com Bauer. Prioridades estranhas, mas ninguém<br />

perguntou minha opinião, e eu só perderia o fôlego se o oferecesse. Surpreendeu-me que<br />

Carmichael não enviasse a todos os guardas comigo e deixasse a Bauer sozinha.<br />

O quarto de pesos não era maior, ou melhor, equipado que o do Stonehaven. Era de pouco<br />

mais de dez metros quadrados com uma máquina de pesos multiuso, pesos livres, um puching<br />

bag, uma roda de esquilo, uma máquina de esqui, e um StairMaster. Não tínhamos nenhuma<br />

equipe cardiovascular no Stonehaven. Não importava como estivesse o tempo, preferíamos fazer<br />

footing fora que correr em uma roda de hamster no interior. Assim que StairMaster… bom, os<br />

degraus de aço não estavam muito acima na pronta de prioridades de nenhum lobisomem, e pela<br />

quantidade de pó nesta máquina, os guardas não pensavam muito bem dela tampouco.<br />

Três guardas estavam ali quando chegamos. Winsloe ordenou que partissem. Alguém o<br />

fez. Dois ficaram para o espetáculo. Uma moça levantando pesos. Wow. Que novidade.<br />

Obviamente não tinham ido a nenhum ginásio público em muito tempo.<br />

Não levantava ferro desde fazia bastante tempo. Cada vez que me sentava, Winsloe estava<br />

ali, verificando minha carga de peso, perguntando quanto podia levantar, geralmente muito<br />

molesto comigo. Desde que deixei cair cinquenta libras sobre seu pé não parecia uma idéia sábia,<br />

abandonei os pesos. Tentei-o com a roda de esquilo, mas não podia entender a programação.<br />

Winsloe se ofereceu a ajudar e só conseguiu paralisar o computador. Obviamente seu<br />

conhecimento técnico não se estendeu além dos computadores pessoais. Não importava. Não<br />

148


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

queria trotar de todos os modos. O que realmente queria fazer era golpear algo - duro. O objeto<br />

perfeito para isso estava na esquina longínqua. O puching bag.<br />

Quando me atei com correia as manoplas, os espectadores se aproximaram mais. Talvez<br />

esperavam que eu fosse esmurrar ao Winsloe. Avancei para o puching bag e lhe dava um golpe<br />

experimental. Uma inalação coletiva saiu da multidão. Oooh, ela vai lutar. Wow. Se só fosse<br />

outra moça a que estivesse de pé ali em vez de um puching bag. Mas não se pode ter tudo,<br />

verdade?<br />

Golpeei a bolsa umas vezes, me acostumando a ela, recordando a postura, os movimentos.<br />

Uns golpes lentos. Logo mais rápido. Mais lento. Um gancho de direita. Winsloe deu um passo<br />

bastante perto de modo que podia vê-lo em meu campo visual, e se eu piscava os olhos, só meu<br />

olho direito, podia conjurar sua imagem diante do puching bag. Bam-bam-bam. Três golpes ultrarápidos.<br />

Pela extremidade do olho, vi-o observar fixamente, seus lábios separados, os olhos<br />

brilhando. Suponho que isto estava tão bem para ele como para mim. Tão melhor. Dancei para<br />

trás. Pausa. Inalar. Preparado. Fechei de repente meu punho sobre a bolsa, uma vez, duas vezes,<br />

três vezes, até que perdi a conta.<br />

Trinta minutos mais tarde, o suor esmagava meu cabelo sobre minha cabeça. Gotejava por<br />

meu queixo, picava em meus olhos, o aroma era deslocado pelo ar mais forte do que o melhor<br />

desodorante poderia esconder. Se Winsloe notava o fedor, não dava nenhum sinal disso. Seus<br />

olhos não me tinham deixado desde que tinha começado. A cada poucos minutos meu olhar se<br />

dirigia ao vulto em seu jeans e golpeava a bolsa mais forte. Finalmente, já não podia fazê-lo mais<br />

tempo. Girei e lancei uma patada voadora à bolsa, estrelando-a contra a parede. Então dei a volta<br />

para o Winsloe, deixando que o suor gotejasse de minha cara.<br />

—Ducha - respondi.<br />

Ele assinalou uma porta detrás da StairMaster —Ali.<br />

Avancei a grandes pernada para lá. Ele me seguiu, junto com dois guardas aos que ele fez<br />

gestos. Detive-me, virei sobre meus calcanhares, e os fulminei com o olhar. Winsloe só me olhou,<br />

lábios se torceram nervosamente com a antecipação de um menino de nono grau metendo-se<br />

sigilosamente no vestuário das garotas. Encontrei seu olhar e algo em mim se rompeu. Agarrando<br />

minha camiseta, arranquei-a, logo a lancei à esquina. Meu prendedor seguiu o mesmo caminho.<br />

Logo meu jeans, as meias três - quartos, e finalmente a roupa interior. Pondo-me muito direita,<br />

fulminei-o com o olhar. Isto era o que queria ver? Bem. Te encha. Quando o fez -e todos os<br />

guardas o fizeram- meti-me no quarto de duchas.<br />

Agora, neste ponto, poderia pensar-se que até o olheiro mais imaturo repensaria suas<br />

ações, talvez experimentaria uma pontada de vergonha. Se Winsloe sentisse tal pontada,<br />

provavelmente a confundiria com indigestão. Ainda sorrindo abertamente, ele me seguiu no<br />

quarto de duchas comum, gesticulando por volta dos dois guardas para que o seguissem, e<br />

procedeu a me olhar enquanto me banhava. Quando ele se ofereceu lavar minhas costas, golpeeilhe<br />

a mão. Winsloe perdeu o sorriso. Avançou para os grifos e apagou minha água quente. Não<br />

fiz nenhum movimento para desafiá-lo lhe voltando as costas e terminei minha ducha gelada. Isto<br />

o aplacou o suficiente para me dar uma toalha quando terminei. Uma lição. Ao Winsloe gostava<br />

que eu resistisse, sempre e quando essa rudeza não fora dirigida a ele. Como essas mulheres<br />

imaginárias de um certo tipo de fantasia –membros largos, magros, musculosas, e cabelo<br />

selvagem... com jóias ao pescoço como pulseiras. Sua própria pulseira de amor Amazona.<br />

Quando saímos do quarto de ducha, um guarda disse ao Winsloe que Carmichael tinha<br />

estado chamando. Ela me necessitava. Winsloe me conduziu ao hospital. Depois que partiu,<br />

descobri que não havia nenhuma crise verdadeira, só um apuro com as restritivas cadeias de<br />

149


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Bauer. Se Carmichael tivesse usado essa desculpa para me resgatar do Winsloe, não dava nenhum<br />

sinal disso, seu comportamento tão conciso como sempre, ordens molestas devido a minha<br />

inépcia médica. Apesar disso, depois de dois dias juntas, tínhamos estabelecido uma rotina<br />

tolerância e cortesia. Respeitei-a. Não posso dizer que ela sentisse o mesmo sobre mim -suspeito<br />

que ela via minha negativa a desafiar ao Winsloe como um sinal de debilidade- mas ao menos me<br />

tratava como se fora uma pessoa real, não um espécime científico.<br />

***<br />

Essa tarde houve uma perturbação nas celas. Um guarda veio ao hospital com feridas na<br />

cabeça, e já que eu estava ali com Bauer, não perdi toda a excitação e discussão que seguiu.<br />

O guarda tinha estado recuperando os pratos de comida de Savannah e Ruth. Quando tinha<br />

aberto a porta, um prato tinha voado a sua cabeça. Tinha-o esquivado, mas golpeou o marco da<br />

porta com tal força que os pedaços da louça se inseriram em seu couro cabeludo e um lado de sua<br />

cara, por pouco tinha perdido seu olho. Carmichael passou uma meia hora tirando pedaços de sua<br />

cara. Enquanto Carmichael costurava a ruptura mais larga, ela e Matasumi falavam da situação.<br />

Ou, mais exatamente, Matasumi explicava suas teorias e Carmichael grunhia a intervalos<br />

apropriados, parecendo desejar que ele levasse sua hipótese a outra parte e a deixasse fazer seu<br />

trabalho. Suponho que com Bauer fora, Matasumi não tinha a ninguém mais para conversar.<br />

Bem, poderia ter falado com o Winsloe, mas eu tinha tido a impressão de que ninguém falava de<br />

um pouco realmente importante com o Winsloe -ele parecia existir em outro nível, o investidor<br />

que era agradado e obedecido, mas que não era incluído nas operações do complexo.<br />

Pelo visto o nível de atividade paranormal nas celas tinha aumentado recentemente. Leah,<br />

cuja cela estava ao lado de Savannah, queixava-se de que as garrafas de xampu amanheciam<br />

derramadas, as revistas rasgadas, e o mobiliário mudado de lugar. Os guardas eram outro objetivo<br />

favorecido. Vários tinham problemas ao passar pela cela de Savannah, todos reportavam que algo<br />

lhes tinha golpeado nas pernas. Acontecimentos molestos, mas relativamente benignos. Então,<br />

essa manhã, o guarda que havia trazido a mudança diária de roupa de Savannah e Ruth tinha<br />

reprovado a Savannah por derramar o catchup na camisa que tinha levado colocada no dia<br />

anterior. Quando tinha deixado a cela, a porta se fechou de repente contra seu ombro, deixando<br />

uma contusão repugnante. Matasumi suspeitava que esta erupção de atividade era causada por ter<br />

a Ruth e Savannah juntas. Ainda até depois do potencialmente sério acidente com o prato volante,<br />

ele não pensou em as separar. E perder uma oportunidade tão valiosa de estudar a interação entre<br />

bruxas? O que eram uns guardas com cicatrizes ou entrevados comparados com isso? Enquanto<br />

ele expunha a respeito das situações ―potenciais para realizar descobrimentos científicos<br />

notáveis‖, acreditei que Carmichael murmurava um par de epítetos, mas posso me haver<br />

confundido.<br />

***<br />

Essa noite, enroscada sobre meu berço, tratei de me pôr em contato com a Ruth. De<br />

acordo, talvez eu estava exagerando sobre minha carência de capacidades psíquicas. Suponho que<br />

se tentava com força suficiente, poderia fazer algo. Supremacia da vontade. O incidente com o<br />

guarda me preocupava. Se ―os acontecimentos psíquicos‖ na cela estavam aumentando,<br />

suspeitava que estava relacionado com o treinamento que Ruth fazia com a Savannah. Queria<br />

adverti-la: que atenuassem o nível de poder ou se arriscavam a ser separadas. Depois de uma hora<br />

150


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

de tentá-lo, rendi-me. Este fracasso só recordou minha incapacidade para pôr em contato com a<br />

Paige, e me recordou que estava fora de contato com Jeremy, o que me recordou que estava<br />

sozinha. Não, repreendi-me, não estava sozinha. Estava fora de contato temporariamente.<br />

Inclusive se estava sem o Jeremy, era completamente capaz de inventar minhas próprias<br />

estratégias. O ano passado tinha planejado sem ajuda e tinha executado o resgate do Clay. É<br />

obvio, houve alguns probleminhas... bom, mais que uns quantos, realmente, e quase me tinham<br />

matado... mas, vamos, tinha-o salvado, verdade? Fá-lo-ia melhor esta vez. Viver e aprender,<br />

verdade? Ou, neste caso, aprender e viver.<br />

***<br />

—Não essa não, a gaveta esquerda. Sua outra mão esquerda!<br />

Movi-me enquanto dormia, sonhando com o Carmichael ladrando ordens.<br />

—O carrinho quebrado. Maldição! Disse-te o carrinho quebrado, não esse.<br />

Em meu sonho, uma dúzia de carrinhos idênticos me rodeava quando tropecei de um ao<br />

seguinte.<br />

—Me dê - Não, só te mova. Mova-te!<br />

Outra voz respondeu, masculina, resmungando uma desculpa. Minhas pálpebras<br />

vacilaram. A luz fluorescente torrou meus olhos. Fechei-os apertados, resmunguei, e o tentei de<br />

novo, entortando os olhos esta vez. Carmichael estava efetivamente no hospital, mas por uma vez<br />

eu não era o objeto de sua frustração. Dois guardas tropeçavam no quarto, agarrando isto e aquilo<br />

enquanto ela arrebatava uma bandeja de instrumentos da mesinha. Meus dois guardas de quarto<br />

observavam, estupefatos, como se tivessem estado meio adormecidos.<br />

—Posso fazer algo? - disse um.<br />

—Sim - disse Carmichael. —Se mova!<br />

Ela o empurrou fora do caminho com o carrinho quebrado e o tirou pela porta. Saí da cama<br />

e a segui, minha sonolência me voltando valente ou estúpida. De qualquer maneira, era o<br />

movimento correto. Carmichael não notou que a seguia. Quando ela estava assim de preocupada,<br />

eu tinha que apunhalá-la com um escalpelo para atrair sua atenção. Os guardas não disseram nada<br />

tampouco, talvez assumindo que eu agora era a ajudante de Carmichael em todos os assuntos e,<br />

se ela não me necessitasse, me teria detido ela mesma.<br />

Quando os guardas e eu chegamos ao elevador, as portas se fechavam detrás do<br />

Carmichael. Esperamos e subimos quando voltou. Esperava que nos dirigíssemos à superfície.<br />

Não houve essa sorte. Baixamos. Às celas.<br />

—O que passou? - Perguntei.<br />

Os três guardas me ignoraram. O quarto me pagou a cortesia com um encolhimento de<br />

ombros e murmurou — Já veremos. Quando o elevador se abriu no nível inferior, os guardas<br />

recordaram seu trabalho e me rodearam enquanto avançávamos pelo corredor. Uma vez<br />

transpassada a porta de segurança, ouvi a voz de Savannah.<br />

—Faça algo! Apresse-se!<br />

A porta da cela da Ruth e Savannah estava aberta, deixando que vozes se pulverizassem<br />

pelo corredor.<br />

—Se acalme, Savannah - disse Matasumi. —Necessito que os guardas me expliquem o<br />

que aconteceu.<br />

Estremeci-me. Outro acidente com os guardas? Tão logo? Agora Ruth e Savannah seriam<br />

separadas definitivamente. Tratei de me apressar, mas os guardas me bloquearam o caminho e me<br />

151


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

fizeram ir mais lento.<br />

—Não fiz nada! - gritou Savannah.<br />

—É obvio que não o fez - bufou Carmichael. —Agora fora do caminho. Todos vocês.<br />

—Não há nenhuma necessidade de toda esta equipe - disse Matasumi. —Não havia<br />

nenhum sinal de vida quando cheguei. É muito tarde.<br />

—Eu direi quando for muito tarde - disse Carmichael.<br />

Nenhum sinal de vida? Parecia mal. Quando entrei no quarto, Savannah se lançou sobre<br />

mim. Reflexivamente, minhas mãos voaram para rechaçar um ataque, mas pôs seus braços ao<br />

redor de minha cintura.<br />

—Não fiz nada! - disse.<br />

—Sei - murmurei. —Sei.<br />

Toquei sua cabeça torpemente e a acariciei, esperando não estar acariciando-a como a um<br />

cão. Consolar meninos afligidos não era uma de minhas qualidades. Realmente, podia dizer com<br />

um pouco de certeza que era algo que nunca me havia feito antes em minha vida. Revisei o quarto<br />

procurando a Ruth. A cela estava cheia até transbordar. Carmichael e três guardas se encurvavam<br />

sobre a cama enquanto a doutora trabalhava em uma figura deitada. Os quatro guardas que me<br />

tinham acompanhado se apinharam para uma melhor visual, empurrando a Savannah e a mim à<br />

esquina. Estirei o pescoço para ver sobre suas cabeças.<br />

—Onde está Ruth? - Perguntei.<br />

Savannah ficou rígida, logo se tornou atrás. Meu estômago se apertou. Olhei a cama.<br />

Carmichael e os três guardas ainda bloqueavam minha vista, mas podia ver uma mão pendendo<br />

pelo flanco da cama. Uma mão pequena, rechonchuda, manchada.<br />

—Oh não - sussurrei.<br />

Savannah se afastou —Eu não o fiz.<br />

—É obvio que não - disse, atraindo-a e rezando para que não tivesse visto minha reação<br />

inicial.<br />

Matasumi se aproximou dos quatro guardas que tinham baixado comigo — Quero saber o<br />

que aconteceu.<br />

—Chegamos logo depois - disse um. Fez gestos para os guardas que rodeavam a cama. —<br />

Eles chegaram à cena em primeiro lugar.<br />

Matasumi vacilou, logo avançou para a cama e tocou o braço de um guarda. Quando o<br />

guarda se voltou, armou-se um escândalo no vestíbulo. Dois guardas mais entraram, arma na<br />

mão.<br />

—Por favor! - disse Matasumi. —Não pedimos reforços. Voltem para suas posições.<br />

Antes que pudessem mover-se, outro guarda entrou, acompanhado pela Leah.<br />

—Que - resmungou Matasumi. Deteve-se e recuperou a calma com um rápido fôlego. —<br />

Por que está a Sra. Ou'Donnell aqui?<br />

—Quando passei diante de sua cela, notei que estava completamente agitada - disse o jovem<br />

guarda, rastros de cor aparecendo em suas bochechas. —Usei o intercomunicador para me<br />

informar e isso e – perguntou se podia ver o que acontecia.<br />

—Você não pode liberar a nenhum sujeito de uma cela. Nunca. Devolva-a imediatamente.<br />

Leah empurrou e passou por diante Matasumi, ladeando ao grupo até que chegou ao lado<br />

da cama. Quando viu a Ruth, ofegou e girou para confrontar a Savannah e a mim.<br />

—Oh - disse ela, suas mãos voando a sua boca, seus olhos se fixaram no Savannah. —O<br />

sinto tanto. — O que aconteceu?<br />

—Estive-o perguntando durante os últimos dez minutos - disse Matasumi.<br />

152


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

O guarda que ele tinha chamado da cama se aproximou. —Eu passava fazendo minhas<br />

rondas e vi a velha, digo, a senhora Winterbourne em sua cama. A menina se inclinava sobre ela.<br />

Pensei que algo estava mau, como essa vez que ela tinha tido um ataque cardíaco, então meu<br />

companheiro e eu abrimos a porta. Encontramos o relógio no chão. Havia sangue salpicado nele.<br />

O crânio da senhorita Winterbourne estava golpeado.<br />

Savannah se esticou em meus braços, seu coração palpitando.<br />

—Oh, pobrezinha - disse Leah, apressando-se para nós. —Que acidente tão horrível.<br />

—Não... não fui eu - disse Savannah.<br />

—O que fosse que aconteceu, não é sua culpa, carinho.<br />

Leah estendeu sua mão para a Savannah. A moça vacilou, ainda agarrando-se a mim.<br />

Depois de um momento, ela alcançou a mão de Leah e a sustentou apertada, seu braço livre ainda<br />

ao redor de mim. Um brilho de desilusão cruzou a cara de Leah. Então ela assentiu com a cabeça,<br />

como se compreendesse que isto não era uma competição de popularidade. Leah apertou a mão<br />

de Savannah e lhe acariciou a cabeça.<br />

Depois de um momento, Leah se virou para o grupo que rodeava a cama. Esclareceu sua<br />

garganta e disse em voz alta, — Posso levar a Savannah a minha cela? Ela não deveria estar aqui.<br />

Carmichael levantou a vista de seu trabalho, o suor derramando-se por sua ampla cara.<br />

—O que faz ela aqui? - disse, agitando sua mão para Leah. —Levem-na a sua cela.<br />

Os guardas saltaram para obedecer, tal como não tinham feito para ouvir o Matasumi. Dois<br />

empurraram a Leah. Savannah a olhou ir com tal tristeza que quis implorar ao Carmichael para<br />

que permitisse a Leah ficar, mas temi que se o fizesse, seria arremesso também. Savannah<br />

necessitava a alguém. Enquanto Leah teria sido preferível, Savannah teria que arrumar-se com<br />

um lobisomem feminino não muito empático. Quando Leah se foi, Savannah se desinflou e se<br />

apoiou contra mim. Esteve tranquila durante vários minutos, logo ela jogou uma olhada ao redor<br />

aos outros. Todos estavam ocupados com a Ruth.<br />

—Acredito - sussurrou ela.<br />

Ficou mais perto. Pus uma mão em seu ombro e ela se apertou contra mim. Acariciei-lhe<br />

as costas e murmurei ruídos que esperava parecessem consoladores. Pareceu tranquilizar-se,<br />

provavelmente não devido ao consolo que lhe oferecia, mas sim porque me via como sua única<br />

aliada em um quarto cheio de inimigos. Depois de um minuto, elevou a vista para mim.<br />

—Penso - sussurrou outra vez — penso que eu poderia havê-lo feito.<br />

—Você não poderia… - comecei.<br />

—Eu não dormia. Pensava em coisas, coisas que Ruth me disse. Minhas lições. Então o vi.<br />

O relógio. Voou - como o prato com para o guarda. Acredito que o fiz. Não estou segura como,<br />

mas acredito que o fiz.<br />

O impulso de negar sua culpabilidade saltou a meus lábios, mas o joguei atrás. O olhar em<br />

sua cara não era a de uma menina que pede ser consolada com mentiras bem intencionadas. Ela<br />

sabia a verdade e confiava em mim com ela.<br />

—Se o fez, não foi sua culpa - disse. —Sei isso.<br />

Savannah assentiu com a cabeça, secou as lágrimas, e apoiou sua cabeça contra meu peito.<br />

Estivemos de pé assim, sem falar, por ao menos cinco minutos. Então Carmichael se afastou da<br />

cama. Todos detiveram o que faziam. O único som no quarto era o passo ligeiro do coração do<br />

Savannah.<br />

—Hora de morte - começou Carmichael.<br />

Levantou seu braço, mas não devia haver ficado o relógio quando saiu a toda pressa da<br />

cama. Durante um comprido momento, contemplou sua boneca, como se esperasse que algum<br />

153


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

relógio mágico aparecesse. Então deixou cair a mão, fechou os olhos, exalou, e saiu da cela.<br />

Tinha terminado.<br />

MUDANÇAS<br />

Uma vez que tudo se acalmou, Matasumi se deu conta de que eu estava ali. É obvio, tinhame<br />

visto antes, mas não tinha compreendido o que isto significava, ou seja, que eu estava em um<br />

lugar no que definitivamente não deveria ter estado. Mandou-me de volta ao hospital com quatro<br />

dos guardas restantes.<br />

Passei as poucas horas seguintes atirada em minha cama, contemplando as luzes piscando<br />

das máquinas de Bauer. Ruth estava morta. Poderia ter feito algo para acautelar isto? Deveria ter<br />

feito algo? Ela conhecia os riscos. Isso não me fazia sentir melhor. Agora estava morta e<br />

Savannah se culpava. Deveria haver devotado mais consolo a Savannah. Deveria ter conhecido os<br />

gestos corretos, as palavras corretas. A morte da Ruth seria um ponto decisivo em sua vida, e<br />

tudo o que eu tinha sido capaz de dar era o mais torpe dos consolos. Não deveria ter sido capaz de<br />

encontrar algum instinto maternal profundamente enraizado e ter sabido o que fazer?<br />

É obvio, Savannah não tinha tido a intenção de matar a Ruth. Mas o tinha feito? Assim o<br />

temia. Mais que isso, temia que não tivesse sido um acidente. Não, não acreditava que Savannah<br />

tivesse arrojado esse relógio voando a propósito. Absolutamente não. Sua dor pela morte da Ruth<br />

tinha sido muito cru, muito verdadeiro. Ainda assim, eu temia que alguma parte inconsciente do<br />

Savannah tivesse matado a Ruth, que algo em sua natureza, em seus genes, algo que ela não<br />

podia entender, tivesse-a feito atacar inconscientemente a esses guardas e matar a Ruth. Talvez<br />

tinha visto muitas filmes de terror de ―meninos demoníacos‖. Esperava que fosse isso. Rezei para<br />

que o fosse. Eu gostava de Savannah. Tinha espírito e inteligência, uma mescla simpática de<br />

inocência infantil e réplicas de pré-adolescente. Era uma menina normal, parte anjo e parte<br />

demônio. Certamente não havia mais nisso que isto. Mas os acontecimentos psíquicos giravam ao<br />

redor de Savannah. Quando Ruth tinha treinado a Savannah, os acontecimentos se intensificaram<br />

rapidamente de ser inócuos a letais. O que havia dito Ruth sobre Savannah? Grande poder,<br />

potencial incrível... e uma mãe que se inclinava para ―o lado mais escuro‖ da magia. Existia algo<br />

como uma predisposição genética ao mal? Tinha-o passado por cima Ruth? Tinha rechaçado ver<br />

um pouco de maldade em alguém tão jovem? Dando mais poder a Savannah, tinha assinado sua<br />

própria sentença de morte? Por favor, façam que me equivoque. Pelo bem de Savannah, façam<br />

que me equivoque.<br />

***<br />

154


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Com a manhã veio o café da manhã. Não o toquei. Carmichael chegou à hora habitual,<br />

pouco antes das oito, com um brusco — Como está? - A única indicação de que algo tinha<br />

passado a noite anterior. Quando disse que estava bem, estudou-me durante um segundo mais,<br />

grunhiu, e começou seu trabalho de escrever.<br />

Passei parte da manhã pensando extensamente na morte da Ruth, em como isto trocava as<br />

coisas, como poderia havê-lo prevenido. Passei muito tempo nisto último. Talvez não pudesse<br />

havê-lo feito. A vida e a morte estavam além de nosso controle. Em qualquer momento,<br />

Matasumi poderia ter decidido que Ruth já não era um sujeito viável ou Winsloe poderia ter<br />

entrado em sua cela e havê-la levado para uma de suas caças. De todos os modos, levava sobre<br />

meus ombros parte da culpa, talvez porque isto me dava algum sentido de controle em uma<br />

situação incontrolável.<br />

Ao redor de meio amanhã um gemido suave despertou de meus pensamentos. Joguei uma<br />

olhada. Bauer gemeu outra vez. Enterrou a cabeça no travesseiro, retorcendo a cara de dor.<br />

—Doutora? - respondi, me parando. —Está despertando.<br />

Enquanto Carmichael avançava, inclinei-me sobre Bauer. Seus olhos se abriram.<br />

—Olá, Sondra - disse. —Nós…<br />

Sentou-se, rompendo algumas das finas cadeias, e golpeou meu ombro. Quando retrocedi,<br />

capturei o olhar de Bauer, vendo algo duro e em branco ali. Antes que pudesse reagir, ela agarrou<br />

meus ombros e me jogou pelo ar. Durante um momento, tudo se abrandou, e houve uma fração de<br />

segundo em que fiquei suspensa antes que a gravidade assumisse seu lugar e me precipitasse<br />

através do quarto e me chocasse contra a parede.<br />

Carmichael me ajudou a parar e gritou, chamando os guardas. Bauer se sentou direita,<br />

lutando para sair da cama, os lençóis enroscados ao redor de suas pernas. Sua cara estava torcida<br />

de raiva, seus olhos estavam em branco, seus lábios se moviam silenciosamente. Quando os<br />

lençóis não a deixaram sair, rugiu de frustração e sacudiu suas pernas, rasgando o tecido. Corri<br />

para a cama e me lancei sobre e Bauer.<br />

—Mantenha suas ferradas algemas longe de mim! - rugiu Bauer. —Todos vocês! Atrás!<br />

Não me toquem!<br />

—Delírio - ofegou Carmichael enquanto corria à cama com cadeias mais fortes. —Disse<br />

que este era um dos passos.<br />

—Correto - respondi, embora neste momento, estando em cima de Bauer com ela<br />

agitando-se debaixo mim, um diagnóstico médico não era exatamente uma prioridade. —Onde<br />

infernos estavam os guardas?<br />

Os guardas estavam aí mesmo, fazendo o que faziam melhor, sustentar suas armas e<br />

esperar o sinal para disparar. Carmichael lhes lançou as cadeias.<br />

—Atem-na! - disse. —Agora!<br />

Antes que pudessem mover-se, Bauer resistiu e me lançou voando de novo. Esta vez fiquei<br />

o chão um momento mais para recuperar o fôlego. Deixei que os malditos guardas o dirigissem.<br />

Deixei que Carmichael o dirigisse. Ela era a que tinha rechaçado reter corretamente a Bauer.<br />

Bauer deixou de lutar e ficou quieta como uma estátua. Os quatro guardas rodearam a<br />

cama, tensos, cadeias em mão, pareciam oficiais de controle de animais esperando para lançar<br />

uma rede a um cão raivoso, sem que nenhum queria fazer o primeiro movimento. Suor gotejava<br />

pela cara de Bauer e sua boca pendurava aberta, ofegante. Moveu a cabeça de um lado ao outro,<br />

seus olhos revisando o quarto. Selvagem e em branco, passaram dos guardas, a mim, logo ao<br />

Carmichael. Detiveram-se em um ponto vazio a sua esquerda, e investiu para frente, contida só<br />

pelos lençóis rasgados.<br />

155


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Fora daqui! - gritou.<br />

Ninguém estava ali.<br />

Avancei lentamente, mantendo meus movimentos cuidadosos como se tratasse de evitar<br />

que um animal selvagem me notasse.<br />

—Temos que retê-la - sussurrei.<br />

Ninguém se moveu.<br />

—Me dê esses - disse Carmichael, avançando para arrebatar as cadeias do guarda mais<br />

próximo.<br />

—Não - disse. —Deixa-os fazê-lo. Aproximar-me-ei e interferirei se ela atacar. Tenha um<br />

sedativo preparado e mantenha apartada.<br />

Oh, seguro, me dando o trabalho que ameaça a vida. E para que? Ninguém o notaria.<br />

Ninguém se preocuparia. De todos os modos, o trabalho tinha que ser feito. Se eu não o fizesse,<br />

um destes estúpidos dispararia sua pistola ao primeiro sinal de problemas. Então onde ficariam<br />

meus projetos? Mortos e sepultados com Bauer.<br />

Carmichael se girou para os guardas — Esperem até que Elena esteja ao lado da cama.<br />

Então movam-se rapidamente, mas com cuidado. Sondra não sabe o que faz. Não queremos lhe<br />

fazer dano.<br />

O qual, é obvio, era mais fácil de dizer que de fazer. Enquanto me arrastava através do<br />

quarto, Bauer se mantinha quieta, olhando fixamente e blasfemando contra intrusos invisíveis. No<br />

momento em que os guardas a tocaram, explodiu, reunindo força inesperada do delírio. Todos<br />

trabalhando juntos logo que podíamos lutar com ela para mantê-la na cama.<br />

Uma vez que Bauer esteve controlada, ajudei ao guarda mais próximo a sujeitar suas<br />

cadeias. Enquanto meus dedos trabalhavam nos broches, o braço de Bauer pareceu brilhar e<br />

contrair-se. Sacudi minha cabeça bruscamente, sentindo a dor dentro dela como um carvão<br />

candente. Minha visão se rabiscou.<br />

—Elena? - Carmichael grunhiu enquanto lutava para atar o outro braço de Bauer.<br />

—Estou bem.<br />

Quando trabalhei no nó, o braço de Bauer convulsionou, o pulso se estreitou, a mão se<br />

enroscou e se torceu em um nó. Não tinha sido uma brincadeira de meus olhos. Estava mudando.<br />

—Elena!<br />

Quando ouvi o grito de Carmichael, saltei. A mão de Bauer voou de suas cadeias e rasgou<br />

o espaço vazio onde minha garganta tinha estado. Os dedos aplaudidos e as garras disformes se<br />

balançaram através do ar. Lancei-me sobre o peito de Bauer quando ficou direita outra vez.<br />

Um grunhido de raiva fez erupção e me afastou de um empurrão. Com ambas as mãos<br />

livres agora, Bauer agarrou um guarda e o lançou através do quarto. Ele paralisou, inconsciente,<br />

contra a parede. As costas de Bauer se sacudiram e torceram, grandes massas movendo-se sob a<br />

pele. Ela uivou e caiu de lado.<br />

—Sede-a! - Gritei.<br />

—Mas disse… - começou Carmichael.<br />

—É muito logo! Não está preparada! Seda-a! Agora!<br />

O cabelo brotou das costas de Bauer e de seus ombros. Os ossos se alargaram e se<br />

cortaram, e ela lançou um grito, meio uivo, meio gemido. Seu corpo inteiro convulsionou,<br />

saltando da cama, comigo ainda agarrada a ela. Sua cara era irreconhecível, uma máscara infernal<br />

de músculos retorcidos que não eram nem de lobo, nem de humano. As presas se sobressaíam<br />

sobre seus lábios. O nariz se deteve a metade de caminho na transformação a lobo. O cabelo<br />

brotava em penachos. Logo, os olhos. Os olhos de Bauer. Não tinham trocado, mas se inchavam e<br />

156


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

punham em branco, a agonia flamejando em ondas. Ela encontrou meu olhar, e durante um<br />

segundo vi o reconhecimento. Alguma parte dela tinha passado do delírio e estava consciente,<br />

apanhada nesse inferno.<br />

Carmichael cravou a seringa de injeção no braço de Bauer. Bauer voou e pendurou ali,<br />

comigo sobre seu regaço. Seu corpo se sacudiu várias vezes, logo soltou um fôlego baixo, e seus<br />

olhos se alargaram como se estivesse surpreendida. Piscou uma vez. Logo se deslizou para baixo<br />

na cama.<br />

Estiquei-me, esperando o seguinte round; então a mudança pôs marcha atrás. Esta vez não<br />

houve nenhuma violência ou dor na transformação. Ela voltou pacificamente para a forma<br />

humana. Quando foi totalmente humana outra vez, curvou-se em posição semifetal e dormiu.<br />

***<br />

Armem fez outra visita ao hospital. Ontem tinha sido sua verificação regular. Hoje fingiu<br />

uma dor de cabeça de enxaqueca com tal delicadeza que nem sequer Carmichael duvidou de seus<br />

sintomas, embora supusesse que não era surpreendente, considerando que ele era psiquiatra e,<br />

portanto tinha um grau médico. Retomamos nossa conversação onde tínhamos acabado. Ele tinha<br />

um plano para escapar que implicava outra astúcia médica, de modo que o trouxessem até o<br />

primeiro piso comigo, de onde era muito mais fácil escapar que do bem assegurado bloco de<br />

celas. Novamente, ele introduziu isto em tal bate-papo ordinário que tive que manter meu próprio<br />

cérebro alerta para me manter à corrente da interpretação subjacente.<br />

Quanto mais falava com Armem, mais visualizava meu estratagema com Bauer como um<br />

plano de reserva. Armem era um aliado muito mais de meu gosto. Primeiro, estava consciente,<br />

que era uma vantagem definida sobre a comatosa Bauer. Segundo, recordava ao Jeremy, o qual<br />

aumentava meu nível de comodidade em dez vezes. Era tranquilo, cortês e aprazível, um exterior<br />

modesto que disfarçava uma vontade forte e uma mente muito afiada, alguém que tomava a carga<br />

por instinto, o que atenuava esse autoritarismo com graça e engenho e me permitia deixar tomar a<br />

dianteira. Confiava em Armem e eu gostava. Uma combinação ideal.<br />

***<br />

O resto do dia passou tranquilamente, mas a noite o compensou, me incomodando com<br />

sonhos estranhos e inquietantes. Comecei a noite no Stonehaven, jogando na neve com o Clay e<br />

Nick. Estávamos em meio de uma luta de bolas de neve quando um novo sonho cobriu aquele,<br />

cortando a programação de forma parecida com uma emissora de rádio. No outro sonho, jazia na<br />

cama enquanto Paige tentava ficar em contato comigo. Os dois sonhos se reuniam: Um minuto eu<br />

sentia a neve gelada gotejando por meu pescoço, ao seguinte eu ouvia a Paige me invocando.<br />

Alguma parte de mim escolheu o sonho das bolas de neve e tratou de bloquear o outro, mas isto<br />

não funcionou. Voei por cima das duas últimas bolas de neve do Nick, logo uma onda de neve me<br />

inundou, tragando esse sonho e me lançando no outro.<br />

—Elena? Maldição, me responda!<br />

Lutei por voltar para meus jogos de inverno, mas em vão. Estava pega no sonho de Paige.<br />

Maravilhoso.<br />

—Elena. Vamos. Acorda.<br />

Inclusive em meu sonho, não queria responder, como se eu soubesse que imaginar falando<br />

com a Paige só me deprimiria mais, me recordando que tinha estado fora de contato durante três<br />

157


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

dias, uma situação que agora parecia permanente.<br />

—Elena?<br />

Resmunguei algo ininteligível inclusive para mim.<br />

—Ah ah! Está ali. Bom. Espera. Vou trazer-te para meu corpo. Deve estar advertida esta<br />

vez. Jeremy está aqui. Agora, à conta de três. Um, dois, três, ta-da!<br />

Cinco segundos de silêncio. Então,<br />

—Oh, merda.<br />

A maldição do Paige decaiu detrás de mim quando caí através de pedaços de sonhos, como<br />

alguém que trocava de canais, rechaçando o passar o tempo suficiente para ver o que estava<br />

conectado. Quando isto se deteve, eu era um lobo. Não tinha que lombriga; podia senti-lo na<br />

forma em que meus músculos se moviam, o ritmo perfeito de cada grande passo. Alguém correu<br />

diante de mim, uma forma que vacilava através das árvores. Outro lobo. Sabia isto, embora não<br />

pudesse me aproximar mais que o suficiente para ver a sombra e o movimento impreciso. Embora<br />

eu fora o perseguidor, não o acossado, o medo me atravessava. A quem perseguia? Clay. Tinha<br />

que ser Clay. Esse grau de pânico, de medo cego, o medo à perda e o abandono - eu só poderia<br />

associá-lo com o Clay. Ele estava ali, em algum lugar, diante de mim, e eu não podia apanhá-lo.<br />

Cada vez que minhas patas golpeavam a terra, um nome se repetia em meu crânio, um grito<br />

mental. Mas não era o nome do Clay. Era o meu próprio, repetido milhares de vezes, pulsados<br />

que emparelhavam com o ritmo de minhas pernas. Jogando uma olhada para baixo, obtive uma<br />

visão de minhas patas. Não eram minhas patas. Muito grandes, muito escuras – um loiro quase<br />

dourado. As patas do Clay. Diante uma cauda parecida com um arbusto cintilava à luz da lua.<br />

Uma cauda loira. Perseguia-me mesma.<br />

Comecei a despertar e a me pôr direita na cama. Inclinando-me para frente, o peito pesado,<br />

passei minhas mãos por meu cabelo, mas não era meu cabelo, não um enredo comprido e<br />

enredado, a não ser uns cachos rapados. Deixei cair minhas mãos a meu regaço e as contemplei.<br />

Mãos grossas, quadradas, unhas cortadas até o final. As mãos de um trabalhador, embora<br />

raramente dirigiam um instrumento maior que uma pluma. Não calejadas, mas tampouco suaves.<br />

Ossos quebrados mais vezes das que poderia contar, cada vez meticulosamente recuperadas,<br />

surgindo sem desastres exceto um mapa de cicatrizes. Eu conhecia cada uma dessas cicatrizes.<br />

Podia recordar noites sem poder dormir, perguntando, onde te fez esta? E esta? E-ups, eu te fiz<br />

esta.<br />

Uma porta se abriu.<br />

—Não funcionou, verdade? - a voz lenta e zangada do Clay, não da entrada, a não ser aqui,<br />

da cama.<br />

Jeremy fechou a porta detrás dele — Não, Paige não foi capaz de entrar em contato.<br />

Acreditou havê-lo feito, mas algo saiu mal.<br />

—E nos assombramos disso. Você confia a vida da Elena a um aprendiz de bruxa de vinte<br />

e dois anos. Sabia isso, verdade?<br />

—Sei que quero usar qualquer instrumento possível para encontrar a Elena. Agora mesmo,<br />

essa aprendiz de bruxa é nossa melhor esperança.<br />

—Não, não o é. Há outro caminho. Eu. Posso encontrar Elena. Mas você não o acredita.<br />

—Se Paige for incapaz de restabelecer o contato…<br />

—Maldita seja!- Clay agarrou um livro da mesinha de noite e o lançou através do quarto,<br />

golpeando a parede longínqua.<br />

Jeremy fez uma pausa, logo continuou, sua voz tão tranquila como sempre — vou trazer te<br />

algo para beber, Clayton.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Quer dizer que vais sedar-me de novo. Sedar-me, me calar, me manter tranquilo, e<br />

acalmado, enquanto Elena está ali sozinha. Não acreditei que estivesse conversando através do<br />

Paige e agora ela se foi. Não me diga que não é minha culpa.<br />

Jeremy não disse nada.<br />

—Muito obrigado - disse Clay.<br />

—Sim, é culpado de que tenhamos perdido o contato essa vez, embora isso provavelmente<br />

não explique por que não podemos nos pôr em contato de novo com ela. Seguiremos tentando-o.<br />

Enquanto isso, possivelmente possamos falar desta outra tua idéia pela manhã. Vêem ver-me se<br />

mudar de opinião sobre essa bebida. Ajudar-te-á a dormir.<br />

Quando Jeremy partiu, o sonho se evaporou. Movi-me e girei, de volta na incrível<br />

mudança de canais. Estalo, estalo, estalo, pedaços de sonhos e lembranças, muito dispersos para<br />

ter algum sentido. Logo escuridão. Um golpe na porta. Estava sentada frente a um escritório,<br />

estudando minuciosamente um mapa. A porta estava detrás de mim. Tratei de me dar volta ou<br />

gritar uma saudação. Em vez disso, senti meu movimento de lápis arranhando umas palavras em<br />

uma caderneta. Olhei a escritura e, sem me surpreender, reconheci os ganchos de ferro do Clay.<br />

O quarto se confundiu, ameaçando voltando-se escuro. Algo atirou de mim com k suave<br />

insistência da maré, tomando para me apartar. Lutei contra isso. Eu gostava onde estava, muito<br />

obrigado. Este era um bom lugar, um lugar confortador. Só sentir a presença do Clay me fazia<br />

feliz, e maldição, merecia um pouco da felicidade, ilusória ou não. A maré se voltou mais forte,<br />

inchando-se até ser uma ressaca. O quarto ficou negro. Fiquei livre e me encontrei de volta no<br />

corpo do Clay. Ele tinha deixado de escrever agora e estudava um mapa. Um mapa do que?<br />

Alguém chamou outra vez à porta. Ele não respondeu. Atrás dele, a porta se abriu, logo se<br />

fechou.<br />

—Clayton - A voz da Cassandra, suave como a manteiga.<br />

Ele não respondeu.<br />

—Um grunhido de saudação bastaria - murmurou ela.<br />

—Isso implicaria boas-vindas. Não precisa ser convidada a um quarto?<br />

—Sinto muito. Outro mito que se vai ao diabo.<br />

—Sinta-se liberada para continuar.<br />

Cassandra riu entre dentes — Vejo que Jeremy herdou todas as maneiras da família<br />

Danvers. Não é que me importe. Eu sempre preferi a honestidade à cortesia mentirosa - Sua voz<br />

se aproximou quando cruzou o quarto. —Notei sua luz presa e pensei que poderia te gostar de te<br />

unir a mim para uma bebida.<br />

—Eu adoraria, mas temo que não compartilhamos os mesmos gostos em fluídos.<br />

—Poderia ao menos me olhar enquanto me rechaça?<br />

Nenhuma resposta.<br />

—Ou teme me olhar?<br />

Clay deu a volta e encontrou seus olhos — Ali. Vai a incomodar a outra parte, Cassandra.<br />

O que é isso?<br />

—Ela não voltará, já sabe.<br />

A mão do Clay se apertou ao redor do lápis, mas ele não disse nada.<br />

Senti que atiravam de meus pés outra vez e lutei contra isso. Em algum lugar em minha<br />

cabeça, Paige gritou meu nome. A ressaca se levantou, mas me sustentei firme. Esta era uma cena<br />

que eu definitivamente não deixaria.<br />

—Eles não a encontrarão - disse Cassandra.<br />

—Segundo você, deveríamos deixar de tentá-lo.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Só quero dizer que isto é um desperdício de nosso tempo. Melhor concentramos nossos<br />

esforços em deter esta gente. Salvar nossas vidas, não só a da Elena. Se, detendo-os a resgatamos,<br />

maravilhoso. Se não o fizermos... logo que é o fim do mundo.<br />

O lápis se rompeu entre os dedos do Clay. Cassandra se aproximou mais. Quando a<br />

ressaca ameaçou outra vez, chutei e lutei com toda minha força.<br />

Cassandra deu ainda outro passo para o Clay. Senti-o esticar-se e começar a retroceder,<br />

deter-se logo e ficar quieto.<br />

—Sim, a ama - disse Cassandra. —Posso vê-lo e o admiro. Realmente o faço. Mas sabe a<br />

quantos homens amei em todos estes anos? Amei apaixonadamente? E daqueles homens, sabe<br />

quão poucos nomes recordo? Quão poucos rostos?<br />

—Vai embora.<br />

—Peço-te que tome uma bebida comigo. Uma bebida. Nada mais.<br />

—Respondi, vai embora.<br />

Cassandra só sorriu e sacudiu sua cabeça. Seus olhos brilharam agora com o mesmo olhar<br />

que eu a tinha visto dar ao garçom no restaurante, só que mais forte. Mais faminta. Seus dedos<br />

roçaram o antebraço do Clay. Quis gritar para que ele olhasse longe, mas estava impotente de<br />

fazer nada, menos olhar e esperar.<br />

—Não faça essa merda, Cassandra - disse Clay. —Isso não funciona em mim.<br />

—Não?<br />

—Não.<br />

Clay olhou a Cassandra diretamente aos olhos. Ela estava completamente imóvel, só seus<br />

olhos se moviam, brilhando cada vez mais enquanto o contemplava. Vários minutos passaram.<br />

Então Clay avançou para a Cassandra. Seus lábios se torceram em um sorriso triunfante. Meu<br />

coração se deteve.<br />

—Vai embora, Cassandra - disse Clay, seu rosto a só polegadas do dela. —Dez segundos<br />

ou te lançarei fora.<br />

—Não me ameace, Clayton.<br />

—Ou fará o que? Morder-me? Acredita que pode afundar seus dentes em mim antes que<br />

eu te arranque a cabeça? Ouvi que é uma boa cura para a imortalidade. Cinco segundos,<br />

Cassandra. Cinco... quatro...<br />

A cena se voltou negra. Não confusa, não me atirava. Só se deteve repentinamente.<br />

Pisquei. A luz áspera me cegou. Apertei os olhos. Através das pálpebras, vi uma luz oscilar ao<br />

longe. Uns dedos agarraram meu ombro e me sacudiram.<br />

—Te levante e desperta dorminhoca.<br />

Uma voz. Infelizmente, não era a voz do Clay. Tampouco a da Cassandra. Nem sequer a<br />

de Paige. Era pior. Dez vezes pior. Ty Winsloe. De sonhos agradáveis a visões inquietantes, para<br />

chegar a absolutos pesadelos. Apertei com força meus olhos.<br />

—O que pensam, meninos? - disse Winsloe. —Necessita nossa beleza adormecido um<br />

beijo para despertá-la? É obvio, no conto de fadas original, ela necessitava mais que um beijo...<br />

Meus olhos se abriram e me pus direita. Winsloe riu e aproximou uma lanterna a minha<br />

cara, logo a soltou sobre meu corpo.<br />

—Sempre dorme com a roupa colocada? - perguntou.<br />

—Esta não é exatamente uma suíte privada - respondi, grunhindo um bocejo. —Que horas<br />

são?<br />

—As três passadas. Necessitamos sua ajuda. Houve um problema.<br />

Sentei-me no bordo do berço, piscando, com meu cérebro lutando para deixar atrás as<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

visões do Clay e Cassandra. As três? Da manhã? Problema? Queria dizer que alguém se escapou?<br />

Quem? Por que necessitavam minha ajuda? Houve um acidente? Carmichael me necessitava?<br />

—Né? - Respondi. Bem pelas perguntas inteligentes e articuladas. O que esperam às três<br />

da manhã?<br />

Winsloe me tirou da cama — Te explicarei pelo caminho.<br />

SABUJO<br />

Armem tinha escapado. Quando Winsloe me disse isso, engasguei-me, e durante um<br />

comprido momento não pude respirar. Armem se tinha escapado... sem mim. Escarranchado de<br />

meu pânico veio um brilho de dano, logo a compreensão de que a Armem deveu haver lhe<br />

apresentado uma oportunidade que não pôde ignorar. Podia culpá-lo? É obvio que não, embora<br />

isto não fazia melhor as coisas. Meu sócio de fuga se foi, levando-se nosso plano com ele. Pior<br />

ainda, Winsloe queria que eu o detivesse.<br />

—Quer que eu o detecte? - respondi.<br />

—Isso é o que falei. Usa seu nariz. Rastreia seu aroma.<br />

—Como um sabujo.<br />

Winsloe me jogou uma olhada bruscamente para ouvir meu tom. —Sim, como um sabujo.<br />

É um problema?<br />

É obvio que era um problema. Eu era uma pessoa, não um animal, não uma atração<br />

secundária. Não realizava espetáculos para a diversão de ninguém. Queria dizê-lo, mas o fio da<br />

voz do Winsloe me impediu de desafiá-lo. Não tive guelra. Ou, mais exatamente, meu instinto de<br />

autoconservação era muito forte. Recordei a reação do Winsloe quando lhe tinha dado uma<br />

palmada na mão para afastá-lo na ducha e sabia que não podia me permitir outro espetáculo de<br />

desafio. Isto não significava que eu trairia a Armem. Devia rastreá-lo, mas não tinha que<br />

encontrá-lo.<br />

Ladeada pelos guardas, segui ao Winsloe escada abaixo para o bloco de celas. Dois<br />

guardas mais esperavam para fora da cela de Armem. Dentro, Tucker se ajoelhava ao lado de um<br />

guarda, que estava sentado no chão, massageando a cabeça. O guarda parecia familiar, mas não<br />

podia lhe pôr um nome. A única vez em que me incomodei em notar o nome de um guarda foi<br />

quando tinha feito algo para distinguir-se de outros. A maioria não o fazia.<br />

—Averiguou o que aconteceu? - perguntou Winsloe, com uma voz que implicava que lhe<br />

importava bem pouco o que tinha passado, ele só queria seguir com a caça.<br />

—Parece que Haig fez uma arma - disse Tucker. —Algo afiado, como uma faca. Causou<br />

um escândalo quando meus homens faziam suas rondas, logo atirou a arma contra eles quando<br />

abriram a porta. Deixou inconsciente ao Ryman. Deve ter levado ao Jolliffe como refém. Ryman<br />

está bem, mas deveríamos nos mover se queremos recuperar ao Jolliffe vivo. Teremos que<br />

rastreá-lo. Enviei Pendecki para trazer um rastreador…<br />

—Não há necessidade - interrompeu Winsloe. —Tenho um rastreador de categoria<br />

mundial aqui mesmo.<br />

Tucker me olhou e franziu o cenho. —Já há um de meus homens aí, senhor. Com o devido<br />

respeito, não acredito que devamos perder o tempo…<br />

—Perder o tempo?<br />

A mandíbula do Tucker fez clique como se engasgou. —Não o quis dizer desse modo...<br />

senhor. Estou preocupado sobre…<br />

—É obvio que o está. Também eu. Por isso trouxe a Elena. Ryman, Sente-se bem para te<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

unir a nós?<br />

Ryman ficou de pé. —Sim, senhor.<br />

—Acredito… - começou Tucker.<br />

—Não acredita - cortou Winsloe. —Não é isso para o que te pago. Vamos, Ryman;<br />

veremos se podemos apanhar a esse bastardo. Talvez obtenhamos um pequeno pagamento para<br />

esse ovo de ganso em sua cabeça.<br />

***<br />

Fora do complexo, Winsloe despachou dois dos guardas que me acompanhavam, deixando<br />

só ao ferido Ryman. Perguntei-me com respeito a isto, sabia que não era um bom sinal, mas ainda<br />

estava muito drogada pelo sonho para dar sentido a isso. Outros pensamentos obstruíam meu<br />

cansado cérebro. Armem se tinha feito uma arma? Ele tinha atacado um guarda? Tinha-o<br />

golpeado até deixá-lo inconsciente? Era mesmo Armem que tinha estado pensando em mim para<br />

proporcionar a força bruta para uma fuga?<br />

Enquanto dirigíamos aos bosques, alguém gritou — Hey! - atrás de nós. Ryman virou, sua<br />

arma em posição, seus reflexos não estavam sendo obstaculizados por nenhum efeito persistente<br />

de sua ferida na cabeça. Não havia ninguém ali. O mato morta chispou adiante, e giramos para<br />

ver o Xavier a vinte pés de distância.<br />

—Lento, soldado - disse Xavier, suas mãos acima. —Não dispare aos aliados.<br />

—Deveria - resmungou Ryman. —Ensinar-te uma lição.<br />

—O que está passando? - perguntou Xavier, avançando para nós. —Ouvi que Haig fugiu.<br />

Realizaremos o espetáculo de procurar-e-resgatar? Ou o espetáculo de procurar-e-destruir? - viume<br />

e se deteve. —Wow, quem tirou a garota-lobo de sua jaula?<br />

Franzi o cenho para ele. Ele deu um passo rápido ao lado, como se esquivasse meu olhar<br />

deslumbrante, então voltou atrás Sorrindo abertamente.<br />

—É um olhar letal o que temos aqui. Mais mortal que as balas do Ryman - se voltou para<br />

o Winsloe. —Então, qual é o trato? Diversão e momento de jogos? Posso jogar?<br />

—Talvez da próxima vez - disse Winsloe.<br />

—Oh, vamos. Não seja desmancha-prazeres. Quero jogar.<br />

—Sim? - disse Ryman. —E queria ser o objeto de prática?<br />

Winsloe gesticulou para o Ryman para fazê-lo calar. —É suficiente. Volta para dentro,<br />

Reese. Já o disse, a próxima vez.<br />

—Bem - Xavier pôs os olhos em branco, logo desapareceu. Obviamente alguém mais que<br />

entendia o suficiente para não pressionar ao Winsloe.<br />

—Estamos ainda sobre a pista, Elena? - perguntou Winsloe.<br />

—Hmmm? Oh, sim - Cheirei o ar. —Sim, Ar-Haig esteve aqui. Com alguém mais.<br />

—Jolliffe - disse Winsloe. —Bem. Tucker estará contente. Vê adiante, então. Ryman,<br />

fique detrás dela.<br />

Dirigimos aos bosques.<br />

***<br />

—Está segura que este é o caminho? - perguntou Winsloe dez minutos mais tarde.<br />

Não o estava. Tinha-me afastado do verdadeiro caminho de Armem dez metros antes.<br />

Winsloe apontou sua lanterna a minha cara. Traguei uma resposta rápida e fiz o espetáculo de<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

cheirar o ar. Pela extremidade do olho, olhei-o, calibrando sua credulidade, e decidi provar a água<br />

antes de fazer um salto potencialmente fatal.<br />

—Pensei que o estava - respondi devagar. —O rastro parecia seguir este caminho.<br />

—O mato parece bastante denso - disse Winsloe.<br />

De verdade? Me parecia passável, mas talvez olhava como lobo, não como um humano em<br />

pânico correndo por sua vida, com um refém a reboque. Pus-me de coque e inalei perto da terra.<br />

Atrás de mim, Ryman riu dissimuladamente.<br />

—Tem razão - disse. —Não vieram por este caminho. Devo ter estado apanhando seu<br />

aroma na brisa. Melhor voltar sobre nossos passos.<br />

—Talvez deveria ficar a gatas - disse Ryman. —Mantém seu nariz no rastro - Ele sorriu<br />

com satisfação.<br />

—Está bem, Elena - disse Winsloe. —Toma-o com calma. Não se sinta pressionada.<br />

Eu? Me sentir pressionada? Por que demônios me sentiria pressionada? Só porque me<br />

pediam que perseguisse um companheiro cativo, com uma pistola carregada em minhas costas e<br />

um megalomaníaco psicótico chamando a disparar?<br />

—Talvez estou um pouco nervosa - respondi. —O sinto.<br />

Winsloe emitiu um sorriso magnânimo. —Está bem. Só toma as coisas com calma.<br />

