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a exclusão social em “o soldadinho de chumbo” - Grupo de Estudos ...

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A EXCLUSÃO SOCIAL EM “O SOLDADINHO DE CHUMBO”:<br />

INTERFACES ENTRE A DEFICIÊNCIA E A LITERATURA<br />

Maria Angélica Gonçalves <strong>de</strong> Farias i<br />

Marcia Torres Neri Soares ii<br />

Eixo T<strong>em</strong>ático: Educação Infantil e Inclusão Social<br />

RESUMO<br />

Esse artigo objetiva apresentar o projeto <strong>de</strong> pesquisa intitulado “A <strong>exclusão</strong> <strong>social</strong> no conto O<br />

Soldadinho <strong>de</strong> Chumbo” <strong>de</strong> Hans Christian An<strong>de</strong>rsen, através <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos que<br />

probl<strong>em</strong>atiz<strong>em</strong> a <strong>de</strong>ficiência e a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nas relações construídas <strong>social</strong> e culturalmente.<br />

Utilizar<strong>em</strong>os a tipologia sugerida por Bettelheim, Abramovich, Groppa, Nelly, Zilberman,<br />

Silva, que cont<strong>em</strong>pla o texto como um processo <strong>em</strong> que predominam ativida<strong>de</strong>s cognitivas e<br />

discursivas. Na ótica do estudo, concepções <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência <strong>em</strong>butidas na literatura, pod<strong>em</strong><br />

favorecer para que crianças reflitam e percebam o quanto somos vulneráveis a conviver ou a<br />

lidar com a diferença. Acreditamos que as questões da <strong>exclusão</strong> <strong>social</strong> retratadas no conto<br />

pod<strong>em</strong> <strong>de</strong>spertar no público infantil, interesse pela leitura, reflexão, valores, atitu<strong>de</strong>s,<br />

favorecendo uma leitura crítica e a constituição <strong>de</strong> novas práticas inclusivas.<br />

Palavras chave: Exclusão Social; diferença; literatura<br />

ABSTRACT<br />

This article has the objective of presenting a research Project “Social exclusion in the<br />

steadfast tin soldier” from Hans Christian An<strong>de</strong>rsen, through the el<strong>em</strong>ents that that are a<br />

probl<strong>em</strong>s related with <strong>social</strong> and cultural i<strong>de</strong>ntity and <strong>de</strong>ficiency. We will use the typology<br />

suggested by Bettelheim, Abramovich, Groppa, Nelly, Zilberman, Silva, that look at the text<br />

as a process where cognitive and discursive activities are the aim. Regarding the study point<br />

of view <strong>de</strong>ficiency concepts <strong>em</strong>bed<strong>de</strong>d in literature may favor the children to reflect and<br />

perceive how vulnerable we are when we have to <strong>de</strong>al with differences or live with th<strong>em</strong>. We<br />

believe that the <strong>social</strong> exclusion issues focused in the fairy tales and stories may awake in the<br />

young public the reading interest, reflection, values, actions, favoring a critical reading and<br />

the building of new inclusive practices.<br />

Key words: <strong>social</strong> exclusion; differences; literature


INTRODUÇÃO<br />

Todos os dias nos <strong>de</strong>paramos com pessoas com <strong>de</strong>ficiência ou um dispositivo legal<br />

relacionado à questão da <strong>de</strong>ficiência. O <strong>de</strong>sconhecimento, associado a mitos e preconceitos<br />

apreendidos ao longo da vida, reforçam o distanciamento e a segregação, principalmente se<br />

não há familiarida<strong>de</strong> com qu<strong>em</strong> apresenta algum tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência. Nosso interesse pelo<br />

t<strong>em</strong>a aqui apresentado traz a importância <strong>de</strong> caracterizar questões da <strong>exclusão</strong> <strong>social</strong>,<br />

<strong>de</strong>limitando-o e retratando-o <strong>em</strong> especial sobre a ótica da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e a diferença do<br />