Seguro, chefe. Nenhum problema. Inalei, retrocedi ao verdadeiro rastro, e comecei outra<br />

vez. Aproximadamente cinquenta metros mais à frente, o rastro de Armem virou ao leste. Decidi<br />

seguir avançando para o sul. Não consegui dar três passos.<br />

—Está segura que este é o caminho correto? - gritou-me Winsloe.<br />

Congelei-me.<br />

—Parece-me que se foram ao este - disse ele. —Há alguns ramos quebrados ali.<br />

Dava volta para olhar os arbustos que rodeavam o amplo oco pelo que Armem tinha<br />

passado. Nenhum só raminho estava quebrado. Não havia nenhum modo em que Winsloe<br />

pudesse dizer que Armem tinha dado volta ali. A menos que ele já soubesse. A advertência lhe<br />

zumbia que havia sentido já quando tínhamos começado esta expedição se elevou com uma frieza<br />

Ártica. Winsloe sabia exatamente para onde tinha fugido Armem, provavelmente o tinha feito<br />

rastrear e capturar antes que vir a me buscar ao hospital. Ele me provava-minhas capacidades e<br />

minha honestidade. Tinha falhado já?<br />

Reprimindo o impulso de gaguejar desculpas, olhei os arbustos do passo que eu tinha<br />

escolhido, belisquei a ponta de meu nariz e tratei de parecer esgotada, o qual não era nem com<br />

muito um exagero. Pus-me de coque e cheirei a terra, arrastei-me e cheirei os arbustos, logo me<br />

parei e aspirei o ar. Com um suspiro, esfreguei meu pescoço.<br />

—Bem? - disse Winsloe.<br />

—Cheiro um rastro em ambos os caminhos. Me dê um segundo.<br />

Fiz rodar meus ombros e respirei fundo o ar frio da noite. Então me pus engatinhando,<br />

ignorando ao Ryman que ria dissimuladamente, e segui ambos os potenciais passos por vários<br />

metros.<br />

—Esse - respondi, assinalando no verdadeiro rastro quando me pus de pé. —Ele deu uns<br />

poucos passos pelo outro caminho, logo retornou e rechaçou esse oco entre os arbustos.<br />

Plausível, e impossível de refutar a menos que a gente tivesse o nariz de um lobisomem.<br />

Winsloe assentiu com a cabeça. Isto funcionava para ele. Bom.<br />

Enquanto seguia o rastro, perguntei-me como planejava Winsloe terminar esta farsa.<br />

Obviamente já tinham recuperado a Armem. Chocaríamo-nos com a tropa de guardas que o tinha<br />

apanhado? Ou seguiríamos o rastro até o composto? Qual era o ponto? Divertir-se me fazendo<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

trabalhar como a um cão de circo? Humilhar-me provando minha honradez? Esperava que eu o<br />

traísse ou tentasse fazê-lo, lhe dando uma desculpa para me caçar? Eu não lhe daria essa<br />

satisfação. Se ele queria um sabujo de duas patas leal, isso era exatamente o que conseguiria.<br />

Não tratei de enganá-lo outra vez. Do que serviria, se já tinha a Armem? Caminhamos<br />

outro meio quilômetro através do bosque. O aroma se fez mais forte, até que pude recolhê-lo no<br />

vento.<br />

—Estão perto - respondi.<br />

—Bom - disse Winsloe. —Reduz a velocidade e…<br />

Diante, um grupo de arbustos explorou entre rangidos e maldições. Duas figuras saíram<br />

voando dos arbustos, Armem em cima de um guarda, mãos apertando a garganta do homem.<br />

Winsloe correu para lá, extraindo uma arma de sua jaqueta. Ryman fez um disparo de<br />

advertência. Armem se congelou. Winsloe se lançou contra Armem e o tirou de em cima de<br />

Jolliffe.<br />

A cólera flamejou em meu estômago, um branco ardor. Apertei meus punhos para me<br />

impedir de atuar a respeito. Quis gritar ao Winsloe, denunciar seu ―exercício de rastreamento‖<br />

como o que era. Um jogo. Outro coreografado jogo juvenil para saltar sobre Armem depois de<br />

que o pobre homem tivesse ficado paralisado pelo som da arma. Está tratando de me<br />

impressionar, Tyrone? Oh, estou impressionada. Nunca tinha visto um espetáculo tão patético.<br />

—Ali - disse, apenas capaz de mobilizar minha mandíbula para arrancar à força as<br />

palavras. —O tem. Bom trabalho. Podemos ir agora?<br />

Todos me ignoraram. Winsloe tinha estendido a Armem sobre a terra com as mãos abertas<br />

e o apalpava procurando armas. Jolliffe estava sentado nas sombras, como se estivesse muito<br />

atordoado para mover-se. Ryman lhe aproximou e estendeu uma mão, ajudando a seu sócio a<br />

ficar de pé.<br />

—O que passou aqui? - disse Winsloe.<br />

—Ele tinha uma arma, senhor - disse Jolliffe. —Me forçou a abrir a cela, tomou minha<br />

arma, e me fez abrir as portas, logo me arrastou para os bosques. Tratou de me matar. Escapei um<br />

pouco antes, segui-o, e o agarrei aqui.<br />

O que significava que o havia sustentado até que nós chegássemos, pensei. Tendo estado<br />

provavelmente em contato com o Winsloe por rádio desde que tinha escapado Armem.<br />

—Escondia-se nesses arbustos - disse o guarda, seguindo sua história. —Me disparou.<br />

Desarmei-o e lutamos, então vocês chegaram.<br />

—O Q-que? - disse Armem, lutando por levantar a cabeça da terra. —Não fiz- você veio a<br />

minha cela. Trouxe-me aqui fora. Você…<br />

Winsloe esbofeteou a cara de Armem lançando-a ao barro. Novamente, tomou cada porção<br />

de vontade não me lançar para ele. Então o impulso desapareceu e nem sequer podia me mover<br />

mesmo que o desejasse. Minhas pernas se voltaram de frio chumbo quando vi o olhar em cara de<br />

Armem, a confusão e incredulidade sob a capa de sangue e contusões. Jolliffe disse algo. Meu<br />

olhar se voltou para ele. Vi sua cara, realmente o vi, e o reconheci, tal como tinha reconhecido<br />

antes ao Ryman. Olhando-os juntos, soube onde os tinha visto. Na caça. Os dois homens sem<br />

nome, junto com o Pendecki e Bryce, essa noite que tínhamos caçado ao Patrick Lake. Tampouco<br />

era quão última os tinha visto. Eles tinham sido os dois que me tinha acompanhado à ducha com<br />

o Winsloe. Seus guardas favoritos. Escolhidos para outra missão especial.<br />

Armem não escapou. Isso não tinha sentido. Armem era um homem pensador, não a classe<br />

de tipo que tomaria tal risco em um impulso repentino. Não saberia criar uma arma na prisão. E<br />

certamente não atacaria a dois guardas armados, cada um com duas vezes seu tamanho. Não, ele<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

não escapou. Haviam lhe trazido aqui. Golpeado e miserável através do bosque. Para que? Para<br />

desempenhar um papel no último jogo do Winsloe? Winsloe queria que eu rastreasse a alguém,<br />

então tinha ido ao bloco de celas, escolhido um objetivo, e instruiu a seus guardas favoritos para<br />

ajudar a construir o cenário. Que valor tinha tudo isto, bastardo doente? Conseguia tranquilizar<br />

sua mania?<br />

—Podemos ir agora? - Pedi outra vez, levantando minha voz para ser ouvida por sobre sua<br />

conversa. —O temos. Deveríamos nos devolver.<br />

Winsloe se moveu para ficar sentado de lado junto a Armem, apoiado atrás como se<br />

estivesse em uma cômoda cadeira. —Não pode fazer isso, Elena. Desejaria poder fazê-lo, mas<br />

não podemos. Não terminamos ainda.<br />

Jogou um olhar ao Ryman e Jolliffe. Os dois guardas lhe sorriram abertamente em<br />

resposta, e meu estômago se voltou de gelo.<br />

—Não podemos ter detentos escapando, verdade, moços? Escapando de suas celas, não<br />

escapam ao castigo. Não senhor. Temos que impor um código. Ninguém escapa de meu<br />

complexo e vive.<br />

Lutei por tomar um fôlego —Mas -mas pensei que Haig era um sujeito importante. O<br />

doutor Matasumi disse…<br />

—Larry entenderá. Um detento escapa, perseguimo-lo, tratamos de devolvê-lo vivo,<br />

mas... bem, as coisas passam. A captura de um detento é um assunto delicado. Tanto poderia sair<br />

mau, e é obvio, não podemos arriscar deixar a ninguém afastar-se e pôr o projeto em perigo.<br />

Eu não podia deixar acontecer isto. Havia-me sentido bastante doente a respeito de caçar<br />

ao Patrick Lake, e ele tinha sido um assassino vicioso. Armem Haig não era nenhum monstro. Era<br />

um homem decente, um inocente em um mundo onde a maior parte de nós, eu mesma incluída,<br />

tínhamos perdido nossa inocência quando nos convertemos em uma coisa distinta a humano. Os<br />

monstros aqui eram os três sem desculpas para seu comportamento.<br />

O que via Winsloe quando olhava Armem, a mim, ao Patrick Lake, no guarda que tinha<br />

matado, ou qualquer que habitava seu mundo? Via gente, seres conscientes? Ou via recortes de<br />

cartão, atores, caracteres de algum magnífico jogo desenhado para sua diversão?<br />

—Não pode matá-lo - disse, mantendo minha voz tão neutra como era possível.<br />

Winsloe estirou suas pernas, colocando seu peso sobre Armem —Têm razão. Não posso.<br />

Bem, eu poderia, mas não vou fazê-lo.<br />

—Bom. Agora podemos…<br />

—Não vou matá-lo eu. Você o fará.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

SACRIFÍCIO<br />

Detive-me em seco, as palavras entupidas em minha garganta —Eu-eu<br />

—Assim é. Você o matará. Vai se transformar em lobo e caçá-lo - Winsloe ficou de pé e<br />

pisoteou as costas de Armem. —É um problema, Elena?<br />

Durante um segundo breve, tive a certeza de que Winsloe sabia a respeito de minha<br />

colaboração com Armem, que este era seu modo de frustrar nossos projetos, matando a meu<br />

aliado, e me deixando saber que ele sabia, mas rapidamente compreendi que Winsloe não podia<br />

sabê-lo. Armem tinha sido muito perspicaz, tinha mantido nossas discussões bem disfarçadas.<br />

Não tínhamos progredido muito em nossos projetos como para que o ouvinte mais agudo<br />

compreendesse o que planejávamos. Se alguém tivesse estado escutando, só teria ouvido duas<br />

pessoas que conversando. Com uma sacudida gelada, perguntei-me se tinha sido suficiente. Terme-ia<br />

ouvido Winsloe por acaso com Armem e tinha descoberto uma amizade florescente?<br />

Explicava isto o porquê ele tinha escolhido a Armem de entre todos os outros cativos, arriscando<br />

o desgosto do Matasumi? Por que não tomar a Leah ou, ainda melhor, Curtis Zaid, o inútil<br />

sacerdote Vodoun? Porque isso não me faria suficiente dano. Não seria o bastante sádico.<br />

Winsloe se aproximou — Perguntou, É um problema, Elena?<br />

—Sim, é um maldito problema - grunhi. —Não matarei a um homem para seu diver…<br />

Cambaleei-me atrás. Senti sua mão imprimindo-se em minha bochecha. Tropecei.<br />

Recuperei-me. Me girando, lancei um punho para sua mandíbula. Uma bala chamuscou meu<br />

flanco. Desequilibrou-me, metade o impacto, metade a surpresa. Afirmei-me de uma árvore.<br />

Deteve minha queda. Parada ali, em frente do tronco, com o peito pesado, uma serpente de raiva<br />

que atravessava meu corpo. Agarrei a árvore com força suficiente para deixar buracos na casca<br />

com minha palma. Fechei os olhos. Inalei. Lutei por obter controle. Encontrei-o. Tomei fôlegos<br />

profundos e retrocedi. Deixei cair meus dedos a meus flancos e senti a ferida. Diretamente me<br />

atravessando, roubando uma costela e nada mais.<br />

—Uma vez mais, Elena - disse Winsloe, aproximando-se de mim. —É um problema?<br />

Dava a volta lentamente, mantendo meus olhos longe dele. Winsloe deu um grunhido de<br />

satisfação, interpretando minha falta de contato visual como um sinal de que estava intimidada,<br />

não pelo que realmente era, que não me atrevia a olhá-lo por temor a arrancar seu rosto se o<br />

fizesse.<br />

—Responde a pergunta, Elena.<br />

—Não posso - Inalei. Forcei uma desculpa em meu tom. —Não posso fazer…<br />

Vi sua mão subir, esta vez com a arma nela. Vi a pistola aproximar-se de minha cara. Dava<br />

um passo atrás, mas muito tarde. A arma golpeou o flanco de meu crânio. As luzes cintilaram.<br />

Então todo ficou escuro. Quando me recuperei, jazia em terra com o Winsloe em cima de mim.<br />

—Assim é como isto vai funcionar, Elena - disse ele, inclinando-se para minha cara. —Vai<br />

transformar-se em lobo. Aqui mesmo. Agora mesmo. Logo vais caçar ao Sr. Haig. Quando o<br />

capturar, sustentá-lo-á até que eu chegue. Então o matará. Qualquer separação deste plano e<br />

ambos morrerão. Entendido?<br />

Tratei de me sentar. O pé do Winsloe aterrissou em meu estômago, me lançando ao chão e<br />

tirando o fôlego de meus pulmões.<br />

—Não é- não é tão fácil - ofeguei entre sorvos de ar. —Eu poderia não ser capaz de<br />

mudar. Inclusive se o fizesse, não serei capaz de me controlar uma vez que o apanhe. Não<br />

funciona dessa maneira.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Isto funcionará de qualquer modo que eu diga que funcione - A voz do Winsloe<br />

continha toda a emoção de um treinador de golfe explicando as regras do torneio. —Se enguiços,<br />

responder-me-á. E quando estiver me respondendo, meus moços terão seu turno, e quando se<br />

tiverem cansado de ti, morrerá. É bastante incentivo, Elena?<br />

Comecei a tremer. Nada cólera agora. Só medo. Terror incontrolável. Matar a Armem<br />

seria um ato de covardia pelo qual eu nunca me perdoaria, até se pudesse fazê-lo. Mas e se não o<br />

fazia? Violação e morte. Para mim, a idéia de ser violada era mais aterradora que a de morrer. Os<br />

fantasmas de minha infância encheram meu cérebro, vozes que diziam que tinha prometido que<br />

tal coisa nunca passaria outra vez, que era muito forte, que nunca poderia ser novamente obrigada<br />

a me submeter a alguém.<br />

—Não posso - sussurrei. —Simplesmente não posso.<br />

Vi o pé do Winsloe voar atrás. Fechei meus olhos com força. Senti sua bota conectar com<br />

meu flanco, justo em cima da ferida de bala. Ouvi o grito de uma mulher. Meu grito. Odiei-me<br />

mesma. Ódio, ódio, ódio. Não morreria desta maneira. Não violada. Não forçada a matar a um<br />

homem inocente. Se tivesse que morrer, fá-lo-ia a minha maneira.<br />

Arrojei-me, lançando ao Winsloe ao claro. Aterrissou de costas. Pus-me de pé e o<br />

enfrentei.<br />

—Não! - Um grito. Armem.<br />

Girei, vi Ryman levantar sua arma. Armem se lançou para mim. A arma cuspiu uma<br />

corrente de balas. O corpo de Armem se deteve em ar, seu peito explorando, corpo dando tombos<br />

devido ao impacto. Quando golpeou terra, caí ao lado dele.<br />

—É mais misericordioso. Para nós dois - Sua voz era fina, muito baixo para os ouvidos de<br />

qualquer, mas não para meus. Sangrenta espuma borbulhava em seus lábios.<br />

—Sinto-o - sussurrei.<br />

—Não o faça - Suas pálpebras revoaram uma vez. Duas vezes. Logo se fecharam.<br />

Deixei cair minha cabeça, lágrimas obstruíam minha garganta. No silêncio que seguiu, me<br />

revigorei para o que devia vir. Winsloe me mataria para isto. Por atacá-lo. Por terminar seu jogo.<br />

Quando finalmente me dava volta para confrontá-lo, entretanto, só vi satisfação em seus olhos.<br />

Ele não tinha perdido absolutamente. O resultado era ainda o mesmo. Armem estava morto. Era<br />

minha falta. Eu sabia e sofreria por isso.<br />

—Levem-na de volta a sua cela - disse Winsloe, sacudindo seu jeans. —Logo tragam para<br />

alguém para que limpar este desastre.<br />

Enquanto ele jogava uma olhada a Armem, sua boca se apertou e ele fez uma careta para<br />

mim com um olhar deslumbrante. O resultado pode ter sido o mesmo, mas seu jogo tinha sido<br />

arruinado. Eu pagaria por isso. Não esta noite. Mas pagaria.<br />

***<br />

Ryman e Jolliffe me conduziram para o bosque. Estávamos a metade de caminho do<br />

complexo quando Ryman de repente empurrou com força. Eu atirei. Quando me estabilizei e me<br />

dava volta para fulminá-lo com o olhar, encontrei-me fulminando com o olhar o barril de sua<br />

arma. Apertei minha mandíbula, girei-me, e segui andando. Tinha dado aproximadamente cinco<br />

passos quando uma patada do Jolliffe me travou as pernas. Tropecei contra uma árvore e tomei<br />

um momento para me recompor antes da me dar volta. Ambos os homens apontavam suas armas<br />

para mim.<br />

—O que querem? - Respondi. —Uma desculpa para me pegar um tiro?<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Não necessitamos uma - disse Ryman. —Só dizemos ao Tyrone que tentou escapar e<br />

tivemos que te baixar.<br />

—Como um cão raivoso - disse Jolliffe.<br />

Ambos os homens riram. A raiva me atravessou. O que tinha passado nesse arvoredo me<br />

tinha doente de culpa e auto-aborrecimento. Não queria nada mais que encontrar outro objetivo<br />

para essa cólera, alguém mais a quem pudesse culpar pela morte de Armem. Estes dois idiotas<br />

gritavam pedindo o trabalho. Avaliei-os. Poderia derrubá-los sem sofrer um balaço? Estimei<br />

minhas probabilidades em cinco a um. Quando essas probabilidades me pareceram razoavelmente<br />

boas, sabia que estava em problemas. Minha raiva consumia rapidamente meu sentido comum.<br />

Arranquei meu olhar fixo dos dois guardas e segui andando.<br />

Ryman avançou a pernadas até ficar a meu lado e agarrou o braço. Quando me lançou de<br />

repente contra uma árvore, comecei a repartir golpes a mão direita e sinistra, logo senti o metal<br />

frio de um barril de arma em meu templo.<br />

—Não volte a me dar as costas, cadela - ele respirou em minha cara. —Cliff e eu<br />

pensávamos com muita ilusão em um pouco de diversão esta noite. Arruinou-o. Talvez ao Ty<br />

agrade passar por cima isto, mas a nós não. Quem demônios acredita que é de todos os modos?<br />

Desafiando ao Tyrone Winsloe? Atacando-o? Danificando nosso jogo?<br />

—Tira suas mãos de mim.<br />

—Ou o que? - Ele trespassou seu joelho no meio das minhas pernas. —O que vai fazer se<br />

não o faço?<br />

Alguém riu entre dentes a nossa esquerda —Algo como... arrancar sua tola garganta, tirar<br />

de raiz seu testículo, e te converter em um peru de dia de Ação de Obrigado. Não<br />

necessariamente nessa ordem.<br />

Demo-nos volta para ver o Xavier apoiar-se contra uma árvore, aspirando um cigarro.<br />

Lançou longe a bituca, passeou-se, e me tirou do afeto do Ryman.<br />

—Não quer te sujar com este problema - disse Xavier. —Viu o que fez a esse outro<br />

lobisomem? Rasgou sua perna... tendo colocadas as algemas. Agora, vocês moços poderão ter<br />

armas, mas eu não quereria ver quanto dano poderia fazer ela antes que a tirassem do caminho.<br />

Antes que um ou outro guarda pudesse abrir sua boca, Xavier enganchou seu braço ao<br />

redor de minha cintura e me conduziu de volta a caminho aberto, dirigindo-se para o complexo.<br />

—Ela parece te tolerar bastante bem - resmungou Jolliffe quando ele se aproximou detrás<br />

de nós. —Algo que devêssemos lhe dizer ao Ty, Reese?<br />

—Não sou o bastante louco para violar o território do grande homem - disse Xavier. —O<br />

que posso fazer se a pobre moça tem uma coisa para mim?<br />

Agarrou meu traseiro. Girei para esmurrá-lo, mas ele desapareceu, reaparecendo a meu outro<br />

lado.<br />

—Esta é uma dessas relações de amor-ódio - gritou aos guardas. Em voz baixa murmurou,<br />

— um jogo agradável, Elena. Não quer que eu tome minhas coisas e vá a casa.<br />

Ele tinha razão. Tanto como lamentava estar endividada com o Xavier, ele era a única<br />

coisa que se interpunha entre eu, os dois guardas, e uma situação potencialmente repugnante.<br />

Xavier pôs seu braço ao redor de minha cintura outra vez e jogou uma olhada por sobre<br />

seu ombro. —Acredita que Tyrone me deixará tê-la quando ele já o tenha feito? Poderíamos<br />

escapar juntos, construir uma choça em alguma ilha deserta, viver de cocos, luz do sol, e sexo. O<br />

que diz, Elena? Teríamos uns bebês formosos. Pensa nisso. Poderíamos converter sem ajuda aos<br />

lobos em uma espécie desaparecida.<br />

—Sim, sim - disse.<br />

168


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Xavier fez uma pausa, e levantou a cabeça —Nada de risadas sarcásticas. Supõe que eles<br />

não entendem a brincadeira. Querem que as expliquem, meninos?<br />

—Queremos que lhe foda logo, Reese - disse Ryman. —Como agora mesmo.<br />

—Diante de vocês? Sou um demônio, não um exibicionista - Xavier caminhou um pouco<br />

mais rápido, me empurrando junto a ele. —De todos os modos, estamos quase no complexo.<br />

Larry se perguntará o que aconteceu. Deve estar bastante preocupado por sua estrela-objeto.<br />

Ofereci-me para estar no pelotão de salvamento. Acreditam que ganharei um prêmio?<br />

—Não quando Matasumi averigúe o que aconteceu sua estrela-objeto - murmurei.<br />

Algo cruzou o rosto do Xavier, mas antes que pudesse decodificar a expressão, fez seu<br />

próprio ato de desaparecimento, escondendo-se atrás de sua despreocupação habitual. Manteve<br />

um monólogo até que chegamos ao complexo. Então Xavier me levou através da porta de<br />

segurança, deixando-a fechar-se frente aos dois guardas. Quase subimos ao elevador sem eles,<br />

mas Jolliffe apanhou as portas no último momento. Avançaram e apertaram o botão para o bloco<br />

de celas. Quando o elevador se deteve no piso do meio, Xavier tratou de me tirar. Ryman agarrou<br />

meu braço.<br />

—Ty disse que a devolvêssemos a sua cela.<br />

Xavier suspirou —Ele quis dizer o hospital. Ali é onde ela dorme agora. Ele deve havê-lo<br />

esquecido.<br />

—Ele disse a cela.<br />

—Cometeu um engano.<br />

Os dois homens se olharam. Então Xavier se endireitou e apareceu pela porta do elevador.<br />

A voz do Carmichael e passos ecoaram pelo corredor.<br />

—Doc? - chamou Xavier. —Tenho a Elena aqui. Estes tipos me dizem que Tyrone a quer<br />

de volta em sua cela.<br />

—Deve ter cometido um engano - disse Carmichael quando se aproximou.<br />

—Isso é o que os respondi.<br />

Carmichael parou diante das portas de elevador abertas. —Cliff, Paul, levem a Sra.<br />

Michaels ao hospital. Estarei ali agora mesmo.<br />

***<br />

Xavier me acompanhou ao hospital e não partiu até que Carmichael voltou. Tratou de ficar<br />

mais tempo, mas ela o afugentou, queixando de que meu sono tinha sido interrompido bastante e<br />

de que necessitava minha ajuda pela manhã. Enquanto partia, Xavier articulou, —Deve-me isso -<br />

O fazia. E estava segura de que ele não deixaria à nota promissória sem cobrar-se.<br />

Quando alcancei minha cama, Carmichael se asseava ocupada pelo quarto, preparando<br />

equipe e vigiando a Bauer. Uma vez me perguntou se havia algo do qual eu gostaria de falar.<br />

Havia-o, mas não podia fazê-lo. Não queria ver minha culpa refletida na cara de outra pessoa. Um<br />

homem bom tinha morrido essa noite. Tinha-lhe dado um tiro um guarda vicioso, sendo<br />

condenado a morte por um tirano sádico, mas, além disso, o peso de sua morte estava sobre meus<br />

ombros. Eu não podia compartilhar isso com Carmichael. A única pessoa no mundo com a que<br />

poderia me haver crédula estava centenas de milhas de distância, lutando suas próprias batalhas<br />

em um quarto de motel. Pensar nisto me recordou quão sozinha estava. Antes que Carmichael<br />

partisse, deixou-me uma taça de chá. Pelo aroma medicinal, soube que continha um sedativo, mas<br />

o bebi de todos os modos. Era o único modo em que ia dormir essa noite e desesperadamente<br />

queria dormir, dormir, esquecer... ao menos durante umas horas.<br />

169


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

EXÍLIO<br />

Depois do café da manhã do dia seguinte, Bauer despertou.<br />

Eu estava sentada ao lado de sua cama, absorta em meus pensamentos, tal como tinha<br />

170


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

estado toda a manhã. Quando abriu seus olhos pela primeira vez, pensei que era um reflexo. Seus<br />

olhos se abriram, mas não se movia, só contemplava o teto, inexpressiva. Então piscou.<br />

—Doutora? - Perguntei.<br />

Carmichael fez um ruído e elevou a vista de sua papelada. Uma fração de segundo mais<br />

tarde, estava no lado da cama. Levou um momento a Bauer para despertar. Suponho que se a<br />

gente esteve exânime durante dias, não passa a estar gritando exatamente, pelo qual deveríamos<br />

ser agradecidos, já que ela não saltou gritando, considerando todas as coisas acontecidas.<br />

Tomou aproximadamente vinte minutos a Bauer despertar o suficiente para mover-se.<br />

Tratou de mudar de lado, mas as cadeias a contiveram. Jogou uma olhada para baixo<br />

bruscamente, franziu o cenho, viu as restrições, e lançou um olhar deslumbrante a Carmichael.<br />

Sua boca se abriu, mas só um sussurro saiu, tão suave que nem sequer eu pude distinguir as<br />

palavras. Carmichael recebeu a mensagem, entretanto, e rapidamente soltou as restrições de seus<br />

braços.<br />

—Uh, essa não é uma idéia tão boa - respondi.<br />

—Ela está muito fraca para falar, muito menos para mover-se - disse Carmichael.<br />

Os olhos de Bauer se moveram desde mim a Carmichael, seguindo nosso intercâmbio. Ela<br />

procurou minha cara sem uma piscada de reconhecimento. Então vi o brilho. Recordou-me. Seus<br />

olhos se estreitaram.<br />

—Qu - Se deteve e tragou. —Que que faz ela aqui?<br />

—Elena me esteve ajudando, Sondra. Desde você... desgraça.<br />

—Minha-? - Bauer tragou outra vez, sua língua estalando sobre seus lábios secos. —Que<br />

desgraça?<br />

—Dê a Sondra um copo de água, Elena.<br />

Outra vez o olhar fixo de Bauer se posou em mim. —Qu-o que faz ela aqui?<br />

—Traz a água e logo faz que os guardas lhe levam a passear. Tenho que falar com a<br />

Sondra.<br />

Recuperei a água e tratei de ignorar a segunda metade da petição, mas Carmichael me<br />

jogou. Eu sabia que não deveria deixar a Carmichael só com Bauer. Também sabia que não tinha<br />

nenhum sentido discutir a doutora. Então me conformei saindo com os guardas do quarto e<br />

aconselhar aos guardas da porta para que tomassem posições dentro. Para minha surpresa,<br />

obedeceram. Teria sido um sinal alentador de meu crescimento poder e posição se não tivesse<br />

suspeitado que eles queriam entrar no hospital para poder contar a seus colegas contos a respeito<br />

de ser os primeiros em ver o novo lobisomem acordado.<br />

***<br />

Depois de meu passeio, Tucker nos encontrou fora do hospital.<br />

—Deixem-na com o Peters e Lewis dentro - disse Tucker. —Logo baixem às celas e<br />

escoltem à senhorita Ou'Donnell à cela do Zaid.<br />

—Pensava que o Doutor Matasumi tinha anulado todas as visitas - disse um de meus<br />

guardas.<br />

—Katz-o doutor Matasumi trocou de opinião.<br />

—Mas pensei que havia dito…<br />

—Trocou de opinião. A senhorita Ou'Donnell visitará o Zaid durante uma hora, seguida de<br />

uma visita de uma hora com a senhorita Levine.<br />

—Como esta Savannah? - Perguntei.<br />

171


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Três pares de olhos me olharam, como se as paredes tivessem falado. Durante um<br />

momento pareceu que ninguém ia responder-me, então Tucker disse bruscamente, —Ela está<br />

bem.<br />

—Sabe, opor-me-ia a vê-la eu mesma - respondi. —Talvez tranquilizá-la um pouco.<br />

—A senhorita Ou'Donnell pode fazer isso - disse Tucker, logo se girou e se encaminhou<br />

corredor abaixo.<br />

Os dois guardas me conduziram de volta ao quarto. Bauer ainda jazia sobre a cama.<br />

Carmichael estava sentada ao lado dela, sustentando sua mão. Assumi que Bauer tinha cansado e<br />

estava adormecida, logo notei que seus olhos estavam abertos. Carmichael me fez gestos para que<br />

permanecesse em silêncio.<br />

—Sei que isto é um choque - murmurou Carmichael. —Mas tem boa saúde e…<br />

—Boa saúde? - cuspiu Bauer, dando a volta por volta do Carmichael com olhos ardentes.<br />

— Sabe o que sinto agora mesmo? Estou-esto - Sua mão esquerda tratou de mover o ar, mas só<br />

obteve uma débil agitação antes de sofrer um colapso de volta abaixo. —Este não é meu corpo.<br />

Não sou eu. É- está mau. Horrivelmente, asquerosamente mau. E os sonhos - Soltou um grito<br />

afogado. —Oh, Deus. Os sonhos.<br />

Carmichael tocou a sobrancelha de Bauer. Bauer fechou os olhos e pareceu relaxar-se.<br />

Então abriu seus olhos e me viu.<br />

—Tire-a daqui - disse Bauer.<br />

—Compreendo que Elena poderia não ser a pessoa que mais quer ver.<br />

—Tire-a daqui.<br />

Carmichael apertou a mão de Bauer. —Sei que ela é um aviso do que passou, mas a<br />

necessita, Sondra. Ela entende o que acontece, e pode nos ajudar. Sem ela…<br />

—Sem ela? - Bauer me olhou e retirou seus lábios em um grunhido. —Sem ela, eu não<br />

estaria aqui.<br />

—Entendo sua cólera, Sondra. Se não tivesse sido pela Elena que veio aqui, isto nunca<br />

teria passado. Mas não pode culpá-la-<br />

—Não posso culpá-la? Não posso culpá-la? - A voz de Bauer se elevou. —Quem<br />

demônios pensa que me fez isto?<br />

***<br />

Uma hora mais tarde, estava de volta em minha cela.<br />

Depois de tudo o que eu tinha feito, cada risco que tinha tomado, uma acusação de uma<br />

lobisomem recém transformada, meio louca e estava em minha maldita cela. Eu tinha cuidado de<br />

Bauer até que voltou sua saúde. Eu tinha prevenido ao Carmichael de administrar remédios que<br />

ameaçassem potencialmente sua vida. Tinha-me arrojado entre Bauer e os guardas armados.<br />

Como me pagava ela? Culpou-me, e não só em um sentido figurado -porque tinha usado minha<br />

saliva- a não ser literalmente me acusando de convertê-la em lobisomem. Loucura, verdade? E a<br />

seringa de injeção? A marca de agulha? Provas que me exoneravam. O que pensavam eles, que<br />

tinha roubado uma seringa de injeção do hospital durante minha prova física, enchi-a com minha<br />

saliva, e cravei o braço de Bauer? Era exatamente o que eles pensavam. Ou o que Matasumi<br />

pensava. Carmichael parecia ter o sentido de compreender que isto era absurdo. Ela não o havia<br />

dito tão claramente, mas tinha discutido para me manter no hospital, e quando tinha sido obrigada<br />

a partir, tinha caminhado para mim e tinha prometido ―arrumar as coisas‖.<br />

Quão boa como aliada podia ser Carmichael? Ela era uma empregada sem verdadeira<br />

172


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

autoridade. Quando só Matasumi e Winsloe tinham sido os responsáveis, a forte vontade do<br />

Carmichael se metamorfoseou em verdadeiro poder. Em batalhas de personalidade, Matasumi<br />

estava indefeso. Winsloe tinha a força de vontade necessária para desafiar a alguém, mas ele se<br />

reservava de meter-se na vida cotidiana do complexo. Deste modo, em ausência de Bauer,<br />

Carmichael tinha poucos problemas para me manter no hospital contra os desejos do Matasumi.<br />

Mas agora Bauer estava de volta. Onde deixava isto a Carmichael? Sopesei as personalidades de<br />

ambas as mulheres, loteando suas possibilidades.<br />

Havia um fator mais para considerar. Com quanta força lutaria Carmichael por mim? Ela<br />

fazia pouco segredo de seu desprezo pelo Winsloe e Matasumi, mas parecia terna com Bauer.<br />

Poria a sua debilitada paciente em uma luta de vontades? Isso dependeu de uma coisa: a<br />

convalescença de Bauer. Se Carmichael sentisse que me necessitava para ajudar a Bauer, lutaria.<br />

Mas se Bauer se recuperava sem recair, eu estaria com uma sorte de merda. Minha melhor<br />

esperança era que algo horrível acontecesse, que Bauer perdesse o controle, e que Carmichael e<br />

Matasumi compreendessem que necessitavam minha ajuda. Sabendo do que um lobisomem<br />

recém transformado era capaz, era realmente horrível desejar algo pelo estilo.<br />

***<br />

Realmente estive afastada do favor. Se havia alguma dúvida, logo se desvaneceram. Os<br />

guardas trouxeram meu café da manhã duas horas tarde, deixaram-no, e partiram. Logo<br />

trouxeram meu almoço. Nada passou no interino. Absolutamente nada. Carmichael não me<br />

chamava para uma verificação. Matasumi não se aproximava para me interrogar. Xavier não se<br />

aparecia para uma visita. Nem sequer Tess se tomava o dever de observar fora de minha cela.<br />

Deixaram-me com meus pensamentos, consumidos por lembranças da noite anterior. Só com<br />

meus medos, minhas auto-recriminações, e minha pena, refletindo sobre a morte de Armem, logo<br />

Ruth, logo minha própria situação, a que ficava mais difícil com cada hora que passava.<br />

Ao redor do meio da tarde minha porta se abriu, e saltei de meu assento tão rápido que<br />

teriam pensado que Ed McMahon estava de pé ali, com um passe para a Câmara de Editores. De<br />

acordo, era só um guarda, mas chegado este ponto, qualquer cara era bem-vinda. Talvez ele<br />

venha para me levar acima. Talvez viesse para entregar uma mensagem. Infernos, talvez viessem<br />

só para me falar. Seis horas de exílio e já sentia como se eu tivesse passado uma semana em<br />

isolamento.<br />

O guarda entrou, pôs um buquê de flores na mesa, e partiu.<br />

Flores? Quem me enviaria flores? Carmichael que tratava de me animar? Correto.<br />

Matasumi pedindo perdão por me devolver à cela? Oh, sim. Bauer me agradecendo por todo meu<br />

trabalho desinteressado por ela? Isso devia ser. Com uma risada amarga, girei as flores e li o<br />

cartão.<br />

Elena,<br />

Lamento ouvir o que aconteceu.<br />

Verei o que posso fazer.<br />

Ty<br />

Golpeei o buquê da mesa e apertei os punhos, fervendo de fúria. Como se atrevia! Depois<br />

da noite anterior, como se atrevia a me enviar flores, fingir preocupação por meu exílio. Franzi o<br />

cenho para as flores pulverizadas através do tapete. Esta era sua idéia de uma brincadeira? Ou<br />

tratava de me enganar me fazendo pensar que se preocupava? Zombava de mim? Ou ele, de seu<br />

173


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

modo arrevesado, realmente se preocupava? Maldição! Grunhi e dava uma patada ao buquê<br />

através do quarto. Quando não se rompeu, avancei a pernadas, tomei com uma mão, e me girei<br />

para lançá-lo para a parede. Então congelei a metade do tiro, os dedos ainda ao redor do buquê.<br />

Não podia fazer isto. Não podia me permitir incorrer na cólera do Winsloe. Uma fúria impotente<br />

me atravessou e foi quase suficiente para me fazer lançar o buquê à parede, mandando ao diabo<br />

as consequências. Mas não o fiz. Ceder à raiva só daria uma desculpa para me fazer danifico<br />

outra vez. Queria jogar jogos mentais? Bem. Deixei-me cair de joelhos e comecei a juntar as<br />

flores, apagando todos os sinais de minha cólera. A próxima vez que Tyrone Winsloe entrasse em<br />

minha cela, veria suas flores amavelmente dispostas sobre a mesa. E eu lhe agradeceria por sua<br />

preocupação. Sorrir e agradecer. Os dois podiam jogar este jogo.<br />

***<br />

Às sete dessa tarde, a porta se abriu. Um guarda entrou.<br />

—Eles lhe necessitam acima - disse.<br />

A euforia se precipitou através de mim. Sim! E não era muito logo. Então vi sua cara, a<br />

estreiteza de sua mandíbula falhando ao ocultar a ansiedade em seus olhos.<br />

—O que passou? - Perguntei, me pondo de pé.<br />

Ele não respondeu, só virou e sustentou a porta. Dois guardas mais esperavam no corredor.<br />

Todos traziam suas armas fora. Meu estômago se afundou. O que era isto, então? Tinha pedido<br />

Bauer minha morte? Cansou-se Winsloe de jogar comigo e tinha decidido me caçar? Mas isto não<br />

faria que os guardas estivessem preocupados. Alguns, como Ryman e Jolliffe, lamberiam seus<br />

lábios só de pensar na perspectiva.<br />

Quando atravessei a porta, o primeiro guarda me empurrou nas costas com sua arma, não<br />

um golpe forte, mas bem um golpezinho impaciente. Tomei velocidade e rapidamente avançamos<br />

para a saída de segurança.<br />

***<br />

A sala de espera do hospital estava lotada. Contei sete guardas, além do Tucker e<br />

Matasumi. Enquanto dava um passo através da porta, o tempo reduziu sua marcha, me mostrando<br />

uma montagem de impressões visuais privadas de aroma e som, como um filme silencioso<br />

avançando com a manivela da um fotograma por vez.<br />

Matasumi estava sentado, seu rosto branco, seus olhos contemplando um nada. Tucker no<br />

intercomunicador ladrando ordens silenciosas. Cinco guardas em cachos ao redor dele. Um<br />

guarda sentado ao lado do Matasumi, com a cabeça entre suas mãos, as palmas sobre seus olhos,<br />

umidade em seu queixo, uma mancha úmida manchando uma manga de sua camisa. O último<br />

guarda olhava a parede longínqua, abraçando-se a si mesmo com seus braços, a cabeça inclinada,<br />

seu peito levantado. Enquanto movia meu peso para frente, meu sapato se deslizou. Algo fazia<br />

que o estou acostumado a estivesse escorregadio. Joguei uma olhada para baixo. Um magro<br />

atoleiro opaco cor amarelada marrom. Vômito. Elevei a vista. A porta do hospital estava fechada.<br />

Avancei, ainda com lentos movimentos. As caras se voltearam. A multidão se separou, não me<br />

deixando espaço mas me afastar. Nove pares de olhos sobre mim, expressões nos limites da<br />

apreensão até a repugnância.<br />

—O que passa aqui? - A voz do Winsloe detrás de mim rompeu a ilusão.<br />

Eu podia cheirar agora: vômito, suor, ansiedade, e medo. Alguém murmurou algo<br />

174


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

ininteligível. Winsloe passou por diante de mim para examinar a janela do hospital. Todos<br />

fizeram uma pausa, contendo coletivamente o fôlego.<br />

—Merda Santa! - disse Winsloe, sua voz enche não de horror, mas sim de maravilha. —<br />

Elena fez ah, merda, já vejo. Jesus ferre a Cristo, deve ver isto!<br />

Quase contra minha vontade, meus pés se moveram para a porta do hospital. Winsloe deu<br />

um passo ao lado para me dar espaço e pôr seu braço ao redor de minha cintura, me atirando para<br />

ele.<br />

—Pode acreditar isto? - disse, logo riu. —Suponho que pode, verdade?<br />

A princípio, não vi nada. Ou nada estranho. Além da janela havia um mostrador, uma pia<br />

branca, de aço inoxidável anti-séptico brilhando como um artigo em uma sala de exibição de<br />

cozinhas. Uma fila de garrafas estava ordenada atrás do mostrador. A pasta de Carmichael estava<br />

em um ângulo perfeito de noventa graus ao lado da pia. Tudo ordenado e pulcro, como sempre.<br />

Então algo ao longo da base do mostrador saltava à vista. Uma obscenidade dentro da antiga<br />

limpeza. Uma salpicadura com forma de estrela de sangue.<br />

Meu olhar varreu o chão. Uma mancha de sangue de quinze centímetros sobre o<br />

mostrador. Grossas gotas caíam em ziguezague sobre carro derrubado. O carro estava convexo,<br />

os conteúdos dispersos e quebrados. Um atoleiro de sangue. Uma marca de sapato no atoleiro,<br />

com os bordos perfeitos. Logo outra mancha, maior, um sapato ensanguentado deslizando-se<br />

através do chão. O arquivo. O gabinete de aço de cem de libras atirado, bloqueando a esquina<br />

longínqua como se alguém o tivesse miserável e se escondeu detrás de sua imperfeita barricada.<br />

Os papéis se dispersavam através do chão. Sangue salpicado sobre eles. Sob a cama, um sapato<br />

com a planta ensanguentada. Em cima do sapato, uma perna. Girei para confrontar a outros, para<br />

lhes dizer havia alguém ali. Enquanto me dava volta, meu olhar viajou pela perna para o joelho,<br />

logo a uma piscina de brilhante carmesim, logo a um nada. Uma perna atalho. Meu estômago<br />

saltou a minha garganta. Girei-me longe, rápido, mas não o bastante rápido. Vi uma mão atirada a<br />

uns pés da cama. Mais perto da porta, meio obscurecida sob uma bandeja derramada, uma parte<br />

sangrenta de carne que havia sido humano.<br />

Algo golpeou a porta, reverberando com tanta força que tropecei para trás com o impacto.<br />

Um rugido de fúria. Um brilho de pele amarelada marrom. Uma orelha. Um focinho empapado<br />

de sangue. Bauer.<br />

—Tranquilizadores - Respirei com dificuldade quando recuperei meu equilíbrio. —<br />

Precisamos sedá-la. Agora.<br />

—Esse é o problema - disse Tucker. —Está tudo ali.<br />

—Tudo? - Inalei, piscando, lutando para obter que meu cérebro trabalhasse outra vez.<br />

Esfreguei uma mão através de minha cara, endireitei-me e olhei ao redor. —Deve haver um<br />

abastecimento de reserva. Onde está a Doutora Carmichael? Ela deve saber.<br />

Ninguém respondeu. Enquanto o silêncio se alargava, minhas tripas subiram e baixaram<br />

outra vez. Fechei os olhos e me obriguei a examinar através da janela. De volta ao pé sob a cama.<br />

O sapato. Um sapato negro brando e forte. O sapato do Carmichael.<br />

Ah, Deus. Não era justo. Era tão, tão, tão injusto. O estribilho correu por minha cabeça,<br />

tirando todos os outros pensamentos. De todos neste maldito lugar. De todos aqueles que veria de<br />

boa vontade morrer. Desses poucos que me sentiria inclusive feliz de ver morrer de uma morte<br />

tão horrível como esta. Não Carmichael.<br />

A raiva se elevou em mim. Apertei os punhos, cedi ante a cólera durante um momento,<br />

logo a empurrei para trás quando me dava volta para confrontar a outros.<br />

—Ela está totalmente mudada - respondi. —Tem a um lobisomem completamente mudado<br />

175


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

e meio louco ali dentro, e se não atuar rápido, ela sairá diretamente por esta porta. Por que estão<br />

todos de pé ao redor? O que vais fazer?<br />

—Pergunta-a é - disse Tucker. —O que vai fazer você?<br />

Afastei-me desta porta é seu problema, não o meu. Adverti-te. Adverti e adverti e adverti.<br />

Usou-me para lhe ajudar a recuperar-se, então devolveu a minha cela. Agora as coisas se<br />

estragaram e quer que eu o arrume? Bem, eu não fiz este desastre em primeiro lugar.<br />

Tucker fez um gesto para os guardas. Alguém se moveu para a porta, observando através<br />

da janela, e girado o cabo.<br />

—Encontrará sedativos nos armários ao longo da parede longínqua - disse Tucker.<br />

—De maneira nenhuma - respondi. —De nenhuma maldita maneira.<br />

Quatro dos guardas restantes levantaram suas armas. Apontaram essas armas contra mim.<br />

—Não vou a…<br />

A porta se abriu. Alguém me empurrou. Enquanto tropeçava para dentro, a porta se fechou<br />

de repente, agarrando meu calcanhar e me lançando ao chão. Pondo-me de pé, ouvi somente o<br />

silêncio. Logo um som vibrou através do quarto, mais o senti que ouvi. Um grunhido.<br />

ALVOROÇO<br />

Ainda a gatas, elevei lentamente a vista. Um lobo de quase 55 quilogramas me olhava<br />

fixamente, a pele de suas costas era amarela e marrom final, fazendo que Bauer se visse tão<br />

grande como um mastim. Olhou-me fixamente aos olhos, suas orelhas levantadas, os dentes<br />

expostos, os lábios curvados em um grunhido silencioso.<br />

Olhei longe e não me levantei, me sustentando uns centímetros mais abaixo que Bauer. A<br />

submissão doía, mas minha vida merecia mais que meu orgulho. E sim, nesse momento, estava<br />

muito preocupada com minha expectativa de vida. Inclusive Clay evitaria abordar a um<br />

lobisomem que estava na forma de lobo quando ele não o estava. Como um lobo, Bauer tinha a<br />

176


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

vantagem dos dentes e garras. Além disso, a forma humana é torpe para lutar contra um animal –<br />

muito lenta, muito alta, muito fácil de desequilibrar. A única arma superiora dos humanos é seu<br />

cérebro, e não ajuda muito contra algo com um corpo de animal e um cérebro humano. Contra um<br />

lobisomem recém trocado, o cérebro humano é realmente uma desvantagem. Nossas mentes são<br />

fundamentalmente lógicas. Loteamos uma situação, idealizamos estratégias possíveis, e<br />

escolhemos a que representa o melhor compromisso entre a probabilidade de êxito e a<br />

probabilidade da sobrevivência. Se for tarde ao trabalho, posso pisar no acelerador até o fundo até<br />

o escritório, mas considerando o risco de feridas pessoais, decidirei em troca conduzir dez ou<br />

quinze quilômetros sobre a velocidade limite e chegar ao trabalho ligeiramente tarde mas viva.<br />

Um lobisomem novo na forma de lobo perde essa capacidade de raciocinar, de lotear as<br />

consequências. Parece-se com uma besta raivosa, abastecida de combustível por instinto e fúria,<br />

pronta para destruir tudo à vista, até se isso o arbusto no processo.<br />

Eu poderia lutar contra Bauer só se mudava a lobo. Mas até em condições ideais, tirar-meia<br />

de cinco a dez minutos. Como Lake, eu seria completamente vulnerável durante o processo,<br />

muito disforme inclusive para estar de pé e escapar. Bauer me rasgaria antes que me saísse<br />

pelagem. Embora ninguém me deixaria sair daqui até que detivesse Bauer. O único modo de fazêlo<br />

seria sedando-a.<br />

Para deixar fora de jogo a Bauer, tudo o que tinha que fazer era correr através do quarto,<br />

agarrar uma seringa de injeção cheia de sedativo do armário, e cravá-la. Parecia tão fácil. Se só<br />

não houvesse um lobo enlouquecido de sangue entre o armário e eu. Inclusive se Bauer não<br />

saltava sobre mim antes que eu corresse, ela atacaria ao segundo em que minhas costas<br />

estivessem volta para ela. Inalei. Primeiro passo: tinha que encontrar a mescla apropriada de<br />

submissão e segurança em mim mesma. Muito total e ela me veria como presa fácil. Muito<br />

assertiva e ela me veria como uma ameaça. A chave era não mostrar o medo. Outra vez, parecia<br />

tão fácil... se não estivesse em um quarto orvalhado com partes de corpo ensanguentadas, me<br />

recordando que com um movimento em falso meus membros e órgãos vitais se uniriam a esses.<br />

Avancei pouco a pouco, mantendo meu olhar fixo enfocado debaixo dos olhos de Bauer.<br />

Quando me movi, esquadrinhei seu corpo procurando sinais: os músculos apertados, tendões<br />

tensos, todos os sinais que pressagiavam um ataque. Em cinco passos, eu estaria paralela a ela,<br />

aproximadamente a seis metros a sua esquerda. O suor descia por meus olhos. Mostrava medo? O<br />

nariz de Bauer se moveu nervosamente, mas o resto dela permaneceu imóvel. Quando dava um<br />

passo para frente, girei-me, lhe dando a cara. Seus olhos me seguiram. Segui-me movendo de<br />

lado. Uma dúzia de passos. Os quartos traseiros de Bauer se moveram, o primeiro sinal de um<br />

salto iminente. Com esse sinal cedo, pensei que eu teria tempo para reagir. Não o tive. Quando<br />

meu cérebro registrou isto ela estava a ponto de investir, estava no ar. Não havia tempo para me<br />

dar volta e correr. Mergulhei-me por diante dela, golpeei a terra e rodei. Atrás de mim, Bauer<br />

golpeou o chão, patinando com suas quatro patas. Enquanto a olhava deslizar-se, compreendi que<br />

eu realmente tinha algo vantagem aqui. Como um condutor novo atrás do volante de um<br />

Maserati, Bauer estava pouco preparada para o poder e a precisão de dirigir-se em seu novo<br />

corpo. Se pudesse aproveitar seus enganos e inexperiência, poderia sobreviver.<br />

Pus-me de pé a tombos, Bauer estava girando ao redor. Fiz uma finta por diante dela e<br />

saltei para o mostrador. Lançando uma caixa aberta, agarrei a partição de madeira entre as portas<br />

para me equilibrar e me girei. Bauer voava para mim. Dava-lhe uma patada sob a mandíbula e<br />

deu voltas para trás, patinando através do chão. Quando me girei para confrontar os armários, vi<br />

caras lotando a janela do hospital. Desfrutavam do espetáculo? Malditos fossem, isso esperava.<br />

Enquanto Bauer se recuperava, abri a segunda porta do armário e procurei ambos os lados<br />

177


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

seringas de injeção cheias de sedativo. Em vez disso, vi uma caixa de seringas de injeção<br />

encerradas em plástico e filas de garrafas etiquetadas. Um trabalho de bricolagem. Merda! Estas<br />

eram as seringas de injeção corretas? Que garrafa necessitava? Quanto deveria enchê-la? Apartei<br />

minhas perguntas, agarrei uma seringa de injeção, e comecei a me escapulir abaixo pelo<br />

mostrador, para as garrafas. Então me detive, arranquei uma segunda seringa de injeção embalada<br />

da caixa e o empurrei em meu bolso. Seguro do Klutz. Quando alcancei as garrafas, revisei-as,<br />

procurando um nome familiar. Detrás de mim, Bauer lutava para ficar de pés. Mova-te, Elena!<br />

Justo agarrei um! Vi pentobarbital, reconheci-o da bolsa médica do Jeremy, e tomei. Bauer saltou<br />

para o mostrador, mas calculou mau e se chocou contra ele. A estrutura inteira tremeu quando<br />

meus dedos agarraram o pentobarbital. Minha mão golpeou a garrafa. Pincei procurando-a, mas<br />

caiu do armário, ricocheteado na coberta do mostrador, e rodou através do linóleo. Quando Bauer<br />

deu a volta para outro ataque, alcancei uma nova garrafa de sedativo. Não havia outra.<br />

Freneticamente, revisei a prateleira, mas não vi nada que reconhecesse. Bauer saltou. Balanceime<br />

para lhe dar uma patada outra vez, mas não lhe dava por um cabelo. Esta vez não me tinha<br />

vigorizado, e o movimento me propulsou fora de equilíbrio. Lancei-me para diante e saltei do<br />

mostrador antes de cair. Bauer agarrou minha perna esquerda no joelho. Suas presas se<br />

afundaram. A dor nublou minha visão. Cegamente balancei meu punho para a fonte da dor,<br />

conectando seu crânio, e a enviei cambaleando-se, provavelmente mais pela surpresa que pela<br />

dor. Quando ela se sacudiu, suas presas rasgaram meu joelho. Minha perna se torceu logo que pus<br />

o peso sobre ela. Apertando os dentes, tropecei com a garrafa de pentobarbital no chão,<br />

encontrando-a -intacta- apanhei-a e me atirei torpemente sobre a primeira cama. Quando Bauer<br />

saltou detrás de mim, empurrei a cama e a golpeei nos pés.<br />

Rasguei o selo da garrafa e enchi a seringa de injeção. Usei muito? Importava-me? Se isto<br />

detinha e Bauer -temporariamente ou para sempre- estava bastante bem. Bauer voou sobre a<br />

cama. Comecei a subir sobre a segunda cama, mas Bauer me agarrou o pé. Suas presas soltaram<br />

meu tornozelo quando meu sapato se saiu de sua boca. O sapato ficou entre seus dentes e ela caiu<br />

ao chão, sacudindo sua cabeça como louca para liberar-se deste novo inimigo. Ainda em cima da<br />

segunda cama, levantei a seringa de injeção sobre Bauer e a enterrei, sentindo uma euforia<br />

momentânea enquanto a agulha penetrava a pele profunda detrás da cabeça de Bauer. Agora tudo<br />

o que tinha que fazer era golpear o êmbolo. Mas tinha posto tanta força no afundar a seringa de<br />

injeção que não estava pronta para o seguinte passo. Liberei a seringa de injeção para conseguir<br />

um melhor apertão e Bauer se moveu, deixando a agulha enterrada inocuamente em seu ombro.<br />

Enquanto Bauer investia para minhas pernas, saltei ao chão. Nesse lapso, afastei-me<br />

rapidamente dos obstáculos. Corri ao redor dos pés da cama enquanto Bauer se lançava para ela.<br />

Empurrei a cama, tratando de golpeá-la novamente, mas ela tinha saltado bastante alto esta vez e<br />

o sorteou facilmente. Enquanto ela dava voltas ao redor, avancei em zig-zag através do quarto.<br />

Poderia me aproximar o suficiente para pressionar o êmbolo de seringa de injeção? Não sem me<br />

pôr o bastante perto para que Bauer arrancasse minha garganta. Poderia encher a segunda seringa<br />

de injeção e tentá-lo outra vez? Procurei a garrafa, mas não a vi e não podia recordar se a tinha<br />

tomado. Pouco provável.<br />

Agarrei um carro metálico e o joguei em Bauer quando ela veio para mim. Golpeou-a.<br />

Dava-me volta para encontrar uma nova arma. A meus pés havia um pedaço de tecido branco<br />

manchado de sangue. Com um torso roído em seu interior, e uma cabeça por cima, um pescoço<br />

mordido até quase a decapitação, os olhos amplos, incrédulos. Carmichael. Seus olhos me<br />

paralisaram. Eu poderia havê-la salvado. Se houvessem me trazido aqui antes... quanto tinha<br />

esperado? Quanto tinha estado Carmichael aqui com Bauer? Correu por sua vida? Sentiu os<br />

178


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

dentes rasgando sua carne? Sabendo que estava tudo terminado, mas ainda com esperanças,<br />

rezando para ser resgatada? Tinha estado morta antes que Bauer começasse a destroçá-la? Antes<br />

que Bauer começasse a comê-la? Ah, Deus. Dobrei-me, registrando ligeiramente uma mancha<br />

imprecisa de movimento a minha esquerda, sabendo que Bauer vinha, mas incapaz de me mover,<br />

incapaz de tirar meu olhar ou meus pensamentos do Carmichael. Pela extremidade do olho, vi o<br />

salto de Bauer. Isso rompeu o feitiço.<br />

Tirei-me do caminho de Bauer, mas ela agarrou a perna de minha calça entre seus dentes e<br />

eu tropecei, me estrelando contra o chão. Quando atirei, ela saltou a meu peito, suas mandíbulas<br />

abertas, esfaqueando para minha garganta. Lancei meus punhos para a parte baixa de sua<br />

mandíbula, fazendo-a perder seu objetivo. Entrelaçando ambas as mãos na pele de seu pescoço,<br />

lutei para manter sua cabeça longe da minha. Suas mandíbulas se fecharam tão perto que uma<br />

baforada de ar quente golpeou minha garganta. A fetidez de seu fôlego me envolveu, o fedor a<br />

sangue, raiva e carne crua. Arqueei minha cabeça para encontrar seus olhos, tratando de afirmar<br />

minha superioridade com um olhar deslumbrante. Isso não funcionou. Nunca funcionaria. Ela<br />

tinha ido muito longe para reconhecer a um lobo dominante. Lutando corpo a corpo com ela,<br />

consegui tirar minhas pernas e as empurrar a seu estômago. Ela retrocedeu. Quando saí de<br />

debaixo dela, algo se movia a minha esquerda. Xavier. Ele agitou seus braços.<br />

—Aqui cachorro, cachorro - chamou ele. —É momento para um novo brinquedo.<br />

Bauer seguiu avançando para mim. Xavier investiu e agarrou um punhado da pele de sua<br />

cauda. Quando se girou, ele desapareceu e reapareceu uns pés mais longe. Ela carregou. Ele<br />

apareceu ao outro lado do quarto.<br />

—Aqui, cachorro - chamou ele. —Vamos, Elena. Tem que golpear ao êmbolo para que a<br />

substância faça seu trabalho.<br />

—Já sei isso - grunhi.<br />

Bauer girou e carregou contra Xavier outra vez. Esta vez, lancei-me atrás dela. Xavier<br />

esperou até o segundo último, logo desapareceu. Bauer tratou de deter-se, mas tinha aumentado<br />

muito a velocidade e se estrelou contra a parede. Saltei sobre suas costas e lhe dava um golpe ao<br />

êmbolo da seringa de injeção. O alívio me alagou. Então compreendi que Bauer se estava<br />

girando, com as mandíbulas abertas. O que tinha esperado eu? Que ela caísse ao segundo de que<br />

o sedativo entrasse? Golpeei minha mão aberta contra o sensível focinho de Bauer. Logo corri<br />

como um demônio. Detrás de mim, ouvi um ruído surdo, mas não girei até que tive saltado para a<br />

coberta do mostrador. Bauer jazia feita um novelo no chão. Durante um momento, fiquei de pé<br />

ali, rígida, com o coração palpitante. Então caí sobre o mostrador.<br />

***<br />

Uma hora mais tarde estive de volta em minha cela. Encontrei um patrão ali – salva o dia,<br />

é arrojado ao isolamento. Grande motivação.<br />

Embora Bauer só tivesse ferido meu pé, ela tinha feito um muito bom trabalho em meu<br />

joelho. Sem o Carmichael, não havia ninguém para atender minhas feridas. Matasumi tinha<br />

examinado minha perna e havia dito que os músculos e os tendões podiam ou não ter sido<br />

rasgados. Caramba, obrigada.<br />

***<br />

Tucker tinha costurado os dois rasgões maiores. Não tinha usado um anestésico, mas eu<br />

tinha estado muito esgotada para me preocupar.<br />

179


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Uma vez dentro de minha cela, entrei no banheiro, despi-me, e me dava banho de esponja<br />

com um lenço facial. Uma ducha teria sido estar no céu, mas não podia molhar minhas ataduras.<br />

Quando limpei o sangue do rasgão em meu jeans, recordei as manchas de sangue no hospital e,<br />

recordando o sangue, recordei os pedaços destroçados do Carmichael dispersos através do chão.<br />

Detive-me e inalei. Condenada. Por que não me tinha escutado? Se tivesse eprestado atenção a<br />

minhas advertências, se tivesse retido corretamente a Bauer, se tivesse mantido ae Bauer sob<br />

guarda, se tivesse lutado com mais força para me manter no hospital... tantos ses.<br />

Fechei meus olhos e inalei outra vez. Eu nem sequer sabia o nome do Carmichael. Quando<br />

esse pensamento passou roçando com um ar de culpabilidade por meu cérebro, compreendi que<br />

isso não importava. Eu sabia o suficiente sobre ela para saber que, apesar das erradas aspirações e<br />

sonhos que haviam a trazido para este lugar, ela não tinha merecido morrer assim. Ela tinha sido a<br />

única pessoa que tinha dado um maldito peso por Bauer, e o primeiro ato de Bauer como<br />

lobisomem tinha sido matá-la. Quanto você gosta de sua nova vida agora, Sondra? É tudo o que<br />

tinha imaginado?<br />

A porta de minha cela se abriu. Joguei uma olhada até ver o Xavier, por uma vez usando o<br />

método convencional de entrar em um quarto. Ele fechou a porta detrás dele e agitou uma garrafa<br />

do Jack Daniel`s.<br />

—Pensei que poderia usar isto - disse. —Provavelmente não é o bastante bom para seus<br />

padrões, mas Winsloe segue movendo sua provisão de bom material.<br />

Retorci meu jeans sobre a pia e os atirei em cima. Xavier podia ver meu estado de nudez<br />

através da parede de vidro transparente, mas não comentou nada. Talvez a tragédia acima o<br />

tivesse sacudido. Ou talvez estivesse muito cansado para piadas.<br />

Quando Xavier tinha vindo a meu resgate no hospital, eu tinha assumido que Matasumi ou<br />

Tucker lhe tinham enviado, mas mais tarde, quando eles falaram da situação examinando meu<br />

joelho, soube que Xavier tinha atuado sozinho. É obvio, com seus poderes, ele nunca tinha estado<br />

em nenhum perigo real por parte de Bauer, mas ao menos ele se pôs no lugar de outro o suficiente<br />

para ajudar. Deste modo, por uma vez, não lhe disse que se fora ao demônio e fosse de minha<br />

cela. Além disso, realmente necessitava um gole.<br />

Enquanto terminava de me vestir, Xavier encheu os dois copos que havia trazido. Deu-me<br />

um quando saí do banheiro.<br />

—Como passou isto? - perguntei. —Onde estavam os guardas?<br />

—Eles tinham decidido que os guardas já não eram necessários. Sondra ainda estava<br />

parcialmente retida a última vez que a vi. Ela se liberou ou a boa doutora a liberou. Um guarda se<br />

deteve brevemente às seis e trinta e encontrou a Sondra mastigando sua primeira comida de lobo.<br />

—Ninguém ouviu nada?<br />

—Ouça, eles compraram a melhor isolação no mercado, recorda? Eu apostaria que<br />

Carmichael golpeou o intercomunicador, mas ninguém teve o tempo para deter-se e falar. É<br />

obvio, ninguém em segurança central confessa ter ouvido o intercomunicador.<br />

Traguei meu uísque e sacudi minha cabeça.<br />

—Economizei seu traseiro duas vezes agora - disse Xavier. Com o Ryman e Jolliffe ontem<br />

e agora com a Sondra.<br />

—Lamento-o, mas confiscaram meu talonário de cheques quando cheguei. Terá que me<br />

faturar.<br />

Ele sorriu abertamente, sem ofender. —O dinheiro não é tudo. Ou isso me seguem me<br />

dizendo eles. Este parece um bom momento para provar a teoria e tentar um método tradicional<br />

de comércio. O sistema de troca. Um intercâmbio livre de impostos de serviços.<br />

180


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Uh-huh.<br />

—Ah, não me olhe assim - disse ele, jogando outras poucas onças em meu copo. —Não<br />

falo de sexo. Comeria- vivo - Ele fez uma pausa e fez uma careta. —Má escolha de palavras.<br />

Minhas desculpas à boa doutora. O que quis dizer é que me deve um grande momento, e um dia o<br />

reclamarei.<br />

—Estou segura de que o fará.<br />

—E enquanto observa, aqui há um pequeno conselho que pode lhe acrescentar. Já estive<br />

muito tempo desde suas bem-vinda, Elena. Ambos o temos feito. O grande homem está bastante<br />

zangado conosco dois agora mesmo.<br />

—Winsloe - Fechei meus olhos e fiz uma careta. —Agora o que fiz?<br />

—Bastante. Sei que deve estar fazendo projetos de fuga, por isso te sugeriria que os<br />

apurasse antes que ele estale - baixou sua voz a quase um sussurro. A—gora, deve te cuidar de<br />

duas coisas sobre fugas. O primeiro é Katzen…<br />

—O feiticeiro misterioso. Nem sequer conheci ao tipo.<br />

—Eu tampouco. Ele é um paranóico filho de cadela. Não tratará com ninguém exceto-<br />

A porta de minha cela se abriu. Winsloe entrou com o Ryman e Jolliffe.<br />

—Muito tarde - murmurou Xavier do bordo de seu copo. Tomou o que ficava, logo agitou<br />

o copo vazio para o Winsloe. —Vê o que tenho que recorrer? Jack Daniel´S. Apenas potável.<br />

Faz-me enganchar aos bons goles, logo os esconde de mim. Bastardo sádico.<br />

Xavier sorriu abertamente, e descobri mais que uma indireta de satisfação nesse sorriso, o<br />

prazer de ser capaz de chamar assim ao Winsloe em sua cara e deixá-lo passar.<br />

—Deve-me uma garrafa do conhaque de todos os modos - continuou Xavier. —Eu gosto<br />

de Remy Martin XO, não o VSOP 21 . Pode fazer que alguém o deixe em meu quarto mais tarde.<br />

Winsloe arqueou seus as sobrancelhas. —E por que pensa isso?<br />

—Salvei a sua garota. Duas vezes, a verdade das coisas - Sorriu abertamente ao Ryman e<br />

ao Jolliffe. —Mas não recordaremos essa primeira vez, ou sim, meninos? Não sou nenhum<br />

fofoqueiro. Além disso, não foi um grande problema. Mas o que passou acima? Uff. Outro<br />

minuto e ela teria sido um caso perdido.<br />

—Você acredita? - disse Winsloe.<br />

—Ah, sim - Xavier deu palmadas em minhas costas. —Sem ofender, Elena, mas estava<br />

vias de perder sua cabeça.<br />

—Obrigada - respondi, e consegui soar quase como o que queria dizer.<br />

—Então me deve isso, Ty. Deixa essa garrafa em qualquer momento.<br />

Winsloe riu. —Tem bolas, Reese. É o justo então. Devo-lhe isso. Terá seu conhaque.<br />

Passa por meu quarto em aproximadamente uma hora e recolhe-o. Talvez posso tirar algumas<br />

monopoliza Louis XIII para nós, para fazer que o sabor do XO seja como um mau licor destilado<br />

ilegalmente.<br />

—Soa a um plano.<br />

Sob os sorrisos rápidos do Xavier e o companheirismo tranquilo do Winsloe se movia uma<br />

corrente de tensão tão forte que quase podia vê-la. Xavier tinha tido razão. Ele estava na merda<br />

profunda. Embora ambos os homens conversavam como se nada estivesse mau, como se só<br />

21 XO e VSOP são classificações oficiais do envelhecimento da aguardente que dão origem a licores como o Cognac e<br />

Armagnac.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

fossem dois velhos companheiros que planejam reunir-se mais tarde para tomar uns goles.<br />

Professores de merda, ambos.<br />

—Então te verei em meu quarto? - disse Winsloe. —Em uma hora?<br />

—Aposta por isso - disse Xavier. E eu sabia que ele não tinha nenhuma intenção de ir a<br />

essa entrevista, assim sabia que quando ele me disse boa noite, realmente me dizia adeus e que se<br />

ele alguma vez ia cobrar sua nota promissória, não seria dentro destas paredes. Como todos os<br />

jogadores bem-sucedidos, Xavier sabia quando tomar o dinheiro e correr.<br />

Logo depois de que Xavier desapareceu do quarto, o olhar fixo do Winsloe se deslizou<br />

sobre mim e apertou seus lábios.<br />

—Essa é a mesma roupa com a que chegou - disse ele. —Eles lhe deram outra roupa para<br />

te vestir, ou não? E a blusa que te trouxe?<br />

Realmente, eu tinha tratado de usá-la como uma tira para me banhar de reposto, mas não<br />

havia bastante tecido para obter uma ação de limpeza decente. Sei agradável, recordei-me. Se<br />

Xavier tinha razão, eu estava já no lado mau do Winsloe. Outra vez. Não podia me permitir fazer<br />

que as coisas estivessem pior. Não importa quão mal tivessem ido as coisas essa noite,<br />

fisicamente e emocionalmente, tinha que jogar a ser agradável. Tinha que fazê-lo.<br />

Independentemente do que ele dissesse. Independentemente do que fizesse. Não podia devolver o<br />

golpe. Seria um jogo de engenhos e valentia mais complicado que minha partida com Bauer, mas<br />

podia dirigir isto. Realmente podia.<br />

—É uma coisa de lobisomem - disse, injetando desculpas em meu tom. —Sabões de<br />

lavanderia, suavizadores de tecido – aromas muito fortes.<br />

—Deveria havê-lo dito. Direi ao pessoal que consiga um detergente sem perfume. Não te<br />

incomode com a roupa que Sondra te subministrou. Pedirei coisas novas para ti.<br />

Ah, alegria.<br />

Winsloe se sentou em minha cama. Fiquei de pé, apoiada na prateleira de livros, tratando<br />

com força de não me sentir abandonada.<br />

—Pode acreditar o que Sondra lhe fez à doutora? - perguntou Winsloe, seus olhos<br />

cintilando como um moço pequeno que viu sua primeira briga de sangue sobre gelo na NHL.<br />

—Isso... passa.<br />

—Alguma vez o tem feito?<br />

—Sou um lobisomem da Manada.<br />

Ele vacilou, como se essa fora uma conclusão ilógica. Então ele se inclinou para diante —<br />

Mas poderia fazê-lo. Obviamente. É mais forte e muito mais jovem.<br />

Quando não respondi, ele saltou sobre seus pés e se balançou sobre seus calcanhares —Fez<br />

um trabalho notável evadindo a Sondra. Melhor que a doutora, isso é seguro - Ele riu. O som<br />

descendeu por minha coluna. —Uma lástima que Xavier tenha interferido. Eu tinha esperado que<br />

lutasse contra Sondra.<br />

—Lamento-o.<br />

Eu deveria lhe haver explicado por que não tinha lutado, mas não podia. Meu esgotamento<br />

era muito grande. Uma desculpa teria que bastar. Talvez se eu fosse cortês, mas não alentadora,<br />

ele tomaria a indireta e se iria.<br />

—Deveria ter lutado contra ela - disse Winsloe.<br />

Sacudi minha cabeça, os olhos abatidos, e caí em uma cadeira.<br />

—Me teria gostado se tivesse lutado contra ela - continuou ele.<br />

Por que melhor não briga você com ela a próxima vez, Ty? Acredito que eu gostaria disso.<br />

Mantive meus olhos baixos então ele não veria a labareda de desprezo.<br />

182


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Me teria gostado disso, Elena - repetiu ele, inclinando sua cabeça para me olhar.<br />

—Por que não o disse? - Maldição! Muito agudo. Retrocede, retrocede. —Suponho que<br />

tive a impressão de que vocês queriam a Bauer viva. Eu deveria ter perguntado.<br />

Silêncio. Ainda parecia sarcástico? Maldito fora! Troca de tática, paga dobro. Bocejei e<br />

esfreguei minhas mãos sobre minha cara.<br />

—Sinto muito, Ty. Estou tão cansada.<br />

—Você não parecia cansada quando entrei. Dando voltas, conversando com o Xavier.<br />

Você dois parecem bastante unidos.<br />

—Eu só lhe agradecia. Ele me fez um grande favor, saltando em…<br />

Ele estalou seus dedos, seu ressentimento desaparecendo em uma piscada de olho — Um<br />

favor. Isto me recorda, há algo que tenho que te perguntar. Espera e já volto.<br />

Quis perguntar se isto poderia esperar até a manhã. Realmente quis fazê-lo. Mas depois da<br />

noite passada, desesperadamente tinha que retornar a sua boa graça. Não podia lhe negar um<br />

favor. Além disso, ele parecia estar de um humor simpático. Era um bom sinal. Então convoquei<br />

meus últimos ressaibos de força, pus um sorriso meio torpe, e assenti com a cabeça. Não era que<br />

meu consentimento importasse. Winsloe e seus guardas já se foram.<br />

TORTURA<br />

Quando Winsloe voltou eu dormitava sobre a cadeira. Ele irrompeu na cela agitando um<br />

sobre de papel de trapo.<br />

—Levou-me um tempo encontrar estes papéis- disse. —Larry os tinha arquivado já em<br />

seu… os tinha posto em uma caixa. Muito eficiente.<br />

Despertei. Tentei parecer interessada. Por acaso bocejei.<br />

—Aborreço-te, Elena? - perguntou Winsloe. O bordo de sua voz transformou seu sorriso<br />

em uma careta que deixava seus dentes à vista.<br />

—Não, não - Me traguei outro bocejo. —É obvio que não. O que tem ali?<br />

—As fotos de vigilância de um lobisomem que eu gostaria que identificasse.<br />

—Seguro - Maldição, Elena. Deixa de bocejar!— se é que posso, mas minha memória para<br />

os rostos é bastante má.<br />

—Isso está bem. Este não tem um rosto - Winsloe riu. —Não um rosto humano, quero<br />

dizer. Ele é um lobo. Se me perguntar, todos os lobos se vêem iguais, razão pela qual Larry não<br />

se incomodou em lhe pedir uma identificação. Mas então pensei, talvez essa classe de<br />

pensamento está muito centrada nas raças. Você sabe, como essas testemunhas que se param e<br />

apontam com o dedo ao tipo negro porque todos os homens negros lhes parecem iguais.<br />

183


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Uh-huh —Já tenho o ponto. Por favor. Antes que vá à deriva.<br />

—Então, pensei, talvez todas as caras de lobo não lhe parecem iguais a um lobo. Ou a um<br />

lobo do meio tempo - Outra risada alegre que pôs meus nervos de ponta.<br />

—Farei todo o possível - respondi. —Mas se tiver visto este guia de ruas antes,<br />

provavelmente só o vi como humano. Seu aroma seria melhor.<br />

—Aroma - Winsloe estalou seus dedos. —Agora por que não pensei nisto. Vê-o? Centrado<br />

na raça outra vez. Acredito que sou agudo se consigo identificar o aroma da pizza com pepperoni.<br />

Estirei minha mão para o sobre. Ele se atirou na cama e a golpeou a seu lado, como se não<br />

me tivesse visto estendendo a mão.<br />

—Posso ver…? - Comecei a dizer.<br />

—Uma equipe descobriu a este tipo ontem à noite tarde. Não, suponho que deveu ser cedo<br />

esta manhã. A altas horas de todos os modos.<br />

Assenti com a cabeça. Por favor, por favor, por favor, vai ao assunto.<br />

—Em circunstâncias muito estranhas - refletiu Winsloe. —Desde que lhe trouxemos para<br />

ti e à velha bruxa, tivemos uma equipe tratando de encontrar ao resto de seu grupo. Sempre<br />

poderíamos usar a outro lobisomem, e Larry segue com vontade de adquirir esse demônio de<br />

fogo. Perdemos-lhe a pista depois de que as apanhássemos a vocês dois. Isto não é exatamente<br />

um segredo, embora não diga ao Larry que te disse. Ele não está muito contente com todo o<br />

assunto, mas estou seguro de que te faz sentir melhor saber que seus amigos escaparam.<br />

Winsloe fez uma pausa. E esperou.<br />

—Obrigada —respondi, —por me dizer isso. —Me alegra ver que presta atenção, Elena.<br />

Sim, era um lobo. Um enorme filho de puta de lobo. Parado ali mesmo, olhando-os. Agora esta é<br />

a maior coincidência do universo este lobisomem havia estado seguindo-os. Buscando um pelotão<br />

de salvamento.<br />

—De nada. Assim, tivemos esta equipe explorando a área, recolhendo pistas, a maior parte<br />

delas inúteis. Ontem, Tucker chamou o grupo de volta e enviou outro para substituí-los. Para<br />

manter a moral alta e todo isso. A primeira equipe se voltava e passou a noite em algum motel. À<br />

manhã seguinte, despertaram justo antes do amanhecer, saíram fora e o que acredita que viram<br />

ali, no bordo dos bosques?<br />

—A-uh - Vamos, cérebro, acorda. —A-umm, um lobo?<br />

—Alegra-me ver que dispensa atenção, Elena. Sim, era um lobo. Um enorme filho de puta<br />

de lobo. Parado aí mesmo, olhando-os. Agora esta é a coincidência maior no universo ou este<br />

lobisomem tinha estado seguindo-os. Procurando um pelotão de salvamento.<br />

Meu cérebro dava patadas agora. —Onde estava?<br />

—Importa?<br />

—Todos os lobisomem são territoriais. Tecnicamente os guias de ruas não podem ter um<br />

território, mas a maioria se mantém em um pedaço de terra familiar, como um estado, só<br />

movendo-se entre cidade e cidade. Se eu soubesse onde ocorreu isto, ajudar-me-ia a imaginar<br />

quem poderia ter sido.<br />

Winsloe sorriu. —E te ajudar a imaginar onde está você. Nada disso, Elena. Agora, me<br />

deixe contar minha história. Seguindo, os guardas viram este lobo e se deu conta que isso era um<br />

lobisomem. A gente agarrou uma câmara e lhe tirou algumas fotos. Os outros dois foram procurar<br />

as armas tranquilizantes. Antes que pudessem as tirar, entretanto, o lobo desapareceu. Logo<br />

depois disso, ficaram em marcha e entraram nos bosques. E sabe o que? Ele estava aí mesmo,<br />

como se esperasse. Eles se aproximaram, ele correu, logo se deteve e esperou. Atraindo-os. Pode<br />

acreditá-lo?<br />

184


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Os lobisomem retêm a inteligência humana. Não é que estranho - Mas o era. Por quê?<br />

Porque atrair à presa é uma tática animal e os guias de ruas não usavam táticas de animais. Não,<br />

corrigi-me rapidamente. Eles raramente usam táticas de animais. É obvio podiam. Alguns o<br />

faziam.<br />

—Espera - disse Winsloe, Sorrindo abertamente. —Isto fica mais estranho ainda. Sabe o<br />

que fez este lobo depois? Ele os separou. Toma uma equipe de comandos, incluídos antigos<br />

marinhe, e imagina como separá-los. Então ele começa a liquidá-los. Matou-os! Pode acreditá-lo?<br />

- Winsloe riu e sacudiu sua cabeça. —Homem, lamento não ter estado ali. Um lobisomem<br />

convertendo a esses militares imbecis em idiotas, vagando pelos bosques, sendo liquidados como<br />

parvos em um movimento rápido de horror. O lobo matou dois e logo foi depois do terceiro. E o<br />

que acredita que fez?<br />

Meu coração palpitava agora — O matou?<br />

—Não! Esta é a piada. Ele não o matou. Fê-lo correr. Como se tratasse de esgotá-lo, como<br />

se queria mantê-lo vivo, mas muito fraco para lutar. Bem, talvez estou vendo muito nisto,<br />

atribuindo motivações humanas a um animal. Antro… como chamam a isto?<br />

—Antropomorfismo - sussurrei, sentindo como se todo o ar tivesse sido extraído de meus<br />

pulmões, sabendo que isto não era nenhuma interrupção casual.<br />

—Exato. Antropomorfismo. Ouça, isso é o que seu noivo estuda, verdade? Religiões<br />

antropomórficas. Aborrecido como o inferno se me perguntar, mas a gente diz isso sobre os<br />

computadores, também. Cada um com suas coisas. Agora onde ia eu?<br />

—O lobo - sussurrei. —Esgotando ao último sobrevivente.<br />

—Não te vê muito bem. Talvez deveria vir aqui e te deitar. Há muito espaço. Não?<br />

Acomode-te. Bem, então o lobo correu em círculos ao redor deste último tipo. Só que algo esteve<br />

mau.<br />

Quis tampar meus ouvidos. Eu sabia o que vinha. Havia só um modo de que Winsloe<br />

pudesse ter as fotos nesse sobre, só um modo de que conhecesse esta história. Se o último<br />

membro da equipe tivesse sobrevivido. Se o lobo…<br />

—De algum jeito esse ardiloso filho de puta errou. Calculou mal uma volta ou uma<br />

distância talvez. Ficou muito perto. O guarda disparou. Pow! Lobo morto.<br />

—Me deixe… deixe-me ver as fotos.<br />

Winsloe sacudiu-as sobre para mim. Quando caiu ao chão, cambaleei-me para ele,<br />

rasgando-o e observando o conteúdo. Três fotos de um lobo. Um lobo de pele dourada, e olhos<br />

azuis. Senti uma serpente subindo por minha garganta.<br />

—Conhece-o? - perguntou Winsloe.<br />

Pus-me de coque, agarrando as fotos.<br />

—Não? Bem, está cansada. As guarde. Descansa um pouco e pensa-o. Xavier<br />

provavelmente me espera acima. Voltarei pela manhã.<br />

Winsloe partiu. Não o vi ir-se. Não o ouvi. Tudo o que podia ver eram as fotografias do<br />

Clay. Tudo o que podia ouvir era a palpitação de meu sangue. Outro gemido subiu sigilosamente<br />

por meu peito, mas morreu antes de alcançar minha boca. Não podia respirar. Não podia fazer<br />

som algum.<br />

De repente meu corpo convulsionou. Uma onda de agonia me cegou. Caí-me, as fotos<br />

revoaram sobre o tapete. Os músculos de minhas pernas se apertaram imediatamente, como se<br />

tivesse sido apanhada por mil cavalos charley. Gritei. As ondas golpearam uma atrás de outra em<br />

rápida sucessão e gritei até que não pude respirar. Meus membros se voltaram flácidos e se<br />

sacudiram como se estivessem sendo deslocados. Alguma fraca parte de meu cérebro<br />

185


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

compreendeu que estava mudando e me disse que devia obter o controle antes que me rasgasse.<br />

Não o fiz. Deixei-o ir, deixei que a corrente de agonia me atravessasse, dava-lhe a bem-vinda a<br />

cada novo tortura justo inclusive enquanto gritava pedindo a liberação. Finalmente terminou.<br />

Fiquei ali, ofegante, vazia. Então ouvi algo. Um arranhão débil no vestíbulo. Winsloe estava ali.<br />

Olhando. Quis me levantar de um salto, carregar contra a parede, e me golpear contra ela até que<br />

se rompesse ela ou eu. Quis rasgá-lo, bocado por bocado, mantendo-o vivo até que tivesse tirado<br />

o último chiado de seus pulmões. Mas a pena me esmagou no chão, e não podia encontrar nem<br />

sequer a energia necessária para estar de pé. Consegui levantar meu ventre da terra e me arrastei<br />

para a greta estreita entre o pé da cama e a parede, um lugar onde Winsloe não podia lombriga.<br />

Enrosquei-me no diminuto espaço, coloquei minha cauda debaixo de mim, e me rendi à dor.<br />

***<br />

Passei a noite rememorando as palavras do Winsloe, lutando contra minha pena ao<br />

recordar cada uma delas. Onde tinham visto os guardas ao lobo? Atrás do motel ou ao lado dele?<br />

Exatamente quando passou? O que quis dizer Winsloe com ―antes do amanhecer‖? Tinha estado<br />

claro já? Enquanto me fazia estas perguntas, uma parte de mim se perguntava se eu permitiria que<br />

minha mente vagasse por futilidades antes de encarar a espantosa possibilidade da morte do Clay.<br />

Não. Estas perguntas continham pistas, pistas que revelariam a mentira nas palavras do Winsloe.<br />

Tinha que encontrar essa mentira. Por outra parte, temi que meu fôlego se entupisse em minha<br />

garganta e me asfixiaria de pena.<br />

De modo que me torturei com a história do Winsloe, sua odiada voz invadindo e enchendo<br />

meu cérebro. Encontra a mentira. Encontra a inconsistência, a palavra estranha, o detalhe tão<br />

obviamente incorreto. Mas não importa quantas vezes revisei de novo sua história, não podia<br />

encontrar um engano. Se Clay tivesse encontrado ao pelotão de salvamento, ele teria feito<br />

exatamente o que Winsloe afirmava que tinha feito: atraí-los ao bosque, separá-los, e matá-los,<br />

deixando um vivo para torturar e extrair informação. Não havia nenhum modo de que Winsloe<br />

pudesse inventar algo tão verdadeiro sobre o caráter do Clay. Tampouco havia qualquer modo de<br />

que Winsloe pudesse ter adivinhado o que Clay faria nessa situação. Então havia dito a verdade.<br />

Meu coração se chocou contra minha garganta. Ofeguei. Não, tinha que ser uma mentira.<br />

Eu saberia se Clay tivesse morrido. Eu haveria sentido o momento em que a bala lhe golpeasse.<br />

Ah, Deus, queria acreditar que eu saberia se ele estivesse morto. Clay e eu compartilhávamos<br />

uma união psicofísica, talvez porque ele era quem me tinha mordido. Se me fizessem mal e ele<br />

não estava perto para vê-lo, ele o sentiria, sabendo que algo andava mal. Eu experimentaria as<br />

mesmas ferroadas, a mesma ansiedade flutuante e inquietação se fizessem mal a ele. Eu não havia<br />

sentido nada essa manhã. Ou sim? Eu tinha estado dormida ao amanhecer, drogada pelo sedativo<br />

de Carmichael. Haveria sentido algo?<br />

Detive-me. Não tinha nenhum sentido falar de situações caprichosas como premonições e<br />

pontadas psíquicas. Atentei aos fatos. Encontra a mentira ali. Winsloe disse que o último guarda<br />

matou ao Clay, logo voltou com as fotos e a história. Se eu pudesse falar com esse guarda, talvez<br />

ele não fosse um mentiroso tão consumado como Winsloe. Talvez, inalei bruscamente. O guarda<br />

havia tornado com as fotos e a história. E o corpo?<br />

Se esse guarda tivesse matado ao Clay, ele teria tornado com seu corpo. Pelo menos, lhe<br />

teria tomado fotos. Se havia um cadáver ou fotos de um, Winsloe não se teria conformado me<br />

expondo fotografias do Clay vivo. Ele sabia exatamente quem era esse lobo e me tinha contado a<br />

história para me torturar, me castigar. Este era meu castigo por desobedecê-lo a noite anterior.<br />

186


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Um pequeno passo em falso e ele tinha repartido golpes a destro e sinistro com o pior castigo que<br />

eu poderia imaginar. O que faria ele se eu realmente o zangasse?<br />

***<br />

Finalmente, depois de que me tive persuadido de que Clay estava vivo, o esgotamento<br />

chegou e dormi. Embora me tinha dormido como lobo, despertei como humana. Passava às vezes,<br />

em particular se uma mudança era provocada pelo medo ou a emoção. Uma vez que nos<br />

relaxamos no sonho, o corpo se transformava sem causar dor de volta à forma humana. Então<br />

despertei, nua, com minha cabeça e torso intercalado entre a cama e a parede e minhas pernas se<br />

sobressaindo.<br />

Não me levantei imediatamente. Em vez disso, pensei em modos de apanhar ao Winsloe<br />

em uma mentira, então estaria segura sobre o Clay. Tinha que estar segura. Winsloe tinha deixado<br />

as fotos. Talvez se eu as estudasse veria algo.<br />

—Abre esta maldita porta agora! - gritou uma voz.<br />

Pus-me direita, golpeando minha cabeça contra a cama. Aturdida, vacilei, logo saí de meu<br />

esconderijo.<br />

—Me tirem daqui!<br />

A voz de uma mulher. Deformada, mas familiar. Estremeci-me quando a reconheci. Não.<br />

Por favor não. Não tinha sofrido eu bastante?<br />

—Sei que me ouve! Sei que está aí!<br />

Com grande relutância, movi-me para o buraco na parede entre minha cela e a seguinte. Eu<br />

sabia o que veria. Meu novo vizinho. Inclinei-me para olhar. Bauer estava de pé olhando para a<br />

parede de vidro transparente unidirecional, golpeando seus punhos silenciosamente contra ela.<br />

Seu cabelo estava desordenado e emaranhado, seu rosto ainda manchado de sangue. Alguém a<br />

tinha vestido com um traje cinza pouco apropriado que deve ter pertencido a um dos guardas<br />

menores. Nada de ser a herdeira meticulosamente escovada. Qualquer que visse a Sondra Bauer<br />

agora tomaria por uma doente mental de meia idade encerrada nas vísceras de algum asilo gótico.<br />

Depois do alvoroço da noite passada, eles tinham posto a Bauer na seguinte cela. A última<br />

fibra de esperança de meu sonho de fuga se evaporou. Bauer agora era uma presa tanto como eu.<br />

Ela não podia me ajudar nenhum pingo. Mais que isso, eu agora tinha a um lobisomem<br />

enlouquecido, que tinha matado a uma mulher na cela do lado, com um buraco na parede que nos<br />

separava. O que estava fazendo Winsloe? Não era a tortura da noite passada o bastante?<br />

Compreendi que nunca seria o bastante. Enquanto eu estivesse neste lugar, Winsloe encontraria<br />

novos modos de me perseguir. Por quê? Porque podia.<br />

Quis avançar lentamente para trás, dentro de meu buraco e ir dormir. Não dormiria,<br />

certamente, mas poderia fechar meus olhos e apagar este pesadelo, escapar a algum mundo de<br />

fantasia feliz em minha mente, e viver ali até que alguém me resgatasse ou me matasse, o que<br />

viesse primeiro.<br />

Em vez disso, com grande esforço, deixei-me cair de minha cama e contemplei o quarto.<br />

Minha mudança tinha destroçado minha roupa. Um tanto para minha rebelião contra o guardaroupa.<br />

Exalei. Não havia tempo para meditar. Teria que ter posto o que eles me tinham dado.<br />

Primeiro passo: pôr-me apresentável. Logo averiguaria por que Bauer estava na cela ao lado.<br />

***<br />

187


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Quando saí do banheiro, limpa e vestida, voltei para o buraco e olhei às escondidas<br />

através dele, se por acaso a presença de Bauer ali tivesse sido só uma torcedura sádica de minha<br />

imaginação. Não o era. Ela estava aninhada ao pé da porta, gemendo e arranhando o vidro<br />

transparente como um gatinho apanhado na chuva. Eu poderia havê-la compadecido, mas estava<br />

livre de compaixão.<br />

Senti a alguém nos corredores. Talvez não fosse tanto ―sentir‖ como assumir que Tess ou<br />

Matasumi observavam ao novo lobisomem. Passei meus dedos através de meu cabelo, endireitei<br />

minha camisa, e avancei para minha própria parede de vidro transparente unidirecional.<br />

—Poderia falar com alguém, por favor? - perguntei, tranquila e claramente, esperando me<br />

afastar da lunática da porta do lado.<br />

Momentos mais tarde, dois guardas entraram em minha cela.<br />

—Poderia alguém, por favor, me dizer por que a Sra. Bauer está ao lado? - Perguntei.<br />

Eles se olharam, como se debatessem se deviam responder. Então a gente disse, — O<br />

Doutor Matasumi sentiu que era necessário confiná-la. Por razões de segurança.<br />

Merda — Certamente entendo isso. Mas poderia me dizer por que ela está nesse quarto em<br />

particular? Há um buraco na parede que une nossas celas.<br />

—Acredito que eles são conscientes disso.<br />

—Eles? - Perguntei, com toda inocência e com os olhos muito abertos.<br />

—O Doutor Matasumi e o Sr. Winsloe.<br />

—Ah - Inalei brandamente. Meus dentes doíam com toda esta doçura. —Então eles são<br />

conscientes que deram à Sra. Bauer uma cela com acesso à minha?<br />

—O Sr. Winsloe sentiu que preenchia todas as exigências de segurança necessárias.<br />

Com um sorriso tão doce como pude pôr, agradeci-lhes por seu tempo e partiram. Então eu<br />

tinha tido razão. Esta era a idéia do Winsloe. Pôr a Bauer na cela ao lado da minha, deixar o<br />

buraco aberto sem arrumar, e ver o que acontece.<br />

Uma vez que se foram, revisei o buraco. Eu o havia aberto quase até o aço, e media menos<br />

de trinta centímetros quadrados. Assim não havia verdadeiro risco de que Bauer se abrisse<br />

caminho. Ao mais poderíamos nos comunicar.<br />

Sem advertência, Bauer saltou sobre seus pés e fechou de repente seus punhos contra o<br />

vidro transparente. — Abre esta porta, seus bastardos de merda! Abram-na ou arrancarei seus<br />

malditos corações! Sou o grande lobo mau agora. Posso resfolegar e posso soprar e os farei voar<br />

em pedacinhos - Sua voz se transformou em uma risada aguda entorpecida pelo soluço.<br />

Bem, teoricamente poderíamos nos comunicar.<br />

***<br />

Examinei as fotos do Clay procurando pistas em relação a quando e onde tinham sido<br />

tomadas. A data estampada na parte posterior dizia 27 de Agosto. Mentalmente contei os dias.<br />

Em 27 de agosto tinha sido ontem. Então a história do Winsloe tinha sido certa ao menos na parte<br />

sobre alguém que tinha tomado estas fotografias do Clay na manhã anterior. Eu ainda rechaçava<br />

acreditar que ele estava morto. Julgando através do realismo do conto do Winsloe, assumi que<br />

Clay realmente tinha matado a vários membros de seu pelotão. Isso tinha sentido. Se Jeremy<br />

descobrisse que esses guardas seguiam ao grupo, ele teria enviado ao Clay atrás deles com<br />

instruções de trazer um vivo para interrogá-lo. Mas a última vez que eu tinha visto o Clay, ele não<br />

tinha estado em forma para missões de elevado risco.<br />

—Reconhece-o?<br />

188


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Girei para ver o Winsloe e a seus dois guardas em minha cela.<br />

Winsloe sorriu. —A audição de lobisomem não está ao nível adequado esta manhã, Elena?<br />

Vê quanto dano provocou seu sádico estratagema, Ty? De acordo, o desmoronamento da<br />

noite anterior é toda a recompensa que vai conseguir. Eu estava de volta e pronta para entrar em<br />

jogo.<br />

—Lamento-o - respondi. —Estava ocupada estudando estas fotografias. Ele me parece<br />

vagamente familiar, mas não posso uni-lo a um nome - Com os olhos ainda nas fotos, perguntei,<br />

— E como foi o assunto do Xavier e o conhaque?<br />

Uma fração de segundo de vacilação. Joguei uma olhada pela extremidade do olho e vi a<br />

boca do Winsloe apertar-se. Marquei-me um tanto. Mordi-me a bochecha para me impedir de<br />

sorrir abertamente. Winsloe fez rodar seus ombros e cruzou o quarto. Quando ele me olhou de<br />

novo, tinha reposto seu sorriso.<br />

—O bastardo nunca se mostrou - disse Winsloe. —Provavelmente parou em algum lugar a<br />

dormir com o Jack Daniel´s.<br />

Ah, sim. Dormir em um hotel de cinco estrelas em algum lugar com uma carteira cheia do<br />

dinheiro em efetivo do Winsloe.<br />

—Provavelmente - disse. —Agora, sobre este lobo que quer que identifique, como te disse<br />

ontem à noite, um aroma seria melhor. Consiga-me um aroma e, se tiver conhecido ao tipo,<br />

saberei.<br />

—É assim de boa?<br />

Sorri —A melhor. Se tivesse um objeto de vestir ou - sacudi minha cabeça. —Já sei. O<br />

corpo. Tem o corpo, verdade? O doutor Matasumi não deixaria o corpo nos bosques para que<br />

alguém o encontrasse. Me leve a ele e te darei essa identificação.<br />

Winsloe tirou minha cadeira e se sentou nisso, procurando uns segundos extras. Vamos,<br />

idiota. Pensa rápido.<br />

—Bom, isso é um problema - disse Winsloe. —O guarda realmente se reorganizou depois<br />

de que lhe pegou um tiro ao bruto. Voltou aqui. Larry e Tucker o envergonharam tanto que não<br />

acreditaria. Deixar um cadáver de lobisomem nos bosques? Não contratamos a estes tipos por<br />

seus miolos, isso é seguro. Tucker trouxe uma nova equipe ontem pela tarde e os enviou para<br />

recuperar o corpo. Só que não puderam. Adivinha por que.<br />

—Foi-se.<br />

Winsloe riu e inclinou o respaldo —Uma companhia de truques. Já lhe imagina. Eles<br />

encontraram o lugar e sangue, mas nenhum corpo. Agora Larry está furioso, pensando que o<br />

projeto está em perigo porque alguém encontrou o corpo. Mas há outra possibilidade, ou não?<br />

Que o lobisomem ainda esteja vivo - Winsloe cantarolou o tema do Halloween. —De modo que<br />

ordenei que outra equipe começasse a procurar nosso mistério imortal. Mas não se preocupe.<br />

—Sobre o que?<br />

Winsloe sorriu abertamente — Sei o que está pensando, Elena. Não ponha cara de<br />

pintinho para mim. Preocupa-se que o encontremos. Tenho razão?<br />

—Realmente não me importa.<br />

—Claro que o faz. Está preocupada que tragamos para este ‗guia de ruas‘ aqui e ele trate<br />

de te ferir, como Lake. Ou, pior ainda, que possa usurpar sua posição aqui, que o encontremos um<br />

espécime mais interessante e lhe eliminemos. Mas isso não passará. Não deixarei que aconteça,<br />

Elena. É muito importante para mim. Nenhum outro lobisomem tomará seu lugar. Assegurei-me<br />

que isso. Antes que essa última equipe partisse, separei-os para lhes falar à parte e prometi uma<br />

recompensa de cem mil dólares para o que me trouxesse a cabeça. Só a cabeça. Deixei-o claro.<br />

189


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Não quero ao lobisomem vivo.<br />

Ele ficou de pé para partir. Apertei meus punhos, minhas unhas afundando-se em minha<br />

palma até que cheirei o sangue. Winsloe deu cinco passos. Ryman me sorriu com satisfação, logo<br />

abriu a porta para o Winsloe. Antes de atravessá-la, Winsloe estalou seus dedos, atirou um sobre<br />

menor de seu bolso, e o lançou a meus pés.<br />

—Quase o esquecimento. Novas fotos de vigilância. Frescas da noite passada. Parece que<br />

Tucker estava usando seu cérebro, enviando a uma nova equipe para encontrar a seus amigos.<br />

Encontraram-nos. Durante umas poucas horas ao menos. Perderam a pista após, mas te manterei<br />

informada. Sei que está preocupada.<br />

Apertei meus dentes. Adagas de fúria ameaçaram partindo meu crânio.<br />

—Parece que procuram a alguém - continuou Winsloe.<br />

—A mim - consegui dizer.<br />

—Ah, assumo isso, mas agora alguém mais se perdeu. Nossa equipe conseguiu capturar<br />

alguns pedaços de conversa. Alguém saltou do navio. Alguém importante. A questão é que temos<br />

problemas para imaginar quem é. Larry está trabalhando nisso, comparando estas novas<br />

fotografias com as antigas. Talvez possa ver quem se perdeu. Embora não é necessário que me<br />

diga. Eu não te pediria que delatasse a seus amigos.<br />

Winsloe partiu. Fechei meus olhos, sentindo a punhalada de dor atravessar meu crânio e<br />

minha palma. Tomou vários minutos mais estar pronta para olhar as fotos. Quando o estive,<br />

encontrei fotografias do grupo rastreando e passando os laços a zona. Não tive que imaginar<br />

quem se perdeu. Um olhar à expressão do Jeremy me disse isso. Clay se tinha ido. Ele não tinha<br />

estado atuando sob as ordens do Jeremy na manhã anterior, quando tinha detectado a antiga<br />

equipe de busca. Ele estava sozinho. Sozinho.<br />

Clay vinha atrás de mim.<br />

***<br />

Passei o resto da manhã atormentando meu cérebro com um novo plano de fuga. Tinha<br />

que sair. Não finalmente, não logo, a não ser agora, imediatamente, antes que Winsloe se<br />

cansasse deste último jogo e aumentasse a aposta inicial outra vez. Mas por mais que lutava para<br />

obter uma idéia, maior o pânico sentia, e mais pânico me entrava, mais difícil se me fazia obter<br />

uma idéia. Tinha que me acalmar ou nunca conseguiria pensar em algo.<br />

***<br />

Bauer se sentou mais tarde que na manhã. Quando estive segura que estava lúcida - o que<br />

determinei pelo fato de que ela tinha deixado de gritar e tinha começado a comer seu café da<br />

manhã - me aproximei do buraco e tentei falar com ela. Ignorou-me. Quando terminou sua<br />

comida, procurou um lápis e papel em uma gaveta e escreveu uma carta de duas páginas, logo<br />

caminhou até a porta e cortesmente pediu a alguém que a entregasse. Eu podia adivinhar o<br />

conteúdo: uma súplica de liberação, uma versão mais razoável do que tinha estado vociferando<br />

durante as últimas horas.<br />

De modo que Bauer queria sair. Bom, ao igual ao resto de nós. Parecia ela ―uma<br />

convidada‖ agora? Quando pensei isto, um plano se formou em meu cérebro. Bauer queria sair.<br />

Eu queria sair. Quando eu tinha ido cuidar dela, eu tinha esperado que em sua gratidão ela me<br />

ajudasse a escapar. A gratidão era inadmissível agora. Mas que havia com respeito a uma fuga? E<br />

190


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

se eu lhe oferecesse levá-la comigo? Bauer conhecia as debilidades do complexo e seu sistema<br />

disso segurança era se estivesse o bastante sã para recordar. Combinando minha força e<br />

experiência com seu conhecimento poderíamos fazer uma equipe formidável. Não era exatamente<br />

um plano completo e infalível, mas era um princípio.<br />

Um problema que subtraía —bom, de acordo, havia um montão de problemas restantes—<br />

mas um bem grande era como escapar das celas. Considerei a possibilidade de organizar algo que<br />

me tirasse de meu quarto. Seguro, provavelmente eu poderia fazê-lo, mas poderia tirar Bauer ao<br />

mesmo tempo? Pouco provável. Quando os guardas trouxeram meu almoço, estudei a porta<br />

quando se abriu, observando como operava, procurando uma debilidade. Então notei algo tão<br />

visível que me dava uma patada por não havê-lo visto antes. Os guardas não fechavam<br />

completamente a porta. Nunca o faziam. Por quê? Porque a porta só se abria do exterior e eles<br />

nunca traziam um guarda extra para que ficasse de pé no corredor e lhes abrisse, enquanto que<br />

Bauer e Matasumi sempre o faziam. Quando entravam, deixavam a porta entreaberta uns<br />

centímetros, lhes dando o espaço de um dedo para abri-la. Como poderia usar isto em minha<br />

vantagem? Bem, podia deixar inconsciente a um guarda enquanto o outro tirava sua arma e me<br />

disparava —de acordo, má idéia. Poderia dizer, —Ouça, o que vai avançando lentamente pela<br />

parede? —e conseguir escapar enquanto eles se davam volta. Umm, não. Melhor pensá-lo um<br />

pouco.<br />

ALIANÇA<br />

Os guardas levaram meu almoço à uma. Quando abriram a porta para partir, movi-me<br />

sigilosamente para jogar uma olhada ao vestíbulo. Tess não estava ali. Hora de comer para todos.<br />

Bom. Enquanto Bauer estivesse lúcida e ninguém escutasse, eu poderia discutir o tema fuga com<br />

ela. Seria seguro? Ela poderia tratar de ganhar o favor do Matasumi me vendendo, mas duvidava<br />

de que estivesse o bastante se desesperada para arrastar-se. Não ainda. Além disso, considerando<br />

suas circunstâncias e sua animosidade para mim, ninguém lhe acreditaria se ela realmente falasse.<br />

Escutando se por acaso apareciam ruídos reveladores do corredor, movi minha cadeira<br />

mais perto do buraco, sentei-me, e olhei atentamente através dele. Bauer estava andando.<br />

—Sente-se um pouco melhor? - perguntei.<br />

Ela continuou andando.<br />

—Não quero fazer as coisas mais más - respondi. —Mas sabe que eles não lhe deixarão<br />

sair dessa cela. Para eles, você trocou de lado.<br />

Uma andada para a porta, para a TV, de volta à porta.<br />

—Se quer sair, terá que sair por ti mesma.<br />

Ainda nenhuma resposta. Nem sequer uma piscada em minha direção.<br />

—Tem que escapar - disse.<br />

Bauer virou para mim. —Escapar? - Uma risada áspera. —A que? A uma vida como<br />

monstro?<br />

Eu poderia lhe haver recordado que ela escolheu essa vida monstruosa, mas não o fiz —<br />

Sei que é mau agora, mas se voltará mais fácil…<br />

—Não quero que se volte mais fácil! - grunhiu ela, avançando a pernadas para o buraco.<br />

—Quero que se vá! Isso é o que quero que eles façam por mim. Desfazer-se disso. Tirar esta<br />

maldição de minhas veias e me fazer normal outra vez.<br />

—Eles não podem fazer isso - respondi brandamente. —Ninguém pode fazê-lo.<br />

191


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Merda! - A baba voou de seus lábios. —Quer que eu sofra, verdade? Desfruta disto.<br />

‗Sondra tem o que se merece‘. Sim-sim-sim. Bem, eu não merecia isto. Nunca me disse que seria<br />

assim. Enganou-me!<br />

—Enganei-te? Adverti-te de não fazê-lo.<br />

—Não me disse tudo.<br />

—Ah, pois me perdoe. Quando entrou aqui como uma louca agitando uma seringa de<br />

injeção e vociferando sobre o começo de uma nova vida emocionante, eu deveria ter tirado de<br />

repente meu manual ‗Do modo que Quer Ser um lobisomem‘ em sua versão de renúncia e te fazer<br />

assiná-lo.<br />

Bauer agarrou uma cadeira, lançou-a para o buraco, logo foi por volta de banheiro dando<br />

passos fortes.<br />

Tinha que trabalhar em minha aproximação.<br />

***<br />

Umas horas mais tarde, a prudência de Bauer fez outra aparição como convidada. Eu<br />

estava preparada. Plano dois: ser mais empática. Se por uma parte encontrava difícil sentir muita<br />

compaixão por alguém que tinha feito o que ela, em algum lugar profundamente dentro de mim<br />

havia um impulso débil para a empatia. Bauer era outro lobisomem feminino, provavelmente o<br />

único que eu encontraria alguma vez. Recordando o horror de minha própria transformação,<br />

entendi pelo que ela estava passando. Winsloe me tinha perguntado se eu tenha feito alguma vez<br />

algo como o que Bauer tinha feito a Carmichael. Minha resposta não tinha sido completamente<br />

honesta. Quando eu tinha escapado do Stonehaven, meu cérebro cheio de demônios tinha cansado<br />

em uma loucura incontrolada e raiva. Eu tinha matado a duas pessoas antes que Jeremy me<br />

resgatasse. A diferença do que Bauer fez com Carmichael, eu não conhecia minhas vítimas e não<br />

os tinha torturado ou despedaçado. Ainda assim, eu tinha feito uma coisa que nunca esqueceria.<br />

Tinha comido as minhas vítimas. Era eu diferente de Bauer? Eu não me tinha introduzido a saliva<br />

de um lobisomem, mas me tinha apaixonado por um homem que suspeitava que fosse perigoso.<br />

Eu não tinha matado a uma amiga, mas tinha matado a gente inocente. E tanto como resistia,<br />

entendia a Bauer. E queria enfatizar.<br />

A pergunta era: poderia enfatizar? Tal como meu torpe episódio consolando a Savannah<br />

tinha demonstrado, eu não era naturalmente uma pessoa empática. Apartando minhas dúvidas,<br />

coloquei-me no buraco e examinei a cela de Bauer.<br />

—O que está fazendo? - perguntei.<br />

Bauer se girou para me confrontar — Que merda pensa que faço? - Ela inalou<br />

bruscamente, fechando os olhos como se sentisse dor. —Esta não sou eu. Este corpo, esta<br />

personalidade. Não sou eu. Não uso este idioma. Não sou raivosa. Não suplico por minha vida.<br />

Mas sabe o que é o pior? Estou ainda aqui, apanhada dentro, procurando.<br />

—Seu cérebro ainda está aceitando a transformação. Ficará…<br />

—Não me diga que ficará mais fácil.<br />

Eu sabia o que tinha que dizer, o que tinha que compartilhar, mas as palavras estavam<br />

apanhadas em meu peito. Pisoteando meu orgulho, arranquei-as à força.<br />

—Quando fui mordida, eu…<br />

—Não o faça.<br />

—Só queria dizer…<br />

—Não te compare comigo, Elena. Não temos nada em comum. Se te dava essa impressão<br />

192


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

antes, era só porque queria algo de ti.<br />

—Talvez, mas temos algo em comum agora. Sou…<br />

Sua voz foi fria — Não é nada, Elena. Uma dona ninguém que se converteu em alguém<br />

por acaso. Voltar-te uma lobisomem foi o lucro que definiu sua vida, e não teve parte nisso. Seu<br />

dinheiro, sua juventude, sua força, sua posição, seu amante, todo isso é teu só porque foi o único<br />

lobisomem feminino.<br />

—Eu…<br />

—Sem isso, o que é? Uma jornalista anônima de meia jornada cujo salário anual não<br />

cobriria meu guarda-roupa.<br />

Com isto, ela deu a volta, avançou dando fortes passos por volta de banheiro, e começou a<br />

tomar banho.<br />

Já sabe, a empatia realmente é uma rua de duplo sentido.<br />

***<br />

Às sete os guardas trouxeram minha comida. Como de costume, a gente levou a bandeja<br />

enquanto o outro se mantinha olhando, a arma pronta. Ignorei-os, tendo abandonado a esperança<br />

de pôr a um guarda de meu lado ou tirar qualquer informação valiosa deles. Melhor tratá-los<br />

como garçons surdos-mudos. Tinha outras coisas de que me preocupar.<br />

Quando entraram, eu estava em minha cama, idealizando projetos de fuga. Depois de um<br />

momento, notei que o guarda que levava a bandeja demorava na mesa, olhando as fotos do Clay.<br />

Ele assentiu com a cabeça para seu sócio e lhe deu uma cotovelada, atraindo sua atenção às<br />

fotografias. —É ele - articulou.<br />

—Conhece-o? - perguntei.<br />

O guarda se surpreendeu, como se a cama tivesse falado.<br />

—Conhece-o? - repeti. —Ao lobo das fotos?<br />

Ambos os homens me olharam como se eu me tivesse unido a Bauer em seu asilo privado,<br />

provavelmente pensando que eu deveria ser a que reconhecesse a um lobisomem, não eles.<br />

—Tyrone me deixou isso - respondi, ainda deitada, fingindo toda a despreocupação que<br />

pude reunir. —Ele imaginou que eu poderia ser capaz de identificar o tipo, mas não pude. Parece<br />

que causou alguma animação em um motel.<br />

Agora eles me olhavam como se definitivamente estivesse pronta para uma camisa de<br />

força.<br />

—Não o reconhece? - perguntou o que estava na porta.<br />

Sufoquei meio bocejo. —Deveria?<br />

—Este não é seu companheiro?<br />

—Clay? Não, Ele nunca deixaria ao Alfa -nosso líder.<br />

—Então por que… - o guarda se deteve, virou-se para seu sócio e baixou a voz. —<br />