Soldadinho <strong>de</strong> Chumbo no conto infantil <strong>de</strong> Hans Chistian An<strong>de</strong>rsen que retrata a realida<strong>de</strong><br />

como forma <strong>de</strong> consciência do mundo, <strong>de</strong>ixando transparecer as suas estórias sofridas na<br />

infância. Com isso, revela lições morais que indicam o quanto <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os aceitar e respeitar as<br />

diferenças das pessoas.<br />

Segundo Vygotsky, a estrutura fisiológica humana, aquilo que é inato, não é suficiente<br />

para produzir o indivíduo humano, na ausência do ambiente <strong>social</strong>. “As características<br />

individuais (modo <strong>de</strong> agir, <strong>de</strong> pensar, <strong>de</strong> sentir, valores, conhecimentos, visão <strong>de</strong> mundo etc.)<br />

<strong>de</strong>pend<strong>em</strong> da interação do ser humano com o meio físico e <strong>social</strong>” (AQUINO, 1998. p. 60).<br />

É necessário ressaltar que a <strong>exclusão</strong> é uma produção <strong>social</strong>, um processo <strong>de</strong> reflexão,<br />

atitu<strong>de</strong> crítica que envolve todas as ações e situações do mo<strong>de</strong>lo <strong>social</strong> <strong>de</strong> uma cultura <strong>em</strong> sua<br />

ação prática.<br />

Nesse sentido, o que se discute na pesquisa apresentada neste artigo é como a <strong>exclusão</strong><br />

<strong>social</strong> é representada por um personag<strong>em</strong> da literatura infanto-juvenil “O Soldadinho <strong>de</strong><br />

Chumbo” com uma <strong>de</strong>ficiência física <strong>em</strong> uma época que a socieda<strong>de</strong> abominava qualquer<br />

<strong>de</strong>svio <strong>de</strong> padrões exigido pelo meio <strong>social</strong>.<br />

Para tanto, iniciamos apresentando o que <strong>de</strong>nominamos <strong>de</strong> itinerário <strong>de</strong> pesquisa.<br />

Nessa seção explicitamos toda a trajetória até aqui <strong>de</strong>senvolvida <strong>de</strong>stacando os el<strong>em</strong>entos<br />

metodológicos que fundamentam/fundamentarão sua operacionalização. Em seguida,<br />

<strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong>os um diálogo com os teóricos que <strong>em</strong>basam nosso referencial e por fim,<br />

<strong>de</strong>stacamos nossas consi<strong>de</strong>rações ou conclusões iniciais do estudo. Com o texto, esperamos<br />

compartilhar o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> nossa pesquisa, ao t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que consi<strong>de</strong>ramos a<br />

importância <strong>em</strong> inserir a t<strong>em</strong>ática no campo acadêmico e assim contribuir com a perspectiva<br />

<strong>de</strong> novos olhares na utilização da literatura, b<strong>em</strong> como para o entendimento da <strong>de</strong>ficiência<br />

como produção <strong>social</strong> <strong>em</strong> diferentes t<strong>em</strong>pos históricos, econômicos, políticos e sociais. Para<br />

tanto, consi<strong>de</strong>ramos importante esclarecer nossos interesses e percurso <strong>de</strong>senvolvido, como<br />

far<strong>em</strong>os a seguir.<br />

2


ITINERÁRIO DE PESQUISA: EXPLICITANDO O INTERESSE PELO TEMA<br />

O meu interesse sobre o t<strong>em</strong>a surgiu como discente do Curso <strong>de</strong> Letras da<br />

Universida<strong>de</strong> do Estado da Bahia, Campus XXI – Ipiaú, com a construção do artigo exigido<br />

pela professora graduada <strong>em</strong> Letras e especialista <strong>em</strong> Literatura Infanto-Juvenil, Miriam<br />

Ramos, do componente curricular, O Estético e o Lúdico na Literatura Infanto-Juvenil. Com<br />

isso aflorou-me o interesse <strong>de</strong> trabalhar com el<strong>em</strong>entos da <strong>exclusão</strong> <strong>social</strong> no conto “O<br />

<strong>soldadinho</strong> <strong>de</strong> <strong>chumbo”</strong> <strong>de</strong> Hans Chistian An<strong>de</strong>rsen, <strong>em</strong> uma época <strong>em</strong> que o hom<strong>em</strong><br />

apresentando <strong>de</strong>formida<strong>de</strong> física não se enquadra nos padrões consi<strong>de</strong>rados normais para a<br />

socieda<strong>de</strong>, é estigmatizado, não sendo consi<strong>de</strong>rado uma pessoa normal, sendo visto com<br />

menos valia e digno <strong>de</strong> pena.<br />

A partir da interação com o conto, pud<strong>em</strong>os probl<strong>em</strong>atizar os el<strong>em</strong>entos da pesquisa<br />

através da pergunta “O que motivou Hans Chistian An<strong>de</strong>rsen a usar um personag<strong>em</strong> que<br />

retrata a <strong>exclusão</strong> <strong>em</strong> seu conto O Soldadinho <strong>de</strong> Chumbo, partindo do pressuposto <strong>de</strong> que a<br />

<strong>de</strong>ficiência/diferença é uma produção <strong>social</strong> e como tal, obe<strong>de</strong>ce aos ditames, costumes e<br />

valores <strong>de</strong> cada época?”<br />

T<strong>em</strong>os observado que a diferença física, ou a <strong>de</strong>ficiência <strong>de</strong> maneira <strong>em</strong> geral.<br />

incomoda muitas pessoas, que por não conseguir conviver com as particularida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

diferentes pessoas, passam a corroborar na criação <strong>de</strong> estigmas e preconceitos (CROCHIK,<br />

1997; AMARAL, 1998; VELHO, 2003; SILVA, 2006; FERREIRA, 2009), influenciando<br />

principalmente as crianças <strong>em</strong> seu convívio <strong>social</strong>.<br />

As crianças d<strong>em</strong>onstram curiosida<strong>de</strong> <strong>em</strong> saber porque <strong>de</strong>terminada pessoa não anda,<br />

ou não fala, não enxerga (...), por isso perguntam, buscam explicações. Contudo, somos nós<br />

adultos que conduzimos suas experiências e n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre damos as respostas mais<br />

condizentes. Essa dificulda<strong>de</strong> <strong>em</strong> conviver com as diferenças po<strong>de</strong> ser retratada através do uso<br />

corrente <strong>de</strong> apelidos: “crioulo doido”, “quatro olho”, “surdinho”, “mula manca”, entre outros.<br />

Tais expressões são discriminações que fer<strong>em</strong> o direito do cidadão <strong>de</strong> vivenciar sua própria<br />

vida <strong>em</strong> meio <strong>social</strong>.<br />

Esses argumentos correspond<strong>em</strong> à comparação entre uma <strong>de</strong>terminada pessoa ou<br />

grupo e o “tipo i<strong>de</strong>al” construído pelo grupo dominante. Para Lígia Amaral (1998, p.14),<br />

[...] todos sab<strong>em</strong>os (<strong>em</strong>bora n<strong>em</strong> todos o confess<strong>em</strong>os) que <strong>em</strong> nosso<br />

contexto <strong>social</strong> esse tipo i<strong>de</strong>al... correspon<strong>de</strong>, no mínimo, a um ser: jov<strong>em</strong>,<br />

3


do gênero masculino, branco, cristão, heterossexual, física e mentalmente<br />

perfeito, belo e produtivo. A aproximação ou s<strong>em</strong>elhança com essa<br />

i<strong>de</strong>alização <strong>em</strong> sua totalida<strong>de</strong> ou particularida<strong>de</strong>s é perseguida, consciente ou<br />

inconscient<strong>em</strong>ente, por todos nós, uma vez que o afastamento <strong>de</strong>la<br />

caracteriza a diferença significativa, o <strong>de</strong>svio a anormalida<strong>de</strong>.<br />

A par <strong>de</strong>sses valores éticos, sociais, políticos e culturais que reg<strong>em</strong> a vida dos homens<br />