Matasumi sabe isto?<br />

—Por quê? - disse o outro guarda, não incomodando-se em sussurrar. —Não importa<br />

quem é o lobisomem. Se alguém o vir por aqui outra vez, matamo-lo. Essa é a ordem.<br />

Minhas mãos se apertaram, mas obriguei a não fazer ruído, a não dizer uma palavra, não<br />

fazer nenhuma pergunta. O segundo guarda encolheu os ombros, e partiram sem lançar sequer um<br />

olhar em minha direção.<br />

Clay estava perto. Eu tinha tido razão. Ele vinha por mim. Eu não podia lhe deixar fazer<br />

isso. Havia muito que ele não sabia, muito para o qual não estava preparado. Clay tinha<br />

193


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

desarmado o pelotão de salvamento do Tucker bastante facilmente, mas aqui havia ao menos<br />

cinco vezes mais guardas, mais um edifício subterrâneo fortificado com um sistema de segurança<br />

de primeira categoria, tudo rodeado por um bosque cheio com as armadilhas do Ty Winsloe.<br />

Tinha que deter o Clay antes que tratasse de me resgatar. Para fazer isso, precisava escapar<br />

rápido. Joguei uma olhada para a jaula de Bauer. Era momento de lançar a luva de pelica.<br />

***<br />

Era quase meia-noite quando Bauer esteve lúcida outra vez. Durante os dois dias passados,<br />

eu tinha estado afiando minha capacidade de julgar quando havia alguém no corredor. Em parte o<br />

fazia escutando, em parte sentindo. Embora fosse difícil saber se alguém nos olhava, havia um<br />

modo definitivo de saber se nos escutavam. O intercomunicador. Quando estava aceso, fazia um<br />

clique audível, logo assobiava brandamente até que alguém o apagava. Depois de que Bauer<br />

recuperou seus sentidos, esperei até que os guardas fizeram seu percurso de cada hora, escutei<br />

com cuidado o zumbido do intercomunicador, logo me reclinei em minha cama.<br />

—Ainda pensa que vão soltar-te, verdade? - Chamei-a.<br />

Bauer não respondeu, embora eu soubesse que podia me ouvir.<br />

—Já sabe - continuei, —havia alguém que te teria soltado. Alguém que provavelmente não<br />

teria deixado que lhe lançassem nessa cela em primeiro lugar. Infelizmente, você a despedaçou.<br />

Bauer inalou, mas não respondeu.<br />

—Sei que o recorda - respondi. —É como seu disse, parte de você está ainda ali, uma parte<br />

sã, olhando. Recorda como foi? Persegui-la? Ver sua confusão? Sua incredulidade? Escutá-la<br />

suplicar por sua vida? Ainda pode imaginá-la, o olhar em seu rosto quando arrancou sua garganta<br />

- Fiz uma pausa. —Recorda como sabia?<br />

Um ruído na outra cela. Logo arcadas. Esperei. Bauer ficou no banheiro.<br />

—Quem te vai soltar, Sondra? - Chamei-a. —Quem vai arriscar se a ser sua seguinte<br />

comida? Quem aí fora quer a uma maldita? Só uma pessoa o fazia e agora está em um saco de<br />

lixo... ou em várias sacos de lixo.<br />

—Para - A voz de Bauer estava tranquila, quase tremente.<br />

—Quiçá planeja escapar por ti mesma. Então o que? Aonde irá? De volta a casa, a comer a<br />

mamãe e papai?<br />

—Para - Mais forte, mas ainda instável.<br />

—Isso é o que acontecerá. Não será capaz de terminar a fome e as mudanças.<br />

Eventualmente poderia obter controle suficiente para sobreviver, mas a que preço? Quantos<br />

morrerão primeiro? Começará a matar porque terá que fazê-lo, logo seguirá fazendo-o porquê<br />

pode, porque depois de um tempo desenvolverá o gosto por isso, o poder e a carne. Isso é o que<br />

acontece com os guias de ruas.<br />

Fiz uma pausa antes continuar. —Falando de guias de ruas, o primeiro que encontre te<br />

matará. É óbvio, provavelmente te violará primeiro, já que essa será sua única possibilidade de<br />

acasalar-se com uma fêmea de sua própria espécie.<br />

—Te cale.<br />

—Estou vendo seu futuro aqui, Sondra. Grátis. Só uma pessoa pode te ajudar a evitar tudo<br />

isto. O Alfa da manada. A pergunta é, como conseguir sua ajuda? Bem, se escapar por ti mesma,<br />

poderia te apresentar em sua escada, suplicar piedade. Ele será muito amável. Convidar-te-á a<br />

entrar, tomará seu casaco, mostrar-te-á o salão, oferecer-te-á café. Então apresentará ao Clayton.<br />

E esse formoso rosto que admirará será a última coisa que verá. Quer dizer se ainda estou viva.<br />

194


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Se morrer aqui, eu realmente não te recomendaria que fosse a nenhuma parte perto do Estado de<br />

Nova Iorque. O inferno pelo que passas agora não é nada comparado com o que Clay te fará se<br />

morrer.<br />

A porta de banheiro se fechou de repente — Trata de me assustar.<br />

Ri-me — Sabe melhor, Sondra. Conheceu o Patrick Lake. Sabe o que são os guias de ruas.<br />

Conhece a reputação do Clay. Ofereço-te uma saída. Ajude-me a escapar e me assegurarei de que<br />

Jeremy te ajude.<br />

—Por que deveria acreditar que manteria sua palavra?<br />

—Porque sou um lobo da manada, e não me degradaria mentindo a um guia de ruas. Para<br />

mim, isso é o que é. Um guia de ruas útil, mas um guia de ruas depois de tudo.<br />

Bauer não respondeu. Durante uma hora ficamos silenciosas em nossas respectivas celas.<br />

Logo, tranquilamente, sua voz apenas mais forte que um sussurro, Bauer esteve de acordo. E<br />

fomos dormir.<br />

RUPTURA<br />

Passamos o dia seguinte planejando, trabalhando no programa de observação, as viagens<br />

dos guardas do bloco de celas, os horários de comer, e os recorrentes ataques de loucura de<br />

Bauer. O último era a parte mais preocupante. E se Bauer enlouquecia em metade de nossa fuga?<br />

Seus períodos lúcidos se voltavam mais largos, mas durariam o tempo suficiente?<br />

Segundo Bauer, o sistema de segurança do Winsloe estava conectado diretamente com as<br />

identidades de todo o pessoal do complexo. Esta conexão assegurava que fosse quase impossível<br />

para um cativo manipular o computador, acrescentando sua própria retina e marcas digitais. É<br />

obvio, isto significava que era igualmente difícil apagar uma identificação. O que significava isto<br />

para nós? A identificação de Bauer ainda funcionaria. Já que ela tinha autorização superior,<br />

poderia entrar e sair de todos os níveis do complexo com um convidado não autorizado.<br />

Partiria Bauer só com um companheiro? Eu ainda não me decidia. Sentia-o pela Leah e<br />

Curtis Zaid, mas não podia levá-los comigo. Ruth tinha tido razão. Quanto mais pessoas adicionar<br />

a meu plano de fuga, maior era a probabilidade de fracasso. Era melhor aplacar minha<br />

consciência com um compromisso pessoal de liberá-los quando voltasse com outros. Mas e<br />

Savannah? Ruth me havia dito que a deixasse. Devia fazê-lo? Podia fazê-lo? Duas perguntas<br />

muito diferentes. Considerando a conexão do Savannah com a morte da Ruth e os outros<br />

incidentes, era seguro pô-la em liberdade? Temia que os ensinos da Ruth só tivessem<br />

intensificado os poderes do Savannah, voltando-a mais perigosa. Era sábio tirar Savannah daqui e<br />

deixá-la aos cuidados de uma aprendiz de bruxa como Paige? Ou deveria deixá-la aqui, onde seus<br />

poderes seriam contidos sem perigo, até que pudéssemos entrar em contato com as outras bruxas<br />

do Aquelarre? Possivelmente Ruth tinha antecipado o perigo e por isso me havia dito que não me<br />

levasse ao Savannah quando me escapasse. De modo que devia deixar a Savannah.<br />

Mas podia? Podia abandonar a uma menina aqui, sabendo que podia lhe passar algo antes<br />

que voltasse? De acordo, essa menina podia ser capaz do mal, mas não era sua culpa ou não o<br />

fazia de maneira consciente. Ela era inocente. Estava segura disso. Então, como poderia<br />

abandoná-la? Não poderia. Bauer poderia nos tirar ambas pelas saídas simplesmente levando a<br />

uma pessoa de uma vez. Isso nos faria mais lentas, mas isso não justificava abandonar ao<br />

Savannah. Se fosse possível, levar-me-ia ao Savannah. Simplesmente não diria nada a Bauer a<br />

195


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

respeito. Não ainda.<br />

***<br />

Planejamos escapar essa noite, quando os guardas trouxessem minha comida das dez e<br />

meia da noite. Estávamos preparadas? Provavelmente não, mas não me atrevia a esperar mais<br />

tempo. Tinha que deter o Clay. Necessitávamos o dia de amanhã como dia de reserva, se por<br />

acaso eu pudesse sair de minha cela essa noite.<br />

Passei a primeira parte da tarde descansando na cama. É obvio, não descansava realmente<br />

–não mentalmente ao menos. Jazia sem poder dormir me preocupando de todo que poderia sair<br />

mal. Antes que os guardas chegassem, tiraria as crostas de meu joelho ferido, fazendo-o sangrar<br />

outra vez, logo usaria essa distração para matá-los e escapar. E se o truque do joelho sangrando<br />

falhava ao incitar a preocupação dos guardas? E se eu não era o bastante rápida, se o segundo<br />

guarda disparava sua arma enquanto matava ao primeiro? Tinha que matá-los. Não podia arriscarme<br />

a que recuperassem o conhecimento antes que nos escapássemos-<br />

Ufff.<br />

Congelei-me, reconhecendo o som antes que meu cérebro o registrasse. A porta de minha<br />

cela se abriu. Em vez de saltar para ver quem estava ali, fiquei imóvel, tensa e esperando. Que<br />

hora era? Nove com vinte. Muito tarde para que fosse Matasumi. Muito cedo para minha comida.<br />

Xavier se tinha ido. Isso deixava ao Winsloe. Por favor, não. Não esta noite. Fiquei quieta,<br />

escutando e cheirando o ar, esperando ouvir algum ruído.<br />

Passou um minuto inteiro sem nenhuma palavra de saudação, nenhum aroma de um<br />

intruso, nenhum som da porta ao fechar-se. Levantei minha cabeça do travesseiro e dava a volta<br />

para a porta detrás de mim. Não havia ninguém ali. Movi meus cotovelos para olhar melhor. A<br />

porta estava fechada. Não, espera. Não fechada. Aberta dez centímetros, possivelmente menos.<br />

Outra vez, movi-me. Era Winsloe no corredor, dando a instruções de última hora ao Ryman e<br />

Jolliffe? Ainda não ouvia nem cheirava nada. Contei sessenta segundos, logo tirei minhas pernas<br />

pelo flanco da cama, e me arrastei para a porta. Me inclinando para a greta aberta, inalei. Só havia<br />

velhos aromas. Como era possível? Alguém tinha aberto a porta só um minuto antes. Por que<br />

podia não podia cheirá-lo?<br />

Me movendo para me pôr de coque, abri a borda uns centímetros mais, logo um pouco<br />

mais, finalmente um quase meio metro. Estirei os tendões de minhas curvas, avencei em pontas<br />

de pé, e olhei atentamente fora da porta. Havia alguém no corredor. Joguei-me para trás, logo<br />

compreendi a quem tinha visto e apareci outra vez. Bauer estava de pé fora de sua cela, olhando a<br />

um lado, logo ao outro. Quando me viu, endireitou-se.<br />

—Você? - sussurrou.<br />

Sacudi minha cabeça e avancei pelo corredor. Antes que pudesse dizer algo, uma porta se<br />

abriu no extremo oposto do corredor e Savannah saiu, meio tropeçando devido ao sonho, seu<br />

cabelo convertido em um enredo escuro, um magro ombro se sobressaindo de uma camisola de<br />

tecido escocês vermelho. Ao nos ver, esfregou-se uma mão sobre a cara e bocejou.<br />

—O que acontece? - perguntou.<br />

Fiz gestos para que ficasse em silêncio e se aproximasse. Já que eu não podia cheirar a<br />

ninguém mais no corredor, as portas deviam haver-se aberto automaticamente, algum mau<br />

funcionamento mecânico. Muita coincidência? Talvez, mas eu não ia ignorar a oportunidade.<br />

Sim, isto podia ser uma armadilha, mas com que objetivo? Ver se trataríamos de escapar?Seria<br />

mais uma prova de inteligência –alguém que permanecesse na prisão quando as portas estavam<br />

196


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

abertas claramente carecia de algumas células cerebrais. Podia ser um dos experimentos do<br />

Matasumi, como quando me tinha posto nesse quarto com o Patrick Lake. Pior ainda, podia ser<br />

outro dos jogos doentes do Winsloe. Então deveria me sentar em minha cela e não fazer nada?<br />

Talvez devesse, mas não podia. Se isto era real, tinha a possibilidade de salvar às três pessoas<br />

cuja segurança me concernia em maior medida: Savannah, Bauer, e, é obvio, eu mesma.<br />

—Partimo-nos - sussurrei, me inclinando para o ouvido do Savannah— Sondra pode nos<br />

tirar. Te mova sigilosamente de volta a sua cela e te ponha seus sapatos.<br />

—Vamos agora? - sussurrou Bauer.<br />

—Estamos fora, verdade?<br />

Quando Savannah saiu novamente de sua cela, Bauer vacilou, a confusão nublando seus<br />

olhos. Disse-me que ela só tinha sonho, mas temi o pior. A mente podre de Bauer não responderia<br />

bem em trocas de rotina. Ela tinha pensado que nos partíamos em umas horas, e inclusive esta<br />

pequena separação do plano podia tirar seu cérebro de linha. Sorri tão favoravelmente como pude<br />

e a conduzi para sua cela.<br />

—Só agarra seus sapatos - disse.<br />

Bauer assentiu com a cabeça e estendeu a mão para o trinco. Ela a girou, franziu o cenho,<br />

jogou uma olhada sobre seu ombro para mim, logo moveu com força o trinco, e empurrou a<br />

porta. Não se abriria. Tirando-a para um lado, atirei o trinco e golpeei a porta com meu ombro.<br />

Não se deslocou.<br />

—Deveria abrir - disse Bauer, o pânico arrastando-se em sua voz. —Tem que abrir. Não<br />

há nenhuma fechadura externa.<br />

—Não posso retornar a minha cela - disse Savannah quando voltou para nós correndo. —<br />

A porta se fechou.<br />

—Esta também - disse. —Suponho que se um mau funcionamento mecânico pode as abrir,<br />

pode as fechar também. Teremos que partir tal como estamos.<br />

—E Leah e o Sr. Zaid? - perguntou Savannah. —Não deveríamos tirá-los?<br />

—Se pudermos.<br />

Não podíamos. Comecei com o Curtis Zaid. O sacerdote vodun jazia aninhado em cima<br />

dos cobertores de sua cama, dormindo. Sua porta estava fortemente fechada.<br />

—Fechada - respondi.<br />

Savannah correu através do corredor e tentou com a porta do Leah. —Aqui também.<br />

—Terão que ficar no momento - disse. —Sondra, a saída pela cela do Savannah é a única<br />

com um posto de guarda, verdade? A única, porque a minha só se conecta através de uma câmara<br />

com a estação.<br />

Bauer assentiu com a cabeça.<br />

—Bem.<br />

Dirigi-me para a saída no lado do Savannah. Bauer agarrou meu braço.<br />

—Esse é o único guarda - disse ela.<br />

—Sei.<br />

—Mas não pode –não podemos –eles nos dispararão!<br />

Soltei suas mãos de meu braço e encontrei seus olhos selvagens. Falamos isto, recorda-o,<br />

Sondra? Ambas comportam se conectam com um corredor comum com o elevador no ponto<br />

médio - Me irritava ter que lhe dar a explicação ampliada, mas sabia que isto era o que Jeremy<br />

faria, assim acalmaria ele a histeria de Bauer. —Se sairmos pela porta fiscalizada com câmara, o<br />

alarme notificará aos guardas. Eles nos verão pela câmara e nos encontrarão antes que possamos<br />

subir ao elevador. Pela outra porta, os guardas estarão justo ao outro lado. Terão só segundos para<br />

197


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

reagir antes que eu me lance contra eles. Não terão tempo para pedir ajuda. Vou a arbusto…<br />

desarmá-los e poderemos nos mover sigilosamente para cima.<br />

Dava uma cotovelada a Bauer para que avançasse e fiz gestos a Savannah para que me<br />

seguisse. Quando Bauer avançou para a porta, algo caiu do teto. Investi para frente, tirando-a do<br />

caminho. O objeto golpeou o chão com um agudo pop e tinido de vidro transparente.<br />

—É só uma ampulheta - disse Savannah. —Realmente se moveu rápido.<br />

Quando Bauer se recuperou, joguei uma olhada. Acima havia uma fila de seis ampulhetas,<br />

o primeiro espaço agora só tinha uma tomada vazia. Um diminuto chiado chamou minha atenção,<br />

e notei a segunda ampulheta da linha. Quando a olhei, a ampulheta girava lentamente, saindo da<br />

tomada.<br />

—Wow - disse Savannah. —Quase parece como se…<br />

Crack, crack, crack! A fila inteira ampulhetas caiu contra o chão, nos inundando na<br />

escuridão. Bauer grunhiu.<br />

—Está bem, Sondra - disse. —Seus olhos se adaptarão. Tem visão noturna agora. A luz da<br />

porta de segurança será suficiente. Se mova para ela e…<br />

Savannah chiou. Girei e estendi a mão para a escuridão para acalmá-la. Algo fez cócegas<br />

meu braço esquerdo. Dava palmadas com minha mão direita sobre o ponto e senti o sangue correr<br />

por minha palma. Bauer gritou. Um macho impreciso voou para minha cara e cortou minha<br />

bochecha. Quando o apanhei, um pedaço de vidro transparente muito afiado se cravou em minha<br />

palma. Outro pedaço golpeou meu couro cabeludo. Meus olhos se adaptaram então, e vi um<br />

torvelinho de cristais quebrados voando ao redor de nós.<br />

—A porta! - Gritei. —Sondra! Abra a porta!<br />

Difusamente vi que seu contorno me chocava contra a cela mais longínqua, seus braços<br />

enfraquecidos, sua cabeça escondida para evitar o impacto. As partes de vidro transparente<br />

cravaram e cortaram meus braços nus e cara quando me lancei para ela. Agarrei seu braço e a<br />

atirei para a saída, colocando-a diante da câmara de retina. Quando alcancei o botão, notei que<br />

seus olhos estavam fortemente fechados.<br />

—Abre seus olhos! Gritei.<br />

Ela os apertou ainda mais, baixando seu queixo para seu peito.<br />

—Abre seus malditos olhos para o exploratório!<br />

Eu estava estendendo minha mão para abri-los quando ela piscou. Golpeei o botão. A<br />

primeira luz vermelha vacilou, logo morreu e o painel inteiro ficou negro. Golpeei o botão outra<br />

vez. Nada passou. Toquei-o repetidas vezes, meus olhos observando o painel procurando<br />

qualquer sinal de vida. Nada. Nenhuma luz. Nenhum som. Estava morto. Girei-me. No outro<br />

extremo do corredor, um débil brilho vermelho se refletia à volta da esquina.<br />

—A outra porta ainda tem a energia disse. —Vamos.<br />

—Não posso - sussurrou Bauer, lançando sua cabeça contra o vidro transparente que<br />

voava. —Não posso.<br />

Não lhe faz caso Savannah, corre para minha cela. Não fechei minha porta. Fique dentro<br />

enquanto abrimos a outra saída.<br />

Agarrei a Bauer com ambas as mãos, e meio a carreguei, meio a arrastei para baixo pelo<br />

corredor. O torvelinho de vidro transparente seguiu girando ao redor de nós, mordendo como mil<br />

vespas.<br />

Na escuridão e com meu apuro, adiantei a Savannah, e cheguei a minha cela antes que ela.<br />

Com um espasmo de alívio vi que minha porta estava ainda aberta. Recordei que necessitava<br />

meus sapatos e me lancei dentro para agarrá-los. Quando me dava volta, os pés de minha cama se<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

moviam. Ricocheteou ao redor do meio metro da terra, logo se lançou diretamente no ar e se<br />

precipitou para mim. Logo que tive tempo para me jogar atrás na cela antes que o colchão<br />

golpeasse a porta, fechando-a.<br />

—Que - gaguejou Bauer.<br />

Empurrei-a para a outra saída. Uma série de golpes soaram. Esperando disparos, deixei-me<br />

cair sobre meus joelhos. O corredor se encheu com uma ensurdecedora estática, como se alguém<br />

tivesse arrancado o botão de todos os intercomunicadores. Savannah se roçou contra mim.<br />

Apertei seu ombro e tratei de lhe dizer que tudo estaria bem, mas a estática me afogava. Dando ao<br />

Savannah uma última carícia tranquilizadora, agarrei a Bauer e a propulsei para a porta de<br />

segurança. Esta vez, possivelmente compreendendo que era sua única possibilidade de<br />

escapamento do vidro transparente voador, Bauer se colocou diante do exploratório retinal e<br />

golpeou o botão. A luz vermelha vacilou, e durante um momento todo esteve morto. Então uma<br />

luz verde cintilou. Bauer agarrou o cabo e a segunda luz trocou de vermelho a verde. Atirou a<br />

porta e se lançou para o corredor. Eu sabia que o segurança de Bauer só permitia que uma pessoa<br />

mais passasse, por isso logo que Savannah e eu passássemos, um alarme soaria em algum lugar.<br />

Eu não podia me preocupar disso. Os guardas nos veriam pela câmara de todos os modos.<br />

Fechei de repente a porta atrás de nós. Uns pedaços de vidro transparente caíram<br />

inocuamente ao chão.<br />

—O que passou ali? - sussurrou Savannah.<br />

—Não sei - respondi. —Estão bem?<br />

Savannah e Bauer assentiram com a cabeça. Sim, cada centímetro de nossa pele nua<br />

parecia sangrar, mas ninguém tinha perdido um pedaço de olho ou ferido uma artéria principal,<br />

então parecíamos entender que isso nos fazia estar ―bem‖.<br />

As vozes ressoaram do outro extremo do corredor. A cabeça do Savannah se sacudiu.<br />

—Não vamos fazê-lo - sussurrou ela.<br />

—Sim, faremo-lo - disse Bauer. Ela se endireitou, tirando uma gota de sangue de seu olho.<br />

—Não voltarei ali. Estou fora agora e fico fora. Elena se ocupará dos guardas. Ficaremos aqui<br />

onde é seguro.<br />

De medusa gemente a líder de grupo em sessenta segundos? Era agradável ver Bauer<br />

recuperar seu equilíbrio, mas esta não era a classe de mudança que eu teria desejado. Não<br />

importa. Ao menos não se encolhia em uma esquina. Além disso, eu era quão única devia ir pelos<br />

guardas. Bauer só me incomodaria.<br />

Quando comecei a avançar, Savannah agarrou minha blusa.<br />

—Ajudar-te-ei - sussurrou ela. —Farei um feitiço.<br />

Vacilei, querendo lhe dizer que não incomodasse, mas compreendi que dando a Savannah<br />

uma possibilidade para sentir-se útil poderia acalmar seus medos. Além disso, ela era só uma<br />

bruxa novata de doze anos. Só conheceria a classe mais simples de feitiços.<br />

—De acordo - respondi. —Enquanto possa dizê-lo daqui. Mantenha a coberta e tranquila.<br />

Quando me arrastei para frente, um vidro transparente golpeou contra o vestíbulo. Logo<br />

outro. Logo vidro transparente quebrado, mais forte que a queda das ampulhetas. E esse grau de<br />

escuridão. Sim! Esta vez lhe dava a bem-vinda à escuridão. Dar-me-ia uma vantagem... enquanto<br />

que o vidro transparente quebrado não começasse a voar outra vez.<br />

—Maldição! —uma voz, provavelmente o vaio de um primeiro guarda, a saída um se<br />

apaga, logo a câmara na saída dois, agora isto. Um maldito enguiço na alimentação de corrente.<br />

—Tomarei a lanterna - disse uma segunda voz.<br />

—Ambos o faremos. Não estou de pé ao redor na escuridão.<br />

199


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Assim havia só dois guardas? Melhor e melhor. Acelerei meu passo, dobrei sobre a<br />

esquina, e golpeei o botão de elevador. Então me dirigi para a estação de guarda. Parcialmente<br />

ali, tropecei com algo e olhei abaixo para ver uma tampa de luz de néon. Esquivei e golpeei com<br />

meu pé diretamente no casco de vidro transparente. Mordendo minha bochecha contra um<br />

grunhido, passei meu pé raspando direito, apagando o passo enquanto avançava aliviada. Uma<br />

luz se prendeu à volta da esquina. Os guardas tinham encontrado sua lanterna. Malditos.<br />

Atrás de mim, as portas de elevador rangeram e se abriram. Uma voz chamou, não de<br />

adiante, a não ser de atrás. Congelei-me em meio de um passo. Os guardas dobraram a esquina, a<br />

luz da lanterna ricocheteando nas paredes. Alguém detrás de mim gritou. Girei-me, vi uma arma,<br />

e me lancei ao chão. Os disparos soaram do frente e atrás. Uma bala roçou minha perna. Ofeguei<br />

e avancei lentamente para o flanco do corredor. Um grito. Um grito de raiva. Uma maldição.<br />

Joguei uma olhada. Os guardas disparavam um contra o outro, os dois do posto de guarda<br />

fazendo fogo contra os três do elevador. Dois mais jaziam sobre o chão, gritando e retorcendo-se.<br />

As balas zumbiam por cima de mim. Levantei-me sobre minhas mãos e joelhos, comecei a<br />

avançar e corri agachada para as demais. Passei justo ao lado do segundo grupo de guardas. Nem<br />

sequer o notaram.<br />

—Voltem! - Gritei a Savannah e Bauer. —Entrem!<br />

200


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

ABANDONADAS<br />

Bauer empurrou a Savannah e voou pela sequência de segurança. A saída se abriu e as três<br />

nos lançamos através dela. Fechei de repente a porta detrás. Savannah gritou que agora estava<br />

aberta a porta à cela vazia cruzando a minha. Mergulhamo-nos dentro.<br />

—Estava jogando uma olhada pela esquina - disse Savannah enquanto eu tragava ar. —<br />

Quando os guardas vieram com as lanternas, vi os outros sair do elevador. Lancei um feitiço de<br />

confusão de modo que pudesse acontecê-los. Funcionou bastante bem, né?<br />

—Muito bem - disse, sem mencionar que quase tinha sido apanhada no fogo cruzado. Que<br />

demônios tinha ensinado Ruth a esta menina? Uma bruxa de doze anos deveria lançar feitiços<br />

para acalmar gatinhos assustados, não fazer que homens armados se disparassem os uns contra os<br />

outros.<br />

—Hey - disse uma voz da entrada. —Perdi meu convite à festa?<br />

Saltamos. Leah deu um passo dentro, bocejando e passando seus dedos por seu cabelo<br />

desordenado pelo sonho.<br />

—Não feche isso! - disse Bauer, agarrando a porta da cela.<br />

Importava isso agora? Embora eu não dissesse nada, certamente não previa outro intento<br />

de fuga em nosso futuro próximo. Enquanto as celas abertas não fossem uma armadilha, eles<br />

tampouco tinham tido um golpe de sorte. O oposto, de fato. Meu grande plano de fuga tinha<br />

desaparecido nessa chuva de granizo de balas lá fora. Inclusive se saíssemos desta confusão,<br />

Winsloe só teria que verificar a base de dados do computador para compreender que eu tinha<br />

usado a Bauer para passar a segurança. Ele se asseguraria de que nunca passasse outra vez. Tratei<br />

de não pensar na multidão de formas em que ele poderia assegurar isso.<br />

Leah caminhou para uma cadeira e caiu sobre ela — Cortei meu maldito pé caminhando<br />

para cá. Há vidro transparente por toda parte no chão. E como é que as portas estão abertas? Não<br />

é que me queixe, Mas -ups, O que lhes passou garotas?<br />

—Cristais voadores - disse.<br />

—Geez. Não lamento haver me perdido isso. Há alguma ferida? Sei algo de primeiros<br />

socorros.<br />

—Estamos bem - disse Bauer, movendo-se para a cama.<br />

Enquanto falávamos, Savannah apareceu à entrada. —Não vejo ninguém. Estão todos<br />

mortos?<br />

—Mortos? - repetiu Leah enquanto eu empurrava a Savannah longe da porta aberta. —<br />

Quem está morto?<br />

Expliquei o que tinha passado. Enquanto falava, Leah seguiu lançando olhadas discretas a<br />

Savannah, que se tinha atirado sobre o tapete e não parecia notá-lo.<br />

201


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—...deveríamos ficar aqui - disse. —Permanecer tranquilas e esperar que eles façam o<br />

mesmo. Nada de movimentos repentinos. Nada que os faça ficar à corrente.<br />

Savannah se levantou do solo. —Conheço um feitiço para acalmar…<br />

—Estou segura que sim, carinho - disse Leah. —Mas talvez não seja uma idéia tão boa.<br />

A cara do Savannah se escureceu. Leah pôs seu braço ao redor dos ombros da moça e lhe<br />

deu um apertão.<br />

—Elena e eu podemos dirigir aos guardas - disse Leah. —Encontraremos um lugar seguro<br />

para ti, carinho, se por acaso houvesse problemas quando os guardas cheguem.<br />

Lançando um olhar aos lados, Leah dirigiu meu olhar desde Savannah para os pedaços de<br />

ampulhetas soltos no chão. Meu coração se afundou. Savannah. Quem mais poderia ter sido a<br />

responsável pelo torvelinho do vidro transparente voador? Havia só três de nós nesse vestíbulo e<br />

só uma que era conhecida por lançar objetos perigosos através do ar. Isto tinha sido um grande<br />

passo adiante desde lançar pratos, mas eu tinha visto uma demonstração do incremento dos<br />

poderes de Savannah com esse feitiço de confusão letal. É obvio, ela não o tinha feito<br />

deliberadamente – ela tinha sido ferida tanto como qualquer de nós– mas esse não era o ponto.<br />

Querendo-o ou não, Savannah era perigosa. Posta sob tensão emocional reagia com violência.<br />

—Boa idéia - disse. —Deveríamos pôr a Savannah a resguardo. —Resguardo para ela e<br />

resguardo para nós.<br />

—Sondra, irá com Savannah? - disse Leah. —Minha cela está aberta. Escondam-se ali.<br />

Bauer se sentou na cama, seus joelhos estirados, contemplando a parede. De volta ao<br />

estado de medusa gemente.<br />

—Estou bem - sussurrou ela.<br />

—Fez um trabalho duro até aqui - disse Leah. —Elena e eu podemos dirigir isto. E toma a<br />

Savannah…<br />

—Estou bem! - grunhiu Bauer, sacudindo a cabeça, seus lábios curvando-se. Logo se<br />

congelou, como se compreendesse o que tinha feito. Fechou seus olhos e se estremeceu. —Estou<br />

bem - disse firmemente. —Quero ajudar.<br />

—Talvez possamos falar com os guardas - disse. —Explicar o que aconteceu. Há um<br />

intercomunicador, Sondra? Podemos nos comunicar de alguma forma com eles?<br />

Bauer sacudiu sua cabeça.<br />

Fora da cela, algo caiu com um ruído surdo contra a porta de saída. Paramo-nos para<br />

escutar. Dois ruídos surdos em rápida sucessão, logo silêncio.<br />

—Eles não podem entrar - sussurrou Bauer. —A porta de saída deve ter perdido a energia<br />

ou haver-se trancado.<br />

—Era muito esperar que todos estivessem mortos - disse Leah. —Quantos guardas havia<br />

ali em total?<br />

—Três dúzias..., não, trinta - disse Bauer. —Nós – começamos sendo trinta e seis, mas<br />

houve baixas.<br />

—Piolhentas probabilidades. Bem, vou fazer que Savannah saia daqui antes que as coisas<br />

fiquem más.<br />

Leah estendeu a mão para Savannah, mas ela a esquivou e correu para mim.<br />

—Quero ajudar - disse ela, elevando a vista para mim.<br />

Como se não me sentisse o bastante culpado por suspeitar que Savannah fosse a causadora<br />

do vidro transparente voador. Mas se Leah e eu íamos lutar contra isto, tínhamos que pôr a<br />

Savannah em algum lugar seguro onde pudesse acalmar-se.<br />

—Não tratamos de te tirar do meio, Savannah. Sei que poderia ajudar. Esse feitiço de<br />

202


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

confusão - Me arrumei isso para lhe dirigir um sorriso sardônico — bem, fiquei impressionada, se<br />

quiser que lhe diga isso.<br />

—Mas... - Savannah suspirou, com a cansada resignação de um menino que podia ouvir<br />

vir o ―mas‖ de uma milha de distância.<br />

—Mas se fica, Leah e eu estaremos muito preocupadas com você para nos concentrar no<br />

perigo.<br />

—Estaríamos muito preocupadas se ficasse - disse Leah, me lançando um olhar. —Nos<br />

sentiríamos todas muito melhor se estivesse em algum lugar mais... seguro. Levar-te-ei a minha<br />

cela.<br />

—Bem - disse Savannah, com uma voz que dizia que nossa decisão era tudo menos boa.<br />

Leah estendeu sua mão para Savannah, mas a moça empurrou longe e espreitou a porta.<br />

Leah trotou atrás dela.<br />

***<br />

Vários minutos mais tarde, Leah se apressava de volta. Os guardas ainda golpeavam a<br />

porta de saída.<br />

—Ela está em minha cela - disse Leah. —Escondida sob a cama. Fechei a porta.<br />

Comecei a assentir com a cabeça, logo me detive. —Fechou a porta? E se tranca? Como a<br />

tiraremos?<br />

—Agora mesmo estou mais preocupada de que Savannah não interfira. Se não a encerrava<br />

com chave, estaria aqui embaixo em dois minutos, tratando de nos ajudar. Não necessitamos essa<br />

classe de ajuda - Ela jogou uma olhada ao vidro transparente quebrado. —Já ajudou o bastante.<br />

—Se Savannah fez voar o vidro transparente, não foi intencional.<br />

Leah encolheu os ombros. —Provavelmente tem razão. De todos os modos, não é sua<br />

culpa. Que se pode esperar, com uma mãe como Eve.<br />

—Pensa que é isso? Só porque sua mãe estava colocada com a magia negra não<br />

necessariamente significa...<br />

—Eve não só era uma bruxa, Elena. Seu pai era um demônio, quero dizer que ela era um<br />

híbrido meio demônio meio bruxa. Uma combinação brutal. Eu sou bastante valente. Não me<br />

assusto facilmente. Mas Eve me assustava de uma maneira incrível. Sondra, recorda quando<br />

recém a trouxeram aqui…<br />

Bauer girou para nos confrontar —A quem cacete importa, Leah?! Temos a Deus sabe<br />

quantos guardas armados golpeando a porta de saída e falas da genealogia de Savannah!<br />

—Frieza, Sondra. Elena e eu temos tudo sob controle. Estamos acostumadas a esta classe<br />

de assuntos. Tudo o que digo, Elena, é que terá que tomar cuidado ao redor de Savannah.<br />

Recorda, é uma moça pré-adolescente, hormônios chutando e toda essa merda. Só faz as coisas<br />

ainda pior. Quem sabe…<br />

—Maldição! - gritou Bauer. —Estão derrubando a maldita porta!<br />

—Crês que entrarão? - perguntou-me Leah tranquilamente, como se Bauer fosse uma<br />

lunática gritando dentro de um quarto acolchoado.<br />

—Possivelmente - disse.<br />

Ela suspirou —De acordo, então. É tempo de preparar a festa de bem-vinda.<br />

***<br />

203


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Quando tínhamos terminado de planejar, apagamos a luz. Com nossa visão noturna, Bauer<br />

e eu estaríamos bem, e Leah tinha decidido que as vantagens totais da escuridão pesavam mais<br />

que sua desvantagem pessoal de visão limitada.<br />

Deslizamo-nos para o corredor, ficando atrás da esquina se por acaso os guardas abriam<br />

caminho, disparando suas armas.<br />

—Olá! - gritou Leah. —Estamos apanhadas aqui! Feriu! Há alguém aí? Podem nos ouvir?<br />

Ninguém respondeu. Tal como Bauer tinha advertido, a porta era a prova de sons. Leah<br />

tentou um par de vezes mais, logo lhe fiz gestos para fazê-la calar e escutei. Eu podia só ouvir<br />

farrapos de vozes surdas.<br />

—Quem está ali?<br />

—A outra porta, sem energia<br />

—O rádio, outra vez<br />

—Há homens fora? Matasumi, Winsloe?<br />

Leah se apoiou contra meu ombro — Pode dizer quantos há?<br />

Sacudi minha cabeça — Três, talvez quatro vozes, mais os que não falam. Espera, ouço<br />

algo mais.<br />

Uma vaia forte soou do outro lado da saída. Quando tratei de identificar o ruído, de<br />

repente se elevou a um zumbido guinchante, bastante forte com para que inclusive um não<br />

lobisomem pudesse ouvi-lo.<br />

—Um maçarico de soldar - disse Leah. —Isso funcionará. Deveríamos nos preparar.<br />

Nunca tivemos uma oportunidade de pôr nosso plano em ação. Quando me balancei para a<br />

cela vazia, a porta de saída se abriu de repente. Os gritos de surpresa dos guardas se<br />

transformaram em uma série de ordens. Leah entrou como uma flecha à primeira cela comigo.<br />

Quando me girei para fechar a porta, dava-me conta que Bauer não estava conosco.<br />

—Ela escapou - disse Leah.<br />

—Merda!<br />

Abri a porta de um puxão. Bauer estava correndo para baixo pelo corredor.<br />

—Sondra! - Gritei.<br />

Ela se deteve. Em vez de virar-se, entretanto, começou a golpear a porta da cela a sua<br />

direita.<br />

—Abram! - gritou. —Malditos sejam! Me deixem entrar!<br />

A princípio, pensei que se perdeu. Logo compreendi que estava frente à única cela que<br />

permanecia ocupada, a do sacerdote vodun. É obvio, Zaid não podia ouvi-la. A parede era a prova<br />

de som. Apesar de tudo o que passava aqui fora, o pobre tipo provavelmente estava<br />

profundamente adormecido. Apareci na entrada para lhe dizer que se escondesse, mas já se foi,<br />

desaparecendo na antiga cela de Armem Haig.<br />

Quando fechei a porta, compreendi que tínhamos um problema. Leah e eu estávamos<br />

escondidas atrás de um vidro transparente unidirecional. Qualquer guarda no corredor poderia nos<br />

ver, mas não poderíamos vê-lo. Nada bem. Explorei a cela procurando um ponto onde nos<br />

esconder, sabendo que não o encontraria. Estávamos expostas. No momento em que os guardas<br />

girassem por essa esquina, detive-me. Por que ainda não tinham saído por essa esquina? Quando<br />

abri um pouco a porta, ouvi gritos frenéticos, logo um grito, um chiado desumano que fez que<br />

meus pêlos se arrepiassem.<br />

Fiz- gestos ao Leah para que se tornasse atrás — Estou jogando uma olhada.<br />

—Ponha-se de coque - disse. —Permanece debaixo do nível de olho.<br />

Ambas nos pusemos de coque. Deixei a porta aberta. Um brilho de luz ricocheteou em<br />

204


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

meus olhos e me sacudi para trás, só para ver a luz passar roçando da parede para o chão e logo<br />

ao teto, como algum louco brandindo uma lanterna. Por cima do grito, ouvi uma voz masculina;<br />

logo um alarme agudo absorveu todo o som. Farejei e cheirei algo tão inesperado que duvidei de<br />

meus próprios sentidos. O fedor acre a carne queimada encheu o ar. Quando inalei outra vez, me<br />

questionando a mim mesma, um guarda disparou tão rápido que não tive tempo para me jogar<br />

atrás na cela. Não importou. Ele passou por diante, com a boca aberta em um grito que era<br />

absorvido pela sereia. Algo se agitava a seu lado. Entortei os olhos na escuridão, logo me<br />

estremeci. Era seu braço, quase talhado por cima do cotovelo, balançando-se daqui para lá<br />

enquanto corria.<br />

A luz da lanterna seguiu saltando ao redor das paredes. As formas vacilaram, produzindo<br />

sombras torcidas na parede. A sereia vacilou e deixou escapar um último som sufocado.<br />

Enquanto morria, o som encheu o ar: o vaio do maçarico, gritos dos guardas ainda escondidos à<br />

volta da esquina, os gritos intermináveis do guarda do braço talhado. Outro guarda saiu<br />

tropeçando de detrás da esquina, o maçarico ondulando a seu lado. Quando passou junto a nossa<br />

cela, deslizou-se sobre algo, suas pernas saíram desprendidas. O maçarico saiu despedido pelo ar.<br />

Logo se deteve. Deteve-se mais de dois metros por cima da terra e ficou suspenso ali, cuspindo<br />

sua chama azul. O guarda cansado saltou sobre seus pés. O maçarico voou para baixo e o cortou<br />

através das costas. Seus braços se elevaram e ele caiu para frente, gritando enquanto sua camisa<br />

ardia. O aroma penetrante a carne e tecido carbonizado encheu o ar.<br />

—Abram a maldita porta! - gritou um guarda da esquina. — Tirem-nos daqui!<br />

—Eles estão apanhados - sussurrei a Leah. — Não posso ver o que está passando. O<br />

maçarico…<br />

Bang! Um disparo de arma. Logo três mais em rápida sucessão. Quatro fortes sons<br />

metálicos.<br />

—Estão disparando à porta - disse Leah. — Deveríamos ficar cobertas.<br />

—Confia em mim. Não irei a nenhuma parte.<br />

Um rugido repentino se sobrepôs aos gritos e chiados.<br />

—O que é isso? - perguntou Leah.<br />

Eu sabia. Inclusive enquanto entortava os olhos pelo corredor, eu sabia o que veria. Bauer<br />

tinha trocado a lobo. Ela encarregou dos guardas. Abri a porta de um golpe. Leah agarrou meu<br />

braço.<br />

—Os guardas ainda estão à volta da esquina - disse. —Posso deter a Sondra antes que eles<br />

a vejam.<br />

—E então o que?<br />

Bauer se encolerizou quando se chocou contra o guarda. Grunhindo, tornou-se atrás e se<br />

separou das chamas. O instinto humano superou ao animal. Girando, rodeou o corpo ardente e<br />

seguiu correndo para baixo pelo corredor.<br />

—Só me deixe - comecei.<br />

—Não. Pensa, Elena. Não pode ajudá-la.<br />

Bauer passou diante de nós e dobrou a esquina. Um guarda gritou. Ele correu para a<br />

extensão principal do corredor, o sangue salpicando de seu ombro rasgado. Bauer o perseguia.<br />

Antes que sequer alcançassem a porta de nossa cela, ela saltou, aterrissando em suas costas.<br />

Enquanto caíam, ela afundou seus dentes na parte de atrás de seu pescoço, arrancando um<br />

bocado. O sangue saltou.<br />

—Usarei a distração para baixar correndo à outra saída - disse Leah. —Talvez esteja<br />

205


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

aberta agora.<br />

—O que-? - Comecei, logo compreendi que ela não podia ver o que acontecia, não estava<br />

afetada por isso.<br />

Leah me roçou ao passar por diante de mim.<br />

—Cuidado! - gritei, mas ela já se foi e Bauer estava muito absorvida em sua vítima para ir<br />

a busca de outra.<br />

Bauer rasgou pedaços dos ombros e as costas do guarda, lançando-os ao ar. O corpo do<br />

guarda convulsionava. Seu rosto estava completamente branco, seus olhos impossivelmente<br />

abertos e em branco. Um guarda gritou, como se tivesse compreendido que seu camarada estava<br />

perdido.<br />

Eu não podia seguir olhando mais tempo. Abri a porta e saltei fora, sem nenhum plano em<br />

mente além de salvar de algum jeito a Bauer. Merecia ser salva? Valia sua vida o que arriscasse a<br />

minha? Não importava. Ela era um lobisomem, uma lobisomem fêmea nascida de meus genes.<br />

Tinha que protegê-la.<br />

Quando saí da cela, outro guarda veio desde esquina, com sua arma em alto. Ele fez fogo.<br />

O disparo ardeu através da escuridão e golpeou Bauer na anca esquerda. Ela investiu contra ele.<br />

Ele levantou a arma, mas ela estava sobre ele, seus dentes rasgando sua garganta. Quando corri<br />

para eles, duas formas saltaram da escuridão. O fogo ressonou pelo corredor. Mergulhei-me, me<br />

enroscando bem a tempo para ver as balas golpear a Bauer, lhe destroçando o peito e a cabeça.<br />

Nesse segundo, justo quando o sangue e o cérebro exploraram do crânio transtornado de<br />

Bauer, inclusive antes que seu paralisasse sobre o chão em cima do guarda morto, vi a porta de<br />

saída abrir-se de repente. Vi-a e vi minha possibilidade. Minha única possibilidade. Senti meus<br />

pés mover-se, meu corpo virar-se. Savannah cintilou em minha mente. Não podia partir sem ela.<br />

Inclusive enquanto pensava isto senti que meu corpo se mergulhava para a porta aberta. Não tinha<br />

tempo para voltar pelo Savannah. Inclusive se o tivesse, fá-lo-ia? Quem sabia de que coisas era<br />

capaz de fazer ela se as coisas foram realmente mal? Com Savannah a reboque, eu nunca poderia<br />

escapar, poderia morrer no intento. Era melhor deixá-la aqui, clandestinamente, onde seus<br />

poderes podiam ser controlados, onde ela era muito importante para ser assassinada. Eu voltaria<br />

por ela mais tarde com outros.<br />

Estava já no corredor, meu corpo que tinha tomado a decisão justa enquanto meu cérebro<br />

se agitava. E Leah? Estava-a abandonando também? Covarde! Mas meus pés seguiram me<br />

propulsando para o elevador. Uma vez ali, esmurrei meu punho contra o botão, golpeando-o<br />

repetidas vezes, sentindo o curso de dor por meu braço e só golpeando-o mais forte, castigando<br />

minha covardia.<br />

As portas do elevador se abriram. Entrei.<br />

206


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

FUGA<br />

—Elena!<br />

A voz de Leah. Agarrei a porta do elevador antes que se fechasse. Ao aparecer, vi Leah<br />

trotando da saída de em frente.<br />

—Não pude passar a procurar o Savannah - chamei.<br />

—Eu tampouco. Merda! Há todo um inferno quebrado ali. Nunca retornaremos dentro.<br />

—Te apresse então.<br />

Enquanto ela corria, a porta de elevador se sacudiu, como se tratasse de fechar-se.<br />

Empurrei-o para trás, mas seguiu movendo-se, empurrando mais e mais forte e forte até que tive<br />

que me apoiar contra ela, me esforçando para mantê-la aberta.<br />

—Vamos! - Gritei. —Há algo mau com as portas.<br />

Quando Leah esteve a menos de dois metros de distância, a porta se sacudiu<br />

violentamente, fechando-se de repente contra meu ombro. Tropecei. Leah alcançou a me agarrar,<br />

mas me caí para trás dentro do elevador. Comporta-as se fecharam. Saltei e apertei o botão para<br />

voltar a abrir o elevador.<br />

—Não abrirá! - Gritei. —Golpeia o botão de chamada!<br />

—Isso faço!<br />

O elevador deu tombos de repente. Subiu e baixou, balançando-se e me sacudindo com<br />

tanta força que quase perdi o equilíbrio. Quando agarrei o trinco do lado, um ruído triturante<br />

partiu o ar. Eu apertei o trinco até que meus nódulos ficaram brancos, meu cérebro movendo-se a<br />

toda velocidade para recordar que fazer em uma falha do sistema de um elevador. Dobrar meus<br />

joelhos? Sentar-se no chão? Rezar? O elevador reduziu a marcha, logo se deteve em um alto.<br />

Apenas me atrevi a respirar, esperando que o solos cederia embaixo de mim. Então as portas<br />

abriram.<br />

Encontrei-me contemplando uma parede que me chegava até a cintura. Não, não era uma<br />

parede. Era um piso. O elevador se deteve entre níveis. Enquanto dava um passo adiante para<br />

olhar fora, o elevador se sacudiu outra vez. A maquinaria gemeu no eixo superior e o trambolho<br />

começou a afundar-se. O piso avançou pouco a pouco desde minha cintura até a metade de meu<br />

peito. Minha janela de fuga literalmente desaparecia. Agarrando o bordo do piso, saltei, perdi<br />

meu agarre, e retrocedi dentro do elevador. Pus-me de coque e o tentei outra vez. Esta vez<br />

consegui manter meu afeto e me balancei justo quando o elevador desaparecia.<br />

Quando olhei ao redor, reconheci o último piso. Então o elevador havia me trazido até<br />

acima. Louvores sejam dados. Se tivesse ficado em um nível do meio, não teria tido a menor<br />

idéia de onde encontrar uma escada. Tomei um momento para me recompor e recordar onde<br />

estava a saída. A minha esquerda, ao final de corredor. Quando dava a volta, vozes ecoaram pelo<br />

corredor, vindo para mim de atrás. Olhei ao redor procurando um esconderijo. Havia uma porta<br />

aproximadamente a seis pés para baixo pelo corredor. Lancei-me para ela, abri a porta, e saltei<br />

dentro quando me dava conta que as vozes se detiveram. Os guardas estavam de costas ao<br />

elevador. Enquanto escutava, eles discutiam sobre o que fazer com o elevador quebrado, então<br />

decidiram unanimemente deixar a decisão em alguém mais, chamado Tucker. Um minuto mais<br />

tarde, foram-se.<br />

207


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Esperei até que o som de suas botas se silenciou, logo deixei meu ponto de ocultação,<br />

olhando em ambas as direções e corri. O corredor terminava em um pequeno quarto. Dentro<br />

estava a porta à liberdade. Tudo o que tinha que fazer era abri-la. E para abri-la, tudo o que<br />

precisava era a retina e a impressão digital de uma pessoa autorizada. Maldição! Por que não<br />

tinha pensado nisto? Chegar a este nível era só a metade do problema. As vozes perto do elevador<br />

voltaram. De volta já? Corri para o armário outra vez. Uma vez dentro, escutei. Só duas vozes<br />

esta vez. Esperavam que seus companheiros voltassem com o Tucker. Eu não tinha tempo para<br />

idear um plano infalível, nem sequer um pedaço de plano. Não teria nenhuma possibilidade<br />

contra mais de dois guardas. Se vacilava, ver-me-ia apanhada neste armário até que alguém me<br />

encontrasse.<br />

Empurrando a porta, verifiquei o corredor e me assegurei de que não podia ver os guardas.<br />

O que significava que eles tampouco podiam me ver. Tão silenciosamente como era possível,<br />

avancei para o elevador. Detive-me na esquina, pus-me de coque, e olhei atentamente ao redor.<br />

Os guardas confrontavam a parede de em frente, a gente olhava atentamente o eixo do elevador, o<br />

outro amaldiçoava sobre o atraso. Tomei fôlego, logo me lancei para o primeiro guarda,<br />

golpeando-o para o eixo do elevador. Seus braços se moveram uma vez, e se afundou fora de<br />

vista. Quase tropecei atrás dele e consegui evitá-lo só usando o impulso para me enroscar e saltar<br />

por volta do segundo guarda. Sua mão foi a sua arma. Enquanto tirava a pistola, arrebatei-a de<br />

sua mão e a joguei para baixo pelo espaço do elevador. Logo lhe dava uma palmada sobre a boca<br />

e o empurrei para frente. Quando ele resistiu, levantei-o da terra e o elevei. Seus pés davam<br />

patadas freneticamente. Alguém golpeou minha rótula ferida, enviando tal sacudida de dor por<br />

minha perna que o lancei para frente. A um milímetro de deixá-lo cair, recuperei meu agarre e<br />

comecei a correr, meio tropeçando para a saída.<br />

Arrastei ao guarda à porta. O painel de segurança era o mesmo que nas saídas do bloco de<br />

celas. Golpeei o botão que Bauer tinha usado e levantei o queixo do guarda para cima. Quando a<br />

câmara zumbiu, o guarda compreendeu o que eu fazia e fechou seus olhos. Mas era muito tarde.<br />

A primeira luz cintilou verde. Agarrei a mão do guarda e lhe abri o punho. Os ossos se romperam.<br />

Forcei seus dedos quebrados ao redor do trinco. A segunda luz se voltou verde. Colocando minha<br />

mão sobre a sua, atirei a porta. Logo rompi seu pescoço. Não vacilei, não me perguntei se tinha<br />

que matá-lo, se não havia algum outro caminho. Não tinha o tempo para a consciência. Matei-o,<br />

deixei seu corpo no chão, agarrei suas botas e escapei.<br />

***<br />

Corri pelo bosque, evitando a rede de caminhos e me dirigindo para os espessos matagais.<br />

Ninguém vinha atrás de mim. Far-no-iam. A pergunta era a que distância me poria antes que o<br />

fizessem. A quantos quilômetros estaria a cidade mais próxima? Em que direção? Desfiz-me dos<br />

primeiros reflexos de pânico. Encontrar a civilização não podia ser minha primeira prioridade.<br />

Encontrar um lugar seguro era mais importante. Enquanto o humano em mim considerava que os<br />

lugares públicos eram seguros, eu sabia que qualquer esconderijo bastante longe do complexo<br />

bastaria. Correr longe, ficar a coberto e recuperar-se. Logo poderia me concentrar em encontrar<br />

um telefone.<br />

Era outra noite como a que houve quando Winsloe tinha caçado ao Lake: fria, úmida, e<br />

nebulosa, a lua atenuada pela cobertura de nuvens. Uma noite formosa para uma fuga da prisão.<br />

A escuridão me cobriria, e o frio me impediria de me reaquecer. Logo descobri, entretanto, que a<br />

temperatura do corpo não era um problema. Não podia me mover o bastante rápido para me<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

complicar com o suor. Fora dos caminhos, os bosques eram uma espessa selva tropical. Cada<br />

centímetro de terra estava obstruída com videiras e vegetação morta. Cada centímetro de<br />

superfície estava talher de arbustos e árvores altas e magras, todos competindo pelos pedaços de<br />

luz do sol sem reclamar pelo antigo bosque. Aqui e ali tropecei com rastros deixados por cervos,<br />

e as segui até que as perdi quando se transformaram em finos rastros que se confundiam com o<br />

páramo. Um lugar para animais, não pessoas. Agora, a diferença da maior parte dos fugidos da<br />

prisão, eu tinha a opção de me converter em um animal, mas não podia perder dez minutos para<br />

me mudar. Não enquanto ainda estava tão perto do complexo. Qualquer guarda perseguindo iria<br />

também a pé, e no momento, eu podia me permitir compartilhar sua desvantagem.<br />

Enquanto me deslizava pelo bosque, compreendi que tinha uma, ou várias, desvantagens<br />

físicas não compartilhadas pelos guardas. Primeiro, tinha posto um par de botas tamanho doze e<br />

masculinas em pés tamanho dez e femininos. O que era mais importante, estava ferida. Os cortes<br />

cobriam meus braços e cara, picando cada vez que um ramo me golpeava. Sofria de um número<br />

astronômico de outras feridas acumuladas na semana passada. Eu poderia viver com isso, apesar<br />

de tudo. Apertar os dentes e ser uma moça grande. Meu joelho era outro assunto. Desde que<br />

Bauer o tinha rasgado no hospital, a dor incendiária se converteu em uma queimação surda,<br />

constante. As patadas do guarda tinham aceso de novo o fogo, e correr pelo bosque só<br />

acrescentava o oxigênio para que ardesse. Depois de vinte minutos, coxeava. De má maneira. O<br />

sangue quente se derramava por minha panturrilha, e a carne viva se esfregava contra minhas<br />

calças, me dizendo que se desfizera a costura de Tucker. Tinha que mudar. Simples aritmética:<br />