<strong>em</strong> socieda<strong>de</strong>, surge a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apresentar o presente estudo baseado na pesquisa <strong>de</strong><br />

conclusão <strong>de</strong> curso <strong>em</strong> andamento, a fim <strong>de</strong> caracterizar a literatura infanto-juvenil como uma<br />

possibilida<strong>de</strong> educativa para intermediação entre a criança e as diferenças existentes na<br />

humanida<strong>de</strong>, já que partimos do princípio <strong>de</strong> que contar historia po<strong>de</strong> se constituir ação,<br />

respeito e interação no grupo.<br />

Além disso, acreditamos que o estudo po<strong>de</strong> permitir o trabalho reflexivo na ampliação<br />

e conhecimento das diversida<strong>de</strong>s culturais e sociais, aproximando as situações do mundo<br />

fantasioso e do mundo real. Para tanto, explicitamos que o objetivo geral da pesquisa é<br />

analisar e <strong>de</strong>screver por meio <strong>de</strong> uma leitura crítica-interpretativa, a representação da <strong>exclusão</strong><br />

<strong>social</strong> <strong>em</strong> um conto clássico “O Soldadinho <strong>de</strong> Chumbo” da literatura infantil como meio <strong>de</strong><br />

uma produção <strong>social</strong>.<br />

Como objetivos específicos <strong>de</strong>finimos: I<strong>de</strong>ntificar situações da <strong>exclusão</strong> <strong>social</strong> no<br />

conto infantil <strong>de</strong> An<strong>de</strong>rsen; Analisar situações do cotidiano dos personagens com <strong>de</strong>ficiência,<br />

<strong>em</strong> diferentes e rotineiras circunstâncias, nas reais condições a que são submetidas estórias<br />

infantis; Descrever contribuições a respeito da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e diferença referente à postura no<br />

meio <strong>social</strong> e finalmente, D<strong>em</strong>onstrar a influência que a literatura infanto-juvenil causa na<br />

formação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da criança.<br />

No que diz respeito a metodologia, partimos do princípio <strong>de</strong> que esta trata-se <strong>de</strong><br />

procedimentos didáticos usados para alcançar os objetivos propostos. Dessa forma, no projeto<br />

explicitamos que trabalhar<strong>em</strong>os com abordagens qualitativas e quantitativas buscando a<br />

compreensão <strong>de</strong> fatos juntamente com possíveis explicações sobre o t<strong>em</strong>a supracitado. Nesta<br />

perspectiva, a metodologia adotada no estudo utilizará a pesquisa bibliográfica, apoiada na<br />

fundamentação teórica, leituras e fichamento do material, encontros com a orientadora,<br />

elaboração do projeto, análise dos dados, redação preliminar e por fim entrega do projeto.<br />

A seguir apresentamos o referencial teórico utilizado <strong>em</strong> nosso projeto, a fim <strong>de</strong> dar<br />

maior visibilida<strong>de</strong> à pesquisa que intentamos realizar.<br />

CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS DO ESTUDO: O DESAFIO DO RESPEITO ÀS<br />

DIFERENÇAS<br />

4


Na elaboração do referencial teórico da pesquisa t<strong>em</strong>os <strong>de</strong>senvolvido estudos<br />

preliminares, nos quais são abordados conteúdos e buscadas relações entre os el<strong>em</strong>entos<br />

existentes no conto sobre a <strong>exclusão</strong> <strong>social</strong> e sua importância para o <strong>de</strong>senvolvimento do ser<br />

humano, a partir das idéias <strong>de</strong> BETTELHEIM (2002). O autor, na obra “A psicanálise dos<br />

contos <strong>de</strong> fadas” faz um apanhado das mais famosas histórias para crianças, arrancando-lhes<br />

o seu verda<strong>de</strong>iro significado. Conta - nos as razões, as motivações psicológicas, os<br />

significados <strong>em</strong>ocionais, a função <strong>de</strong> divertimento, a linguag<strong>em</strong> simbólica do inconsciente<br />

que estão ocultos nos contos infantis.<br />

Essencialmente, ele mostra-nos o que faz necessário para que a criança aprenda<br />

buscando o respeito do espaço do outro, <strong>em</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento no meio <strong>social</strong> por meio das<br />

historias infantil:<br />

Para enriquecer sua vida, <strong>de</strong>ve estimular-lhe a imaginação: ajudá-la a<br />

<strong>de</strong>senvolver seu intelecto e a tornar claras suas <strong>em</strong>oções: estar harmonizada<br />

com suas ansieda<strong>de</strong>s e aspirações; reconhecer plenamente sua dificulda<strong>de</strong> e,<br />

ao mesmo t<strong>em</strong>po, sugerir soluções para os probl<strong>em</strong>as que a perturbam<br />

(BETTELHEIM, 2002, p. 5).<br />

A obra “Literatura Infantil: gostosuras e bobices” <strong>de</strong> Abramovich (2005) apresenta<br />

uma linguag<strong>em</strong> clara e objetiva a respeito da importância das histórias para as crianças <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

pequenas. Nesse sentido, é relevante a afirmação <strong>de</strong> que “é importante para a formação <strong>de</strong><br />

qualquer criança ouvir muitas, muitas histórias... Escutá-las é o início da aprendizag<strong>em</strong> para<br />

ser um leitor, e ser leitor é ter um caminho absolutamente infinito <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobertas e <strong>de</strong><br />

compreensão do mundo [...]” (ABRAMOVICH. 2005. p. 16).<br />

Vale à pena enfatizarmos, que no ato <strong>de</strong> ouvir histórias há possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> o hom<strong>em</strong><br />

sentir <strong>em</strong>oções importantes, como tristeza, raiva, irritação, b<strong>em</strong>-estar, medo, alegria, pavor,<br />

insegurança, tranqüilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntre outras tantas. Fazendo com que a criança “viva” as<br />

provocações das narrativas.<br />

“É através da história que se pod<strong>em</strong> <strong>de</strong>scobrir outros lugares, outros jeitos <strong>de</strong> agir e <strong>de</strong><br />

ser, outra ética, outra ótica [...]” (ABRAMOVICH. 2005. p. 17). A reflexão nos faz pensar<br />

sobre a importância e a necessida<strong>de</strong> do ato <strong>de</strong> ouvir e ler as historinhas infantis na vida da<br />

criança, po<strong>de</strong>ndo revelar influências no meio <strong>social</strong> <strong>de</strong> cada um.<br />

Ao probl<strong>em</strong>atizarmos a influência da literatura na formação <strong>de</strong> crianças, consi<strong>de</strong>ramos<br />

importante também enten<strong>de</strong>r como a <strong>de</strong>ficiência é engendrada. Nesse sentido, Diniz (2007)<br />

nos apresenta uma nova concepção <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência:<br />

5


A idéia <strong>de</strong> que a cegueira, a sur<strong>de</strong>z ou a lesão medular nada mais são do que<br />

diferentes modos <strong>de</strong> vida é algo absolutamente revolucionário para a<br />

literatura acadêmica sobre <strong>de</strong>ficiência. A concepção <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência como<br />

uma variação do normal da espécie humana foi uma criação discursiva do<br />

século XVIII, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então ser <strong>de</strong>ficiente é experimentar um corpo fora da<br />

norma (DINIZ. 2007. p.8).<br />

A autora afirma que a <strong>de</strong>ficiência como estilo <strong>de</strong> vida não é resultado exclusivo do<br />

progresso médico, é uma afirmação ética que <strong>de</strong>safia nossos padrões <strong>de</strong> normal e patológico.<br />

É necessário l<strong>em</strong>brar a importância que esses discursos permit<strong>em</strong> e traz<strong>em</strong> para todas as<br />

pessoas que se aproxim<strong>em</strong> <strong>de</strong> um estilo <strong>de</strong> vida diferente. Para a autora, a <strong>de</strong>ficiência é um<br />

conceito complexo e portanto, só po<strong>de</strong> ser concebido na trama <strong>de</strong> relações sociais:<br />