Uma perna má de quatro era duas vezes melhor que uma de dois.<br />

Reduzi a marcha, me movendo com mais cuidado agora para não deixar um rastro óbvio.<br />

Depois de que fui em ziguezague por cinco minutos, encontrei uma espessura, avancei lentamente<br />

dentro, e escutei. Ainda nenhum som de perseguidores. Tirei minha roupa e mudei.<br />

Eu ainda avançava pelas etapas finais de minha mudança quando algo lançou a terra. Me<br />

levantando de um salto, enrosquei-me para confrontar a meu atacante. Um rottweiler estava a um<br />

metro de distância, grunhindo, uma gota de baba tremendo em seu lábio superior curvado. A sua<br />

esquerda havia um sabujo grande. Um cão de rastreamento e um assassino. Estes dois não se<br />

extraviaram de uma granja vizinha. Tinham vindo do complexo. Maldição! Eu não tinha<br />

imaginado que eles tinham esses cães. O canil devia estar fora. Se tivesse feito uma pausa antes<br />

de entrar na segurança dos bosques, eu teria cheirado os cães e me teria preparado. Mas não me<br />

tinha tomado o tempo.<br />

Minha mudança terminou, e me elevei em toda minha estatura. O sabujo girou e correu,<br />

nem tanto intimidado a não ser aturdido, ao ver presas e cheirar a um humano. O rottweiler<br />

manteve sua posição e esperou a que eu tomasse o seguinte passo no baile de ritualizada<br />

intimidação. Em vez de fazê-lo, saltei para ele. Ritual em apuros. Não havia tempo para realizar a<br />

cerimônia. Cães de rastreamento significava guardas perseguindo, e guardas perseguindo<br />

significava armas. Preferia tomar minhas possibilidades contra o rottweiler.<br />

Meu repentino ataque tomou ao cão despreparado, e afundei meus dentes em sua anca<br />

antes que arrancasse. Ele se enroscou para me apanhar, mas me pus fora de alcance. Quando<br />

investi outra vez, ele estava preparado, preparado para me encontrar a metade do salto.<br />

Estrelamo-nos, ambos lutando por agarrar crucial pescoço. Seus dentes roçaram minha mandíbula<br />

inferior. Muito perto para minha comodidade. Separei-me e saltei sobre minhas patas. O<br />

rottweiler tropeçou e saltou sobre mim. Esperei até o último segundo, logo saltei ao lado. Ele<br />

golpeou a terra, suas quatro patas escorregando para deter seu deslizamento. Lancei-me atrás dele<br />

e saltei a suas costas. Enquanto ele caía, enroscou-se, suas mandíbulas enterrando-se em minha<br />

209


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

perna dianteira. A dor me atravessou, mas resisti ao impulso de me sacudir longe. Esfaqueei sua<br />

garganta desprotegida, meus dentes rasgando através da pele e a carne. O rottweiler<br />

convulsionou, resistindo a me liberar. Minha cabeça atacou outra vez, agora agarrando sua<br />

garganta destroçada e fixando-a na terra. Esperei até que ele deixou de lutar, logo o soltei e corri.<br />

A essas alturas o uivo de um sabujo já reverberava pelo ar da noite. A terra vibrava sob<br />

minhas patas correndo. Três cães, talvez quatro. O sabujo tinha descoberta de novo sua coragem<br />

com uma equipe de reserva. Eu poderia lutar contra quatro cães? Não, mas a experiência me tinha<br />

ensinado que um ou dois correriam longe de um lobisomem, tal como o tinha feito o sabujo.<br />

Poder-me-ia arrumar isso com os que permanecessem? Enquanto me perguntava isso, alguém<br />

gritou, tomando a decisão por mim. No tempo que me levaria desafiar e lutar contra os cães, os<br />

guardas estariam sobre nós. Minhas opções se reduziam a dois: tirar o sabujo de meu rastro ou<br />

levar aos cães longe de seus proprietários. De uma ou outra forma, tinha que correr.<br />

O melhor modo de perder ao sabujo seria passar através da água. Winsloe tinha<br />

mencionado um rio. Onde estava? O ar da noite estava tão úmido que tudo cheirava como a água.<br />

Eu tinha deslocado aproximadamente oitocentos metros quando a umidade contida no vento do<br />

oeste se triplicou. Quando virei ao oeste, encontrei um caminho e tomei. A velocidade era agora<br />

uma preocupação maior que deixar um rastro difícil. No caminho aberto, corri a plenitude, com a<br />

cabeça baixa, os olhos estreitados contra o vento. Lancei-me através de uma parte esponjosa de<br />

terra, cobrindo-o em três pernadas. Quando minhas patas dianteiras golpearam a terra firme, a<br />

terra sob minhas pernas traseiras de repente cedeu ao passo. Lutando por me agarrar, enterrei<br />

minhas garras dianteiras no chão enquanto minhas pernas traseiras pedalavam no ar. Atrás de<br />

mim, meus quartos traseiros desapareceram na escuridão de um buraco profundo. Recordei o que<br />

Winsloe havia dito sobre o Lake correndo para o rio: ―... se ele tomar a rota fácil, encontrar-se-á<br />

com um buraco de urso‖. Por que não o podia ter recordado faz cinco minutos?<br />

O uivo do sabujo cresceu, logo se partiu em duas vozes. Dois sabujos. Ambos muito,<br />

muito perto. Minha pata traseira direita golpeou algo no flanco da fossa, uma pedra ou uma raiz.<br />

Empurrei-o, obtendo suficiente ação de alavanca para tirar meus quartos traseiros quase por<br />

inteiro da fossa. Blasfemando minha carência de dedos, agarrei a terra com minhas garras<br />

dianteiras, afundei minhas garras traseiras no flanco da fossa, e consegui mover meu traseiro. Um<br />

cão apareceu detrás de mim. Não me dava volta para ver como era. Melhor não saber.<br />

Corri para o rio. Um uivo ensurdecedor soou a minha esquerda, tão perto que senti a<br />

vibração. Virei à direita e segui correndo. Os sons patas correndo sacudiam a terra. Encolhi-me e<br />

aumentei a velocidade. Eu era mais rápida que qualquer cão. Tudo o que tinha que fazer era me<br />

conservar o tempo suficiente fora de seu alcance para deixá-los atrás. Enquanto não caísse em<br />

mais armadilhas, poderia fazê-lo. O som de água corrente cresceu até que quase afogava o ofego<br />

dos cães. Onde estava esse rio? Eu podia cheirá-lo, ouvi-lo... mas não podia vê-lo. Tudo o que<br />

podia ver era o caminho abrindo-se outros cinquenta metros. E além desses cinquenta metros?<br />

Nada. O que significava que a terra deixava passo ao rio. Quanto seria? Um pequeno ribeiro ou<br />

um escarpado de cem metros? Estava disposta a me arriscar, a seguir correndo até que cair pela<br />

borda? A água soava perto, então não podia ser uma ladeira muito escarpada. Tinha que tomar a<br />

jogada. Sem reduzir a marcha, corri para o final do rastro. Então, a menos de dez metros de<br />

distância, uma forma saiu do bordo do bosque e aterrissou em meu caminho.<br />

210


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

ESCAPAMENTO<br />

Minhas quatro patas saíram disparadas, como os freios de um carro fora de controle.<br />

Vislumbrei a pele, um brilho de presas, e me preparei para o ataque. Um ventre avermelhado<br />

esteve em cima de mim. Cão estúpido. Nunca tinham sentido do objetivo. Girei para encontrar a<br />

meu atacante no contragolpe e só vi uma piscada da pele da cauda quando ele correu longe. Né!.<br />

Bem, seria fácil. Quando comecei a correr para a ribeira, um rugido de fúria partiu o ar da noite, e<br />

outra vez patinei para me deter. Eu conhecia aquele rugido. Inalando, apanhei o aroma de meu<br />

atacante e compreendi por que não me tinha atacado.<br />

Virando, vi o Clay lançando-se contra um grupo de cinco cães. Lancei-me atrás dele.<br />

Antes que pudesse cobrir os dois metros entre nós, ambos os sabujos e um rottweiler se giraram e<br />

correram. Isso significava que só tínhamos que lutar contra dois cães, um rottweiler e um pastor<br />

alemão. Perfeito! Hey, espera um minuto, Clay estava correndo atrás dos covardes, me deixando<br />

com os dois cães restantes. Maldito fosse! Não podia simplesmente deixá-los ir? De todos os<br />

egocêntricos, o rottweiler se voltou para mim, interrompendo minha crítica mental. Quando me<br />

girei para confrontá-lo, o pastor investiu contra minha anca. O rottweiler afundou seus dentes em<br />

meu ombro. Caí-me para trás, tratando de fazê-lo cair. O pastor saltou a minha garganta, mas vi o<br />

brilho de dentes e lancei minha cabeça para baixo para proteger meu pescoço. Quando o pastor<br />

se retirou, agarrei sua orelha entre meus dentes e a atirei, triturando-a. Ele grunhiu e tropeçou<br />

longe. O rottweiler agarrou meu ombro outra vez e me sacudiu. Minhas pernas lutaram por um<br />

espaço para apoiar a pata. A dor atravessou meu ombro. A articulação de meu joelho traidor<br />

flamejou, duplicando a agonia. Quando minha perna boa traseira tocou terra, enterrei-a, consegui<br />

algo ação de alavanca, e rodei, sacudindo o rottweiler de seus pés. Caímos, dando voltas juntos,<br />

tentando morder algo dentro da distância de corte. Logo, em meados do cilindro, o rottweiler se<br />

afastou voando. Literalmente voou. Um segundo seus dentes estavam enterrados na grossa pele<br />

ao redor de meu pescoço, o seguinte se precipitava para o céu. O sangue orvalhou meus olhos.<br />

Cegada, tropecei sobre minhas patas, sacudindo minha cabeça para limpar minha visão. A<br />

primeira coisa que vi era o rottweiler pendurando das mandíbulas do Clay. Logo notei um<br />

movimento a minha direita. O pastor. Este se mergulhou contra Clay. Girei, agarrando-o a metade<br />

do vôo, e arranquei sua garganta antes de sequer tocasse a terra. Seu corpo ainda se movia<br />

nervosamente quando ouvi os gritos dos guardas.<br />

Corri para o ribeiro. Clay me cortou e me empurrou para os bosques. Quando tentei<br />

mordê-lo, vi os corpos de ambos os sabujos jazendo no caminho e entendi. Clay tinha ido atrás<br />

quão sabujos fugiam para assegurar-se que não poderiam devolver-se e recolher nosso rastro.<br />

Com os sabujos mortos, não tínhamos que nos dirigir para a água.<br />

Mergulhamo-nos no mato e fomos ao norte, passando a dez metros dos guardas enquanto<br />

estes trotavam para o rio. Não se detiveram, nem fizeram que o rottweiler revisasse ao lado deles.<br />

Eles faziam ruído suficiente para cobrir o nosso, e o vento do sudeste apartava nosso aroma do<br />

cão.<br />

Segui ao Clay por três quilômetros de bosque, avançando para o nordeste. Quando ele se<br />

deteve, farejei o aroma de um caminho, mas cheirei só bosque. Quando procurei a brisa, ele se<br />

roçou ao longo de meu flanco, esfregando-o bastante perto de mim para sentir o calor de seu<br />

corpo através de sua pele. Ele me rodeou, logo fez uma pausa em meu ombro ferido, lambeu-o<br />

duas vezes, e deu voltas outra vez. Esta vez se deteve em minha perna traseira esquerda e me deu<br />

uma ligeira cotovelada, me forçando a cair sobre minhas ancas. Ele sorveu a imundície de minha<br />

rótula rasgada, logo começou a lambê-la. Sacudi-me, atirando longe, fazendo gestos de que<br />

211


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

tínhamos que seguir correndo, mas ele golpeou minhas pernas traseiras de novo, menos<br />

brandamente esta vez, e voltou a trabalhar em meu joelho antes de mover sua atenção a meu<br />

ombro. Cada poucos minutos, ele movia seu focinho a minha bochecha, seu fôlego quente<br />

roçando meu rosto, me acariciando com o focinho, logo voltava para a limpeza de minhas feridas.<br />

Enquanto trabalhava, minhas orelhas se giravam constantemente, escutando aos guardas, mas não<br />

vieram. Finalmente, Clay me fez me parar, roçando-se ao longo de meu flanco uma última vez,<br />

logo ficou em caminho em direção nordeste com um lento galope. Segui-o. Uma meia hora mais<br />

tarde, recolhi o aroma distante de um caminho. Momento para mudar.<br />

***<br />

Inclusive depois de que me tinha mudado, fiquei em meu esconderijo. Enquanto Clay<br />

passeava além da espessura, fiquei de coque ali, escutando ao rangido das folhas mortas sob seus<br />

pés e me perguntando que demônios estava fazendo. Durante nove dias, não soube se veria o<br />

Clay de novo. Por uma interminável noite, eu tinha pensado inclusive que ele poderia estar morto.<br />

No momento em que minha mudança terminou, eu deveria ter deslocado para ele. Em vez disso,<br />

ajoelhei-me perto da terra, meu coração fazendo um ruído surdo, não de antecipação, a não ser<br />

um pouco mais próximo ao temor. Não sabia como confrontar ao Clay. Era como se um<br />

forasteiro me esperasse e eu não estivesse segura de como reagir, não querendo nada mais que<br />

aninhar-me aqui até que ele partisse. Não era que eu quisesse que Clay partisse. Eu só... eu<br />

lamentava que Jeremy não estivesse ali. Não era horrível? Desejar um amortecedor que me<br />

protegesse de um reencontro com o homem que amava? Clay era a única pessoa com quem<br />

alguma vez me sentia completamente cômoda. E agora sentia como se enfrentasse a um<br />

forasteiro? Que tipo de merda era esta? Ainda quando me dava conta de minha loucura, não podia<br />

me obrigar a ir para ele. Tinha medo. Medo de ver que algo faltava em seus olhos, ver rastros do<br />

olhar que ele me tinha dirigido quando ele tinha pensado que eu era Paige.<br />

Clay deixou de andar — Elena? - disse brandamente.<br />

—Ummm, não tenho nenhuma roupa.<br />

De todas as coisas idiotas que eu poderia haver dito, esta era a que encabeçava a pronta.<br />

Esperei que Clay caísse rindo-se. Não o fez. Não fez nenhum som, só colocou a mão na espessura<br />

e sustentou sua mão. Fechei meus olhos, tomei, e lhe deixei me tirar.<br />

—Estranho momento para fazer brincadeiras, né? - respondi.<br />

Mas ele não sorria. Em vez disso ficou de pé ali, seus olhos procurando minha cara,<br />

duvidoso, quase incerto. Então me atirou contra ele. Meus joelhos cederam ao passo, e tropecei<br />

em seus braços, sepultando minha cara contra seu ombro, inalando seu aroma enquanto um som<br />

alarmante próximo a um estalo de soluços saía de meus lábios. Aspirei seu aroma, enchendo meu<br />

cérebro com ele, excluindo todo o resto. Meu corpo se estremeceu, logo começou a tremer. Clay<br />

me abraçou com força, uma mão entrelaçada em meu cabelo, a outra esfregando minhas costas.<br />

Quando deixei de tremer, dobrei meus joelhos, nos baixando a terra. Suas mãos se<br />

deslizaram detrás de minhas costas, amortecendo-a contra a terra fria. Toquei com meus lábios os<br />

seus, tentativamente, como se ainda existisse a possibilidade de que ele me afastaria, rechaçariame.<br />

Seus lábios se moveram contra meus, suaves, logo mais forte, aumentando a pressão e<br />

intensidade até que não pude respirar e não me importava. Guiei meus quadris para os seus e o<br />

atirei para mim.<br />

***<br />

212


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Logo, enquanto jazíamos sobre a terra úmida de rocio, pus atenção, procurando sons<br />

humanos e só ouvi o ligeiro batimento do coração do coração do Clay, que reduzia sua marcha<br />

com cada fôlego. Só seria minha sorte fazer que os guardas nos encontraram agora, estando no<br />

mato a vinte passos da liberdade, havendo posposto nosso escapamento para fazer o amor. Era a<br />

última tontice, imprudência, ou clara estupidez? Provavelmente uma combinação das três. Nunca<br />

deve dizer-se que Clay e eu alguma vez faríamos algo tão convencional como completar<br />

realmente uma fuga de perto da morte antes de nos agradar em uma ronda rápida de sexo de<br />

reencontro.<br />

—Deveríamos ir - disse.<br />

Clay riu entre dentes — Você acredita?<br />

—Provavelmente. A menos que trouxesse comida. Então talvez poderíamos fazer um<br />

piquenique antes de ir, olhando o sol elevar-se.<br />

—Lamento-o, querida. Nada de comida. Há uma cidade aproximadamente a dez<br />

quilômetros daqui. Tomaremos o café da manhã ali.<br />

—Não tem sentido apressar as coisas. Sexo. Uma comida relaxante. Infernos, talvez<br />

encontramos tempo para alguma visita turística antes de ir.<br />

Clay riu — Temo que a única vista local que veremos é o estacionamento do restaurante<br />

mais próximo. Eu estava um pouco apressado para escapar e não tomei uma mudança de roupa.<br />

Teremos que compartilhar o que tenho. É obvio, isso o fará mais fácil se decidimos nos deter para<br />

mais sexo depois do café da manhã.<br />

—Só me leve a casa - respondi.<br />

—Desejaria poder, querida.<br />

—Quis dizer, me leve em qualquer lugar que estejam Jeremy e outros.<br />

Ele assentiu com a cabeça e recuperou sua roupa de uma árvore próxima. Então me deu<br />

sua camisa, boxes, e meias três - quartos, ficando com seu jeans e sapatos. Uma vez que nos<br />

tivemos vestido –ou semivestido – me levou em braços ao carro. Não, não era um grande gesto<br />

romântico. A terra estava molhada e eu teria empapado minhas meias três-quartos se caminhava.<br />

Além disso meu joelho ainda palpitava quando punha qualquer peso sobre ele. Tão talvez sim era<br />

romântico depois de tudo. Romance prático. A classe de romance que nós melhor fazíamos.<br />

***<br />

Estávamos em Maine. Não na praia, a terra de férias de Maine, a não ser em meio de uma<br />

seção remota no norte. Antes que Clay tivesse deixado ao Jeremy para me buscar, outros tinham<br />

demarcado minha posição à parte superior Maine. Em ausência do Clay, Jeremy os tinha movido<br />

a todos a New Brunswick, julgando-o como a posição mais segura para nos buscar. Clay soube<br />

isto ao chamar o Jeremy de um telefone público ao bordo do caminho. Jeremy ainda tinha meu<br />

telefone celular e era capaz de lhe dar direções.<br />

No caminho a New Brunswick mantivemos nos caminhos vicinais enquanto podiam, mas<br />

nessa parte de Maine, os caminhos que não eram estrada eram frequentemente tão insignificantes<br />

que não podíamos encontrá-los no mapa. Logo demos volta em I-95. Quarenta minutos mais<br />

tarde chegamos ao passo fronteiriço Houlton-Woodstock. Como de costume, cruzar a fronteira ao<br />

Canadá era um trâmite. Baixar o vidro e responder algumas simples pergunta. Cidadania? Lugar<br />

do destino? Tempo de permanência? Trazem armas de fogo/licor/produtos frescos? Desfrute de<br />

sua permanência. Esperava fazê-lo.<br />

Jeremy tinha levado a outros a um motel a uns quilômetros da Estrada que cruzava o<br />

213


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Canadá, perto do Nackawic. Por que tinha escolhido Jeremy a parte oeste de New Brunswick para<br />

seu acampamento de apoio? Dois motivos. Primeiro, estava fora dos Estados Unidos. Tucker e<br />

seus guardas eram americanos e sabiam que todos nós, exceto eu, fomos americanos, então<br />

assumiriam que ficaríamos nos Estados, até se o Canadá estava a umas escassas horas. Segundo,<br />

o oeste de New Brunswick era principalmente francófono 22 . Isso podia parecer um obstáculo, e<br />

Jeremy esperava que o fosse, mas em realidade a barreira dos idiomas era facilmente cruzada na<br />

fronteira internacional. Jeremy e eu tanto falávamos francês como inglês, mas até se não o<br />

fizéssemos, a maior parte dos vizinhos seriam bilíngues. Era difícil viver no Canadá e não<br />

encontrar ao menos algum inglês, a nosso pesar o bilinguismo nacional era oficial. Se Tucker<br />

sequer chegasse a pensar em enviar um pelotão através da fronteira, ele o enviaria para as regiões<br />

de fala inglesa na parte leste de New Brunswick. Deste modo, embora estivéssemos a menos de<br />

duzentos quilômetros ao norte do complexo, estávamos tão seguros aqui como se tivéssemos<br />

percorrido toda a costa até a Florida.<br />

Com o passar da viagem, Clay e eu logo que falamos. Alguém mais me teria que crivar<br />

com perguntas sobre meus captores, o complexo, minha fuga. Eventualmente teria que responder<br />

estas perguntas, mas agora mesmo, não queria nada mais que dar-nos atrás em meu assento, olhar<br />

a paisagem passar, e esquecer o que tinha deixado atrás. Clay me deixou fazer isso.<br />

Chegamos ao motel às nove e trinta. Era velho, mas ordenado com um enorme pôster ao<br />

bordo do caminho que proclamava ―Bem vindos‖. Só meia dúzia de carros ocupava o<br />

estacionamento. Mais tarde, se encheria de pessoas veraneando que faziam a dificultosa viagem<br />

de Ontário e Quebec às Maritimes, mas no momento todos se foram, cedo e em busca do café da<br />

manhã.<br />

—Este é o lugar correto? - Perguntei. —Reconhece algum dos carros de aluguel?<br />

—Não, mas eles os tinham trocado por novos. Entretanto, reconheço ao tipo que está<br />

perto.<br />

Jeremy estava de pé diante de uma jaula de galos e faisões, nos dando as costas. Abri a<br />

porta e saltei antes que o carro deixasse de rodar.<br />

—Faminto? - Chamei enquanto trotava para o Jeremy. —Se vêem bastante gordos.<br />

Jeremy deu a volta, me dirigindo um sorriso, não surpreso como se eu tivesse estado todo<br />

o tempo detrás dele. Provavelmente nos visto havia conduzir e se ficou de pé aqui, olhando às<br />

aves. Em um tempo, não muito tempo atrás, eu teria tomado isto como um desprezo, horas<br />

perdidas angustiadas porque ele não tinha vindo a me saudar. Mas eu sabia que Jeremy não me<br />

tinha estado ignorando. Ele tinha estado esperando. Jeremy nunca iria correndo a me dar a bemvinda<br />

me abraçando com força e me dizendo que tinha sentido saudade. Alguns na manada o<br />

fariam, mas não era a forma de ser do Jeremy, nunca o seria. Logo quando lancei meus braços ao<br />

redor dele e beijei sua bochecha, ele me abraçou de volta e murmurou que se alegrava de me ver.<br />

Era suficiente.<br />

—Comeu? - perguntou. Outra vez, típico do Jeremy. Eu tinha passado nove dias encerrada<br />

em uma cela e sua primeira preocupação seria que eles não me tinham alimentado corretamente.<br />

—Tomamos café da manhã - disse Clay quando se aproximou. —Mas ela provavelmente<br />

ainda tem fome.<br />

—Faminta - respondi.<br />

—Há um restaurante um quilômetro mais abaixo - disse Jeremy. —Conseguiremos uma<br />

comida apropriada ali. Primeiro, entretanto, sugiro que ponha mais roupa. Ambos - Ele me<br />

22 Pessoa que fala francês ou aprecia o francês.<br />

214


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

conduziu para o motel. —Iremos a meu quarto. Minha equipe está ali. A julgar pela aparência<br />

desse joelho o necessitaremos.<br />

A porta de um quarto se abriu e Paige saiu, mas Jeremy seguiu me conduzindo para o<br />

extremo oposto do motel. Dirigi-lhe um sorriso rápido e um gesto antes que Jeremy me levasse a<br />

seu quarto.<br />

—Eles estão impacientes por ver-te, mas isso pode esperar - disse.<br />

—Preferentemente até que tome banho - respondi.<br />

—Primeiro, assistência médica. Logo uma ducha, alimento, e descanso. Não há nenhuma<br />

pressa para falar com ninguém.<br />

—Obrigada.<br />

—Seu joelho é o pior - disse Clay quando me sentei. —O ombro tem má cara, mas é uma<br />

rasgadura superficial. O dano do joelho vai mais profundo. Parcialmente curado e aberto outra<br />

vez. O braço e os cortes faciais são superficiais, mas têm que ser limpos. O mesmo com o corte<br />

em sua mão e o pó dos disparos em seu ombro e flanco. Há também algumas feridas de espetada<br />

curadas em seu estômago que deveria revisar.<br />

—Deveria? - disse Jeremy.<br />

—Sinto muito.<br />

Eu sabia que Clay pedia perdão nem tanto por dar ao Jeremy instruções médicas, mas sim<br />

pelos dias anteriores, por sair sozinho. Ninguém falou enquanto Jeremy examinava minhas<br />

feridas. Enquanto ele se inclinava para meu joelho, meu estômago grunhiu.<br />

Jeremy jogou uma olhada por sobre seu ombro ao Clay —O restaurante está no lado leste<br />

da estrada. Enfia ao sul ao redor da curva. Eles deveriam ter tortas.<br />

—Et o jambon, s'il vous plaît - disse.<br />

—Eles falam inglês - disse Jeremy, seus lábios curvando-se quando Clay vacilou na porta.<br />

Ele cautelosamente atirou meia dúzia de pedaços de ramos de minha rótula antes adicionar, —Ela<br />

disse que também quer presunto. Naturellement.<br />

—De acordo - disse Clay. E nos deixou.<br />

RECUPERAÇÃO<br />

Depois de examinar e limpar minhas inumeráveis feridas, Jeremy costurou de novo minha<br />

perna. Agora bem, a gente poderia perguntar-se como resultava ser que ele tivesse uma agulha<br />

cirúrgica e fio à mão, pois Jeremy com maior probabilidade faria uma viagem sem sua escova de<br />

dentes que sem sua equipe médica, e era muito consciencioso a respeito da higiene oral. Da<br />

215


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

experiência passada, Jeremy tinha aprendido a levar sua equipe médica mais ou menos cada vez<br />

que saía com o Clay ou comigo. Tínhamos o hábito de transformar inclusive os acontecimentos<br />

mais inofensivos em emergências médicas, como a vez que fomos à ópera e terminei com uma<br />

clavícula fraturada –por minha própria estupidez realmente, mas Clay tinha começado. Persuadi<br />

ao Jeremy para que renunciasse a enfaixar minhas feridas. Uma ducha quente era mais<br />

importante. Uma vez que houve teve terminado os pontos e me teve advertido contra ―as molhar<br />

muito‖, escapei-me ao banheiro. Esperei a que a temperatura de água estivesse pronta para<br />

escaldar antes de dar um passo dentro da ducha. Durante vários minutos fiquei imóvel, que a<br />

cascata de água quente caísse sobre mim, levando-se longe todos os resíduos da semana passada.<br />

Quando a porta da ducha se abriu, não me dava volta. Claro que tinha visto Psicose, mas nenhum<br />

intruso com uma faca poderia ter passado ao Jeremy, e eu sabia que não era Jeremy o que abria a<br />

porta –com uma faca –para interromper minha ducha. Fria pele se roçou contra minhas pernas<br />

nuas. Quando a porta de ducha se deslizou fechando-se, os dedos fizeram cócegas por meu<br />

quadril. Fechei meus olhos e me apoiei atrás contra Clay, sentindo seu corpo acomodar-se aos<br />

contornos de minhas costas. Senti-o estirar-se para frente, estendendo a mão para o xampu.<br />

Enquanto inclinava minha cara para a água, suas mãos foram a meu cabelo, seus dedos<br />

desenredando-o, o penetrante aroma do sabão perfumando o vapor. Joguei minha cabeça atrás em<br />

suas mãos, quase ronronando de alegria.<br />

Quando terminou com meu cabelo, afastou-se por um momento, logo voltou. Suas mãos<br />

saponáceas acariciaram meus braços, logo se deslizaram para baixo pelo exterior de minhas<br />

pernas, realizando círculos ali antes de mover-se gradualmente para o interior de minhas coxas.<br />

Separei minhas pernas e Clay riu entre dentes, o som reverberando contra minhas costas. Ele<br />

dirigiu as gemas de seus dedos em lentos ziguezagues de acima a abaixo pelo interior de minhas<br />

coxas, brincando, logo os escorregou dentro de mim. Gemi e me arqueei contra ele. Sua mão livre<br />

estava ao redor de minha cintura, me atirando mais perto, sua ereção empurrando contra minhas<br />

costas. Pus-me na ponta dos pés e me movi, tratando de dirigi-lo dentro de mim. Ele me girou<br />

para confrontá-lo e me levantou para ele. Joguei minha cabeça atrás, para a água, atraindo ao<br />

Clay enquanto beijava. A água se esfriou até gerar gotinhas frias que golpeavam minha cara.<br />

Elevando minha mão, enredei meus dedos nos cachos empapados do Clay, sentindo os riachos de<br />

água fazer cócegas ao longo das partes interiores de meus pulsos. Ele fez um ruído profundo em<br />

sua garganta, meio gemido, meio grunhido, e empurrou para mim, quase nos derrubando na tina.<br />

Então se estremeceu e se afastou.<br />

—Por favor, não me diga que o tem feito - respondi, ainda pendurando enfraquecida em<br />

seus braços<br />

Clay riu — Faria isso? Estou bem, mas seu café da manhã se esfria.<br />

—Confia em mim, não me preocupa.<br />

Estendi a mão para aproximá-lo de mim, mas ele se afastou, obteve um melhor apertão em<br />

minha cintura, abriu a porta da ducha, e me levou em braços. Uma vez no dormitório, deixou-me<br />

sobre a cama e esteve dentro de mim antes que o colchão deixasse de saltar.<br />

—Melhor? - perguntou.<br />

—Ummm, muito.<br />

Fechei meus olhos e me arqueei para ele. Quando me movi, o aroma de café da manhã na<br />

mesinha de noite se elevou pelo ar para nós. Vacilei uma fração de segundo. Meu estômago<br />

grunhiu.<br />

—Eclipsado pelo presunto e as tortas - disse Clay. —Outra vez.<br />

—Posso esperar.<br />

216


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Clay empurrou dentro mim com grunhido fingido — É muito amável, querida.<br />

Movi meus quadris contra os seus. Meu estômago fez um som afogado e vaiou. Clay se<br />

moveu e afastou. Estendi a mão para trazê-lo de volta, mas ele não se devolveu, mas sim estendeu<br />

a mão para algo por cima de minha cabeça. Quando fechei meus olhos outra vez, o óleo gotejou<br />

por minha bochecha, e uma fatia de presunto pressionava meus lábios. Abri minha boca e me<br />

traguei isso com poucas dentadas, logo suspirei, e levantei meus quadris para encontrar ao Clay.<br />

—Mmmm.<br />

—É por mim ou pelo presunto? - sussurrou contra meu cabelo.<br />

Antes que pudesse aplacar seu ego, ele empurrou outra fatia do presunto em minha boca,<br />

logo dobrou sua cabeça para lamber o óleo que gotejava, sua língua fazendo círculos ao longo de<br />

minha bochecha. Movemo-nos juntos durante uns minutos e esqueci o alimento. Honestamente.<br />

Logo Clay estendeu a mão de novo, esta vez voltando com uma torta. Afundei meus dentes até a<br />

metade e empurrei o resto para sua boca. Ele riu e tomou um mordisco. Quando terminei, levantei<br />

minha cabeça e lambi os miolos de seus lábios. Ele tomou outra torta e o pendurou em cima de<br />

mim. Sacudi minha cabeça para arrebatá-la. Meus dentes se afundaram em algo que ele não tinha<br />

estado oferecendo.<br />

—Yow! - disse, sacudindo seu dedo ferido.<br />

—Não jogue com o alimento então - resmunguei através de um bocado de torta.<br />

Clay grunhiu e baixou seu rosto ao flanco de meu pescoço, mordiscando um ponto<br />

sensível. Grunhi e tratei de me mover longe, mas ele me sujeitou e empurrou dentro de mim.<br />

Estremeci-me e ofeguei. Então realmente esqueci o alimento.<br />

***<br />

Vinte minutos mais tarde, estava enroscada ao lado do Clay, um braço sobre suas costas<br />

fazendo desenhos no suor entre suas omoplatas enquanto ele mordiscava o oco entre meu pescoço<br />

e ombro. Bocejei, estirei minhas pernas, logo as pus ao redor dele.<br />

—Sono? - perguntou.<br />

—Mais tarde.<br />

—Conversa?<br />

—Não ainda - Sepultei minha cara em seu peito, inalei, e suspirei. —Cheira tão bem.<br />

Ele riu entre dentes — Como presunto?<br />

—Não, como você. Senti falta de você.<br />

Sua respiração ficou apanhada. Uma mão foi a meu cabelo, acariciando-o atrás de meu<br />

ouvido. Eu geralmente não falava assim. Se eu dizia que o sentia falta dele, geralmente era uma<br />

frase chave. Se eu dizia que o amava, quase sempre era enquanto fazíamos o amor, quando eu<br />

não podia ser responsável por nada do que dizia. Por quê? Porque tinha medo, medo de que<br />

admitindo o que ele significava para mim, eu lhe desse o poder de me fazer dano ainda de pior<br />

maneira do que o tinha feito me mordendo. O qual era estúpido, é obvio. Clay sabia exatamente<br />

quanto o amava. A única pessoa a que enganava era para mim mesma.<br />

—Estava assustada - respondi. Outra coisa que lamentava admitir, mas enquanto estava<br />

com o cilindro...<br />

—Eu também - disse ele, beijando a parte superior de minha cabeça. —Quando<br />

compreendi que te tinha ido…<br />

Alguém bateu na porta. Clay xingou em voz baixa.<br />

—Parte - murmurou, muito baixo para que o convidado ouvisse.<br />

217


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Poderia ser Jeremy - disse.<br />

—Jeremy não nos incomodaria. Não agora.<br />

—Elena? Sou eu - chamou Paige.<br />

Clay se levantou sobre seus antebraços - Parte !<br />

—Só quero ver como está Elena..<br />

—Não!<br />

O suspiro do Paige revoou através da porta — Deixa de gritar, Clayton. Não vou acossá-la.<br />

Sei que ela passou por muito. Só queria…<br />

—Verá-a quando todos outros o façam. Até então, espera.<br />

—Talvez eu deveria falar com ela - sussurrei.<br />

—Se abrir essa porta, ela não partirá até que tenha tirado cada ápice de informação de ti.<br />

—Ouvi isso, Clayton - disse Paige.<br />

Ele grunhiu para a porta e resmungou em voz baixa. Algo me disse que Clay e Paige não<br />

se fizeram amigos em minha ausência. Imaginem-se isso.<br />

—Ummm, Paige? - Chamei. —Estou bastante cansada, mas se me dá um minuto para me<br />

vestir…<br />

—Ela não partirá - disse Clay. —Necessita tempo para te relaxar. Não tem que responder<br />

perguntas para um rebanho de estranhos.<br />

—Não sou uma estranha - disse Paige. —Poderia ser um pouco menos grosseiro, Clayton?<br />

Clay tinha razão. Se eu deixava entrar no Paige, ela quereria saber tudo. Eu não estava<br />

pronta para isso. Tampouco queria jazer aqui enquanto Clay e Paige discutiam através de uma<br />

porta fechada.<br />

Saí lentamente da cama e lancei ao Clay seu jeans. Quando ele abriu sua boca para<br />

protestar, elevei um dedo para a janela, logo o levantei meus lábios. Ele assentiu com a cabeça.<br />

Enquanto colocava a camiseta do Clay e boxers, ele abriu a janela e desenganchou a cortina.<br />

Logo, enquanto Paige pacientemente esperava a que lhe abríssemos a porta, escapamo-nos para o<br />

bosque circundante.<br />

***<br />

—Provavelmente isso não foi muito amável - respondi enquanto entrávamos nos bosques.<br />

Clay soprou —Não me apanhará perdendo o sono por isso.<br />

—Sei que Paige pode ser difícil, mas…<br />

—Ela é uma dor no traseiro, querida. E isso sendo generoso. A menina logo que saiu da<br />

escola e acredita que é uma líder, tratando de que as coisas se façam a sua maneira em tudo,<br />

discutindo, questionando ao Jeremy. Até que te conheceu em Pittsburgh, ela nunca tinha estado<br />

perto do verdadeiro perigo e de repente é uma perita - sacudiu sua mão. —Não comece.<br />

—Parece que já o fiz.<br />

—Nah, isso não é nada, querida. Dêem-me umas horas e te direi o que realmente penso do<br />

Paige Winterbourne. Ninguém se dirige ao Jeremy dessa maneira, sobretudo não uma menina<br />

com tamanho superdimensionado de sua própria importância. Se fizessem as coisas a meu modo,<br />

Paige teria sido enviada ao corno a semana passada. Mas conhece o Jeremy. Ele não manda longe<br />

toda sua merda, mas tampouco a deixará fazer o que quiser - Ele avançou através de um enredo<br />

de ramos de árvore. —Para onde vamos?<br />

—E uma corrida? Nem se quisesse Paige incomodaria a um lobo.<br />

—Não conte com isso.<br />

218


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

***<br />

Depois de nossa corrida, fizemos o amor. Outra vez. Depois nos atiramos no mato,<br />

absorvendo último o sol o verão perfurando o teto de árvores acima.<br />

—Cheira isso? - perguntou Clay.<br />

—Hmmm?<br />

—Cheiro comida.<br />

—Morta ou viva?<br />

Clay riu —Morta, querida. Morta e cozinhada.<br />

Ele se levantou, olhou ao redor, logo me fez gestos para que esperasse e desapareceu nos<br />

bosques. Meio minuto mais tarde voltou com uma cesta de piquenique. Bem, uma caixa de cartão<br />

realmente, mas os aromas que saíam dela definitivamente eram de piquenique. Pondo-o sobre o<br />

mato, desempacotou queijo, pão, fruta, um prato coberto de frango, uma garrafa de vinho, e<br />

ordenou os instrumentos de comida de plástico e papel.<br />

—Fadas de piquenique? - Perguntei, logo apanhei uma lufada que respondeu minha<br />

pergunta. —Jeremy - Agarrei uma coxa de frango e tirei um pedaço. —Estão me acostumando<br />

mal.<br />

—Merece-o.<br />

Sorri abertamente — O faço, verdade?<br />

Despachamos a comida e o vinho em menos de dez minutos. Então me reclinei sobre o<br />

mato e suspirei, contente e saciada pela primeira vez em quase duas semanas. Fechei meus olhos<br />

e o primeiro puxão sedutor de sono me percorreu. Sono. Sono ininterrupto. O final perfeito para<br />

um dia perfeito. Rodei contra Clay, sorrindo dormi, e deixando que as ondas de sonso me<br />

apanhassem. De pronto me esclareci.<br />

—Não podemos dormir aqui fora - disse. —Não é seguro.<br />

Os lábios do Clay roçaram minha fronte — Me manterei acordado, querida.<br />

Quando abri minha boca para discutir, a voz do Jeremy veio da distância — Ambos podem<br />

dormir. Estou aqui.<br />

Vacilei, mas Clay me empurrou para baixo, entrelaçando suas pernas ao redor de mim e<br />

amortecendo minha cabeça com seu braço. Abriguei-me em seu calor e dormi.<br />

***<br />

Era já tarde quando Jeremy nos deu uma cotovelada despertando. Clay grunhiu entre<br />

roncos mas não se moveu. Bocejei, rodei, e segui rodando até que fiquei sobre meu outro flanco,<br />

com o qual me voltei a dormir. Jeremy nos sacudiu mais forte.<br />

—Sim, sei que ainda está cansado - disse quando Clay se queixou de maneira ininteligível.<br />

—Mas Elena tem que falar com outros hoje. Não posso adiá-lo até manhã.<br />

Clay resmungou em voz baixa.<br />

—Sim, sei que poderia - disse Jeremy. —Mas seria grosseiro. Eles estiveram esperando<br />

todo o dia.<br />

—Precisamos… - comecei.<br />

—Trouxe roupa.<br />

—Tenho que escovar…<br />

—Há um pente e enxágue bocal com a roupa. Não, não voltarão para seu quarto ou<br />

219


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

suspeito que não os verei até amanhã. Vemo-nos em quinze minutos. Está-los-ei esperando.<br />

***<br />

A reunião se faria no quarto do Adam e Kenneth. Quando cruzamos o estacionamento, vi<br />

Paige passear pela calçada que se derrubava. Seus braços estavam cruzados, provavelmente<br />

contra o fresco ar noturno, mas parecia como se sustentara em uma represa de perguntas que tinha<br />

estado esperando meio-dia para lançar contra mim. Justo o que necessitava - Não, não era justo. É<br />

óbvio, Paige estava ansiosa de me falar. Eu tinha estado no campo inimigo. Eu tinha visto contra<br />

o que lutávamos. Era compreensível que ela ardesse com perguntas sobre o complexo, meus<br />

captores, os outros detentos – Oh, Deus. Ruth. Paige não sabia da Ruth. A semana passada tinha<br />

sido tal confusão que tinha esquecido completamente que Paige se pôs em contato comigo antes<br />

que Ruth morresse. Pelo último que ela tinha ouvido, sua tia estava viva. Maldição! Como podia<br />

ter sido tão insensível? Paige tinha estado esperando notícias de sua tia. Ela o tinha atrasado<br />

enquanto Jeremy tratava minhas feridas, considerando mim tempo para tomar banho, logo devia<br />

perguntar sobre a Ruth. E o que tinha feito eu? Eu tinha escapado pela janela do dormitório.<br />

—Tenho que falar com Paige - disse.<br />

—Permanece à vista - gritou Clay enquanto trotava para ela.<br />

Quando me aproximei, Paige se girou e assentiu com a cabeça, reconhecendo minha<br />

presença, mas não dizendo nada. Sua cara era inexpressiva, qualquer moléstia escondida sob um<br />

manto de boas maneiras.<br />

—Como se sente? - perguntou. —Jeremy diz que suas feridas não são muito graves.<br />

—Sobre o de antes - disse. —Eu -eu não pensava- foi um inferno de um dia - Sacudi<br />

minha cabeça. —O lamento, é uma desculpa piolhenta. Você queria saber sobre sua tia. Nunca<br />

pensei… eu deveria haver…<br />

—Ela se foi, verdade?<br />

—Sinto-o tanto. Passou depois de que perdemos o contato, e esqueci que não sabia.<br />

Os olhos de Paige se afastaram de meus, dando-se a volta para olhar fixamente o<br />

estacionamento. Lutei por algo que dizer, mas antes que pudesse pensar em algo, ela falou, seu<br />

olhar ainda se fixava em algum ponto remoto.<br />

—Eu sabia - disse ela, sua voz tão distante como seu olhar fixo. —Senti que se foi, embora<br />

tinha esperado me equivocar - fez uma pausa, tragou, logo sacudiu sua cabeça bruscamente e se<br />

voltou para mim. —Como passou?<br />

Vacilei. Agora não era o momento para a verdade. Não antes que tivesse falado com o<br />

primeiro Jeremy.<br />

—Um ataque cardíaco - disse.<br />

Paige franziu o cenho — Mas seu coração...<br />

—Bem-vinda de volta! - gritou Adam desde mais à frente do estacionamento.<br />

Dava-me a volta para vê-lo correr para mim, sorrindo abertamente.<br />

—Vê-te bem - disse Adam. —Bem, exceto esses cortes. Recuperaremo-los para isto.<br />

Como estão seus braços? As queimaduras, quero dizer. Nunca tive oportunidade para explicá-lo.<br />

Foi sem querer, o qual suponho que imagina, já que Clay não me matou por isso. De todos os<br />

modos, sinto muito. Realmente o sinto.<br />

—Para ser sincera, tinha-me esquecido disso.<br />

—Bom. Então esquece que o mencionei - deu a volta quando Clay nos alcançou. —Como<br />

é que não me levou? Poderia ter ajudado com o resgate.<br />

220


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Não houve nenhum resgate - disse Clay, colocando seu braço ao redor de minha cintura.<br />

—Enquanto tratava de encontrar um caminho para dentro, Elena escapou. Tudo o que fiz foi<br />

proporcionar um carro para escapar.<br />

—Vê-o? - disse Cassandra quando se uniu a nós — disse que Elena era uma moça criativa.<br />

Paige pôs seus olhos em branco para ouvir o uso de ―moça‖, mas Cassandra a ignorou.<br />

—Felicitações, Elena - disse ela, pondo uma mão fria sobre meu braço. —Me alegro de<br />

ver- te e com tão bom aspecto.<br />

Ela soava como se o queria dizer de verdade. Detive-me. Por que não o quereria dizer?<br />

Porque eu tinha sonhado que ela tinha aconselhado a outros me abandonar e tivesse feito um jogo<br />

para conseguir ao Clay? Um sonho, recordei-me. Uma manifestação de minhas próprias<br />

inseguranças. O sorriso que de bem-vinda da Cassandra era bastante genuína. Se o braço do Clay<br />

pareceu apertar-se ao redor de mim, pois provavelmente era uma coincidência. Ou minha<br />

imaginação.<br />

—Deveríamos começar esta reunião - disse Paige. —O faremos curto. Estou segura de que<br />

está esgotada, Elena. Não lhe incomodaremos com detalhes esta noite. Prometo-o.<br />

LEALDADES<br />

Na reunião, Jeremy resumiu o que minha fuga adicionava a nosso conhecimento.<br />

Combinando minha informação com a do Clay, tínhamos um quadro bastante bom da geografia i<br />

entre as partes interna e externa do complexo. Possivelmente o mais importante, era que sabíamos<br />

onde encontrar a nossos inimigos. Dado o tamanho e complexidade do funcionamento, era<br />

improvável que eles movessem logo o acampamento. Por isso, raciocinou Jeremy, poderíamos<br />

tomar um tempo para planejar uma estratégia de infiltração, acabar com a ameaça de maneira<br />

permanente, e liberar a Ruth e a outros.<br />

Quando Jeremy disse isto, compreendi que todos assumiam que Ruth ainda estava viva.<br />

Por que não o fariam? Eu não havia dito outra coisa.<br />

—Ruth –uh– ela não o fará - respondi.<br />

221


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—O que? - O olhar do Adam se moveu para o Paige. —Quer dizer que ela...<br />

—Ela se foi - disse Paige, sua voz baixa, oca e débil.<br />

—Merda - Adam caminhou para Paige e pôs seu braço ao redor de seus ombros, logo me<br />

olhou. —O que aconteceu?<br />

Agora estava apanhada. Mentiria diante de todo o grupo, ainda sabendo que eles logo<br />

conheceriam a verdade logo depois de que lhe tivesse explicado tudo ao Jeremy? Ou seria<br />

honrada e deixaria a Paige perguntando-se por que lhe tinha mentido só minutos antes? Como me<br />

tinha metido nesta confusão? Bem melhor deixar limpo o assunto antes de me afundar ainda mais<br />

profundo.<br />

—É –uh– complicado - comecei.<br />

—Eles a assassinaram, ou não? - disse Paige. —Sei que o sequestro deve ter sido<br />

estressante, mas ela estava em perfeito estado de saúde.<br />

Em outras palavras, Paige não tinha comprado minha história do ataque ao coração. Eu lhe<br />

agradeci mentalmente que me desse uma maneira elegante de escape e não me haver chamado<br />

mentirosa.<br />

—Realmente, não - disse. —Eles não a mataram. Não as pessoas que nos sequestraram.<br />

Foi um dos outros cativos. Mas não foi sua culpa.<br />

Paige franziu o sobrecenho. —Um acidente?<br />

—Umm, algo assim, mas não exatamente - inalei. —Ruth não te disse tudo quando te<br />

contatou. Havia outra bruxa ali. Uma moça jovem.<br />

Eu contei a história inteira: o treinamento da Savannah, os eventos inexplicados no<br />

complexo, os ataques aos guardas, a morte da Ruth, e a criminal mutilação que Savannah causou<br />

durante nosso intento de escapamento.<br />

—Assim está dizendo que essa garota é demoníaca - disse Adam.<br />

—Não. Não o é - disse. —Ela só faz…<br />

—coisas más - terminou Cassandra. —O sinto, Elena, mas isso me parece como<br />

demoníaco. Se for intencional ou quase não é o ponto. Temos que considerar a sabedoria de<br />

liberar uma menina com essa capacidade de destruição. Por isso ouvi, duvido realmente que<br />

qualquer de nós seja capaz de controlá-la. Sobre tudo o Coven.<br />

Cassandra lançou um olhar a Paige. As bochechas da moça arderam, e abriu sua boca<br />

como se fora a defender-se, logo a fechou.<br />

—É um fato, então - disse Cassandra. —Nós não podemos nos preocupar com a moça...<br />

—Savannah não fez essas coisas - disse Paige tranquilamente.<br />

Cassandra suspirou — Entendo por que você gostaria de pensar isso, Paige. Ninguém quer<br />

acreditar que uma menina seja capaz do mal, muito menos condená-la a morte, mas o fato<br />

permanece…<br />

—Ela não o fez - disse Paige, mais forte agora. —Uma bruxa não pode fazer coisas assim.<br />

Simplesmente não podemos. Um feitiço para mover um objeto inanimado? Sim. Mas mover o<br />

objeto com força suficiente para lhe esmagar o crânio a alguém? Absolutamente não. O melhor<br />

que uma bruxa poderia fazer seria tirar um prato da mesa, não atirá-lo através do quarto.<br />

—Mas Eve também era meio-demônio - disse Adam. —Nós fomos só meninos quando ela<br />

se foi, mas isso lembro-me.<br />

—Seu pai era um Aspicio - disse Paige —Isso significa que o poder do Eve se limitava à<br />

visão. Ela tinha reforçado a vista e podia causar cegueira temporária. Isso. Além disso, não se<br />

transmitem poderes de um meio-demônio a sua descendência. Sabe isso.<br />

Um comprido minuto de silêncio passou.<br />

222


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Olhe - disse Paige. —Cassandra tem razão. Eu não quero acreditar que haja algo mau<br />

com esta moça. Mas mentiria para salvá-la se isso significasse pôr em perigo aos outros? Claro<br />

que não. Me dêem crédito por um pouco de sentido comum. Se Savannah pôde matar a Ruth, ela<br />

pode me matar a mim também.<br />

—Há outra teoria - disse. —Algumas pessoas pensaram que era um –uh – poltergeist.<br />

—Um quê? - disse Clay.<br />

Eu franzi o cenho para ele — Simplesmente repito o que ouvi, de acordo?<br />

—Não foi um poltergeist - disse Paige. —E sim, Clayton, tais coisas existem, mas não é<br />

assim como se manifestam. Alguém dentro desse complexo foi o responsável. O que outros<br />

sobrenaturais havia ali?<br />

—No lado contrário? - respondi. —O meio-demÔnio que se teletransportava, que nos<br />

encontramos em Pittsburgh, mas ele se foi faz alguns dias. Além disso, supostamente tinham um<br />

feiticeiro chamado Isaac Katzen em seu pessoal, embora eu nunca conheci tipo.<br />

—Um feiticeiro poderia fazê-lo - disse Adam.<br />

—Alguns deles - disse Paige. —Abrir as portas das celas, jogar com o sistema de<br />

intercomunicação, bloquear as saídas. Todo isso são feitiços possíveis de fazer para um feiticeiro.<br />

Mas lançar objetos e desparafusar ampulhetas? De maneira nenhuma. Isso requer um talento<br />

muito específico.<br />

—Telecinese - murmurei.<br />

—Exatamente - disse Paige. —Várias raças têm graus variantes de poder telecinético,<br />

como...<br />

—Como um meio-demônio telecinético - disse. Uma parte de gelo se estabeleceu em meu<br />

estômago. —Mas ela disse – maldita seja! - inalei com força. —Havia um no complexo. Uma<br />

cativa. Ela me disse que não era capaz de fazer algo assim. E eu lhe acreditei. Sei que parece<br />

incrivelmente tolo, mas todos o cremos. Além disso, ela nem sequer estava perto quando a<br />

maioria das coisas passavam.<br />

—Isso não importa - disse Paige. —Um vôo, o nível mais alto de meio-demônio<br />

telecinético, não precisaria estar presente para exercer seus poderes. Eu recordo ter ouvido um<br />

caso onde um vôo pôde encontrar uma flecha em um quarto imediato e dispará-la em um olho de<br />

boi com força suficiente para fazê-lo estalar nos fósforos.<br />

Fechei meus olhos — Como pude ser tão tola?<br />

—Não é sua culpa - disse Paige. —Como disse, todos o cremos. Quando as pessoas<br />

pensam em telecinese, imaginam a uma pessoa que dobra colheres, mas em realidade os Vejo-os<br />

poderiam ser o tipo mais perigoso de meio-demônio. Podem lançar a uma pessoa por uma janela<br />

desde o décimo piso sem elevar um dedo.<br />

Eu me amaldiçoei por ter cansado na rotina da moça-da-porta-ao-lado de Leah, os<br />

desdobramentos de preocupação, as ofertas de ajuda, as declarações de amizade. Eu tinha<br />

acreditado em Leah. Tinha escutado enquanto ela tecia um molho de mentiras e enganos ao redor<br />

de uma menina inocente, estendendo os indícios de dúvida até que a própria Savannah acreditou<br />

que era culpada. Leah tinha sabido que Ruth a estava treinando? Tinha-a matado para detê-la?<br />

Qualquer que fosse o plano de Leah, envolvia a Savannah. E eu as tinha deixado juntas.<br />

De repente, não podia respirar. Cambaleei-me sobre meus pés e saí do quarto.<br />

* * *<br />

Ouvi o Clay atrás de mim. Sem me retardar, caminhei com passo comprido ao redor do<br />

223


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

motel e me dirigi para o bosque. Ele não me chamou para que me detivesse ou esperasse, só<br />

trotou a meu lado quando caminhei para o bosque.<br />

—Paige tem razão - disse depois de uns minutos. —Não foi sua culpa.<br />

—Sim, foi. Quis tirar Savannah. Mas não o fiz. O momento veio e eu a deixei. Disse-me<br />

que estava fazendo a melhor coisa, deixando-a ali, mas profundamente dentro de mim sabia bem.<br />

Vi minha oportunidade para escapar e tomei. Ao inferno com todos outros.<br />

—Eu não acredito isso. Se a deixou atrás, foi porque tinha que fazê-lo. Tiraremo-la quando<br />

nós retornemos.<br />

—Mas não soa como se estivéssemos retornando logo.<br />

Jeremy caminhou detrás de nós — Voltaremos assim que estejamos preparados, Elena.<br />

Está segura, por que não me apressarei.<br />

—Mas Savannah…<br />

—Nosso objetivo principal é deter estas pessoas, não resgatar a ninguém.<br />

—Mas estava planejando ir por mim.<br />

—Isso é diferente. Clay e eu estávamos desejosos de tomar o risco. Todos outros eram<br />

livres de tomar sua própria decisão. Eu não arriscarei sua vida ou a do Clayton nos apressando<br />

para resgatar a um estranho. Nem sequer um menino.<br />

—E o que se eu dito tomar esse risco?<br />

—Não é livre de tomar essa decisão, Elena. Assim como é parte da Manada, posso tomá-la<br />

por ti, e estou te proibindo que volte.<br />

—Isso não é…<br />

—Não é justo - terminou Jeremy. —Sim, discutimos isto antes. Mas é a lei da Manada. E<br />

não ameace deixando a Manada porque farei cumprir que não retorne a esse complexo sozinha,<br />

não importando que direitos à auto-determinação demande. Eu tomo a responsabilidade por esta<br />

decisão. Faremos todos os esforços para salvar a esta menina quando voltarmos. Se algo lhe<br />

passar antes que nós cheguemos ali, culpe a mim, não a ti.<br />

Comecei a discutir, mas Jeremy já estava longe.<br />

* * *<br />

Eu não segui ao Jeremy para continuar com o assunto. Depois de dez anos de viver sob seu<br />

teto e suas regras, eu sabia o que funcionava e o que não. Persegui-lo não servia. Uma vez Jeremy<br />

tomava uma determinação, a única maneira de trocá-la era superar os obstáculos com lógica e<br />

persuasão. Saca os arietes e ele simplesmente duplicava suas fortificações. Admiti-lo-ei, a<br />

paciência não é nenhuma de minhas virtudes, mas resolvi algum tempo ao assunto. Umas horas<br />

pelo menos. Possivelmente toda a noite.<br />

* * *<br />

—Assim que o sistema de segurança requer uma revisão de impressão digital e um exame<br />

retinal? - perguntou Jeremy.<br />

Ele se sentou frente à diminuta mesa em nosso quarto. Clay e eu estávamos atirados na<br />

cama, Clay dormitando, eu tentando não me unir a ele.<br />

—Uh, se - respondi.<br />

Ele apontou algo em seus papéis. —O dedo indicador?<br />

—Huh? Oh, não. Sinto muito. É um rastro da mão, não uma impressão digital. Agarra o<br />