[...] <strong>de</strong>ficiência não é mais uma simples expressão <strong>de</strong> uma lesão que impõe<br />

restrições à participação <strong>social</strong> <strong>de</strong> uma pessoa. Deficiência é um conceito<br />

complexo que reconhece o corpo com lesão, mas que também <strong>de</strong>nuncia a<br />

estrutura <strong>social</strong> que oprime a pessoa <strong>de</strong>ficiente. Assim como outras formas<br />

<strong>de</strong> opressão pelo corpo, como o sexismo ou o racismo, os estudos sobre<br />

<strong>de</strong>ficiência <strong>de</strong>scortinaram uma das i<strong>de</strong>ologias mais opressoras <strong>de</strong> nossa vida<br />

<strong>social</strong>: a que humilha e segrega o corpo <strong>de</strong>ficiente. (DINIZ, 2007, pp. 09-<br />

10).<br />

Coadunando com a enfática afirmação da autora que nos r<strong>em</strong>ete a pensar a <strong>de</strong>ficiência<br />

sob uma outra lógica, na compreensão e probl<strong>em</strong>atização das questões sobre i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e<br />

diferença, Silva (2009) enfatiza que tais questões estão no centro da teoria <strong>social</strong> e da prática<br />

política. As antigas fontes da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> (a família, o trabalho, a igreja, entre outros), estão <strong>em</strong><br />

crise existencial. Surg<strong>em</strong>, então, novos grupos culturais que se tornam visíveis na sena <strong>social</strong>,<br />

buscando afirmar suas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, ao mesmo t<strong>em</strong>po questionam a posição privilegiada das<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s até então heg<strong>em</strong>ônicas. Dentre esses grupos, pod<strong>em</strong>os <strong>de</strong>stacar o grupo<br />

constituído pelas pessoas com <strong>de</strong>ficiência e a luta <strong>em</strong>preendida pela valorização e respeito às<br />

prerrogativas legais <strong>de</strong> inclusão sócio-educacional.<br />

Ainda segundo seu argumento, as questões da diferença e da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> não pod<strong>em</strong> ser<br />

reduzidas a uma questão <strong>de</strong> respeito e tolerância para com a diversida<strong>de</strong>. Ambas são cultural e<br />

<strong>social</strong>mente produzidas e como tal <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser mais do que celebradas, questionadas e<br />

probl<strong>em</strong>atizadas (SILVA, 2009).<br />

Assumpção (1998) faz uma abordag<strong>em</strong>, Sobre crocodilos e avestruzes: falando <strong>de</strong><br />

diferenças físicas, preconceitos e sua superação, revelando as dificulda<strong>de</strong>s que uma pessoa<br />

com <strong>de</strong>ficiência enfrenta no convívio <strong>social</strong> com pessoas intituladas normais. A autora amplia<br />

6


a idéia <strong>de</strong> diferença física <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> características genéticas que cada ser carrega <strong>em</strong> sua<br />

essência.<br />

Pod<strong>em</strong>os <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r que as contribuições teóricas elencadas, incid<strong>em</strong> sobre a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar as intencionalida<strong>de</strong>s dos discursos e principalmente <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r a<br />

<strong>de</strong>ficiência como uma construção <strong>social</strong> que, <strong>em</strong> diferentes momentos históricos, recebe<br />

papéis diferentes e formas <strong>de</strong> lidar com suas especificida<strong>de</strong>s, algo que sob o ponto <strong>de</strong> vista do<br />

nosso estudo, só po<strong>de</strong> ser discutido a partir da compreensão das relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />

implicitamente existentes.<br />

Diante do que foi exposto, consi<strong>de</strong>ramos a importância <strong>em</strong> conhecer os discursos da<br />

diferença/diversida<strong>de</strong> veiculados a literatura infanto-juvenil da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e atualida<strong>de</strong>,<br />

analisando e buscando reflexões a respeito da construção <strong>social</strong> da <strong>de</strong>ficiência no conto “O<br />