224


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

cabo e examina o rastro de sua mão.<br />

—Não precisamos fazer isto esta noite. Teremos tempo suficiente depois.<br />

Não se eu tinha algo que dizer a respeito. —Quero fazê-lo agora, enquanto está fresco em<br />

minha mente.<br />

—Comemos? - A voz surda do Clay flutuou dos travesseiros.<br />

—O que?<br />

Ele rodou sobre suas costas — Estou contando as comidas. Tomávamos o café da manhã<br />

em Maine, logo outro café da manhã aqui. Ou esse foi tomo o café da manhã-almoço? Nesse<br />

caso, o piquenique foi almoço ou jantar?<br />

—Eu o conto como o almoço - disse.<br />

—Bem. Então vamos procurar o jantar.<br />

* * *<br />

Jeremy insistiu em ser cortês e convidar a outros a unir-se nos enquanto Clay golpeava no<br />

quarto do Kenneth e Adam, a porta vizinha se abriu e Adam saiu, girando-se para dizer umas<br />

palavras a alguém dentro. Quando Kenneth abriu sua porta, Clay entrou. Eu esperei fora ao<br />

Adam.<br />

—Vamos jantar - respondi. —Já comeu?<br />

—Nop. Eu ia perguntar lhes a mesma coisa. Deixe ir pelas chaves do automóvel.<br />

—Essa é Paige? - respondi, enquanto assinalava ao quarto contiguo.<br />

—Sim. Ela está bastante desgostada.<br />

—Deveria lhe perguntar se quer unir-se a nós?<br />

Ele se encolheu de ombros — Pode perguntar, mas não acredito que ela esteja de humor<br />

para isso. Se não querer, lhe diga que lhe trarei algo.<br />

Eu preferia que Adam perguntasse ele mesmo ao Paige, mas desapareceu em seu quarto,<br />

me deixando a mim para que lhe perguntasse. Eu era provavelmente a última pessoa que Paige<br />

queria ver. Sua tia estava morta e eu não tinha tido nem sequer a decência de dizer-lhe<br />

diretamente. Tomei ar, caminhei a sua porta, e golpeei ligeiramente, meio esperando que ela não<br />

pudesse me ouvir. Depois de uma pausa de um segundo, dava-me volta para ir. Então ouvi o som<br />

metálico da fechadura de cadeia e a porta se abriu.<br />

—Né, ali - disse Paige, enquanto as arrumava para compor um meio-sorriso lívido. —Já<br />

está de pé? Como se sente? Eu tenho um pouco de chá tranquilizador se está tendo problemas.<br />

Como me estava sentindo? Oh, como de cinco centímetros de altura. Os olhos e nariz do<br />

Paige estavam salpicados de vermelho, como se tivesse passado o último par de horas chorando, e<br />

agora se preocupava de que eu não pudesse dormir?<br />

—Realmente o sinto muito – respondi — O de sua tia. Não quero ser intrusa, mas vamos<br />

comer fora e eu estava me perguntando se queria te unir a nós.<br />

—Não - disse. —Obrigada, mas não.<br />

—Adam disse que traria algo para ti.<br />

Fez uma inclinação distraída, logo uma pausa, e disse rapidamente. —Poderia...? Eu não<br />

quero ser uma moléstia. Realmente. Sei que está cansada e causar pena, e odeio te importunar,<br />

mas poderia vir quando retorne? Eu tenho…<br />

Ela se deteve e olhou por cima de meu ombro. Ouvi os passos do Clay atrás de mim. Paige<br />

fez uma pausa, logo se endireitou, como dando-se confiança, e continuou —Clayton,<br />

simplesmente estava lhe perguntando a Elena se podia passar comigo um momento esta noite.<br />

225


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Trinta minutos. Prometo-o.<br />

—Não jantará? - perguntou.<br />

—Prefiro não ir.<br />

—Ninguém fica sozinho - disse. —Essa é a regra do Jeremy - Eu lhe lancei um olhar<br />

intenso, lhe advertindo que fora mais sensível, mas ele não o agarrou e continuou. —Cassandra<br />

ficará contigo.<br />

—Oh, ela amará ficar - Paige disse.<br />

—Se não gostar das regras, pode ir-se.<br />

—Seríamos muito afortunados - murmurou Paige. —A sério, entretanto. Não precisa<br />

deixar a ninguém comigo. Tenho feitiços de amparo suficientes.<br />

—Essas são as regras - disse Clay. —Ninguém fica sozinho. Não é como se Cassandra<br />

comesse depois de todo - Ele começou a sair, logo adicionou, — se Elena se sentir bem, pode<br />

deter-se para trazer seu jantar. Vinte minutos. Logo ela precisa descansar.<br />

—Gee, isso significa que tenho sua permissão? - gritei atrás dele.<br />

—Não responderei isso - disse sem voltar-se.<br />

—Homem inteligente - Olhei ao Paige. —Passarei depois.<br />

—Obrigada. Aprecio-o.<br />

COROAÇÃO<br />

Às dez voltei para quarto de Paige, sua comida ainda quente em minha mão. Encontrei-a<br />

sozinha.<br />

—Onde está Cassandra? - perguntei.<br />

—Fora. Procurando comida ou companhia. Reúso ser o primeiro e estou qualificada para<br />

ser o último. Gênero incorreto.<br />

—Supõe-se que ninguém deve estar sozinho. Sabe Jeremy que ela se afastou de ti?<br />

—Não, e não mexericarei, isto ficará entre nós. Pessoalmente, sinto-me segura quando ela<br />

não está. Um vampiro não é exatamente minha opção ideal para um companheiro de habitação.<br />

Um ataque de fome a meia-noite e sou um caso perdido. Eu estava ficando com o Adam, mas<br />

compartilhar um quarto com Cassandra punha em tensão os nervos do Kenneth, por isso<br />

trocamos.<br />

—De modo que você e Adam estão... juntos?<br />

Ela franziu o cenho, logo apanhou o sentido e riu — Oh, Deus, não. Fomos amigos desde<br />

que fomos meninos. Confia em mim, sabemos muito um do outro para algo mais - caminhou para<br />

a mini geladeira. —Posso te oferecer algo para beber? Tenho água engarrafada, soda diet. Nada<br />

226


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

mais forte, temo-me.<br />

—Está bem.<br />

—Só quer que vá ao grão, verdade?<br />

—Não quis dizer…<br />

Ela agitou uma mão — Não se preocupe. Sei que está cansada e, outra vez, peço-te perdão<br />

por te acossar. É só, bom, que estou trabalhando em especificações, rastros, e esse tipo de coisas<br />

no complexo. Sei que não os necessitamos em seguida, mas, bom, quero me manter ocupada. É<br />

mais fácil - mordiscou seu lábio inferior, olhou ao longe. —É mais fácil se tiver algo que fazer,<br />

manter minha mente ocupada.<br />

Eu sabia o que queria dizer. O ano passado quando dois de meus irmãos de Manada<br />

morreram, só a ação tinha aplacado minha pena. Eu me tinha arrojado a procurar a quão mestiços<br />

os tinham matado, em parte por vingança e em parte para lhes impedir de falar extensamente de<br />

suas mortes. Na preparação de nosso ataque contra os que tinham matado a Ruth, Paige fazia o<br />

mesmo. Entendia-o.<br />

—Tenho a maior parte disso preparado já - disse ela, me passando um computador portátil<br />

da mesa. —Tudo o que preciso é que preencha uns poucos espaços em branco.<br />

Folheei suas notas — Realmente, Jeremy tem a maior parte disto. Poderia…<br />

—Conseguir o dele. Claro. Seguro - Ela deu a volta, mas não antes que eu visse a piscada<br />

de desilusão em seu rosto. —Suponho que deveria ter sabido que ele estaria dois passos diante de<br />

mim. De acordo, então, pois isso era tudo o que queria. Isto lamento. Eu não pensava.<br />

—Ah, espera. Há um par de coisas aqui que Jeremy não tinha perguntado - menti. —Não<br />

estou cansada ainda. E preencherei tudo o que falta. Inclusive se já o hei dito ao Jeremy, nunca é<br />

mau ter duas cópias.<br />

—Oh? - Pela primeira vez desde que tinha chegado, seu sorriso tocou seus olhos - Isso é<br />

grandioso. Obrigada.<br />

Como dizia, eu sabia como se sentia. Bem, eu não sabia exatamente como se sentia ela,<br />

não tendo nem idéia de quão próxima tinha estado a sua tia, mas entendia que necessitava algo<br />

que fazer, algo que a fizesse sentir que estava tomava medidas. Dar-lhe isso era o menos que<br />

podia fazer.<br />

Quando terminamos, ofereci passar a noite no quarto do Paige, arguindo que Cassandra<br />

não parecia ter nenhuma pressa em voltar e em que Jeremy estava compartilhando nosso quarto,<br />

de modo que ninguém estaria sozinho se eu ficava. Paige se negou. Assegurou-me que seu feitiço<br />

de fechadura não deixaria passar intrusos e seu feitiço de amparo a advertiria se alguém<br />

transpassava as fechaduras. Suspeitei que ela queria estar a sós com sua pena, por isso não segui<br />

com o assunto.<br />

***<br />

Essa noite sonhei escapando do complexo. Repetidas vezes. Cada vez as circunstâncias<br />

eram diferentes, mas um elemento permanecia igual. Deixava a Savannah. Às vezes me esquecia<br />

dela até que estava fora e era muito tarde. Outras vezes minha culpa era mais óbvia. Corria por<br />

diante de sua cela e não me detinha. Ouvia-a gritar meu nome e não me detinha. Via Leah<br />

estender sua mão para agarrá-la... e não me detinha. Finalmente quando o sonho jogava sua<br />

enésima versão, eu corria para a porta de saída aberta. Então Savannah aparecia do outro lado, me<br />

animando a sair. Detinha-me. Girava. E corria para a outra saída.<br />

Endireitei-me, ofegando. Clay estava acordado, me sustentando, tirando meu cabelo<br />

227


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

empapado de suor de minha cara.<br />

—Quer falar disso? - perguntou.<br />

Quando sacudi minha cabeça, seus braços se apertaram, mas não olhei sua cara. Não<br />

queria. Isto não era algo do qual não podia falar com ele. Ele só trataria de me convencer que eu<br />

tinha feito o correto escapando do perigo. Se a situação fora ao reverso, Quereria eu que Clay<br />

arriscasse sua vida para salvar a um estranho? É obvio não. Mas o ponto seria discutível porque<br />

Clay nunca tomaria nenhum risco para salvar a um estranho. Ele se lançaria diante de uma bala<br />

para proteger a sua Manada, mas não se deteria ajudar a uma vítima de acidente. Se eu estivesse<br />

ali, ele o faria por me agradar, mas se estivesse sozinho, o pensamento nunca cruzaria por sua<br />

mente.<br />

Não esperava que Clay se preocupasse com Savannah. Bem, talvez eu ainda tinha a<br />

esperança de que ele desenvolvesse consciência social, mas tinha aprendido que tal mudança<br />

estava ao lado da paz mundial na escala de desejos bem intencionados mas ingênuos. Clay se<br />

preocupava com sua Manada e só sua Manada. Como poderia eu esperar que ele entendesse<br />

minha culpa pela Savannah?<br />

Quando me relaxei nos braços do Clay, notei ao Jeremy através do quarto, apoiado sobre<br />

seu cotovelo, me olhando desde sua cama. Levantou suas sobrancelhas em uma pergunta tácita.<br />

Queria falar com ele? Dirigi-lhe uma pequena sacudida de minha cabeça e me deslizei na cama.<br />

Eu podia sentir que ambos me olhavam, mas fechei meus olhos e fingi dormir. Finalmente o<br />

quarto estaria tranquilo. Quando isso aconteceu, deslizei-me sobre minhas costas e fiquei ali na<br />

escuridão, pensando.<br />

Tinha saltado às conclusões com muita prontidão, quando decidi que tinha sido Leah a que<br />

causasse o problema e culpara a Savannah? E se persuadia ao Jeremy a atacar antes, e logo<br />

descobrisse que tinha estado confundida? E se a gente morria devido a esse engano? E se eu não<br />

fazia nada e Savannah morria devido a esse engano? Tinha que encontrar um terreno neutro. Se<br />

tivéssemos informação suficiente, atuar rapidamente seria nossa vantagem. Sabíamos o<br />

suficiente? Ou, mais exatamente, quais eram nossas possibilidades de mais aprendizagem? Muito<br />

poucas. Tínhamos os dados que eu havia reúna do interior do complexo, mais o que Clay tinha<br />

aprendido de explorar o lugar, mais o que outros tinham descoberto em sua investigação.<br />

Independentemente do que não sabíamos ainda, provavelmente nunca o averiguaríamos.<br />

Teríamos que nos concentrar em formular um plano.<br />

Fora, uma porta vizinha fez clique. Estiquei-me e escutei. Nosso grupo ocupava toda as<br />

quartas desta asa. Alguém saía? Não, espera. Provavelmente era Cassandra voltando. Comprovei<br />

o relógio. Dois e trinta e cinco. Oh, isto era grandioso. Pedíamos-lhe que vigiasse ao Paige e ela<br />

se tomava a metade da noite. Paige poderia não querer delatá-la, mas Jeremy tinha que saber que<br />

não podíamos confiar na Cassandra para resguardar ao Paige.<br />

Quando me reclinei no travesseiro, ouvi sapatos que se arrastavam contra o pavimento<br />

fora. Joguei uma olhada ao Clay e ao Jeremy. Profundamente adormecidos. Saí da cama e fui nas<br />

pontas dos pés à janela. Levantando uma esquina da cortina, olhei atentamente para ver Paige<br />

passar através do estacionamento, a mala em uma mão, o computador portátil na outra. Merda!<br />

Procurando não despertar aos meninos, atirei meu jeans e camisa e saí sigilosamente pela<br />

porta. Paige rodeou a jaula de pássaros e desapareceu na escuridão mais à frente. Descalça,<br />

brinquei de correr atrás dela, um olho em meu objetivo, outro no pavimento, procurando cristais<br />

quebrados. Quando alcancei a jaula, um faisão despertou, abriu um olho sonolento, logo grasnou<br />

e revoou no ar. Maldito! Às vezes havia desvantagens sérias em ser um homem lobo. Inclusive<br />

quando corri longe da jaula, várias outras aves despertaram e acrescentaram suas vozes ao<br />

228


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

alvoroço. Tanto por uma aproximação sigilosa. Corri através do arvoredo onde tinha visto<br />

desaparecer a Paige e a encontrei em um estacionamento auxiliar. Estava de pé ao lado de um<br />

carro, franzindo o cenho em direção às aves que tinham entrado em pânico. Quando me viu,<br />

pinçou com as chaves, logo que conseguindo abrir a porta antes que eu chegasse.<br />

—Uh, olá - disse, falsificando um sorriso brilhante. —Está fora tarde.<br />

—Vai a algum lugar? - perguntei.<br />

—Ummm, só a procurar algo para comer - Ela se apoiou no assento do condutor. —O que<br />

me trouxe se esfriou assim pensei que iria ver se posso encontrar um local ou algo.<br />

—Não te oporá se me um a ti então - disse enquanto abria a fechadura da porta de<br />

passageiros e me deslizava dentro. Gesticulei para sua mala. —Inferno de bolsa que tem ali.<br />

Ela pôs suas mãos no volante, fez uma pausa, logo me jogou uma olhada — Eu vou partir,<br />

Elena. Sei que este é um mau modo de fazê-lo, mas temia que alguém tratasse de me deter. É<br />

muito para mim. Jogo-me atrás.<br />

—Lamento o de sua tia.<br />

—Ela... - Paige olhou pelo pára-brisa. —Ela não era minha tia.<br />

—Oh, bem, sua irmã do Aquelarre ou o que fosse.<br />

—Ela era minha mãe.<br />

—Você…?<br />

—Assim é como funciona no Aquelarre - disse Paige, mantendo seus olhos no pára-brisa.<br />

—Ou como estava acostumado a funcionar. A velha maneira, a dos tempos de minha mãe. As<br />

bruxas não se casavam, de modo que evitavam o estigma da maternidade, solteiras criando a suas<br />

filhas como sobrinhas. Ninguém fora do Aquelarre sabia a verdade. Em meu caso Adam sabe,<br />

mas é parte disso. Quando minha mãe era jovem, estava muito ocupada preparando-se para ser a<br />

líder do Aquelarre para pensar em um herdeiro. Uma vez que se converteu na líder, compreendeu<br />

que o Aquelarre vacilava e decidiu que necessitava uma filha, alguém a quem poder treinar e<br />

preparar a seu próprio modo. De modo que quando teve cinquenta e dois anos, usou a magia para<br />

ter uma filha. Eu.<br />

—De modo que isso significa que você é...?<br />

—A líder oficial do Aquelarre - Seus lábios se curvaram em um sorriso sardônico. —Seria<br />

gracioso se não fosse tão ridículo. Uma líder de vinte e dois anos - inalou bruscamente e sacudiu<br />

sua cabeça. —Não importa. O caso é que fui treinada para isto. Para a responsabilidade. Não<br />

posso esperar que Jeremy ou Kenneth ou Cassandra me aceitem como líder ainda, mas sei que<br />

posso fazê-lo. Agora mesmo, entretanto, tenho que ir a casa. Há coisas que devem ser feitas,<br />

acertos.<br />

—Entendo - Me inclinei para seu regaço e levantei o computador portátil que ela tinha<br />

deixado escorregar entre seu assento e a porta. —Mas se for a casa, não necessitará isto.<br />

Ela me tirou isso. —Ah, realmente, necessito-o. Para os arquivos do Aquelarre.<br />

—Você não vai a casa, Paige. Vai ao complexo.<br />

Ela forçou uma risada. —Sozinha? Estaria louca.<br />

—Exatamente meus sentimentos. Entendo que deva querer vingar a sua mãe, e prometo<br />

que o conseguirá quando voltarmos, mas não hoje.<br />

Quando a confusão revoou através de sua cara, compreendi que a vingança não era seu<br />

motivo. Então recordei a advertência da Ruth, me dizendo que não deixasse a Paige saber sobre o<br />

Savannah ou ela insistiria em resgatar à moça.<br />

—Vai atrás o Savannah - disse.<br />

—Tenho que fazê-lo - disse tranquilamente.<br />

229


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Porque seu Aquelarre o espera?<br />

—Não, porque eu o espero. Como posso ser a líder do Aquelarre se deixar morrer a esta<br />

moça? Como poderia viver comigo mesma? Olhe, não sou estúpida e não sou suicida. Não<br />

entrarei ali, lançando feitiços, destroçando o lugar. Eu não poderia fazer isso de qualquer<br />

maneira. Tudo o que quero é ao Savannah. Tomarei cuidado. Tomarei meu tempo, explorarei o<br />

lugar, e encontrarei um modo de tirá-la. Vocês não têm que preocupar-se disto. É assunto de<br />

bruxas. Eu...<br />

A porta de Paige voou, quase a derrubando a terra. Clay introduziu sua cabeça no carro.<br />

Paige saltou e se correu para mim.<br />

—O que está passando? - perguntou.<br />

—Paige quer ir atrás de Savannah.<br />

—Oh, merda! - Ele fechou de repente a porta e caminhou a pernadas até meu lado. Deixe-<br />

—Me deixe adivinhar. Ela vai atrás da menina e necessita sua ajuda.<br />

—Não… - começou Paige.<br />

—Ela não pediu minha ajuda - disse, saindo do carro. —Quer fazê-lo sozinha.<br />

—Então ela decidiu te contar sobre isso primeiro? Falar-te aqui fora, te dizer que ela está à<br />

altura, e esperar que você a deixe ir sozinha? Estupidez. Ela se aproveita de sua compaixão.<br />

Insistirá em ir com ela e...<br />

—Ela não me chamou - respondi. —A segui.<br />

Paige se deslizou do carro, endireitou-se, e encontrou os olhos do Clay. —Farei isto<br />

sozinha, Clayton. Não estou pedindo nem aceitando nenhuma ajuda.<br />

—Está louca? - Ele avançou e tratou de lhe arrancar as chaves do punho, mas se afastou.<br />

Ele se deteve e ofereceu sua mão. —Dê-me isso Paige. Não vai a nenhuma parte.<br />

Ela olhou desde o Clay para mim, como se loteasse suas possibilidades de fuga.<br />

—Nem o tente - respondi. —Há dois de nós. Podemos te superar. Podemos te deixar fora<br />

de combate. A menos que tenha um feitiço do dia do julgamento final sob a manga, não partirá.<br />

Ela jogou uma olhada sobre seu ombro e pareceu pronta para correr quando Jeremy saiu<br />

dos arbustos atrás dela. Ela vacilou. Logo seus ombros se encurvaram e as chaves se deslizaram<br />

de sua mão.<br />

—Vêem dentro - disse Jeremy. —Falaremos.<br />

***<br />

—Tenho que tirar Savannah - disse Paige quando entramos em nosso quarto de motel. —<br />

Vocês não o entendem. Não o espero tampouco. Como disse a Elena, isto é assunto de bruxas.<br />

—Entendemos que está preocupada com ela - começou Jeremy.<br />

Paige girou para confrontá-lo — Preocupada? Estou aterrorizada por ela - Ela folheou seu<br />

computador portátil e cravou um dedo em uma página. —Olhe, anotei tudo o que aconteceu essa<br />

noite que Elena escapou. Dividi os acontecimentos em potencial feiticeiro contra a atividade de<br />

um meio demônio telecinético. Há alguns cobre, mas entre os dois cobrem tudo. Agora, quais são<br />

as possibilidades de que este feiticeiro e meio demônio de maneira independente decidissem<br />

armar o inferno durante a mesma noite? Certamente é possível que alguém começasse as coisas e<br />

o outro participasse, mas o duvido. Este meio demônio trabalha com um feiticeiro.<br />

—De acordo - respondi.<br />

O olhar fixo de Paige viajou através de nossas caras — Vê? Não o entende. Não pode.<br />

—Nos explique - disse Jeremy.<br />

230


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Ela inalou — Os feiticeiros odeiam às bruxas. E vice-versa. A inimizade é a maior na<br />

história das raças sobrenaturais. Nossa versão dos Hatfields e os McCoys. Só que os feiticeiros<br />

fazem todos os disparos. Somos um feio aviso - Ela inalou outra vez. —Vocês não necessitam<br />

uma lição de história. Só confiem em mim nisto. Se Leah trabalhar com o Katzen, e ela culpa a<br />

Savannah de assassinato, então é um problema. Um grande problema. Não posso começar a<br />

compreender sua motivação, mas sei que Savannah está em perigo. Em uma noite, Winsloe e suas<br />

cortes perderam a ambos os lobisomem e sofreram um dano inexprimível a sua instalação. Quem<br />

carregará sobre seus ombros a culpa de tudo isto? A menina bruxa. Não é isso o que te disse Leah<br />

antes que escapasse? Que Savannah o tinha feito?<br />

—Eles não matarão ao Savannah - disse. —Ela é muito importante.<br />

Inclusive quando disse as palavras, ouvi minha própria dúvida. Com Bauer e Carmichael<br />

mortas, Winsloe e Matasumi eram os únicos chefes que ficavam. Matasumi poderia querer a<br />

Savannah viva, mas ele só era um cientista. Winsloe tinha o dinheiro efetivo, então ele era o<br />

responsável. Recordei a conversa que tinha ouvido por acaso entre o Matasumi e o homem que<br />

assumia era Katzen. Essa vez, Winsloe já tinha começado a fazer valer seu peso, escolhendo a<br />

classe de cativos que queria. Winsloe não tinha nenhum interesse nas bruxas. Eu sabia isso.<br />

Savannah estava sozinha agora, sem sequer o Xavier para protegê-la.<br />

—Isto é pura especulação - disse Clay.<br />

—O que admito totalmente - disse Paige. —Esse é o motivo porque não ponho em perigo<br />

nenhuma vida, além da minha.<br />

—Não pode fazer isso - disse Jeremy. —Se for a nova líder do Aquelarre, tem que<br />

considerar os interesses superiores de seu Aquelarre. O que acontece perdem tanto a Ruth como a<br />

sua sucessora? Tem a responsabilidade de te manter viva, só até que tenha selecionado e treinado<br />

a seguinte líder.<br />

—Mas…<br />

—Vejamos o que podemos fazer - disse ele. —Me dê suas notas e examinaremos o que<br />

temos.<br />

231


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

VOLTA<br />

Dois dias mais tarde, deixamos o motel. Voltávamos.<br />

Tínhamos passado os dois dias anteriores planejando. Finalmente Jeremy esteve de acordo<br />

em que tínhamos toda a informação que provavelmente conseguiríamos e não havia nenhum<br />

sentido em atrasar nossa volta. Paige se tinha irritado com o atraso, mas não tinha tratado de<br />

escapar, provavelmente porque Jeremy ou eu tínhamos estado quase às vinte e quatro horas do<br />

dia nos assegurando que ela não o fazia. Tinha-me mudado a seu quarto, deixando a Cassandra<br />

ter um quarto próprio, o qual não só ajudava a assegurar que Paige não desaparecesse de noite,<br />

mas também me fazia sentir muito melhor a respeito de sua segurança pessoal. Quanto a<br />

Cassandra, pois ela podia cuidar de si mesmo.<br />

Para a viagem ao complexo, partimos o grupo em duas caminhonetes, apoiadas nos dois<br />

grupos que formaríamos uma vez que chegássemos. O plano era que Jeremy, Cassandra, e<br />

Kenneth esperassem na retaguarda enquanto Clay, Adam, Paige, e eu forçávamos a entrada e<br />

apagávamos toda a resistência inicial. Tínhamos discutido em que grupo devia estar Paige. Como<br />

líder do Aquelarre - e alguém pouco acostumado aos enfrentamentos - ela deveria haver ficado<br />

atrás com o Jeremy. Entretanto, ela sustentou que seus feitiços poderiam ser inestimáveis no<br />

amparo do grupo de primeira linha. Podia abrir portas, nos cobrir, aturdir atacantes, comunicar-se<br />

com Kenneth e a pronta continuava. Além disso, ela realmente queria fazer isto, a diferença da<br />

Cassandra, que não tinha mostrado nenhum interesse em tomar um papel mais ativo. Ao final, a<br />

persistência de Paige tinha dado resultado, e tínhamos estado de acordo em que devia unir-se a<br />

meu grupo.<br />

Conduzi o segundo carro, porque Paige rechaçava pôr o pé em nenhum veículo com o<br />

232


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Clay atrás do volante e Clay rechaçava sentar-se no assento traseiro de nenhuma aprendiz de<br />

bruxa–líder do Aquelarre ou não– de modo que se queríamos sair alguma vez do estacionamento,<br />

a tarefa de conduzir recaía em mim. Antes que nos amontoássemos no carro, notei ao Clay lançar<br />

olhadas ao Jeremy enquanto ele subiu ao outro veículo.<br />

—Pode ir com ele se quiser - respondi.<br />

—Não - disse Clay. —Ele tem razão. Temos que falar de nossas estratégias durante a<br />

viagem, de modo que isto tem sentido. Além disso, não é como se não o tivesse deixado sozinho<br />

antes.<br />

—Sinto muito.<br />

—Que coisa?<br />

—Me afastar esse dia. Não tomar cuidado. Permitir-me ser sequestrada. Perder o contato<br />

com vocês. Fazê-los…<br />

Ele pressionou seus lábios sobre meus, me interrompendo — Não me tem que obrigar a<br />

fazer nada. Decidi vir atrás de ti.<br />

—É só que odeio... - Acalmei-me e me encolhi de ombros. —Já sabe, te pôr em uma<br />

posição onde... - lancei um olhar ao Jeremy e exalei. —Fazer-te escolher.<br />

Clay riu —―me fazer escolher?‖ Querida, vivemos com esse tipo. Compartilhamos uma<br />

casa, contas bancárias, inclusive férias. Nunca estamos sozinhos e nunca ouvi que pronuncie uma<br />

palavra de queixa. Você nunca me pediu que escolha, e não tem nem idéia de quão agradecido<br />

estou por isso, porque se alguma vez tivesse que escolher, seria a ti, não importando o que isso<br />

signifique para a Manada.<br />

—Eu nunca te faria isso.<br />

—Razão pela qual sei quanto me ama. Sim, sinto-me feito uma merda por ter abandonado<br />

ao Jeremy, mas ele o entende, e não o lamento, até se conseguiu te liberar sem minha ajuda - Ele<br />

se virou atrás para me olhar. —Agora, Está bem com isto? Sobre voltar? Porque se não...<br />

—Estou bem. Quero terminá-lo. Quero terminar isto, dizer adeus a toda essa gente<br />

agradável e ir a casa, a nossa própria casa, nossas camas, e estar sozinhos.<br />

—Razoavelmente sós - disse Clay jogando outra olhada para o Jeremy.<br />

—O suficiente.<br />

—Vamos fazê-lo, então.<br />

***<br />

Quando Clay e eu tínhamos escapado das terras do complexo, tínhamos usado o caminho<br />

de serviço principal que se bifurcava ao final da saída oeste da propriedade. Definitivamente não<br />

era a rota mais segura, mas Clay não tinha sido capaz de encontrar outra. Esta vez usávamos um<br />

caminho sulcado que se remontava a vários donos de propriedade. Paige o tinha descoberto<br />

hackeando arquivos de propriedade e velhas inspeções. Sim, disse hackeando, como em hacking<br />

de computadores. Quando ela me disse como tinha conseguido a informação, eu lhe tinha pedido<br />

que me repetisse isso, várias vezes. Possivelmente meus prejuízos saíam à luz, mas quando<br />

imaginava a um Hacker, pensava em alguém como Tyrone Winsloe, só que sem dinheiro e pior<br />

higiene. Paige rapidamente me corrigiu: ela não era um Hacker; era uma programadora<br />

profissional de computadores que sabia hackear. Soava algo suscetível para mim, mas mantive<br />

minha boca fechada. Entretanto ela obteve a informação, e eu estava agradecida. Estávamo-lo...<br />

Inclusive Clay. As velhas inspeções tinham mostrado todos os caminhos anteriores que se<br />

entrecruzavam na propriedade. Provamos vários e escolhemos o que estava na metade entre<br />

233


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

caminho isolado e acessível. Conduzi umas centenas de metros ao longo dele, logo me detive<br />

para nossa entrevista de pré-assalto final com o Jeremy.<br />

***<br />

Vinte minutos mais tarde, estava sentada em uma velha árvore falando com Paige<br />

enquanto Clay e Adam estudavam minuciosamente os mapas. Jeremy nos tinha dado nossas<br />

instruções e falava agora de detalhes de última hora com o Kenneth. Paige e Kenneth atuariam<br />

como enlace telepáticos entre os dois grupos, nos permitindo nos comunicar sem rádios ou<br />

telefones celulares. Enlace telepático. A frase se deslizava tão facilmente de minha língua mental.<br />

Atemorizante, realmente. Feitiços de agarre, feitiçaria, projeção astral, telepatia, telecinese,<br />

teletransporte? Alguma vez ouviria essas palavras fora de um episódio de Arquivo X? Agora<br />

estava parada em um arvoredo com uma bruxa, um meio demônio, um vampiro, e um xamã,<br />

planejando acabar com um complô infame para usurpar nossos poderes e alterar o destino da<br />

espécie humana. Conversando sobre suas teorias de conspiração.<br />

Depois de uns poucos minutos falando com o Kenneth, Jeremy fez um gesto a Paige.<br />

Fiquei onde estava.<br />

—Você não gosta disto? - perguntou-me Cassandra, avançando para mim. —Estar de<br />

volta?<br />

Encolhi os ombros. Não tínhamos falado muito nos poucos dias anteriores. Minha escolha.<br />

Não importando o que Cassandra fizesse ou não em minha ausência, seu abandono de Paige em<br />

um momento tão sensível era imperdoável. Apesar do que Clay pensava de Paige, eu gostava<br />

dela. Tinha o espírito e uma profundidade de altruísmo que realmente admirava. Inclusive Clay<br />

tinha começado a aproximar-se dela ao longo dos dois últimos dias, o que só fazia a<br />

insensibilidade da Cassandra tão mais incompreensível. Inclusive depois de que eu havia dito a<br />

Cassandra, categoricamente, que me largava com Paige porque ela esquivava suas<br />

responsabilidades, ela não tinha mostrado nenhuma pontada de remorso. E acusava ao Clay de ser<br />

auto absorvente.<br />

—Tome cuidado ali - continuou Cassandra. —Recorda o que Jeremy disse. Não sabe que<br />

tipo de segurança extra suplementar eles podem ter implementado desde sua fuga. Quero dizer<br />

antes que fosse sequestrada. Eu gostaria de chegar a te conhecer melhor, Elena. Asseguremos-nos<br />

de ter essa oportunidade - Ela pôs sua mão em meu antebraço e sorriu, seus olhos cintilando de<br />

um modo selvagem. —Devo confessar que espero com muita isto ilusão. Não há muitas<br />

oportunidades de caos em minha vida nestes dias.<br />

Paige se uniu a nós — Bem, Cass, se realmente quiser um pouco de diversão e excitação,<br />

sempre poderia mudar de opinião e te unir a nós na primeira linha. Oh, mas não é isso o que<br />

queria dizer, verdade? Quer caos controlado, sem risco.<br />

—Minhas habilidades são melhor satisfeitas na segunda onda do ataque - disse Cassandra,<br />

rindo-se de Paige como se gracejasse a um menino grosseiro.<br />

Clay se aproximou — E não quero a ninguém conosco que não queira estar ali - Ele tomou<br />

meu braço, retirando-o de-manera-não-tão-sutil do afeto da Cassandra. —Jeremy tem algumas<br />

instruções de última hora para ti, querida.<br />

—Me deixe adivinhar - respondi. —Tome cuidado. Não te lance de cabeça. Não tome<br />

riscos desnecessários.<br />

Clay sorriu abertamente — Nah. Jeremy confia em ti. É mas bem: ―te assegure de que<br />

Clay seja cuidadoso‖, ―te assegure que ele não se lance de cabeça‖, ―te assegure que ele não toma<br />

234


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

riscos desnecessários‖. Instruções de babá.<br />

Pus meus olhos em branco e me dirigi para o Jeremy. Ele estava sozinho, inclinando-se<br />

sobre um mapa na capota de um carro. Enquanto me aproximava, ele dobrou o mapa sem elevar a<br />

vista.<br />

—Você será a responsável aí, Elena - disse quando deu a volta.<br />

—Conheço a rotina. Vou atrás do Clay. Marco a pauta. Asseguro-me de que mantém o<br />

controle.<br />

—Você ordenará os tiros. Ele sabe isso.<br />

—E Adam e Paige? Sabem isto?<br />

—Não importa. Adam seguirá o exemplo do Clay. Paige saberá que é melhor unir-se às<br />

posições de mando no campo de batalha. Toma o controle e eles lhe seguirão.<br />

—Tentá-lo-ei.<br />

—Uma coisa mais. Permanece com o Clay. Se se separarem, estarão muito preocupados<br />

um do outro para concentrar-se em suas tarefas. Não importa quão difíceis fiquem as coisas,<br />

mantenham-se unidos. Não tome nenhum risco.<br />

—Sei.<br />

—O que quero dizer - Ele estendeu a mão e tirou um fio de cabelo que escapava sobre<br />

meu ombro. —Sei que está doente de ouvi-lo, mas não tome nenhum risco. Por favor.<br />

—Ficarei atrás dele.<br />

—Isso não é o que quero dizer. Sabe.<br />

Assenti com a cabeça e beijei sua bochecha —Tomarei cuidado. Por nós dois.<br />

***<br />

Passo um: Inspecionar as terras.<br />

Clay, Paige, Adam, e eu seguimos o caminho de serviço por dois quilômetros, ponto no<br />

qual trocamos nossa direção para o norte, nos afastando do complexo, o que implicava que<br />

tínhamos que terminar a viagem com uma difícil caminhada do meio quilômetro através do<br />

espesso reflorestamento. Uma vez que estivemos o bastante perto para ver o complexo, detivemonos<br />

e rodeamos o perímetro, ficando o bastante longe, ao interior do bosque para poder ainda ser<br />

capazes de ver a planície aberta que rodeava o edifício. Olhamos, escutamos, e cheiramos<br />

procurando a alguém fora das paredes do edifício. Segundo Clay, de acordo com suas<br />

observações anteriores, a gente vinha fora por três motivos sozinhos: fumar, alimentar os cães, e<br />

abandonar o lugar. Abandonar o lugar significava conduzir uma das quatro SUVs estacionadas<br />

em uma garagem próxima. Ninguém partia a pé e ninguém ia passear ao bosque. Estes tipos não<br />

eram amantes da natureza. Nosso passeio ao redor do perímetro confirmou que ninguém estava<br />

fora.<br />

Passo dois: Matar os cães.<br />

Durante o anterior reconhecimento do Clay, ele tinha encontrado ao canil. Estava em um<br />

edifício cinzento construído a trinta metros ao interior do bosque, como se deliberadamente<br />

tivesse sido construído longe do complexo para eliminar o ruído. Estes cães eram para rastrear e<br />

matar, não para fazer guarda. À medida que nos aproximávamos do canil, eu poderia entender por<br />

que. Cada poucos minutos um dos cães começava um estrondo infernal, ladrando a algo no<br />

bosque, ladrando a um companheiro de cela, ou só ladrando de espantoso aborrecimento. Embora<br />

os cães não alertassem a ninguém de nossa presença, ainda assim tínhamos que nos desfazer<br />

deles. Eu tinha visto o que eram capazes de me fazer como lobo. Não queria pensar quanto dano<br />

235


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

poderiam me fazer estando em forma humana. Uma vez que os guardas compreendessem que<br />

estávamos no complexo, alguém procuraria os cães, e fariam o que tinham sido treinados para<br />

fazer, quer dizer, nos rasgar em partes.<br />

Rodeamos a residência pelo sul, nos movendo com o vento. O edifício media vinte metros<br />

por dez com uma cerca a aproximadamente um metro. Tal como Clay tinha descoberto em sua<br />

visita anterior, não havia guardas apostados no canil. Tampouco havia nenhuma medida de<br />

segurança no lugar para proteger aos animais. Só um cadeado de jardim assegurava a porta.<br />

Uma vez que estivemos junto à canil, contei os cães separando seus aromas. Três.<br />

Enquanto Clay, Adam, e eu nos arrastávamos avançando, Paige lançou um feitiço de cobertura.<br />

Este era o mesmo feitiço que Ruth tinha arrojado no beco de Pittsburgh, o que significava que<br />

fomos invisíveis só se ficávamos quietos. Quando nos movíamos, nossas imagens se<br />

deformavam, mas eram visíveis. Isso funcionava bem com os cães, confundindo-o o tempo<br />

suficiente para que Clay rompesse o cadeado e os três pudéssemos entrar. Clay e eu matamos<br />

nossos objetivos facilmente, mas Adam se enredou com o movimento que lhe tínhamos ensinado.<br />

Não era sua culpa. A maioria das pessoas não são peritas em romper pescoços. O cão conseguiu<br />

fazer quatro sulcos sangrentos no braço do Adam antes que Clay terminasse o trabalho. Paige<br />

tratou de inspecionar a ferida, mas Adam se afastou dela e ajudou ao Clay a arrastar os cadáveres<br />

de cão do canil.<br />

Passo três: Inutilizar os veículos.<br />

Isto era uma coisa que nem Clay nem eu podíamos fazer. Por quê? Porque ambos somos<br />

tão mecanicamente inúteis que raramente púnhamos gás nós mesmos ao veículo por medo a<br />

colocá-lo de algum jeito e fazer que o carro se prendesse em chamas diante de nossos próprios<br />

olhos. Aqui estava a possibilidade do Adam de compensar com o problema ao romper o pescoço<br />

do cão. Logo depois de que rompemos as fechaduras das portas, Adam abriu as capotas, atirou<br />

uns arames e coisas metálicas, e declarou que os veículos estavam imprestáveis. Tudo o que Clay<br />

e eu podíamos fazer era olhar. Pior ainda, Paige aconselhou ao Adam sobre uns modos de fazer o<br />

dano menos detectável, para que nem sequer os guardas com inclinações mecânicas pudessem<br />

deduzir rapidamente e arrumar o problema. Não era que tivesse inveja. A quem lhe importava se<br />

podia mudar o petróleo do motor quando podia romper o pescoço de um rottweiler em 2.8<br />

segundos? Essa sim era uma habilidade prática.<br />

Passo quatro: Entrar no complexo.<br />

Bem, agora as coisas ficavam duras. Nos filmes, os heróis sempre entram em edifícios<br />

aparentemente impenetráveis por um conduto aquecedor ou um eixo de ventilação ou a entrada<br />

de serviço. Na vida real, se alguém passar por todo o chateio de criar um sistema de segurança<br />

complicado, não têm uns eixos de ventilação de 3 x 3 metros assegurados só com um ralo<br />

metálico e quatro parafusos. A menos que fossem realmente, realmente estúpidos. Estes tipos não<br />

o eram. Infernos, nem sequer tinham dessas aberturas de ar com um crucifica girando, muito<br />

afiada que nos faria pedacinhos se não passávamos entre as lâminas exatamente no momento<br />

correto. Não! Nada desse tipo de diversão. Nem sequer janelas passadas de moda. Só um<br />

caminho para dentro e para fora. A porta principal.<br />

***<br />

Quando Clay tinha explorado o complexo durante meu cativeiro, tinha descoberto que os<br />

guardas se uniam nesse ritual sagrado dos trabalhadores em todas as partes –o pacote em comum:<br />

os fumantes acérrimos condenados a aninhar-se juntos contra os elementos. Obviamente nem<br />

236


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

sequer os infames projetos secretos estavam livres de fumaça estes dias. Tendo determinado que<br />

havia só um caminho para o complexo, tínhamos que passar pelo sistema de segurança. Isto<br />

significava que necessitávamos de uma mão válida e retina. Já que não necessitávamos de um par<br />

bom de pulmões, um dos fumantes funcionaria bem.<br />

Nos colocamos nos bosques ao lado da porta de saída e esperamos. Vinte e cinco minutos<br />

mais tarde, dois guardas saíram e acenderam um charuto. Clay e eu escolhemos um cada um e o<br />

matamos. Nenhum guarda nos viu, possivelmente muito encantados por essa primeira inundação<br />

de nicotina. Tinham terminado apenas um quarto de seus cigarros antes que os curássemos do<br />

hábito.<br />

Arrastamos os cadáveres ao redor de trinta metros para os bosques. Então Clay deixou cair<br />

o seu e tirou uma bolsa de lixo dobrado de seu bolso traseiro.<br />

—Ele não vai caber nisso - disse Paige.<br />

Clay abriu a bolsa — Partes dele se caberão.<br />

—Você não vai... - Paige empalideceu e eu quase pude ver os brilhos de um incidente de<br />

―cabeça decapitada na bolsa‖ passando por sua mente— por que não pode simplesmente sustentálo<br />

frente à câmara de segurança?<br />

—Porque, de acordo com a Elena, teremos que passar mais segurança dentro, e se você<br />

gosta da idéia de arrastar dois-cadáveres-de-noventa-quilogramas, fá-lo por favor.<br />

—Não vejo por que...<br />

Adam começou a cantarolar. Como Paige girou para lhe fulminar com o olhar, reconheci a<br />

melodia.<br />

—―Little Miss Cão B Wrong‖ 23 - murmurei... E tentei com força sufocar a risada.<br />

Adam sorriu abertamente — Clay a chamou isso uma vez quando estava longe. Se ela<br />

começar a fazê-la mandona, terá que cantá-lo. Faz-a ficar calada cada vez.<br />

—Trata de cantá-la outra vez e verá o que passa - disse Paige.<br />

O sorriso do Adam se alargou —O que vais fazer-me, me converter em um sapo?<br />

Paige pretendeu não ouvi-lo — Elena, sabia que uma das principais acusações contra as<br />

bruxas durante a Inquisição era que causavam impotência?<br />

—Ummm, não - disse.<br />

—Não só impotência psicológica, entretanto - disse Paige. —Os homens acusavam às<br />

bruxas de remover seus pênis, literalmente. Eles pensavam que os colecionávamos em pequenas<br />

caixas onde se moviam e comiam aveia e o milho. Inclusive há uma história no Malleus<br />

Maleficarum sobre um tipo que foi a uma bruxa para pedir que lhe devolvesse seu pênis. Disselhe<br />

que subisse a uma árvore, onde encontraria alguns no ninho de uma ave. Ele o fez e, é obvio,<br />

tratou de tomar o maior, mas a bruxa lhe disse que não podia ter esse porque pertencia ao<br />

sacerdote da paróquia.<br />

Ri-me.<br />

—Homens - disse Paige. —Acusam às mulheres de algo - Ela fez uma pausa e lançou um<br />

olhar ao Adam. —É obvio, é uma situação tão extravagante, que um não pode menos que<br />

perguntar-se se não haver um grão de verdade nela.<br />

Adam fingiu tragar — Pessoalmente, prefiro ser um sapo.<br />

—Então deixa sua carreira como cantor ou a continuará como soprano.<br />

Ri-me e joguei uma olhada ao Clay. Ele estava sustentando seu braço direito reto e o<br />

afirmava com sua mão esquerda. O suor salpicava sua frente enquanto os músculos sob seu<br />

23 “A señorita não pode estar equivocada” canção do grupo nova-iorquino Spin Doctors.<br />

237


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

antebraço começavam a palpitar.<br />

—O que está…? - começou Paige.<br />

Fiz gestos para que se calasse. Agora não era realmente um bom momento para incomodar<br />

ao Clay. Já que não podíamos andar a rastros com uma caixa de ferramentas, ele tinha que<br />

improvisar um modo de tirar a cabeça do morto e a mão.<br />

Adam contemplou a mão do Clay quando começou a transformar-se em uma garra —Tem<br />

que ser a coisa mais espetacular que vi alguma vez. Ou a mais obscena.<br />

—Vêem aqui - disse a Paige. —Isto não é algo que queira ver.<br />

Afastamo-nos para o bosque. Paige manteve seu olhar treinado em uma árvore à distância,<br />

sua bochecha movendo-se nervosamente, como se tentando sem êxito não pensar sobre o que<br />

acontecia nós. Houve um som úmido de algo rasgando-se, logo um ruído surdo embotado quando<br />

a cabeça decapitada do guarda golpeou a terra.<br />

—Nop - disse Adam. —Foi a mais obscena. Mãos abaixo.<br />

—Cabeças abaixo - disse Clay. —A mão é a seguinte.<br />

Adam se apressou para Paige e eu.<br />

—Já sabe - disse Paige, olhando ao Adam. —Sempre pensei que ―ficar verde‖ era só uma<br />

expressão. Acredito que não.<br />

—Continua e ria,— disse Adam — Essa é uma vantagem de meus poderes, entretanto. A<br />

incineração de carne pode cheirar horrível, mas ao menos é sem sangue.<br />

—De acordo - disse Clay, saindo do bosque. —Estou preparado. Entremos.<br />

238


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

INFILTRAÇÃO<br />

Dirigimo-nos para a saída, revisando primeiro para nos assegurar de que ninguém mais<br />

tinha saído fora por um pouco de nicotina. Uma vez ali, Clay tirou a cabeça e a mão da bolsa.<br />

Tomei a mão. Quando ele levantou a cabeça para a câmara, equilibrei a mão ainda quente ao lado<br />

do cabo, pronta para agarrá-la logo que a primeira luz ficasse verde. Em vez disso, o indicador<br />

ficou vermelho e algo emitiu um sinal sonoro. Dava-me volta para ver um teclado numérico<br />

anexado à parede — ID? - cintilou na diminuta tela.<br />

—Merda! - Respondi. —Um código chave. Como perdi isto?<br />

—Porque estava escapando, querida, não entrando - disse Clay. —Eu não o notei<br />

tampouco. Deve ser a segurança acrescentada para entrar.<br />

—Não há problema - disse Paige. —Vou resolver isto logicamente. Primeiro, encontrar o<br />

número de dígitos - Ela começou pressionando o botão ―9‖.<br />

—Não o faça! - disse Adam, arrebatando sua mão. —Se entrarmos o código incorreto,<br />

poderíamos acender um alarme.<br />

—Sei isso. Tudo o que faço é ver quantos dígitos aceitará isto. Parece que cinco. De<br />

acordo. Voltemos para corpo deste tipo e vejamos se podemos encontrar um número de cinco<br />

dígitos.<br />

—Talvez tatuado em seu peito - disse Adam.<br />

—Não há necessidade de sarcasmo - disse ela. —Poderia ter um cartão ou algo com o<br />

número impresso. Inclusive se for um segredo, como um PIN, muita gente o anota e o esconde<br />

em sua carteira. Só procuramos algo com cinco dígitos.<br />

—Isto é estúpido - resmungou Adam.<br />

—Não - disse. —É lógico, como Paige disse. Correrei de volta...<br />

—Não temos o tempo!<br />

—Faremos o tempo - disse Clay. —Vocês dois entrem nos bosques e permaneçam<br />

escondidos.<br />

Clay e eu voltamos para o cadáver sem cabeça e procuramos os bolsos, nem sequer<br />

239


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

encontrando uma carteira, nem nada de nenhuma classe. Quando voltamos, Adam passeava junto<br />

ao bordo do bosque.<br />

—Nada, verdade? - disse.<br />

Assenti com a cabeça, logo me voltei para o Paige. De acordo, então sabemos que é um<br />

número de cinco dígitos. Pode hackear o sistema? Romper o código?<br />

—Não sem um laptop e muito tempo - Ela jogou uma olhada ao Adam, que caminhou a<br />

pernadas fora do alcance do ouvido, logo baixou sua voz. —Ele está conectado. Não acredito que<br />

tenha dormido muito ontem à noite.<br />

—Estará bem - disse. —Vou revisar esse teclado numérico outra vez.<br />

Voltamos para a porta.<br />

—Bem? - disse Adam. —Ainda temos um plano?<br />

—Trabalhamos nisso - respondi.<br />

—E vocês dois? - perguntou Paige. —Pode converter-se em lobos e nos levar dentro?<br />

—Como? - disse Clay. —Gemer e arranhar a porta até que alguém a abra?<br />

—É tudo o que temos? - bufou Adam. —E o plano de reserva?<br />

—Muito bem - disse Clay. —Trabalhamos em um.<br />

—Trabalhando em um? Quer dizer que não temos um?<br />

Paige pôs sua mão no braço do Adam. Ele a tirou.<br />

—Que demônios fazemos aqui? - disse ele. Sua voz se apertou, tomando uma nota gritada<br />

de pânico. —Temos que nos apressar. Utilizar esse exploratório provavelmente ativou algum<br />

alarme. Inclusive se não o fez, alguém deverá buscar a esses dois guardas. Maldição!<br />

Os brancos dos olhos do Adam se banharam de vermelho, quando a raiva substituiu ao<br />

pânico. O aroma de fogo flamejou. Clay agarrou ao Adam pelas costas da camisa enquanto o<br />

punho do Adam conectava com a porta. Soou um forte pop. A porta brilhou. Clay arrastou ao<br />

Adam para trás e o lançou a terra, logo empurrou a Paige e mim do caminho e se parou sobre o<br />

Adam.<br />

—Controla-o Adam - disse Clay. Concentre-se.<br />

Adam pôs o rosto sobre a terra. Converteu suas mãos estendidas em punhos, agarrando<br />

punhados de erva e terra. O mato chispou e soltou fumaça. Quando Adam começou a ficar de pé,<br />

Clay pôs seu pé sobre suas costas.<br />

—Está sob controle? - perguntou Clay. Não te deixarei parar até que o esteja.<br />

Adam assentiu com a cabeça e Clay se apartou, mas ficou tenso. Adam se sentou, sepultou<br />

sua cara em suas mãos, e gemeu como um estudante de primeiro ano de colégio com uma ressaca<br />

assassina. Então lhe deu uma sacudida a sua cabeça e nos olhou.<br />

—Sinto muito, meninos - disse ele. Não quis dizer… - Sua cabeça se sacudiu. —Fiz isso?<br />

Segui seu olhar fixo e vi que a porta de saída estava aberta. Pisquei, olhei outra vez, e<br />

compreendi que não estava aberta. Foi-se. Só um montão de cinza permanecia.<br />

—Merda Santa - sussurrou Paige. —A incinerou.<br />

—Fi-lo? - Adam ficou de pé, caminhou para à porta, e tocou o bordo, logo gemeu e<br />

sacudiu sua mão longe. Vergões vermelhos engalanaram com cores brilhantes as gemas de seus<br />

dedos. Sorriu abertamente. —Olhe, mamãe, não há porta! - Ele golpeou o ar e chiou. —Suponho<br />

que não sou seu meio demônio de fogo depois de tudo. Vê esta porta, Paige? Recorda-a próxima<br />

vez que decidas me caluniar.<br />

—Felicitações - disse Clay. —Agora vamos pelo inferno de dentro.<br />

Adam assentiu com a cabeça e tratou de pôr uma cara séria, mas seu sorriso se escorregou.<br />

Clay lhe fez gestos para que para mostrasse o caminho. Quando passou por cima do montão de<br />

240


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

cinza, inclinou-se e passou seus dedos por ela, logo se girou a Paige e sorriu abertamente, seus<br />

olhos brilhantes. Sorriu-lhe de volta, logo o empurrou pela entrada. Estávamos dentro.<br />

***<br />

Nossa seguinte tarefa era inibir o sistema de rádio e alarme. De minhas viagens para e do<br />

hospital, sabia que o centro de comunicação estava localizado no primeiro piso, à volta da<br />

esquina do elevador. Vários guardas estavam sempre de serviço ali, dirigindo a equipe. O<br />

escritório do Tucker estava junto com a estação de guarda. Com um pouco de sorte, ele estaria<br />

ali. Matar ao Tucker era outro trabalho prioritário. De todo o pessoal restante, Tucker era o mais<br />

perigoso, não por suas qualidades pessoais – Eu não sabia se o homem tinha alguma– mas sim<br />

porque mandava as tropas. Quando alguém descobrisse que nos tínhamos infiltrado no complexo,<br />

Tucker os reuniria para a ação. Sem o Tucker e sem o sistema de rádio, qualquer sentido de<br />

ordem entre os guardas se viria abaixo – ou era o que esperávamos. A única outra pessoa que<br />

poderia controlar possivelmente aos homens seria Winsloe. Aos guardas poderia não lhes gostar<br />

de ou respeitar ao Winsloe, mas ele pagava seus salários, que não receberiam se afastavam e<br />

corriam ao primeiro sinal de problemas. Pelo que Winsloe era o seguinte em nossa pronta de<br />

objetivos.<br />

Uma vez que Winsloe e Tucker estivessem mortos, estaríamos mais preocupados com<br />

enfrentamentos contra os guardas por separado que em detectar aos empregados restantes. Ah,<br />

seguro, Tess poderia atirar uma lima de unhas contra nós, mas eu provavelmente poderia agarrála.<br />

Isso deixava ao Matasumi, um tipo que não podia lutar encontrar uma saída de um banheiro<br />

fechado com chave. Oh, de acordo, esquecia a alguém. O feiticeiro. Paige me assegurou que ela<br />

reconheceria ao Katzen se o visse. As bruxas intuitivamente reconheciam aos feiticeiros... ou isso<br />

tinha ouvido ela, embora nunca tivesse encontrado um ela mesma. Muito consolador.<br />

Tínhamos planejado tomar nosso tempo nos movendo da saída para a estação de guarda,<br />

evitando confrontações, tomando rotas alternativas se fosse necessário. A porta de saída<br />

incinerada freava esse plano. Tínhamos que chegar ao quarto de guarda e inibir a rádio antes que<br />

alguém visse o dano.<br />

Por sorte, chegamos ao centro de comunicação sem incidentes. Nossa sorte continuou<br />

quando encontramos só dois guardas controlando a estação. A gente estava comendo uma barra<br />

de granola. O outro fazia a palavra cruzada em um periódico semanal. Só podíamos ver traços de<br />

seus perfis, mas era bastante para enviar uma emoção fria através mim. Sorri. Estes eram dois<br />

guardas que reconhecia, dois que nunca esqueceria: Ryman e Jolliffe, os homens que tinham<br />

ajudado ao Winsloe a caçar ao Lake, que haviam desempenhado papéis fundamentais na morte de<br />

Armem, que tinham encontrado orgulho e prazer vicioso em seus empregos. E agora este<br />

dedicado dueto estava tão absorvido com seu trabalho que Clay e eu conseguimos nos mover<br />

sigilosamente detrás de sem que nenhum o notasse. A tentação de gritar ―Boo!‖ e vê-los golpear<br />

as vigas era quase muito grande. Mas tínhamos pressa. Por isso Clay agarrou ao Ryman com uma<br />

chave no pescoço e eu rompi o pescoço do Jolliffe enquanto ele considerava um sinônimo de<br />

nove letras para estupidez. Tínhamos que manter um guarda vivo e tínhamos escolhido ao<br />

Ryman, esperando que sua boca estivesse muito cheia de granola para que gritasse. Estava-o.<br />

Infelizmente, estava tão cheio que quando Clay o agarrou pela garganta, quase se afogou até a<br />

morte, requerendo um momento de discussão sobre o modo apropriado de realizar a manobra do<br />

Heimlich. Era uma situação triste quando tinha que salvar a vida de alguém antes de matá-lo.<br />

Ryman finalmente expeliu uma parte empapada de aveia, logo soltou uma enxurrada de<br />

241


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

vulgaridades.<br />

—Agora isso não soa como um ―obrigado‖ - disse Clay, sujeitando com força sua mão<br />

sobre a boca do Ryman.<br />

—Há gratidão para você - respondi. Inclinei-me sobre a cara do Ryman. —Me recorda?<br />

Sua cara estava branca. Sorri abertamente, ensinando os dentes.<br />

—Estes são os dois sobre os que te contei - disse ao Clay.<br />

Seus olhos faiscaram, e ele devolveu meu sorriso — Perfeito.<br />

Ryman fez um ruído que soou como a um gemido. Dirigi-o um último sorriso, logo me<br />

afastei, deixando-o com o Clay. Enquanto Adam desconectava a equipe de comunicação, rompi a<br />

fechadura do escritório do Tucker, inclinei-me dentro, olhei, e cheirei.<br />

—Parece que nossa sorte se detém aqui - disse. —Nenhum sinal do coronel.<br />

—Por isso temos a este - Clay golpeou o torso do Ryman sobre o escritório, atropelando<br />

uma garrafa de água mineral. —Guardemos este relatório. Onde encontramos ao Tucker?<br />

O sangue gotejou do nariz do Ryman. Ele piscou, orientando-se, logo esclareceu sua<br />

garganta e levantou sua cabeça.<br />

—Paul Michael Ryman - disse, sua voz compassada, robótica. —Antigo cabo do Exército<br />

dos Estados Unidos. Atualmente servindo sob o Coronel de Operações Especial R. J. Tucker.<br />

—Que demônios é isto? - disse Clay.<br />

Paige amorteceu uma risada —eu, uh… acredito que é sua versão de nome, fila, e número<br />

de série. Lamento-o, Paul, mas isso realmente não vai ajudar-nos.<br />

Clay se inclinou, estirou a mão do Ryman sobre a mesa, logo a rompeu com seu punho.<br />

Um jorro de estática de um jogo de alto-falantes me fez pular. Ryman chiou, ouvindo-se pela<br />

metade pela mão do Clay sobre sua boca.<br />

—Os doutores terão muito tempo arrumando isto - disse Clay. —Eu o chamaria uma<br />

amortização. Era a mão esquerda. Agora a direita. Onde está Tucker?<br />

—Paul Michael Ryman - ofegou Ryman quando Clay desentupiu sua boca. —Antigo cabo<br />

do Exército dos Estados Unidos. Atualmente servindo sob as ordens do Coronel de Operações<br />

Especial R. J. Tucker.<br />

—Oh, pelo amor de deus - disse Paige. —Vamos, Paul. Apreciamos sua lealdade, mas<br />

confia em mim, ninguém mais vai dar um maldito peso. Só diga ao homem o que ele quer saber e<br />

termina.<br />

—Paul Michael Ryman. Antigo cabo do Exército dos Estados Unidos. Atualmente<br />

servindo sob as ordens do Coronel de Operações Especial R. J. Tucker.<br />

—Homens - resmungou Paige, sacudindo sua cabeça.<br />

Clay estendeu a mão direita do Ryman sobre a mesa. Um jorro de estática de um jogo de<br />

alto-falantes me fez saltar. Clay só jogou uma olhada ao Adam.<br />

—Sinto-o - disse Adam. —Já quase o faço.<br />

Baixou o volume no alto-falante estático que vomitava, logo se inclinou para olhar os<br />

cabos do outro.<br />

—Bem - disse Clay. —Uma última possibilidade. Dón...<br />

O alto-falante que ainda funcionava rompeu em um ensurdecedor gemido. Quando Adam<br />

estendeu a mão rapidamente para apagá-lo, uma voz soou.<br />

—Jackson a base. Base copia? Repito, a segurança foi violada...<br />

—Espera - sussurrou Clay antes que Adam o apagasse. Fez gestos para mim para que<br />

sustentasse ao Ryman calado e tranquilo, logo arrebatou o microfone ao Adam. —Como funciona<br />

esta coisa?<br />

242


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Empurra o botão para falar. Solta-o para escutar. Eles não podem ouvir nada a menos<br />

que o botão esteja abaixo.<br />

Clay subiu o volume com a manivela do alto-falante desligado. A estática encheu o quarto.<br />

Empurrou o botão de conversação.<br />

—Base ao Jackson - disse Clay, tragando seu acento. —Aqui Ryman. Temos problemas<br />

com a equipe. Repito...<br />

—Merda, Paul - voltou a voz. —Posso te ouvir apenas. Respondi que temos uma violação.<br />

A porta de merda foi tirada. Supondo que explosivos, mas merda, deveria ver isto. Nada mais que<br />

cinza. Uma bomba infernal.<br />

—Não - disse Adam, Sorrindo abertamente. —Um meio demônio infernal.<br />

Clay lhe fez gestos para que calasse, logo pulsou o botão do microfone — Onde está…-o<br />

coronel Tucker?<br />

—A última vez que o vi, estava no nível dois, tomando o inventário no armário de armas.<br />

Ele não responde seu rádio?<br />

—Tentarei outra vez. Mantenha sua posição. Envio reforços.<br />

Clay deu o microfone ao Adam, logo gesticulou desde mim ao Ryman.<br />

—Quê-lo? - perguntou.<br />

Encontrei os olhos do Ryman com um frio olhar. —Não realmente. Segue adiante e matao.<br />

Os olhos do Ryman se incharam. Sua boca se abriu, mas antes que algo saísse, Clay<br />

rompeu seu pescoço. Uma vez que Adam terminou de desconectar a rádio e os sistemas de<br />

segurança, dirigimo-nos para o armário de armas.<br />

***<br />

Agora, não sabíamos exatamente onde encontrar o armário de armas. O guarda havia dito<br />

nível dois, o que o reduzia algo. De minhas excursões ao hospital, tinha aprendido que o segundo<br />

piso se parecia muito ao nível inferior, um bloco grande com um único corredor que se unia ao<br />

elevador. Isto o fazia mais fácil. Tudo o que tínhamos que fazer era revisar a cada quarto até que<br />

encontrássemos ao Tucker. Fazer que Ryman dissesse a posição exata do armário de armas teria<br />

tomado muito tempo.<br />

Em nossa busca, encontramos e matamos a dois cozinheiros. Não, não nos ameaçaram.<br />

Não, não os percebemos como uma ameaça. A desagradável verdade era que tínhamos que matar<br />

a todos. Não importando quão inócuos pudessem parecer, até o empregado mais humilde possuía<br />

a arma mais perigosa de todas: conhecimento. Sabiam que existíamos, e por isso, não podíamos<br />

lhes permitir deixar o complexo.<br />

***<br />

Procurando o Tucker, encontramos ao Matasumi em um quarto fechado com chave, ou<br />

deveria dizer, cheirei-o através de uma porta fechada com chave. Escutamos durante um<br />

momento, logo Paige lançou um feitiço menor para abri-lo. Ela confessou que o feitiço só<br />

funcionava em fechaduras simples, mas já que era silencioso, decidimos tentar isso antes de<br />

empregar técnicas físicas. Funcionou e abrimos a porta. Olhei atentamente dentro e vi o<br />

Matasumi sentado frente a um computador. Estava sozinho. Fechei a porta silenciosamente,<br />

dando um golpe a Paige no queixo quando ela estirou o pescoço para jogar um olhar dentro.<br />

243


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Tudo limpo - sussurrei. —Ele trabalha em um computador. Não parece compreender que<br />

haja um problema.<br />

—Ele sabe - disse Paige. —Viu os discos Zip? A mochila? Está fazendo uma cópia de<br />

segurança dos dados e apagando o disco rígido antes de arrancar.<br />

—E está a ponto de encontrar um engano fatal - disse Adam, Sorrindo abertamente. —<br />

Importa se me ocupo deste?<br />

—Vi uma arma no escritório - disse Paige. —Uma grande. Provavelmente agarrou a maior<br />

que pôde encontrar.<br />

Clay me jogou uma olhada.<br />

—Duvido que tenha a menor idéia de como usá-lo - Assenti com a cabeça ao Adam. —<br />

Seguro, vai. Cobrir-lhe-emos. Só sej...<br />

—Cuidado - disse Adam. —Sei.<br />

Abri a porta. Matasumi olhava a parede lateral. Seus dedos voavam através do teclado.<br />

Enquanto Adam entrava no quarto, Matasumi se inclinou para pôr outro disco na unidade. Viu o<br />

Adam e se congelou, logo jogou uma olhada à arma na esquina do escritório. Sua mão saiu como<br />

uma flecha, mas Adam arrebatou o rifle antes que Matasumi se aproximasse.<br />

Adam brandiu a arma e assobiou. —Isto é um bom pedaço de capacidade armamentícia.<br />

Tem uma licença para ela, Doutor?<br />

Matasumi se congelou outra vez, sua mão ainda estendida.<br />

—Não acredito - disse Adam. —Eu tampouco, por isso nos desfaremos disto antes que<br />

alguém saia ferido.<br />

Adam começou a sacudir a arma para o Clay, logo o pensou melhor, pô-la no chão, e a<br />

lançou para nós com seu pé.<br />

—Adam Vasic - murmurou Matasumi.<br />

—Sabe meu nome? Sinto-me adulado.<br />

Adam agarrou a mão do Matasumi e a sacudiu. Matasumi grunhiu e tratou de tirar sua<br />

mão. Contemplou as manchas vermelhas brilhantes em sua palma, logo ofegou para o Adam,<br />

como se fosse incapaz de acreditar que ele o tinha queimado.<br />

—Ups - disse Adam. — Lamento isto, Doutor. Não obtive completamente manter o<br />

controle ainda - Adam se girou para o computador. —Estava trabalhando? É um pedaço de<br />

hardware. Paige, vê isto? O que é?<br />

Adam se inclinou e entortou os olhos para a CPU. Estendeu a mão e a tocou. Faíscas<br />

voaram. Os circuitos arrebentaram. Matasumi se sacudiu atrás.<br />

—Maldição! - disse Adam — Isto tem má cara. Acredita que pode arrumá-lo, Paige?<br />

—Sinto muito, não sou técnica.<br />

Adam sacudiu sua cabeça. —Suponho que somos uns pobres sem sorte, Doutor. Isto<br />

lamento. Que fazia você de todos os modos? Descarregar arquivos? - Adam fez arrebentar o disco<br />

da unidade. Chispou, logo se derreteu como cera entre seus dedos. —Ai! Espero que tenha cópias<br />

de segurança.<br />

Os olhos do Matasumi piscaram para uma prateleira fechada com chave acima. Clay<br />

avançou e o rompeu. Adam observou um punhado de discos. Estes se desintegraram a seu toque,<br />

deixando só pedaços carbonizados de plástico e metal.<br />

—Vê? - disse, mostrando ao Clay seu punho cheio disto cinzas é o que passa quando me<br />

ajuda a reforçar meus poderes. Inclusive pior que a maldição do Rei Midas. Ao menos o ouro tem<br />

valor — deu a volta para o Matasumi e se encolheu de ombros. —O sinto, Doutor, mas realmente<br />

é para melhor. Não podemos deixar que essa informação saia fora destas paredes, verdade? Oh,<br />

244


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

espere. Há um banco de cor mais que tenho que apagar. Minhas desculpas de antemão.<br />

Adão tirou um cabo do computador e o pôs ao redor do pescoço do Matasumi. Durante um<br />

segundo, Matasumi não pareceu compreender o que acontecia. Então suas mãos voaram a sua<br />

garganta. Muito tarde. Quando Adam atirou o cabo com força, este se acendeu, flamejou, logo<br />

morreu quando Matasumi caiu de lado, rígido.<br />

—Desfrutou de muito - disse Paige.<br />

Adam só sorriu abertamente —Que espera? Sou um demônio.<br />

—Meio demônio.<br />

—E um demônio inteiro teria torturado ao pobre primeiro tipo. Ao menos eu fui<br />

misericordioso.<br />

—Termina de destruir os arquivos e o computador - disse Clay. —Logo nos movemos.<br />

***<br />

—Deveria me pôr em contato com o Kenneth agora? - perguntou Paige quando deixamos<br />

o quarto.<br />

Clay sacudiu sua cabeça e seguiu andando.<br />

—Mas Jeremy disse que os notificássemos uma vez que estivéssemos dentro e tivéssemos<br />

os sistemas abaixo.<br />

—Não, ele disse que o notificasse quando Elena te dissesse que o fizesse.<br />

Paige me jogou uma olhada.<br />

Sacudi minha cabeça —Não ainda.<br />

—Mas poderíamos usar sua ajuda.<br />

—A ajuda de quem? - disse Clay, detendo-se de repente e girando para ela. —Kenneth?<br />

Ele não pode lutar. Cassandra? Ela poderia lutar, se queria fazê-lo. Chamaremo-los quando<br />

estiver claro.<br />

—Mas...<br />

—Mas nada - Clay franziu o cenho para o Paige. —Me está pedindo que ponha a meu Alfa<br />

em uma posição potencialmente perigosa onde não só é o único lutador, mas também onde, além<br />

disso, é responsável pelas outras duas pessoas. Não farei isso.<br />

—Sinto-o - murmurou Paige enquanto Clay dava a volta.<br />

Clay girou para ela —O que?<br />

—Respondi, sinto muito.<br />

Clay vacilou, lançou-lhe um brusco assentimento, e logo nos fez gestos para que<br />

calássemos e começou a avançar outra vez.<br />

***<br />

Encontramos o armário de armas. Para minha surpresa, realmente era um quarto inteiro.<br />

Hey, nunca estive na milícia. Ouço o termo ―armário de armas‖ e imagino um armário de escola<br />

secundária cheio do AK-47 e amadurecidas em vez de meias três-quartos fedorentos e sanduíches<br />

de presunto de semanas.<br />

Movi-me sigilosamente para uma entrada aberta, joguei uma olhada à volta da esquina, e<br />

vi o Tucker rabiscar em uma prancheta. Não só estava sozinho, mas também nos dava as costas.<br />

Talvez Bauer tinha tido um ponto quando fez esse pequeno discurso sobre a confiança na<br />

tecnologia na época pós industrial. Estes tipos estavam tão convencidos da impenetrabilidade de<br />

245


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

seu sistema de segurança de alta tecnologia que, enquanto que nenhum alarme ressonasse,<br />

sentiam-se seguros. Tucker nem sequer estava armado. Realmente, onde estava o desafio?<br />

Retrocedi ante a porta e fiz gestos ao Clay. Ele se arrastou a meu lado, jogou uma olhada<br />

ao redor da porta, e sacudiu sua cabeça. Lançamos a uma conversa de sinais. Então assenti com a<br />

cabeça, retrocedi, e fiz gestos ao Adam e a Paige para que avançassem. Clay se deslizou ao redor<br />

da porta, seus sapatos silenciosos contra o linóleo. Quando Adam tratou de segui-lo, pus minhas<br />

mãos para detê-lo. Clay podia dirigir isto sozinho. Melhor se ficávamos escondidos.<br />

Fechei meus olhos para afiar meu ouvido e rastreei o sussurro da respiração do Clay,<br />

riscando um mapa contra Tucker. O espaço entre eles se fechava. Então, quando esperei o som do<br />

ataque, dois cliques fortes romperam o silêncio. Armas.<br />

Investi contra a entrada aberta. Paige agarrou as costas de minha camisa, me detendo<br />

enquanto dois guardas saíam de seus esconderijos, suas armas na cabeça do Clay.<br />

246


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

ANIQUILAÇÃO<br />

Clay se congelou a metade do passo. Seus olhos vacilaram de um guarda ao outro, mas<br />

não se moveu, nem sequer completou seu passo. Tucker se deu volta para confrontá-lo, Sorrindo.<br />

—Então é você - disse Tucker. —O bruto que tirou meus homens perto de Augusta. Se<br />

não tivéssemos encontrado a câmara, eu não o teria acreditado. Três de meus melhores homens.<br />

Assassinados por um cão raivoso.<br />

Clay não disse nada. Adam, Paige, e eu desabamos parados na entrada aberta. Tucker não<br />

fez caso de nós.<br />

—Não foi uma má idéia, inutilizar as rádios e alarmes - disse Tucker. —Nada mal, mas<br />

tampouco brilhante. Subestimou quão bem treinei a meus homens. Logo que Jackson<br />

compreendeu que tínhamos uma violação, ele enviou a um de sua equipe para me advertir<br />

pessoalmente.<br />

Paige sustentou meu braço. Enquanto Tucker falava, ela o apertava. Pensando que estava<br />

assustada, não a afastei. Então ela me beliscou com tanta força que tive que morder um gemido.<br />

Quando a fulminei com o olhar, ela assentiu com a cabeça quase imperceptivelmente para o<br />

guarda próximo. Devolvi-lhe uma sacudida de cabeça igualmente discreta. Não havia maneira de<br />

que eu pusesse em perigo a vida do Clay atacando um guarda. Paige apertou meu braço com mais<br />

força e me lançou um olhar impaciente. Dava-me volta longe.<br />

Tucker continuou —Sim, sei que estamos quatro a três agora mesmo. Não são<br />

probabilidades excepcionais para nosso lado, mas espero que melhorem em qualquer momento.<br />

Um de meus homens reúne a reserva enquanto falamos - Ele inclinou sua cabeça. —Ouço<br />

passos? Acredito que o faço. Mas você é o que tem audição biônica. Diga-me, Quantos homens<br />

se aproximam? Quatro? Seis? Dez?<br />

Paige murmurou em voz baixa. Não soava como espanhol... merda! Ensaiava lançando um<br />

feitiço. Antes que pudesse detê-la, o guarda que estava mais longe de nós se esticou. Olhou de um<br />

lado ao outro, só com movimento de olhos, lentamente entrando em pânico. Soube então o que<br />

Paige tinha arrojado: um feitiço de agarre. Paige liberou seu apertão a meu braço e voei para o<br />

guarda mais próximo. Enquanto me lançava para ele, um tiro saiu despedido para o teto. Atirei a<br />

arma de suas mãos enquanto caíamos ao chão. O segundo guarda se dava volta agora, o feitiço<br />

quebrado.<br />

Adam passou por cima de mim e lançou ao outro guarda para a parede. Clay agarrou ao<br />

Tucker pelo pescoço. Enquanto conduzia meus punhos para o estômago de meu objetivo, seu<br />

joelho me apanhou no peito, me girando. Aroma de carne ardendo encheu o quarto. O outro<br />

guarda gritou. Ao som, meu guarda vacilou justo o suficiente para aguentar minha respiração.<br />

Levantei-o sobre minha cabeça e o lancei para um jogo de pesadas prateleiras de aço. A parte de<br />

atrás de sua cabeça se golpeou na esquina da prateleira superiora. Pendurou ali um minuto,<br />

suspenso no ar. Seus olhos piscaram uma vez, logo derrubou sua cara para o chão, o sangue saía a<br />

fervuras de uma greta detrás de seu crânio. Clay comprovou o pulso do guarda enquanto me<br />

parava.<br />

247


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Morto - disse.<br />

Uma olhada ao Tucker e ao outro guarda me disse que eles sofriam da mesma condição.<br />

—Pode ouvir alguém vindo, querida? - perguntou Clay.<br />

—Tucker estava mentindo - respondi. —Mas vêm agora. Ao menos quatro. Não menos de<br />

sete. Deveríamos correr.<br />

—Correr? - disse Adam —Seus sete contra nós quatro? Essas são probabilidades decentes.<br />

—Quero excelentes, não decentes. Sete a quatro quase garante uma perda em nosso lado.<br />

Oferece-te para a posição?<br />

Adam jogou uma olhada ao Clay.<br />

—Elena tem razão - disse Clay. —Corremos agora e esperaremos a que se dispersem. Se<br />

não o fizerem, escolhemos o campo de batalha. Aqui, estamos abandonados.<br />

Deixamos o armário de armas.<br />

***<br />

Embora eu podia ouvir a chegada dos guardas, não estavam à vista ainda. Vimo-los a volta<br />

da esquina. Então nos metemos em uma entrada aberta.<br />

—Estão no armário de armas - sussurrei enquanto escutava. —Falam... vêem o Tucker.<br />

Um –não, dois ficam para verificar sinais de vida. O resto vai seguir procurando. Reduziram a<br />

marcha a um passo, mas vêm por este caminho.<br />

—Separaram-se - murmurou Clay. —Mas não por muito tempo.<br />

Dava-me volta o Paige. —Pode lançar esse feitiço de cobertura?<br />

—Claro - disse.<br />

—Isso funciona... realmente?<br />

Sua cara se obscureceu. —É obvio —se deteve e assentiu com a cabeça. —Funcionará. É<br />

um feitiço nível três. Sou uma aprendiz nível quatro. Feitiços de agarre são de quarto nível, que é<br />

o por que me dão um pouco de problemas.<br />

—Bem. Vocês três esperem aqui na entrada. Paige lançará seu feitiço de cobertura.<br />

Fiquem quietos e não lhes verão. Não me cubra, Paige. Serei o chamariz e os conduzirei diante de<br />

vocês. Clay e Adam podem atacar pelas costas. Uma vez a atenção dos guardas, e suas armas,<br />

estejam longe de mim, unir-me-ei à luta.<br />

Paige sacudiu sua cabeça. —Eu serei o chamariz.<br />

—Não temos tempo para discutir - disse Clay.<br />

—Você, Adam, e Elena são lutadores. Eu não. Melhor ter três ao ataque. Além disso,<br />

Elena pode não parecer muito ameaçador, mas quando estes tipos me vejam, as palavras ‗chutem<br />

o traseiro da cadela‘ não entrarão sequer em suas mentes. Não esperarão uma luta.<br />

—Ela tem razão - disse Clay.<br />

Vacilei.<br />

—Estaremos aqui mesmo - me sussurrou Clay, muito baixo para que outros ouvissem. —<br />

Ela estará bem.<br />

—A seus lugares todos - disse Paige. —Aqui vêm.<br />

***<br />

Na conseguinte batalha, Adam apanhou uma bala no ombro. Doloroso, mas não<br />

incapacitante. Os guardas morreram. Todos, os quatro que tinha vindo pela esquina, mais os dois<br />

248


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

que se ficaram para verificar ao Tucker, mais outros três que chegaram antes de que Paige<br />

terminasse de lançar um feitiço de cura para deter o sangrado do Adam. Nove guardas. Todos os<br />

mortos. Quando terminamos, Paige ficou de pé entre os guardas mortos, olhou os corpos, e se<br />

perdoou. Passou os poucos minutos seguintes em um quarto vazio. Não a incomodamos. Ela não<br />

era quão única havia visto suficiente morte esse dia. Quando pensei em toda a matança por vir, os<br />

guardas e o resto do pessoal que não tínhamos encontrado ainda, minha própria resolução<br />

começou a vacilar. Era muito. Sim, eu tinha matado antes, mas tinham sido guias de ruas,<br />

assassinos, e suas mortes tinham sido espaçadas durante todos meus anos como lobisomem.<br />

Matar a tantas pessoas, em um tempo tão curto... eu sabia que teria pesadelos sobre este dia, que<br />

veria suas caras, perguntar-me-ia se tinham mulheres, noivas, meninos. Disse-me que não podia<br />

pensar nisto. Tinham que morrer para proteger nossos segredos. Tinham entendido o perigo<br />

quando foram contratados neste projeto. Saber isso não o fazia nem um pouco mais fácil. Os<br />

corpos se amontoavam, e desesperadamente quis encontrar algum modo de evitar a matança. Mas<br />

não havia nenhum outro caminho. Todos tinham que morrer.<br />

Adam, Clay, e eu não trocamos nem sequer uma palavra enquanto Paige se foi. Quando<br />

ela voltou, sua cara estava pálida, mas severa.<br />

—Terminemos com isto - disse.<br />

Adam piscou e olhou ao redor confuso, como um sonâmbulo que acorda no pátio de trás.<br />

Sua cara estava tão pálida como a do Paige. Neurose de guerra. Clay olhou de Paige ao Adam e<br />

logo a mim. Descansou as gemas de seus dedos em meu braço e me girou, me confrontando.<br />

—Eu terminarei - disse. —Vocês tiveram suficiente. Mostre-me onde olhar e cobre minhas<br />

costas. Farei o resto.<br />

Encontrei seus olhos. Ele pareceu tão cansado como eu me sentia. Não fisicamente<br />

esgotado, a não ser mentalmente apagado. Tinha tido o bastante, também. Quando toquei sua<br />

mão, ele apertou meus dedos.<br />

—Encontremos um lugar seguro para eles - murmurei, muito baixo para que Paige e Adam<br />

ouvissem. —Então você e eu terminaremos.<br />

Clay vacilou.<br />

—Jeremy nos disse que ficássemos juntos - respondi. —Não te deixarei lutar sozinho.<br />

Clay procurou minha cara, logo exalou lentamente. —De acordo, querida. Vamos terminar<br />

isto então poderemos ir a casa.<br />

***<br />

Deixamos a Paige e ao Adam atrás. Paige esteve de acordo sem fazer comentários. Adam<br />

protestou, mas o separei para falar à parte e lhe expliquei que estávamos preocupados com Paige<br />

e não nos atrevíamos a abandoná-la sem alguém que fizesse guarda. Acredito que Adam sabia<br />

melhor, mas depois de ver um modo de sair de ação com sua dignidade intacta, aceitou a<br />

mudança de projetos e escoltou a Paige a um quarto vazio.<br />

Clay e eu cobrimos o segundo nível inteiro duas vezes. Quando não encontramos nenhum<br />

sinal do Winsloe, fomos acima, saímos do complexo, e comprovamos potenciais escapamentos.<br />

Os quatro veículos estavam ainda na garagem. Matamos dois guardas que freneticamente<br />

tratavam de arrumar um. Logo rodeamos o perímetro do complexo, escutando e cheirando por<br />

alguém que pudesse ter escapado aos bosques. Nada. Nenhum rastro do Winsloe tampouco.<br />

Quando voltamos com Paige e Adam, pedi a Paige que seguisse adiante e contatasse com<br />

o Kenneth. Era momento de que Jeremy se unisse a nós. Levar-lhes-ia a menos trinta minutos<br />

249


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

passar através dos bosques. Então, estaríamos preparados para receber sua ajuda limpando e<br />

destruindo provas. Primeiro, entretanto, tínhamos uma última tarefa: limpar as celas.<br />

EMANCIPAÇÃO<br />

Paige e Adam insistiram em nos acompanhar abaixo. Segundo minha conta, a maior parte<br />

dos guardas estavam mortos já, então lhes deixamos vir. Tal como esperava, só estavam os dois<br />

homens habituais que dirigiam a estação de guarda do bloco de celas. Clay e eu os despachamos,<br />

logo dirigimos às celas. O trabalho do Adam desconectando o sistema significava que todas as<br />

portas de segurança estavam abertas agora, por isso poderíamos desprezar a bolsa de partes de<br />

corpo que Clay tinha recuperado desde fora.<br />

Antes de entrar no bloco de celas, Clay e eu nos separamos. Sim, Jeremy nos tinha<br />

advertido que não o fizéssemos, mas entendia que ele não queria dizer que não devíamos deixar<br />

de nos ver absolutamente. Ele confiava em mim para usar minha discrição, e essa discrição dizia<br />

que seria melhor que dois de nós entrassem em bloco de celas por portas opostas. Estivemos fora<br />

de contato durante só uns segundos enquanto passávamos pelo corredor para o bloco de celas.<br />

Entrar por portas separadas significava que ninguém poderia escapar pelo outro lado enquanto<br />

entrávamos. Uma precaução desnecessária. Winsloe não se escondia no corredor de celas.<br />

Ninguém o fazia. Paige e eu entramos pró o lado da estação de guarda, e, enquanto passávamos<br />

pela porta, Adam e Clay se dirigiam já para nós da outra porta.<br />

—Deveríamos deixá-los a todos livres - chamei quando eles se aproximaram.<br />

Clay assentiu com a cabeça — Nos dá uma possibilidade de verificar as celas para<br />

procurar o Winsloe.<br />

—É ela? - sussurrou Paige.<br />

Dava a volta para ver que ela se deteve na cela do Savannah. Dentro, Savannah jogava em<br />

um Game Boy, seu nariz franzido devido à concentração.<br />

—Ela está bem - disse. —Bem.<br />

—Podemos soltá-la? - disse Paige, ainda cochichando, como se Savannah pudesse nos<br />

ouvir por acaso.<br />

Sacudi minha cabeça. —Vejamos primeiro a Leah. Assegure-te que ela está em sua cela.<br />

A cela de Leah ainda estava ao lado da de Savannah, e infelizmente ela estava também<br />

viva e bem, sentada em sua cadeira, seus pés apoiados em uma mesa, lendo uma Cosmo.<br />

Adam olhou atentamente cela — Esta é ela? A malvada Leah? Não me parece muito<br />

perigosa. Eu poderia levá-la.<br />

Paige pôs seus olhos em branco. —Incrível. Uma porta desintegrada e o moço de fogo<br />

acredita que é o rei dos demônios.<br />

—Moço? - chispou Adam. —Sou um ano mais velho que você.<br />

—Movam-se - disse Clay. —Enquanto que está trancada, deixaremo-la ali até que Jeremy<br />

dita o que terá que fazer.<br />

Adam jogou um último olhar de saudades a Leah, logo se girou para mim —Agora o que?<br />

—Você e Clay podem verificar quantas outras celas estão ocupadas enquanto Paige e eu<br />

falamos com Savannah.<br />

Enquanto Clay e Adam ficavam em marcha fazia abaixo pelo corredor, Paige e eu nos<br />

aproximamos da cela de Savannah. Dentro, ela ainda jogava com seu videojogo. Fizemos uma<br />

pausa fora da porta.<br />

—Disse- minha mãe ao Savannah algo sobre mim? - perguntou Paige.<br />

250


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Assenti com a cabeça —Ela sabe que esperar, que vai cuidar dela. Ou, que esse era o plano,<br />

embora suponha que enquanto volta para seu Aquelarre, isso seria suficiente. Duvido que Ruth<br />

realmente esperasse que adotasse a uma menina de doze anos.<br />

—Ela o fazia - disse Paige. —Embora eu não esteja segura do que pensará Savannah da<br />

idéia.<br />

—Oh, estará bem - estendi a mão para o trinco. —Pronta?<br />

Um pouco parecido ao pânico revoou através da cara de Paige. Então exalou, endireitou<br />

sua blusa, e passou uma mão através de seus cachos, como se preparasse para uma entrevista<br />

trabalho.<br />

—De acordo - disse. Ela se estirou por diante de mim, abriu a porta, e entrou. —Olá,<br />

Savannah.<br />

Savannah se levantou de um salto, o Game Boy se estrelou contra o chão. Seus piscaram<br />

por cima do Paige e me viram. Sorrindo abertamente, ela correu e lançou seus braços ao redor de<br />

mim.<br />

—Eu sabia que voltaria - disse.<br />

Ouch. Isso dói. Realmente dói. Mas havia tornado, verdade? Só lamentava não ter tido fé<br />

suficiente para não abandoná-la em primeiro lugar.<br />

—Esta é Paige Winterbourne - disse. —Ruth...<br />

—A filha - terminou Paige.<br />

Savannah se girou para Paige. Eram da mesma altura.<br />

—Esta é a bruxa que supostamente me cuidará? - Savannah olhou desde mim a Paige,<br />

então se voltou para mim. —Que idade tem ela?<br />

—Tenho vinte e dois anos - disse Paige, Sorrindo.<br />

Os olhos de Savannah se alargaram de horror. —Vinte e dois? Ela é apenas mais velha que<br />

eu!<br />

—Falaremos disto mais tarde - disse. —Agora mesmo…<br />

—Quem é ele? —Ela assinalou ao Clay, que estava de pé na entrada, logo compreendeu<br />

que estava lhe apontando e converteu o gesto em uma onda.<br />

—Clayton - disse. —Mi...<br />

—Ruth me contou sobre ele. Seu marido, verdade?<br />

—Uh-fui.<br />

Savannah dirigiu ao Clay a versão adolescente de um olhar, que não se estendeu mais<br />

abaixo de seu pescoço. Ela assentiu com a cabeça com aprovação, logo avançou, quase<br />

tropeçando comigo.<br />

—Quem é esse?<br />

—Adam Vasic - disse Adam, entrando no quarto fingindo uma reverência.<br />

Savannah sufocou uma risada parva —Ruth te mencionou. O demônio de fogo. Isso não<br />

soa muito mau, mas o que pode fazer? Além de começar incêndios?<br />

—Realmente deveríamos... - começou Paige.<br />

—É Savannah Levine, verdade? - perguntou Adam.<br />

Savannah assentiu com a cabeça. Adam ampliou sua mão com um floreio, fez uma pausa,<br />

logo pôs seu dedo na parede. A parede jogou fumaça. Usando seu dedo, gravou S. L., logo<br />

desenhou um coração ao redor disso.<br />

A cara do Savannah se acendeu, mas lutou para escondê-lo sob um véu de indiferença. —<br />

Não está mau. Mas qualquer pode fazer isso com uma lupa. Não tem algum poder verdadeiro?<br />

—Mais tarde - disse Clay. —Temos duas celas mais que desocupar.<br />

251


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Adam se apartou para deixar passar a Savannah, sustentando a porta aberta para ela. Ela<br />

pretendeu ignorá-lo, mas não pôde esconder um diminuto sorriso e uma última olhada a suas<br />

ilustrações na parede. Pobre Xavier. Tão facilmente expulso dos afetos de Savannah por um meio<br />

demônio mais jovem, mais poderoso. Quão volúvel é o coração de uma moça de doze anos.<br />

Quando Savannah passou por diante do Adam, chocou-se com o Clay que bloqueava a<br />

saída.<br />

—Ela fica aqui - disse ele. —Paige pode cuidar dela.<br />

Savannah grunhiu.<br />

—Deveríamos havê-la liberado ao final - disse Clay. —Ainda podem haver guardas por aí.<br />

Não quero que ela perambule.<br />

—Não perambularei...<br />

Clay a cortou com um olhar. Eles travaram seus olhares, logo Savannah deixou cair seu<br />

olhar fixo.<br />

—Bem - disse ela. Girou-se sobre seus calcanhares, observou sua cama, e se lançou em<br />

cima dela, com os braços cruzados, de cara à parede.<br />

—Adam, permanece com elas - disse Clay. —Monta guarda.<br />

—Não necessito a ninguém para me proteger - disse Savannah, atirando e sentando-se, o<br />

ressentimento desaparecendo quando Adam se aproximou. —Mas pode cuidar dela - sacudiu seu<br />

queixo para o Paige. —Ela parece necessitar ajuda.<br />

—Isto vai ser divertido - murmurou Paige em voz baixa. —Não podiam me haver<br />

encontrado uma pequena e doce bruxa de oito anos?<br />

—Poderia ser pior - respondi. —Poderia ter dezesseis.<br />

—Um dia, tê-los-á.<br />

***<br />

Ficavam dois presos. Curtis Zaid, o sacerdote vodun, e um novo cativo na cela em frente<br />

de minha velha cela.<br />

—O que pensa que é? - Perguntei ao Clay, inclinando minha cabeça para estudar ao<br />

recém-chegado. —Ouvi que eles tratavam de capturar a um vampiro, mas este tipo não parece<br />

muito anêmico, verdade?<br />

Era uma subestimação. O homem na cela media quase 1.90 metros, com amplos ombros e<br />

pleno de músculos, luzidos através uma camiseta sem mangas e jeans gastos. Definitivamente não<br />

estava anêmico.<br />

—Pode deixar de babar, querida - disse Clay.<br />

Fiz-lhe uma careta e olhei de novo ao estranho —Acredita que é um vampiro?<br />

—Quer que meta meu pescoço e o averigúe?<br />

—Talvez mais tarde. No momento, acredito que deveríamos deixá-lo onde está. Só para<br />

estar seguros.<br />

Caminhamos para a cela do Curtis Zaid. Olhei-o através do vidro transparente<br />

unidirecional, tratando de lotear sua estabilidade mental.<br />

—Parece estar bem - disse. —Não vocifera nem amaldiçoa. Acredito que o pobre tipo se<br />

perdeu, mas não é perigoso. Não tem nenhum poder verdadeiro. É mais provavelmente uma<br />

chateação que uma ameaça.<br />

—Vamos tirá-lo, então - disse Clay, abrindo a porta.<br />

Quando entramos na cela, Zaid se girou e tirou algo de sua cabeça. Aparelhos de surdez,<br />

252


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

conectados a um reprodutor do CD sobre a mesa. Ele fechou seu livro e o pôs em cima de um<br />

gravador de vídeo. CDs? Vídeos? Inferno, tudo o que alguma vez consegui foram velhos livros e<br />

uma televisão com duas estações. Talvez deveria ter arrojado maldições.<br />

—Estamos aqui para te tirar, Curtis - disse.<br />

Zaid não pareceu nada surpreso. Talvez estava muito ido. Nos ignorando, ficou de pé e se<br />

dirigiu para a porta. Movemo-nos para trás para deixá-lo passar. Caminhou para o corredor,<br />

deteve-se, e olhou ao redor, como se esperasse uma armadilha. Então avançou para a saída.<br />

—Uh, não queremos ir ainda - chamei. —É uma larga excursão à cidade mais próxima.<br />

Zaid seguiu caminhando.<br />

—Deixe ir - disse Clay. Não se irá longe. Encontraremo-lo antes que nos partamos.<br />

Savannah correu de sua cela. Adam girou de sua posição de guarda e tratou de apanhar seu<br />

braço, mas a perdeu.<br />

—Já estão preparados? - chamou ela. —Podemos ir agora? Ouça, esse é o Sr. Zaid? - Ela<br />

se deteve uns metros do Zaid, olhando-o para cima, e dando um diminuto passo para trás. —Isto<br />

não é um vodu...<br />

—Savannah! - Paige disse, correndo da cela. —Te disse que ficasse...<br />

Ela se deteve de repente. Segui seu olhar fixo ao Zaid, quem se tinha detido e dava volta<br />

lentamente para confrontar às duas bruxas. Paige estava branca. Completamente branca. Zaid<br />

levantou sua mão como se saudasse. Os pés de Savannah voaram de debaixo dela. Navegou<br />

através do ar.<br />

—Savannah! - gritou Paige e se lançou para a moça.<br />

O corpo de Savannah se debateu no ar durante um segundo, logo foi arrojado para nós<br />

como uma rocha. Não, não para nós. Para a parede atrás de nós. Clay e eu nos giramos,<br />

estendendo os braços para agarrá-la. Seu corpo pegou em meu ombro com força suficiente para<br />

me lançar de repente contra a parede. Clay investiu, nos apanhando a ambas antes que nos<br />

golpeássemos contra o chão.<br />

Olhei por cima do ombro do Clay e vi Paige parada a cinco metros do Zaid. Estavam um<br />

em frente ao outro, ambos os silenciosos. Os lábios do Zaid se torceram em um sorriso diminuto.<br />

—Passou muito tempo desde que tive o prazer de encarar a uma bruxa - disse ele. —E<br />

aqui tenho a duas. Infelizmente para elas são só aprendizes. Poderíamos ter tido um pouco de<br />

diversão.<br />

Ele revoou uma mão e os joelhos de Paige se apertaram. Ela tropeçou, mas se agarrou.<br />

—Melhor uma aprendiz de bruxa que um feiticeiro que apunhale pelas costas - disse ela.<br />

—Katzen - sussurrei.<br />

Enquanto me punha de coque no estou acostumado a sustentando a Savannah, Adam e<br />

Clay avançaram para o Katzen desde lados opostos. Ele jogou uma olhada para eles e fez um<br />

círculo com uma mão. Clay se deteve em seco, piscando. Estendeu uma mão. Sua mão parecia<br />

golpear algo com força, mas invisível. Balançou seu punho, mas sua mão foi detida metade da<br />

oscilação. Katzen nos lançou um olhar aborrecido.<br />

—Não se incomode - disse. —Isto é entre a bruxa e eu. Desfrutem de do espetáculo, mas<br />

não fiquem muito cômodos. Isto não durará muito tempo - se girou por volta de Paige. —Me<br />

sinto magnânimo hoje, bruxa. Renda-te e te deixarei ir.<br />

—Não há trato - disse Paige. —Mas se te render, deixarei-te ir.<br />

Katzen moveu sua boneca. Esta vez Paige resmungou umas palavras e sua mão se<br />

paralisou. Ele dobrou seus dedos, facilmente rompendo ao feitiço de agarre, mas quando tentou o<br />

gesto outra vez, Paige o enfeitiçou, detendo sua mão antes que completasse o movimento.<br />

253


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Bom intento - disse ele. —Mas perde seu tempo. Nenhuma bruxa, em particular uma<br />

aprendiz, pode esperar lutar contra um feiticeiro. Estou seguro que conhece sua história. Vocês as<br />

bruxas fariam tão bem em recordar o passado. Tudo o que abandonaram, realmente. Bastante<br />

triste.<br />

—Conheço minhas lições de história - disse Paige. —Qualquer feiticeiro com poderes<br />

verdadeiros descende de bruxas. Ensinamos-lhes tudo, mas quando a Inquisição começou,<br />

Protegeram-nos? Não. No momento em que foram o objetivo, deram-lhes nossas cabeças em<br />

bandeja de prata. Demos-lhes poder e vocês nos traíram.<br />

—Possivelmente me equivoquei - disse Katzen. —A história não é tudo o que<br />

abandonaram. Há amargura, também. Amargura e inveja.<br />

Katzen levantou ambas as mãos. Os lábios do Paige se moveram, mas antes que qualquer<br />

feitiço saísse, ela saltou pro ar. Golpeou a terra rodando pelo impacto, logo se desvaneceu.<br />

Desapareceu. Katzen escaneou o chão.<br />

—Um feitiço de cobertura. Que original - Ele deu a volta, pisou em forte com um pé, logo<br />

girou outra vez, pisou em forte outra vez, como se tratando de esmagar uma formiga que fugia.<br />

A barreira do Katzen o rodeava a ele e ao Paige, apanhando ao Adam no lado oposto do<br />

corredor. Os olhos do Adam brilhavam vermelhos enquanto golpeava a barreira, mas nem sequer<br />

seu poder podia nos abrir caminho. Clay passeou a nosso lado, movendo suas mãos sobre a<br />

barreira, tratando de encontrar uma violação. Eu abraçava a Savannah enquanto comprovava se<br />

tinha ossos quebrados. Ela parecia bem, só um pouco machucada e aturdida.<br />

Katzen seguiu pisando em forte o chão, movendo umas polegadas com cada golpe —<br />

Diga-me quando me aproximo, bruxa. Sabe que te encontrarei. Tudo o que tem que fazer é te<br />

mover e será apanhada. Esse é o problema com os feitiços de bruxa, verdade? Só pode te<br />

defender. Não pode devolver o golpe.<br />

Uma forma brilhou a uns metros do Katzen. Paige, movendo os lábios.<br />

—Paige! - Gritei, lhe advertindo que se revelava.<br />

Antes que Katzen pudesse dar-se volta, uma bola acesa desceu em picado do teto,<br />

golpeou-o no peito, e explodiu. Ele se cambaleou, tossiu, sua roupa se chamuscou. Moveu sua<br />

cabeça ao redor, procurando Paige. Um de seus curtos dreadlocks 24 se acendeu e golpeou sua<br />

bochecha, deixando um rastro vermelho e brilhante. Ele grunhiu e deu palmadas ao fogo, logo<br />

olhou ao redor outra vez. Paige se tinha ido.<br />

—Bem feito, bruxa - disse ele. —Esteve lendo manuais de feiticeiros?<br />

Ele começou a dizer mais, logo se deteve, dando a volta como se algo lhe tivesse saltado à<br />

vista. Seus lábios se torceram em um lento sorriso. Segui seu olhar fixo à cela de Leah. O sorriso<br />

do Katzen se alargou, e estendeu sua mão, murmurando umas palavras. Houve um clique, muito<br />

suave para que ouvidos humanos o ouvissem. Então a porta do Leah rangeu e se abriu uns<br />

centímetros. Dentro, ela se sentou, sua revista deslizando-se ao chão. Avançou para a porta,<br />

abriu-a, e saiu.<br />

DEMONSTRAÇÃO<br />

—Está perdendo toda a diversão, querida - disse Katzen quando Leah saiu de sua cela. —<br />

24 Faz referência a um corte de cabelo: Rastafaria.Original dizem de Jamaica e símbolo da cultura Rasta.<br />

254


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Por que não põe à moça em um lugar seguro enquanto trato com isto.<br />

Leah piscou, momentaneamente desorientada enquanto explorava o corredor, seu olhar<br />

cruzando-se com as figuras desconhecidas do Clay, Adam, e Paige. Corri a Savannah de meu<br />

regaço e me pus de pé. Leah viu o movimento e se deu volta.<br />

—Deveria havê-lo adivinhado - disse ela. —Bem-vinda de volta, Elena.<br />

Clay avançou para nós, tratando de não chamar sua atenção até que estivesse bastante<br />

perto para investir. Ao outro lado da barreira invisível, Adam se passeava, seus olhos ardendo<br />

sem chamas. Dava um passo em frente de Savannah.<br />

—Nem sequer o pense - respondi.<br />

—Leah? - disse Savannah, ainda parecendo aturdida. Ela lutou e ficou de pé detrás de<br />

mim. —Po… pode nos ajudar?<br />

Leah sorriu. —É obvio que posso.<br />

Lancei-me para Leah. Algo me golpeou atrás da cabeça. Quando me atirei para frente,<br />

tudo se voltou escuro. Voltei para a consciência quando me golpeei contra o chão de cimento. Os<br />

braços do Clay estavam ao redor de mim, me atirando.<br />

—Savannah - disse, me pondo de pé.<br />

Cambaleei-me, ainda aturdida pelo golpe. O quarto dava voltas. O sangue gotejava quente<br />

por minhas costas. Clay tratou de me estabilizar, mas o apartei.<br />

—Ajuda a Savannah - disse.<br />

Clay agarrou a Savannah, que agora estava de pé diante de nós. Mas sua mão não entrou<br />

em contato. Deteve-se em seco como quando ele tinha golpeado a barreira invisível ao redor do<br />

Katzen e Paige.<br />

—Nenhuma interferência de ti, lobisomem - disse Katzen. —Não necessitamos a sua<br />

classe ou ao demônio de fogo. Toma a seu amigo e a sua companheira, e vete antes que esta<br />

bruxa afie meu apetite por um desafio mais forte.<br />

Cambaleei-me para frente e me choquei com a barreira que rodeava a Savannah e a Leah.<br />

Minha cabeça ainda girava. Quando esmurrei meus punhos contra a parede invisível, a força de<br />

meus próprios golpes me enviou tropeçando atrás. Quando Clay me agarrou, vi algo no chão. Um<br />

livro, provavelmente da cela do Katzen. A esquina estava pisoteada com sangue. Meu sangue.<br />

Contemplei-o. Um livro. Leah me tinha golpeado com um ordinário livro, arrojado com força<br />

bastante para me deixar pasmada e sangrando. Olhei ao Savannah e o medo me encheu.<br />

—Deixa-a ir - respondi. —É só uma menina.<br />

Leah pôs os olhos em branco —Não me atire toda essa merda da ‗menina inocente‘, Elena.<br />

Savannah tem doze anos. Apenas uma menina. E apenas inocente - Ela riu do Savannah. —Mas<br />

não me importa isso. Cuidarei de ti.<br />

Savannah me olhou logo a Leah, ainda aturdida. Nesse momento compreendi do que tinha<br />

sido capaz Leah, organizando todos esses acontecimentos de objetos voadores e culpando a<br />

Savannah. Ela tinha tratado de fazer-se a única aliada da moça, a única a quem ela aceitaria<br />

passasse o que acontecesse. Além disso, Leah se tinha aliado de algum jeito com o Katzen, tal<br />

como Paige tinha suspeitado. Juntos tinham organizado o espetáculo de inteiro horror da noite<br />

que me escapei. Mas com que objetivo? Não importava. Agora mesmo tudo o que importava era<br />

que Paige estava apanhada com o Katzen, e Savannah estava em perigo de ir-se com Leah. Eu<br />

não podia fazer muito com a primeira parte, mas a segunda...<br />

—Ela é inocente - respondi. —Inocente de tudo o que passou aqui. Por ] que não lhe conta<br />

quem atacou realmente todos esses guardas, quem matou realmente a Ruth Winterbourne.<br />

Objetos volantes... um meio demônio telecinético. Hmmm, poderia haver ali uma conexão?<br />

255


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Mas... - Savannah piscou me olhando a mim, logo a Leah. —Você –não faria isso.<br />

—É obvio que não - disse Leah. —Eu nunca te faria mal, Savannah.<br />

—Não? - Respondi. —E os cristais que voavam? Pensa que faziam cócegas? Mas não<br />

estava ali, verdade? Comodamente apareceu depois de que teve terminado.<br />

O olhar fixo de Savannah passou de Leah a mim e logo depois de volta.<br />

—De acordo - disse ela tranquilamente. —Se for minga amiga, Leah, então deixa-os ir.<br />

Diga-lhe que deixe ir ao Paige. Ela não fez nada mau. Deixe ir e irei com vós.<br />

—Não posso fazer isso, Savannah - disse Leah. —Eles não lhe entendem. Eles lhe levarão<br />

e, quando as coisas se danifiquem, não entenderão. Sou a única...<br />

—Não! - gritou Savannah.<br />

Seu corpo se sacudiu. Durante um momento, pensei que Katzen a tinha outra vez. Lanceime<br />

para a barreira, logo vi o olhar na cara do Savannah. Seus olhos ardiam e seus rasgos estavam<br />

torcidos de raiva. Seus lábios se moveram.<br />

Leah estendeu uma mão para a moça, logo se congelou a metade do movimento. A<br />

confusão vacilou em seus olhos, logo uma crescente compreensão, logo uma pequena amostra de<br />

medo. Ela não se moveu. Nem sequer um músculo. Olhei a Savannah. Seus olhos estavam fixos<br />

em Leah.<br />

—Meu Deus - sussurrou Paige. —Ela a ligou.<br />

Katzen não pareceu notar que Paige tinha reaparecido, rompendo seu feitiço de cobertura.<br />

Em vez disso, contemplou a Savannah, logo começou a rir.<br />

—Agora há poder - disse. Ele olhou ao Paige que estava sentada nesse chão — é um<br />

feitiço de agarre, bruxa. Talvez deveria lhe haver pedido lições antes que decidisse me lançar um.<br />

Muito mal. Eu teria desfrutado de uma verdadeira prova.<br />

Ele mexeu sua mão e Paige voou para a parede. Ela golpeou o solo rodando e desapareceu.<br />

Katzen renovou sua busca pisando em forte. Atrás deles, Savannah estava de pé de costas à ação,<br />

ligando a Leah. Adam, Clay, e eu olhávamos, indefesos, nossa atenção partida entre as duas<br />

batalhas.<br />

Paige brilhou quando lançou um feitiço. Katzen girou a tempo para vê-la a um metro<br />

detrás dele, e seus pés voaram, agarrando-a no estômago antes que ela terminasse as palavras.<br />

Resfolegando, Paige rodou fora de seu caminho e lutou para ficar em pé. Ela repetiu o feitiço.<br />

Outra esfera acesa fez erupção de um nada, golpeando ao Katzen entre as omoplatas e fazendo-o<br />

cair de seus joelhos. Enquanto ele caía, levantou suas mãos e Paige foi lançada pelo ar,<br />

precipitando-se contra o teto. Ela disse algo e o feitiço do feiticeiro se rompeu repentinamente,<br />

deixando-a cair ao chão com um ruído surdo e discordante de ossos. Ela rodou e desapareceu<br />

atrás de outro feitiço de cobertura.<br />

—Um repertório impressionante mas tristemente limitado - disse Katzen, ficando de pés.<br />

—Essas bolas de fogo não me matarão, bruxa. Sabe isso.<br />

—Oh, sei - disse Paige, aparecendo a uns dez metros detrás dele.<br />

Katzen girou para confrontar a Paige. Ela se sentou com as pernas cruzadas no chão, não<br />

fazendo nenhum movimento para ficar de pé.<br />

—Mas apostarei a que posso te matar - disse ela. —De fato, posso fazê-lo sem te tocar,<br />

sem sequer me parar.<br />

Katzen riu —Oh, aqui vamos. O chamariz. Faz todo o possível, bruxa. Então farei o meu.<br />

Paige fechou seus olhos e disse umas palavras. Katzen se endireitou. Contive meu fôlego.<br />

Mas nada passou. Katzen vacilou, logo começou a rir. Paige girou sua cabeça e olhou ao Clay.<br />

Ele capturou seu olhar e assentiu com a cabeça, logo deu um passo para a parede invisível... e<br />

256


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

caminhou diretamente através dela. A barreira se foi. Katzen não o notou.<br />

—Maldição - resmungou Paige. —Posso uh... Tentá-lo outra vez?<br />

Katzen rugiu de risada. Saltei sobre meus pés e me lancei para ele. Clay e Adam<br />

investiram ao mesmo tempo, e os três golpeamos ao Katzen juntos. Suas mãos voaram para<br />

lançar um feitiço. Apanhei suas bonecas, apertando-a tão forte que rompi seus ossos. Katzen<br />

ofegou. Clay agarrou sua cabeça e a girou. O corpo do feiticeiro convulsionou, golpeando ao<br />

Adam em seu lado ferido e lançando-o para trás. Logo Katzen ficou quieto. Clay comprovou seu<br />

pulso, esperado que seu coração de detivera, logo o deixou cair.<br />

—Está morto.<br />

A declaração não veio do Clay, a não ser desde mais à frente do corredor. De Savannah.<br />

Demo-nos volta para ver Leah que ainda estava enfeitiçada, suas costas para nós. Ela não havia se<br />

dado volta. Não tinha visto a luta, incapaz de tirar seus olhos de Leah sem romper o feitiço.<br />

—Está morto - disse outra vez, e compreendi que se dirigia a Leah. —Terminou.<br />