Soldadinho <strong>de</strong> Chumbo”.<br />

À GUISA DE CONCLUSÃO: CONSIDERAÇÕES SOBRE O ESTUDO<br />

As representações sobre a <strong>de</strong>ficiência receb<strong>em</strong> interpretações variadas a partir dos<br />

t<strong>em</strong>pos históricos <strong>em</strong> que se situam (FERREIRA; GUIMARÃES, 2003). Em diferentes<br />

momentos, o hom<strong>em</strong> buscou/busca formas <strong>de</strong> explicar a realida<strong>de</strong> e nesse sentido,<br />

acreditamos que o fato <strong>de</strong> Hans Chistian An<strong>de</strong>rsen ter utilizado a figura <strong>de</strong> um <strong>de</strong>ficiente<br />

físico <strong>em</strong> sua literatura, po<strong>de</strong> retratar a maneira como a <strong>de</strong>ficiência foi/é vista <strong>em</strong> contextos<br />

variados. Além disso, acreditamos na importância e influência da literatura na formação <strong>de</strong><br />

crianças e por isso, a probl<strong>em</strong>atização enunciada <strong>em</strong> nosso projeto <strong>de</strong> pesquisa po<strong>de</strong><br />

contribuir na configuração <strong>de</strong> práticas menos exclu<strong>de</strong>ntes e discriminatórias.<br />

A forma como o <strong>soldadinho</strong> <strong>de</strong> chumbo é morto, através do fogo, po<strong>de</strong> caracterizar <strong>em</strong><br />

maior grau nossas inabilida<strong>de</strong>s <strong>em</strong> conviver com as diferenças <strong>em</strong> espaços sócio-educativos.<br />

Acreditamos que novas relações sociais são estabelecidas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o contexto histórico <strong>em</strong> que<br />

foi criada a história no período <strong>de</strong> 1835 a 1848, até os dias atuais.<br />

Dessa forma, tencionamos com a pesquisa, contribuir com professores e leitores<br />

interessados <strong>em</strong> el<strong>em</strong>entos dos contos que envolvam a <strong>exclusão</strong> <strong>social</strong>, por meio da discussão<br />

das diferenças culturais, <strong>de</strong>scobertas, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e aceitação <strong>em</strong> uma época que a história<br />

infantil era passada por medo, fora do contexto real. Isso po<strong>de</strong> significar a todos nós<br />

educadores, o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r sobre as diferenças buscando <strong>de</strong>spertar a reflexão a respeito<br />

da diversida<strong>de</strong> humana. Como vimos, o projeto procura elencar possibilida<strong>de</strong>s <strong>em</strong> termos da<br />

construção da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> por meio do conto, o que segundo a perspectiva adotada, po<strong>de</strong> trazer<br />

7


contribuições significativas para a vida <strong>social</strong> da criança e a compreensão da <strong>de</strong>ficiência <strong>em</strong><br />

sua construção <strong>social</strong>.<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

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São Paulo. Summus. 1998.<br />

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alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1998.<br />

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COELHO, Nelly. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo. Mo<strong>de</strong>rna. 2000. p.15.<br />

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DP&A. 2003.<br />

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infantil brasileira – histórias, autores e textos. São Paulo: Global. 1988. p.14-21.<br />

i Autora: Discente do 7º período, do curso <strong>de</strong> Letras Vernáculas, da Universida<strong>de</strong> do Estado da Bahia – UNEB,<br />

DCHT Campus XXI, Ipiaú – BA. Email: angelicafarias352@hotmail.com<br />

ii Co-autora. Orientadora. Pedagoga, mestre <strong>em</strong> Educação pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Paraíba e Especialista<br />

<strong>em</strong> Educação Especial. Professora Assistente da Universida<strong>de</strong> do Estado da Bahia, DCHT Campus XXI – Ipiaú.<br />

Email: marcyanery@ig.com.br<br />

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