A cara de Leah estava branca. O ultraje e a pena alagaram seus olhos. Um trovão encheu o<br />

quarto. Um forte crack. Logo outro. Um pedaço de gesso voou da parede detrás de mim. As<br />

ampulhetas exploraram. Girei para Savannah enquanto uma cadeira saía da cela do Katzen. Esta<br />

golpeou a Savannah nas costas e ela se encolheu. Precipitei-me para ela, mas não o bastante<br />

rápido. Ela caiu para trás ao chão. Paige e eu a agarramos ao mesmo tempo. O vidro transparente<br />

se formava redemoinhos ao redor de nós, mesclando-se com um torvelinho de pó de gesso que<br />

caía. Clay gritou. Logo Adam. Paige e eu nos inclinamos sobre Savannah, protegendo-a da chuva<br />

de granizo de escombros. Então, tão de repente como tinha começado, deteve-se. E Leah se foi.<br />

***<br />

Clay e eu seguimos o rastro do Leah fora, mas não afastamos antes de que uma voz<br />

familiar nos chamasse. Jeremy saiu dos bosques, Cassandra e Kenneth foram detrás.<br />

—O que aconteceu? - perguntou Jeremy, tocando em nossa roupa coberta por pó e de<br />

cristais quebrados.<br />

Estendendo a mão, ele limpou um pouco de sangue de minha bochecha. Apoiei-me contra<br />

ele, fechando meus olhos para me permitir um breve momento de paz.<br />

—Está bem? - murmurou ele.<br />

—Viva - respondi. —Todos o estamos.<br />

Dava ao Jeremy um relatório completo, que concluía com a fuga de Leah. Embora eu<br />

quisesse ir atrás dela imediatamente, Jeremy rechaçou esse plano. Ele estava mais preocupado por<br />

deter o Tyrone Winsloe e descobrir a qualquer empregado que ficasse. Se Leah estava fugindo,<br />

não expor nenhum perigo imediato. Era um passeio comprido ao telefone mais próximo.<br />

Poderíamos detê-la mais tarde. Agora mesmo tínhamos que nos assegurar de que nenhuma pessoa<br />

abandonasse o complexo e levasse nossos segredos com eles.<br />

—Clay e eu iremos procurar ao Winsloe - disse.<br />

—Irei com vocês - disse Cassandra. —Encontramos só um guarda, e Jeremy se ocupou<br />

dele. Tyrone Winsloe pode ser minha última possibilidade de ter um combate real.<br />

—Elena e eu podemos dirigir isto - disse Clay. —Se quiser algo para fazer, Cassandra,<br />

anda ao segundo piso, e vê se pode encontrar algum alimento quente.<br />

Cassandra só sorriu — Não, obrigado, Clayton. Esperarei ao Winsloe. Ele deveria estar<br />

completamente quente quando terminar com ele.<br />

257


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Oh, isto me recorda - respondi. —Ainda há um cativo abandonado. Poderia ser um<br />

vampiro, mas não estamos seguros. Poderia olhar, Cassandra? Se ele for um vampiro, pode me<br />

dizer se for seguro liberá-lo. Saberia, verdade?<br />

Ela assentiu com a cabeça — Não há muitos vampiros na América do Norte. Se ele for um<br />

de nós, deveria reconhecê-lo.<br />

Depois de que voltamos para bloco de celas, conduzi a Cassandra abaixo pelo corredor<br />

para o cativo restante. Enquanto andávamos, tratei de idealizar um modo de impedir a Cassandra<br />

que acompanhasse ao Clay e a mim em nossa busca do Winsloe. Não a queria ali. Winsloe era o<br />

meu. O devia por tudo o que tinha feito, todo que tinha ameaçado fazendo. Sua morte era um<br />

assunto pessoal, algo que eu compartilharia só com o Clay.<br />

Chegamos à cela antes que idealizasse um plano. Cassandra jogou um olhar ao homem<br />

dentro e piscou. Com força.<br />

—Conhece-o? - Perguntei.<br />

Ela fez uma pausa, parecendo discutir se havia que mentir — Ele é um vampiro.<br />

Interpretei isso como que significava que o conhecia realmente. —É perigoso?<br />

—Não realmente. Tampouco muito útil. Eu não teria nenhuma pressa em liberá-lo. Ele só<br />

estorvará. Podemos voltar mais tarde.<br />

Ela deu a volta para ir-se. Agarrei seu braço. Sua pele era fresca ao toque, como alguém<br />

que tivesse passado o dia em um escritório com ar condicionado.<br />

—E se algo passa e não podemos liberá-lo mais tarde? - Respondi. —Ou é uma<br />

possibilidade que quer tomar, como quando eu estava cativa?<br />

As palavras saíram de minha boca antes que eu as compreendesse. Cassandra se deu volta<br />

e estudou minha cara.<br />

—Então Clayton te contou - disse ela. —Eu teria pensado que ele quereria cuidar seus<br />

sentimentos. Não é como isto, Elena. É um lobisomem. Um guerreiro. Um guerreiro brilhante,<br />

criativo. Não necessitou minha ajuda para escapar. Não havia nada que pudesse ter feito.<br />

—E outros? Aconselhou-os para que não me ajudassem. Que me deixassem apodrecer<br />

aqui.<br />

Cassandra suspirou —Não foi assim, Elena.<br />

—E a coisa com o Clay? Fazendo-lhe um convite antes de que meu lado da cama estivesse<br />

frio?<br />

—Eu não o chamaria ‗um convite‘. Clayton é um homem muito intrigante. Possivelmente<br />

eu estava um pouco muito intrigada, mas dificilmente pode me culpar por isso. Agora está de<br />

volta. Ele é seu homem. Isso respeito. Não tem que preocupar-se por mim.<br />

Sorri, ensinando os dentes — Confia em mim, Cassandra, não estava preocupada - Joguei<br />

uma olhada ao homem na cela. —Mas estou preocupada com este pobre tipo. Deixá-lo-ei livre.<br />

Cassandra empalideceu, logo rapidamente recuperou sua calma —Fá-lo.<br />

Ela deu a volta e se encaminhou pelo corredor, caminhando mais rápido do que eu a tinha<br />

visto alguma vez mover-se. Fugindo da cena? Hmmm.<br />

Abri a porta da cela. O homem deu a volta e me dirigiu uma olhada cautelosa.<br />

—Sim? - disse ele, cortês, mas frio.<br />

—Olá, sou Elena - Estendi minha mão. —Seu resgate do dia.<br />

—Oh? - Ainda frio. Um arqueamento de sobrancelhas. Nenhum esforço para sacudir<br />

minha mão.<br />

—Quer sair? - Perguntei.<br />

Ele sorriu, um pouco de calor descongelando a frieza —Realmente, sentia-me<br />

258


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

completamente cômodo aqui, mas se insistir, suponho que poderia me arrancar.<br />

—Temos a uma velha amiga tua conosco. Ela está impaciente por ver-te.<br />

—Amiga?<br />

—Cassandra... não estou segura do sobrenome. Cabelo castanho avermelhado. Olhos<br />

verdes. Vampiro.<br />

—Cassandra? - Seus olhos se estreitaram. —Onde?<br />

—Direito por esse corredor.<br />

Apareci pela porta. O homem passou por diante de mim e partiu para o corredor.<br />

—Cassandra! - gritou.<br />

A metade do caminho do corredor, Cassandra deu a volta. Lentamente.<br />

—Aaron! - chamou ela. Seus lábios se estiraram em um amplo sorriso quando se devolveu<br />

para a nós. —Meu Deus, realmente é você? Quanto tempo passou? Todos estes anos e já sabe,<br />

não trocaste nem sequer um pouco.<br />

—Muito gracioso - disse Aaron. —Agora, Cass...<br />

Ela juntou suas mãos com as suas e lhe deu um beijo na bochecha. —Não posso acreditar<br />

isto. Quando foi a última vez que te vi? Mil novecentos e setenta, verdade? Filadélfia?<br />

—Mil novecentos e trinta e um, Romênia - grunhiu Aaron, soltando do abraço de<br />

Cassandra. —Quinta parada de nossa Magnífica Viagem. Poderíamos ter ido a Praga, Varsóvia,<br />

Kiev, mas não, tinha que te deter em algum remanso romeno para divertir jogando a Drácula com<br />

os camponeses. E estou seguro que teria sido muito divertido se não tivesse sido encerrado com<br />

chave em um porão de igreja durante três dias e quase te afogasse em uma tina de água bendita.<br />

—Isso foi um engano - murmurou Cassandra.<br />

—Engano? Você me abandonou ali!<br />

—Ela te abandonou? - Respondi. —Imaginem isto.<br />

—Oh, não - disse Aaron, seu olhar aborrecido em cima de Cassandra. —Ela não só me<br />

abandonou. Ela me entregou. Sua pequena travessura se descontrolou, e quando a multidão veio,<br />

ela se salvou me entregando.<br />

—Não foi assim - disse Cassandra.<br />

—Estou segura de que não foi - respondi. —Bem, suponho que vocês dois têm muito que<br />

conversar. Segue adiante, Cassandra. Clay e eu podemos dirigir ao Winsloe.<br />

Quando me afastei, Cassandra tratou de me seguir, mas Aaron agarrou seu braço. Eles<br />

ainda estava discutindo enquanto Clay e eu deixávamos o bloco celas célula para procurar o<br />

Winsloe.<br />

VINGANÇA<br />

O cão estava no canil.<br />

Cheiramos ao Winsloe logo que estivemos a alguns metros fora do edifício. Exploramos o<br />

perímetro enquanto sussurrava meu plano ao Clay. Antes que terminasse, ele apanhou meu braço,<br />

me detendo.<br />

—Está segura disto, querida? - perguntou.<br />

—Oh, estou segura. Você não?<br />

259


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Clay me atirou mais perto e juntei seu rosto com o meu. —Estou seguro de que quero<br />

fazê-lo, e sou estou malditamente seguro de que o bastardo o merece. Certamente é justiça<br />

poética. Mas é realmente o que quer?<br />

—É o que quero.<br />

—Tudo bem, então. Se houver algum problema, apesar de tudo, matá-lo-ei.<br />

—Não, eu o farei.<br />

Clay vacilou. —De acordo, querida. Se tivermos uma opção, ele é teu. Mas não me<br />

conterei se estiver em perigo.<br />

—De acordo.<br />

Dirigimo-nos para a canil.<br />

***<br />

Winsloe estava sentado na parte de trás do canil. Suas costas contra a parede, os joelhos<br />

elevados, a pistola treinada sobre a porta. Uma vez que tivemos determinado sua posição<br />

observando atentamente através das poeirentas janelas, escolhemos um curso de ação.<br />

Obviamente, entrar pela porta era inadmissível. Não somos antibalas. Já que a entrada estava à<br />

esquerda do Winsloe, selecionei a janela mais próxima a sua direita. Clay me levantou, e com<br />

cuidado desenganchei os fechos, tirei o vidro, e o passei ao Clay. A abertura tinha apenas meio<br />

metro quadrado, muito pequena para o Clay, então teria que ir sozinha. Ele me levantou mais<br />

alto, e coloquei meus primeiro pés, me esforçando para ouvir o Winsloe abaixo, preparado para<br />

gritar que me tirasse se ele se movia. Não o fez. Uma vez que meu torso passou pela janela,<br />

agarrei o batente com ambas as mãos, balancei-me de lado, e saltei, aterrissando na cabeça do<br />

Winsloe e seus ombros. Ele gritou. Agarrei sua arma e a joguei sobre a perto de arame da jaula<br />

contigua.<br />

—Um grito agradável, Tyrone - disse enquanto limpava a palha de meu jeans. —Muito<br />

macho.<br />

Clay entrou pela entrada — Me pareceu mas bem um chiado, querida.<br />

Winsloe se girou para contemplar ao Clay.<br />

—Sim, este é Clayton - disse. —Se vê bastante bom para um tipo morto, né?<br />

Enquanto Winsloe lutava para ficar de pé, Clay avançou a pernadas, agarrou-o pelo<br />

pescoço, pegou-o de repente contra a parede, e o revisou.<br />

—Desarmado - disse, deixando cair ao Winsloe.<br />

—O que? - Respondi. —Nenhuma granada? Nenhuma arma? E chama a você mesmo de<br />

um caçador.<br />

—Quanto quer? - disse Winsloe. Sua voz era estável, debruada mais com cólera que medo.<br />

—Qual é o preço de uma vida por estes dias? Um milhão? Dois?<br />

—Dinheiro? - Ri-me. —Não necessitamos o dinheiro, Tyrone. Jeremy tem em abundância<br />

e ele é mais que complacente na hora de compartilhar.<br />

—Um valor nítido de talvez dois milhões de dólares? - Winsloe soprou. —Isso não é nada.<br />

Aqui está o trato. Apanharam-me em um momento honrado. Quero pagar um objeto. Dez<br />

milhões.<br />

Clay franziu o cenho. —O que é isto? Nunca disse nada sobre um trato, querida.<br />

Prometeu-me uma caça.<br />

—Sinto muito, Ty - disse. —Clay tem razão. Prometi-lhe uma caça, e se não o agrado,<br />

zangar-se-á durante dias.<br />

260


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—Caça? - A agitação cintilou nos olhos do Winsloe, mas rapidamente a deslocou. —<br />

Querem uma caça? Bem. É justo. Como respondi, apanharam-me. Aqui está o trato, então.<br />

Deixem-me conseguir minha equipe e teremos uma verdadeira caça. Se os mato a ambos, ganho.<br />

Vocês me deixam esquivar e ganharão quinze milhões.<br />

—O homem tem bolas, querida - disse Clay. —Tenha que lhe dar isso - Ele devorou ao<br />

Winsloe pela parte frontal de sua camisa. —Quer fazer um trato? Aqui está o trato. Deixamos-lhe<br />

ir. Corre por sua vida de merda. Consegue sair do campo de jogos e lhe deixamos ir. Apanhamoslhe<br />

primeiro, matamos-lhe. De acordo?<br />

—Isso não é justo - chispou Winsloe.<br />

Clay jogou sua cabeça atrás e riu. —Ouve isto, querida? Não é justo. Não eram essas suas<br />

regras? As regras que planejava usar se caçava a Elena. Ela seria liberada e caçada por uma<br />

equipe de profissionais treinados. Se ela escapava do campo de jogos, viveria. De outra maneira,<br />

morreria. Perco-me algo?<br />

—Isto não é o mesmo - disse Winsloe, fulminando-o com o olhar. —Não sou um<br />

lobisomem. Um humano não pode lutar sem armas.<br />

—E esses armários de equipamento que tem aí? - Respondi.<br />

—Estão fechados com chave.<br />

—Bem - suspirei. —Vou fazer o ‗justo‘, então. Não o quereríamos muito fácil. Sem<br />

desafio não há diversão.<br />

Caminhei à jaula contígua e recolhi a arma. Ao examiná-la, entendi como abrir a câmara e<br />

atirei as balas ao chão. Então voltei para o Winsloe e lhe dava a arma vazia.<br />

—Que demônios se supõe que tenho que fazer com isto? - disse.<br />

Clay sacudiu sua cabeça. —Acreditei que este tipo supostamente era brilhante. Pensemos a<br />

respeito disto. Temos que mudar formas para te caçar. Isto significa que estaremos ocupados um<br />

momento. Não vamos deixar-te com uma arma carregada para que possa nos disparar enquanto<br />

mudamos.<br />

—Poderia nos encontrar e nos golpear na cabeça com a pistola vazia - disse. —Mas eu não<br />

o recomendaria. Faremos a mudança por turnos. Se se aproximar de nós, mataremos-lhe.<br />

Enquanto estamos ocupados, terá tempo para fazer algo. Quanto tempo? Bem, não vou dizer-te<br />

isso. O que te direi é que terá tempo para fazer algo. Pode correr por sua vida. Ou pode voltar<br />

para complexo e encontrar munição para essa arma. Ou pode correr ao armário de equipe mais<br />

próxima e tratar de acionar a fechadura. Ou pode ir à garagem e ver se pode conseguir que um<br />

dos veículos inabilitados funcione.<br />

—Isso é - disse Clay. —O explicamos detalhadamente para ti. Bastante justo?<br />

Winsloe olhou fixamente ao Clay. —Vinte milhões.<br />

—Vinte segundos - disse Clay.<br />

—Vinte e cinco mil…<br />

—Dezenove segundos.<br />

Winsloe soltou sua mandíbula, olhou desde o Clay para mim, logo saiu do canil.<br />

—Ele tomou isto notavelmente bem - disse quando Winsloe se foi.<br />

—Decepcionada? - perguntou Clay.<br />

—Devo confessá-lo, tinha esperado que ele se urinasse em suas calças. Mas não é tão mau.<br />

Ao menos o tentará. Mais desafio.<br />

Clay sorriu abertamente —Mais diversão.<br />

***<br />

261


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Não fomos bastante estúpidos para mudar no canil. Fomos fora e encontramos uma<br />

clareira a aproximadamente vinte metros no bosque. Clay mudou primeiro enquanto montava<br />

guarda. Logo trocamos. Quando terminei, voltamos para o canil, onde recolhi o aroma do<br />

Winsloe e o segui.<br />

Winsloe não tinha voltado para complexo. Tampouco tinha tentado ir à garagem. Ele tinha<br />

ido diretamente aos bosques, correndo por sua vida ou entretendo-se com a lastimosa esperança<br />

de poder abrir à força a fechadura em um abrigo de equipamentos antes que o alcançássemos.<br />

Pior ainda –ao menos, pior para o Winsloe –tinha tomado o caminho principal. Se ele tinha<br />

esboçado seu próprio rastro pelo mato, nos teria feito ir mais lentos. No caminho amplo,<br />

poderíamos correr a toda velocidade, lado a lado. O qual fazíamos. Havia pouca necessidade de<br />

precaução. Com apenas uma pistola vazia, o pior que Winsloe poderia fazer era esconder-se nos<br />

arbustos e esperar a que nós passássemos correndo por diante. Não era exatamente causa de grave<br />

preocupação.<br />

Passamos a torre de vigilância. A metade de caminho para liberar o ponto dois apanhei<br />

uma baforada a metal. Minha memória voltou para essa caça inicial com o Lake, e recordei o<br />

seguinte sinal: um armário de equipamento. De modo que esse era o plano do Winsloe? A menos<br />

que ele tivesse prática em forçar fechaduras, ele teria uma grande surpresa. E nós teríamos uma<br />

caça muito curta.<br />

Dobrei pela esquina e vi o armário diante. Nenhum sinal do Winsloe. Rendeu-se e tinha<br />

deslocado? Quanto mais me aproximava do abrigo, notei algo na terra. Óculos de visão noturna.<br />

Ao lado deles, um cartão de munições. E binóculos. Patinei para me deter. As portas do armário<br />

estavam abertas. A luz do sol cintilava de uma chave metálica na fechadura. Winsloe tinha tido<br />

uma chave desde o começo, ou sabia onde encontrar uma. Agora estava armado com Deus sabe<br />

que tipo de artilharia.<br />

Enquanto contemplava o desastre, Clay me golpeou o ombro, me lançando contra os<br />

arbustos. Uma ronda de fogo rompeu o silêncio. Clay me cravou mais longe paro mato. Como<br />

não me movi o bastante rápido, ele mordeu minha anca. Meti-me nos arbustos, com o ventre na<br />

terra. Clay me seguia. Outra ronda de fogo automático regou balas em um amplo arco por cima<br />

de nossas cabeças. Em qualquer lugar que ele se escondesse, Winsloe não podia nos ver e<br />

apontava pelo som. Reduzi a marcha a uma velocidade lenta, escapando silenciosamente através<br />

dos ramos. Quando estivemos fora de alcance, encontrei uma espessura e me detive. Clay<br />

avançou sigilosamente atrás de mim. Ele sorveu ao longo de meu flanco, até meu pescoço,<br />

tirando o sangue. Quando terminou, revisei-o. Tínhamos escapado ilesos... até agora. Quantas<br />

armas tinham Winsloe agora? Quanta munição? Alguma granada ou outras surpresas? Quando eu<br />

havia dito que queria um desafio, isto não era no que tinha estado pensando.<br />

Nos aninhamos na espessura, nem tanto nos ocultando a não ser ficando quietos e seguros<br />

enquanto encontrávamos a posição do Winsloe. Depois de uns minutos, Clay deu uma cotovelada<br />

em meu ombro e assinalou ao nordeste com seu focinho. Levantei meu nariz, mas o vento<br />

soprava desde o sul. Clay moveu as orelhas. Escuta, não cheire. Fechei meus olhos, concentreime,<br />

e ouvi um débil arrasto, o som de tecido roçando contra tecido. Winsloe ia ao nordeste, ao<br />

menos a trinta metros de distância, de volta ao armário de equipe. Julgando pelo som, ele<br />

arrumava sua equipe ou trocava a uma melhor posição de vantagem, mas ficava perto de um<br />

ponto. Perfeito. Indiquei ao Clay que deveríamos nos dispersar e circular. Ele soprou<br />

brandamente e saiu da espessura. Quando saí, ele se tinha ido.<br />

Pelo aroma do Clay, eu podia dizer que ele foi pela esquerda, de modo que fui à direita.<br />

262


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Dando ao Winsloe um amplo espaço, arrastei-me pelos arbustos até que calculei que estava justo<br />

ao norte dele. Então reduzi a marcha, afundei-me, e me arrastei para o sul. Agora o vento estava a<br />

meu favor, fazendo voar o aroma do Winsloe a minhas fossas nasais com cada fôlego. Eu deveria<br />

ter enviado ao Clay por este caminho. Seu sentido do olfato era mais pobre que o meu e o vento<br />

lhe teria ajudado. Não importava. Clay se dirigiria bem sem a ajuda suplementar. Ele sempre o<br />

fazia.<br />

Outros dez metros pés me aproximaram o suficiente para ver brilhos da jaqueta cinza do<br />

Winsloe enquanto se movia. Farejando a relva, cheirei procurando o Clay e encontrei seu aroma.<br />

Seguindo-o, corri entre as árvores e recolhi a débil cintilação da pele dourada contra o mato<br />

apagada. Clay estava mais perto do Winsloe que eu, por isso me deslizei para frente até que tive<br />

arrumado a diferença. Agora eu poderia empurrar meu focinho por cima de um arbusto e ver o<br />

Winsloe claramente. Ele estava de coque em um claro, as mãos apertadas ao redor de uma arma<br />

automática grande, seus olhos olhando de esquerda a direita. Enquanto observava, ele trocou sua<br />

posição, girando ao sul, contemplando o bosque, logo girando ao norte e observando desde esse<br />

ponto de vista, nunca deixando suas costas a nenhuma direção muito tempo. Preparado. Muito<br />

preparado. Enquanto ele se movia, revisei o claro procurando armas, mas só podia ver a pistola.<br />

Estava segura que ele tinha escondido mais, provavelmente dentro ou sob sua jaqueta.<br />

Enquanto olhava, ouvi um grunhido suave a minha esquerda. Era Clay, me advertindo que<br />

estava ali, antes de aparecer de repente a meu lado e me assustar. Quando me dava volta, ele<br />

caminhou pelo último grupo de árvores entre nós. Isto não era parte do plano. Resfoleguei e lhe<br />

franzi o cenho. Ele sacudiu sua cabeça. Com um olhar, eu sabia o que queria dizer. O jogo tinha<br />

terminado. Winsloe estava pesadamente armado, levando as probabilidades muito longe em seu<br />

favor. Tempo para uma morte rápida. Clay fez um movimento girando seu focinho, logo o<br />

sacudiu para o Winsloe. Outra vez, entendi. Usaríamos o rotineiro habitual, aborrecido, mas<br />

confiável. Clay rodearia o sul outra vez. Eu assustaria ao Winsloe e o conduziria às mandíbulas<br />

do Clay. Exalei um suspiro canino e esperei até que Clay tomasse posição. Mas ele não partiu.<br />

Em vez disso cravou meus pés e fez gestos desde o Winsloe a mim. Ah, uma mudança de rotina.<br />

Clay rodearia ao Winsloe pro sul e o conduziria a minhas mandíbulas. Ao princípio, pensei que<br />

Clay era considerado, me concedendo a morte que eu tinha pedido. Então compreendi que ele<br />

queria que trocássemos papéis porque assustar ao Winsloe seria mais perigoso que matá-lo. Bem,<br />

suponho que ele ainda era considerado, não querendo que eu voasse em pedacinhos ou algo<br />

assim. Eu teria discutido o ponto, mas queria matá-lo a toda custo.<br />

Clay desapareceu no bosque. Rastreei o sussurro de seus passos. Quando ele estava<br />

parcialmente ao redor do esconderijo do Winsloe, Winsloe de repente ficou de pé. Congelei-me.<br />

Tinha ouvido o Clay? Tensa para o ataque, escutei. Tudo o que ouvi eram os gorjeios normais e<br />

os rangidos do bosque. De todos os modos, se Winsloe apontava a arma na direção ao Clay, eu<br />

sairia dos arbustos em um segundo, toda precaução ia ao demônio. Winsloe se endireitou, fez<br />

rodar seus ombros em uma flexão, logo olhou às árvores, estirando o pescoço e contemplando o<br />

céu. Estaria Clay em posição já? De ser assim, este seria o momento perfeito para atacar. Mas não<br />

cheirei ao Clay na brisa, por isso ainda devia estar caminho ao sul. Maldição! Winsloe esfregou a<br />

parte de atrás de seu pescoço, logo comprovou sua arma, deu um último olhar ao redor, e saiu do<br />

claro, dirigindo-se ao oeste.<br />

Aproximei-me da clareira agora deserto. Quando alcancei o perímetro, vi o Clay no lado<br />

sudeste, parcialmente escondido nos arbustos. Notando-me, ele se retirou e desapareceu.<br />

Segundos mais tarde, reapareceu a meu lado. Olhei-o. Agora o que? Nosso objetivo estava em<br />

movimento. Assustá-lo e conduzi-lo na direção apropriada seria dez vezes mais difícil. Uma<br />

263


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

emboscada seria nossa melhor opção, mas isso significava rodear ao Winsloe, conjeturar seu<br />

caminho, e encontrar um lugar bem escondido para esperar. Bastante difícil inclusive quando<br />

conhecíamos o terreno, próximo ao suicida dado que não o fazíamos. Pelo olhar nos olhos do<br />

Clay, ele tampouco podia idealizar um plano decente. Finalmente soprou, esfregou-se contra<br />

mim, logo avançou em direção ao Winsloe. Por ele.<br />

***<br />

Emergimos de uma clareira a um espesso pedaço de bosque. Diante, a jaqueta do Winsloe<br />

pendurava entre as árvores. Movendo-nos com cuidado para evitar grupos ruidosos de folhas<br />

mortas, arrastamo-nos atrás dele. Ele não deu a volta. Movia-se rápido. Enquanto agarrávamos<br />

velocidade, o bosque se espessou. A última luz de sol da tarde perfurou o grosso dossel acima,<br />

jaspeando 25 a terra com manchas de luz. O bosque terminava. Caminhamos a um galope lento.<br />

Winsloe desapareceu em uma inundação de luz do sol. Uma clareira. Uma grande clareira.<br />

Cheirei o ar. A água. Vínhamos ao rio. Joguei uma olhada ao Clay. Ele grunhiu, me dizendo que<br />

cheirava a água e não estava preocupado. Winsloe pensava que podia nos perder no rio? Nadando<br />

ou empapando seu rastro? Isso não funcionaria. Podíamos nadar só bem, mas indubitavelmente<br />

muito melhor que Winsloe. Quanto à perda de seu rastro, era certo que não podíamos rastreá-lo<br />

pela água, mas estávamos tão perto que não importava. Inclusive se o perdíamos de vista, eu<br />

poderia recolher seu aroma no ar.<br />

Winsloe caminhou pelo bordo da água, detendo-se, e girando rápido, movendo sua arma.<br />

Não vendo nada detrás dele, deu volta ao rio, olhou-o de cima abaixo, logo começou a avançar<br />

para o banco. Clay soprou com impaciência. Logo que Winsloe esteve a dez metros do bordo do<br />

bosque, não nos atrevemos a nos aproximar ou ele teria tempo para disparar antes que o<br />

derrubássemos. Se ele caminhasse à água e começasse a andar, poderíamos nos mover junto a ele,<br />

ficando nas árvores até que o bosque se espessasse mais perto da ribeira, nos podendo aproximar<br />

o suficiente para atacar.<br />

Winsloe finalmente deixou de passear. Ficou de pé ao lado de um enorme carvalho, jogou<br />

sua cabeça atrás, e sombreou seus olhos para elevar a vista. Então ele agarrou o ramo mais baixo<br />

e deu um puxão experimental. Quando lançou a arma sobre seu ombro, Clay saiu do bosque.<br />

Winsloe não o notou. Com suas costas para nós, ele agarrou o ramo outra vez e se elevou.<br />

Precisamente então compreendi o que Winsloe fazia. Subia à árvore. De acordo, às vezes sou um<br />

pouco torpe. Para quando saltei de nosso esconderijo, Winsloe estava a cinco metros de terra.<br />

Ainda correndo, Clay ficou de coque e saltou. Só então Winsloe o viu. Ele jogou uma olhada<br />

sobre seu ombro uma fração de segundo antes que os dentes do Clay se afundassem em seu<br />

joelho. Winsloe uivou. Deu patadas com sua perna livre, golpeando ao Clay no flanco do crânio.<br />

Clay se pendurou. O sangue orvalhou seu focinho enquanto Winsloe pendurava, gritando e<br />

lutando para manter seu agarre a árvore. Eu estava ainda a vários metros de distância, correndo a<br />

toda velocidade. Eu podia ver sulcos profundos na coxa do Winsloe onde os dentes do Clay<br />

tinham rasgado sua perna até o osso. Enquanto a carne se rasgava, Clay começou a perder seu<br />

apertão. Dançou sobre suas pernas, não atrevendo-se a liberar o tempo suficiente ao Winsloe para<br />

conseguir um afeto fresco. Cobri os últimos centímetros e saltei à perna livre do Winsloe. Ele<br />

chutou exatamente no momento correto, me alcançando no olho. Grunhi e retrocedi. Quando me<br />

pus sobre minhas patas, o agarre do Clay escorregou até sapato do Winsloe. Antes que pudesse<br />

25 Pintar imitando salpicos e estrias do jaspe.<br />

264


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

saltar sobre o Winsloe outra vez, seu sapato se deslizou e Clay caiu para trás. Winsloe balançou<br />

suas pernas fora de alcance, subindo ao seguinte ramo, e agarrou sua arma. Escapamo-nos. Uma<br />

ronda de fogo soou, mas estávamos atrás, escondidos no bosque outra vez.<br />

Detivemo-nos detrás de um espesso grupo de árvores. Clay me fez gestos para ficasse ali,<br />

logo girou e se devolveu para conseguir uma melhor perspectiva da situação. Não o segui, não<br />

porque Clay me houvesse dito que não –eu nunca tinha sido boa recebendo ordens– mas sim<br />

porque era mais seguro que só um de nós se arriscasse. Tanto como lamentava admiti-lo, Clay era<br />

o melhor caçador. Se eu tratasse de ajudar, só triplicaria a probabilidade de fazer ruído e nos pôr a<br />

tiro.<br />

Winsloe subindo a uma árvore expor um problema. Um grande problema. A próxima vez,<br />

teria muito mais cuidado sobre pedir um desafio. Eu sabia que Winsloe era preparado, mas não<br />

tinha esperado que se sentisse tão afresco sob pressão. Considerando o que eu conhecia do<br />

Winsloe –essa crescida presunção mascarando um ego facilmente contundido – eu tinha pensado<br />

que ele entraria em pânico quando compreendesse que sua vida estava em perigo. Talvez ele não<br />

pensasse que o estava. Talvez tudo isto ainda era um jogo para ele. Infelizmente para nós, era um<br />

jogo que ele ganhava. Falando de egos machucados. Primeiro, tinha-nos enganado e se armou.<br />

Agora tinha subido a uma árvore, um lugar ao qual não o podíamos seguir. A árvore não só o<br />

provia de segurança, mas também era uma posição vantajosa e perfeita para disparar. Como<br />

poderíamos sequer nos aproximar...<br />

O bosque explorou em uma rajada de fogo. Escapei-me de meu esconderijo, logo me<br />

detive metade de corrida. Eu não deveria ir aí. Estava segura aqui. Clay estava seguro comigo<br />

aqui. Mas o que tinha passado? Disparava Winsloe cegamente? Ou tinha visto o Clay?<br />

Outra ronda de rápidos disparos. Logo silêncio. Fiquei ali, minhas pernas tremendo<br />

enquanto escutava. Quando Winsloe disparou outra vez, quase saltei de meu lugar. O fazia.<br />

Arrastei-me para o rio. Mais tiros. Detive no bordo do apagar, afundei-me, e me arrastei para<br />

frente até que pude ver o que acontecia. Diante estava o velho carvalho com o Winsloe pendurado<br />

quase a dez metros nele, observando o sul, a arma preparada. Além disto, a clareira estava vazia.<br />

Vazia e tranquila. De repente um rangido de folhas rompeu o silêncio. Balancei minha cabeça<br />

para o norte. Um brilho de ouro passou pelas árvores. Winsloe deu a volta e fez fogo, disparando<br />

ao ruído. Clay já se foi faz muito. Um desperdício de balas. Compreendi qual era a idéia. Fazer<br />

que Winsloe esvaziasse sua arma disparando a fantasmas. Um bom plano, e um no que eu deveria<br />

ter pensado... finalmente.<br />

Pensei me retirar de meu esconderijo, mas não podia fazê-lo. Eu sabia que seria mais<br />

seguro deixar ao Clay fazer isto sozinho, mas me voltaria louca de preocupação se não podia ver<br />

o que acontecia. Dentro de pouco, Clay me cheiraria ali. Ele veio e tratou de me mandar mais<br />

profundo no bosque, mas eu não me deslocaria. Atirei a terra, pus minha cabeça sobre minhas<br />

patas dianteiras, e olhei fixamente o claro. Ele captou a idéia. Eu tinha que olhar estar segura de<br />

que ele estava a salvo. Ele se conformou com uma rápida esfregação de nariz, logo agarrou as<br />

costas de meu pescoço com suas mandíbulas, não mordendo a não ser cravando minha cabeça,<br />

me dizendo que ficasse aqui e não me levantasse. Grunhi meu assentimento. Ele roçou seu<br />

focinho contra o meu, logo desapareceu no bosque.<br />

Winsloe esvaziou sua automática rapidamente, passando várias recargas de munições.<br />

Então tirou uma pistola de sua jaqueta. Teve mais cuidado agora, menos complacente em gastar<br />

balas a meros ruídos no bosque. Então Clay teve que ser mais audaz. Ao princípio, só tinha ido<br />

perto do bordo da clareira, permitindo ao Winsloe ver um brilho de pele. Finalmente, entretanto,<br />

nem sequer isso funcionava e teve que entrar como uma flecha ao claro. Ao chegar esse ponto,<br />

265


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

meus olhos estavam firmemente fechados. Meu coração palpitou tão forte que quase esperei que<br />

Winsloe o ouvisse. Finalmente, entretanto, esteve terminado. O último tiro saiu. Depois de vários<br />

minutos, Clay saiu do bosque, ficou ali, a clara vista, os músculos esticados, e esperou. Winsloe<br />

lançou a pistola vazia para ele e blasfemou. Clay se aproximou mais, lentamente, apresentando o<br />

objetivo perfeito se Winsloe tivesse outra arma escondida sob sua jaqueta. Nada. Winsloe estava<br />

preparado.<br />

Agora eu tinha um plano. Uma boa coisa, também, ou meu ego teria estado ainda mais<br />

machucado. Esta era minha caça, e eu não tinha feito quase nada, não tinha feito nenhum projeto,<br />

tomado nenhum risco. Era meu turno. Enquanto Clay se assegurava que Winsloe estava<br />

desarmado, arrastei-me mais longe no bosque, encontrei um lugar apropriado, e comecei minha<br />

mudança.<br />

Menos de dez minutos mais tarde, saí ao bordo do claro e assobiei. A cabeça do Winsloe<br />

se elevou e ele observou o bosque.<br />

—Ouve isso? - chamou o Clay. —Alguém vem. Suponho que não matou a todos meus<br />

guardas depois de tudo.<br />

Ele se inclinou sob o ramo da árvore e olhou atentamente para baixo, mas Clay se foi.<br />

Segundos mais tarde, Clay saiu pelo perímetro do bosque e me buscou. Seus olhos me fizeram<br />

uma pergunta. Queria que ele trocasse também? Sacudi minha cabeça, ajoelhei-me, e sussurrei<br />

meu plano. Enquanto falava, ele se aproximou, sua pele roçando contra minha pele nua. Sem<br />

pensá-lo, arrastei meus dedos por sua espessa pele. Quando terminei, compreendi o que fazia e<br />

me detive. Meu rosto se esquentou. Em estranhas ocasiões quando a situação era à inversa, e eu<br />

era um lobo enquanto Clay era humano, perguntava-me que aconteceria ele me tocava. Era...<br />

bom, muito estranho. Esta vez, quando me retirei, Clay me deu um golpe na mão e lambeu entre<br />

meus dedos, me dizendo que estava bem. E o estava. Clay era Clay não importava que forma<br />

tivesse. Outro pequeno passo para a aceitação de minha própria dualidade.<br />

—Sonha bem? - Sussurrei quando tive terminado de lhe explicar meu plano.<br />

Ele inclinou sua cabeça, considerando-o, logo bufou seu acordo.<br />

Sorri abertamente — Não pode discutir de todos os modos, verdade?<br />

Ele soltou um grunhido fingido e beliscou minha mão, logo me mordiscou os pés. Pus-me<br />

de pé e nos dirigimos para o carvalho.<br />

***<br />

Quando saí do bosque, Winsloe tinha baixado um pouco, ficando a uns metros em cima da<br />

terra, obviamente pensando que Clay se escapou, mas não disposto a descender completamente<br />

até que a ajuda chegasse. Quando me ouviu chegar, chamou, — Aqui! - então viu quem era. A<br />

desilusão revoou através de sua cara. Não o temor, só desilusão. Vendo o Clay a meu lado, subiu<br />

ao seguinte ramo.<br />

—Quanto tempo tem planejando ficar lá em cima? - chamei.<br />

—Quanto seja necessário Seus olhos vacilaram sobre meu corpo nu, e ele dispôs um<br />

sorriso sem senso de humor. — Espera me atrair abaixo?<br />

—Se tivesse estômago para te seduzir eu o teria feito enquanto estava apanhada nessa cela.<br />

Sua boca se apertou. Assombroso. Inclusive espreitado por dois lobisomens, Winsloe<br />

estava mais preocupado por seu orgulho que por sua vida. Avancei até a base da árvore e agarrei<br />

um ramo. Ele só me olhou. Ainda era um jogo para ele.<br />

Balancei-me no primeiro ramo. Ele subiu mais alto. Fui ao seguinte ramo. O mesmo fez<br />

266


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

ele. Debaixo nós, Clay rodeava a árvore. Dois metros mais e o pé do Winsloe escorregaria. O<br />

ramo que ele sustentava cedeu a seu passo e ele se agarrou ao tronco da árvore procurando apoio.<br />

Depois de estabilizar-se, observou os ramos restantes acima.<br />

—Essas não sustentarão seu peso - disse. —Mas não tenha minha palavra como segura.<br />

Ele não o fez. Ele agarrou um ramo e atirou. Rompeu-se em sua mão. Ele vacilou, logo<br />

baixou ao ramo sob seus pés até que se sentou nela. Quando me aproximei o suficiente, ele me<br />

deu patadas. Como se eu não tivesse visto que isso viria. Esquivei-o facilmente e agarrei sua<br />

perna ferida. Ele ofegou e se sacudiu para trás, quase caindo do ramo.<br />

—Se quer lutar contra mim, adiante - disse quando subi a seu ramo. —Mas deveria ter<br />

uma arma de reposto baixo essa jaqueta se espera ganhar.<br />

Ele não disse nada. Vacilei no ramo, conseguindo meu equilíbrio. Winsloe ficou quieto,<br />

como se resignasse a isto. Então sua mão se estendeu e golpeou meu tornozelo. Agarrei o ramo de<br />

acima e me estabilizei. O ramo baixo nós se moveu.<br />

—Não faça isso - respondi. —Se este ramo se romper, posso saltar a terra. Inclusive se<br />

você sobreviver à queda, não sobreviverá ao que espera abaixo.<br />

Winsloe murmurou algo e fez um movimento para acomodar-se, logo fechou de repente<br />

ambas as mãos em minha coxa. Agarrei seu pescoço, arrastei-o até seus pés, e o golpeei no tronco<br />

da árvore.<br />

—Quer lutar? - Respondi. —De acordo, vamos lutar.<br />

Ele não se moveu. Seu olhar estalou para baixo. Golpeei sua cabeça contra a árvore.<br />

—Pensando golpear minhas pernas? Não te incomode. Fá-lo e ambos caímos. Agora, se<br />

por acaso não o notou, não trato de te matar. De fato, não pus uma mão sem provocação em ti,<br />

verdade?<br />

Uma tênue luz de astúcia iluminou seus olhos. —Quer negociar.<br />

—Talvez.<br />

—Quinze milhões.<br />

—Pensava que estávamos nos vinte e cinco?<br />

—Vinte então.<br />

—Ah, então assim é como trabalha? Uma vez que mostro algum interesse, a oferta<br />

diminui. Um verdadeiro homem de negócios.<br />

Sua boca se apertou. —Bem. Vinte e cinco.<br />

Pretendi considerá-lo. —Já sabe, Clay tem razão. Não necessitamos o dinheiro. Temos o<br />

bastante. Desejar mais seria avaro.<br />

—Trinta milhões.<br />

Agarrei-o pelo pescoço da camisa e o balancei pelo flanco. Seus pés brigaram por um<br />

lugar onde pisar, encontrando só ar. Troquei de lado e descansei minhas costas contra a árvore.<br />

Quando ele me agarrou, empurrei-o à longitude do braço.<br />

—Oferece mais - respondi.<br />

Sua boca se apertou. Deixei-o escorregar às gemas de meus dedos. Ele se balançou, seus<br />

quatro membros sacudindo-se, convulsionando, repartindo golpes a destro e sinistro. Comecei a<br />

liberar meu apertão.<br />

—Cinquenta milhões - disse.<br />

—Não é bastante – Deixei-lhe escorregar outros centímetros. —Ofereça-Me tudo.<br />

—O que?!<br />

Liberei uma mão de sua camisa.<br />

—De acordo, de acordo! Bom!<br />

267


Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Agarrei-o e o estabilizei. Ele tragou ar, logo jogou uma olhada oculta à terra e se<br />

estremeceu.<br />

—Vamos clarear isto - respondi. —O que é exatamente o que oferece?<br />

—Meus imóveis. Tudo.<br />

—Seus bens pessoais? Não é bastante bom. Quero suas posses comerciais também. Cada<br />

dólar, cada ação, até a última coisa que possua. Ofereça-me isso.<br />

—De que viveria eu?<br />

—Começaria de novo. É um tipo preparado. Poderia ganhar a vida. Ao menos estará vivo.<br />

É mais do que podemos dizer do Lake e Bryce, verdade?<br />

—Dar-te-ei minhas posses em tudo, inclusive o Fogo do Prometeu.<br />

Deixei-o ir. Ele chiou, seus braços batendo as asas. Antes que cair, agarrei-o pela camisa,<br />

levantei-o, e me inclinei.<br />

—Quer tentá-lo outra vez? - respondi.<br />

Sua camisa se rasgou, só uns centímetros, mas o som do rasgado soou no silêncio como<br />

uma cadeia.<br />

—Tudo - disse. —Maldita seja. Toma tudo.<br />

—Porque nada é pior que morrer, verdade? Diga-me, Ty, O que teria feito se Armem Haig<br />

te tivesse feito a mesma oferta? Prometido tudo o que ele tinha? Ter-lhe-ia deixado viver?<br />

A camisa do Winsloe se rasgou outro centímetro. Ele me contemplou, os olhos abertos,<br />

seus lábios movendo-se silenciosamente.<br />

—Me deixe responder isto por ti, Ty. É ‗não‘. Ele poderia te haver devotado milhões e<br />

você ainda o teria matado. Por quê? Porque sua morte valia mais que tudo o dinheiro que ele<br />

podia dar. Os poucos segundos de diversão que sua morte oferecia valiam mais.<br />

—Por favor - disse. —Por favor, vou A...<br />

—Cair? Hah. Muito fácil. Você cairá. Clay arrancará sua garganta. Jogo terminado.<br />

—Isto não é um jogo de merda!<br />

Eu cavei minha mão detrás de meu ouvido —O que é isto, Ty? Acredito que não te ouvi.<br />

—Respondi que este não é um jogo de merda. É minha vida!<br />

—Não, é sua morte. Hey, uma idéia. Não é um jogo, a não ser um programa de concurso.<br />

Esta É Sua Morte. Agora, tenho que confessá-lo, sou um pouco jovem para ter visto Esta É sua<br />

Vida. Só conheço o título pelo que terei que improvisar. Cruzá-lo com algo que me recordo ter<br />

visto de menina. Vamos fazer um trato.<br />

Tirei-o do ramo e lhe ajudei a conseguir seu equilíbrio, mantendo minhas mãos em sua<br />

camisa.<br />

—Você- você quer negociar - Ele limpou o suor de sua cara e tragou em voz alta. —Bem.<br />

Bom. Vamos negociar.<br />

—Negociar? Infernos, não. Farei um trato quanto ao método de sua execução, Ty. Vai<br />

morrer. Isso é um fato. A única pergunta é como?<br />

—N-não. Não. Espera. Vamos falar…<br />

—Sobre o que? Ofereceu-me tudo o que poses. Não tem nada mais para oferecer, verdade?<br />

Ele me olhou fixamente, sua boca movendo-se silenciosamente.<br />

—Ofereceu tudo. Rechacei essa oferta. Então vai morrer. Por quê? Porque finalmente vejo<br />

seu ponto de vista. Convenceu-me. Ver alguém morrer pode valer mais que tudo o dinheiro do<br />

mundo.<br />

Seu rosto foi drenado de sangue, abria e fechava a boca como um pescado em terra.<br />

—Atrás da porta número um temos a opção mais óbvia. Cai-te desta árvore. Só me<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

assegurarei de que Clay não lhe mate. E não te deixarei cair, lançar-te-ei. Com força suficiente<br />

para romper cada um de seu membro, mas não com força suficiente para te matar. Então lhe<br />

amordaçaremos e lhe deixaremos morrer, devagar e dolorosamente.<br />

—Atrás da porta a número dois...<br />

—Não - disse, sua voz quase inaudível. —Não. Não o faça...<br />

—Hey, só estou esquentando. Sabe o que mais admiro sobre ti, Ty? Sua criatividade. Seu<br />

engenho. Como me dar a opção entre matar a Armem ou ser violada por uma equipe. Inspiraste a<br />

novas alturas de criatividade, assim permanece calado e escuta.<br />

—Opção dois. Recorda o vídeo que viu de mim lutando contra Lake? Onde transformava<br />

minha mão em uma garra? Grande brincadeira, né? Bem, aqui está minha idéia. Troco minha mão<br />

e curto suas tripas. Não muito, talvez arranque um pouco do intestino, começando uma destilação<br />

de sangue estável. Conhece o que dizem sobre as feridas de bala? Que o disparo nas vísceras é o<br />

pior. Leva sempre à morte e dói como os fogos do Inferno. O qual, se me perguntar, seria um<br />

bom precursor ao que pode esperar de sua eternidade. Agrada-me esta. Muito apropriada. Ao<br />

diabo com o jogo, vou escolher esta.<br />

Pulsei minha mão contra seu estômago. Ele convulsionou e um aroma forte e acre encheu<br />

o ar. Olhei para baixo para ver uma mancha molhada estender-se pela perna de sua calça.<br />

—Merda, Ty. Só brincava - Agitei minha mão diante dele.<br />

—Para - sussurrou ele. —Só para...<br />

—Não posso. Recorda vamos fazer um Trato, verdade? É de minha idade, assim deve<br />

havê-lo visto sendo menino. Há uma porta número três. E atrás dessa temos... hmmm - Olhei ao<br />

redor, logo vislumbrei algo acima. —Ali. Vê esse pássaro que voa ao leste? Sabe qual é? Um<br />

abutre. Um limpador. Será a última opção. Morte pelo limpador. Desço-te desta árvore e te estaco<br />

à terra. Então te corto. Montões de pequenas feridas, fatiadas não letais, só o bastante para extrair<br />

sangue. Dentro de pouco, conseguirá uma vista de primeira mão de cada abutre nestes bosques.<br />

Ah, e terei que cortar sua língua para que não possa gritar. Uma melhora sádica sobre o<br />

amordaçamento, não acredita? Deveria estar orgulhoso de mim, Ty. Sou sua aluna estrela. Oh,<br />

falando de alunos, não te enfaixarei os olhos. Dessa forma poderá ver os abutres e aos cães<br />

extraviados enquanto se alimentam de ti. Bem, até que os abutres tirem seus olhos...<br />

—Basta! - Sua voz se elevou, quase gritando. —Sei o que faz. Quer que eu peça por minha<br />

vida. Que te ofereça mais.<br />

—Que mais? Ofereceu-me tudo, Ty. E respondi que não.<br />

Seus olhos rodaram, raivoso de medo e ódio — Não. Não me matará. Valho muito.<br />

—Você não vale nada. Só sua morte vale algo para mim.<br />

—Não! Não o fará, Elena. Sei que não vais fazê-lo. Quer me assustar, mas você nunca...<br />

—Alguma vez?<br />

—Não o tem em ti.<br />

—Opção um, dois, ou três. Escolhe agora.<br />

—Tortura-me. Isso é tudo. Só quer lombriga me retorcendo. Não o tem...<br />

Agarrei-o pela garganta e o arrastei de seus pés. Então pressionei minha cara contra a dele.<br />

—Não me diga o que não tenho em mim.<br />

Grunhi. Vi o terror em seus olhos e o apreciei. Então o deixei ir. Clay arrancou sua<br />

garganta antes que seu corpo golpeasse a terra.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

LIMPEZA<br />

Depois de matar ao Winsloe, Clay mudou, e voltamos para pôr nossa roupa. Não havia<br />

tempo para tardanças. Havia ainda trabalho por fazer no complexo. Cada pedaço de prova devia<br />

ser encontrado e destruído. Tínhamos que apagar todos os rastros de nossa presença. Finalmente<br />

alguém encontraria o complexo e os corpos dentro. Para diminuir a probabilidade de uma<br />

investigação policial a grande escala, Paige havia hackeado o sistema do computador essa manhã<br />

e tinha transferido o direito de propriedade a um cartel de drogas colombiano. Não me perguntem<br />

como conhecia ela o nome de um senhor da droga sul-americano. Algumas perguntas é melhor as<br />

deixar sem responder. Quanto ao Winsloe, tínhamos eliminado seu corpo de uma maneira que<br />

assegurava que nunca seria encontrado. Como? Bem, essa é outra dessas perguntas. O ponto era<br />

que ninguém encontraria alguma vez ao Winsloe ou o conectaria com o complexo, o que evitaria<br />

uma campanha de meios de comunicação que rodearia sua morte.<br />

—Acredita que Savannah estará bem? - perguntei quando terminamos de nos vestir. —Ela<br />

golpeou essa parede com bastante força.<br />

—Ela parecia bem. Jeremy cuidará dela.<br />

—Acredita que Paige será capaz de dirigi-la?<br />

—Se Paige pôde dirigir a esse feiticeiro, pode dirigir a uma menina de doze anos. Ela<br />

estará bem, querida. Ambas o estarão.<br />

—Isso espero.<br />

Clay apartou um ramo para mim —Te olhando com Savannah, eu pensei...<br />

—Não o faça.<br />

—Não disse nada.<br />

—Bom. Não o faça.<br />

—Eu só pensei...<br />

—Nada de meninos.<br />

Ele riu e pôs seu braço ao redor de mim — Parece definitivo.<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

—É-o. Eu como mãe? - Estremeci-me. —Só posso imaginar uma coisa pior. Você como<br />

pai.<br />

—Um milhão de obrigados. Eu seria um... pai bastante bom. E se não, está Jeremy. Ele é<br />

um grande pai. Ele compensaria meus defeitos.<br />

—Grande idéia. Temos meninos e deixamos a responsabilidade nele. Ele amaria tudo isto.<br />

—Ele não se oporia.<br />

Gemi — Nada de meninos.<br />

Clay avançou uns metros mais, logo sorriu abertamente —Hey, sabe que mais? Se<br />

tivéssemos meninos, não poderia partir. Ter-me-ia que aguentar. Hei aí um pensamento.<br />

—Você-que-Oh!<br />

Levantei minhas mãos e me afastei pisando em forte. A risada do Clay ressonou pelo<br />

bosque. Ele trotou, lançou a terra, e me fez cócegas.<br />

—Escondo minhas pílulas anticoncepcionais - disse, ofegando.<br />

—Falaremos disso mais tarde.<br />

—Nun…<br />

Ele me cortou com um beijo. Um minuto mais tarde, veio um rangido dos arbustos.<br />

—Estão-se beijando - Uma voz jovem. Savannah.<br />

Curvei-me para ver Savannah atrás do Jeremy. Então ele olhou atentamente por cima dos<br />

arbustos.<br />

—Oh, estão vestidos - disse, e liberou Savannah.<br />

Escapei-me do agarre do Clay —É obvio que estamos vestidos. Desde quando nos<br />

detemos em meio de uma situação perigosa para ter —joguei um olhar ao Savannah— um<br />

descanso.<br />

Jeremy pôs os olhos em branco.<br />

—Matou ao Winsloe? —- perguntou Savannah.<br />

—Matamo-lo - me afoguei. —Um, não, nós –uh<br />

—Ocuparam-se dele - disse Jeremy. —Agora acredito que deveríamos voltar com Paige<br />

antes...<br />

—Ali está! - disse Paige, atravessando os arbustos, seu rosto reluzente de suor. —Te disse<br />

que ficasse perto.<br />

—Fiquei realmente perto - disse Savannah. —Não me disse perto de quem tinha que ficar.<br />

—Eu tratava de recolher o rastro de Leah - nos explicou Jeremy. —Não há nenhum rastro<br />

dela. Possivelmente vocês dois podem fazer um melhor trabalho.<br />

—Irei com a Elena - disse Savannah. —Se encontrarmos a Leah, posso usar meu feitiço de<br />

agarre outra vez.<br />

Paige e eu abrimos nossas bocas para protestar, mas Jeremy nos calou com a mão.<br />

—Por que não vamos procurar ao Adam? - disse. —Possivelmente possamos lhe ajudar.<br />

Os olhos do Savannah faiscaram à menção de Adam, mas ela só se encolheu de ombros e<br />

nos permitiu acreditar que supostamente seria uma alternativa aceitável. Quando Jeremy se<br />

dirigiu para o complexo, Savannah se arrastou atrás dele.<br />

Paige suspirou — Posso ter encontrado finalmente um desafio para o que não estou<br />

preparada. Graças a Deus tenho a minhas irmãs do Aquelarre. Elas morrerão provavelmente do<br />

assombro quando realmente admitir que necessito ajuda.<br />

—Quer vir conosco e procurar Leah? - Perguntei. —Descansar um momento?<br />

—Não, vocês continuem dois. Tomem cuidado.<br />

Sorri abertamente —Vamos, qual seria a diversão nisso?<br />

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Mulheres de Outro Mundo – 02 <strong>Sequestrada</strong><br />

Paige riu e trotou atrás o Jeremy e Savannah.<br />

***<br />

Quando deixamos o complexo ao amanhecer não havia nenhuma prova que sugerisse que<br />

algo fora do comum tinha passado ali. Bem, um edifício cheio de cadáveres não é exatamente<br />

corriqueiro, mas não havia nenhuma prova de nada sobrenatural. Antes de sair, Adam começou<br />

uma série de pequenos incêndios, não o suficiente para ser vistos pelos aviões, mas o suficiente<br />

para encher o edifício de espessa fumaça, danificando algo que ficasse.<br />

Oh, e Leah? Nunca a encontramos. Passei duas horas registrando as terras fora do<br />

complexo. Se ela partiu, eu deveria ter encontrado um rastro. Já que não o tinha obtido, tínhamos<br />

que assumir que se escondeu em algum lugar no complexo, onde teria sido vencida finalmente<br />

pela fumaça. E se realmente tinha conseguido escapar? Bem, digamos que nenhum de nós<br />

planejava visitar sua casa de Wisconsin em nenhum momento no curto prazo.<br />

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