Entre uma carta e outra.pmd - Teia Notícias
Entre uma carta e outra.pmd - Teia Notícias
Entre uma carta e outra.pmd - Teia Notícias
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Já são quase 22 horas, a fome começa a bater. Os carteiros que estão<br />
acampados em frente à sede dos Correios fazem <strong>uma</strong> “vaquinha” e compram<br />
alguns pedaços de costela no restaurante do outro lado da rua. Não nos<br />
servimos da carne, mesmo sendo convidados duas vezes, porque o papo está<br />
interessante e Jefferson lembra do último aperto para colocar <strong>uma</strong> <strong>carta</strong> em<br />
<strong>uma</strong> caixinha de Correio. Descreve a cena de <strong>uma</strong> casa grande com um cachorro<br />
também de grande porte. Explica que, todos os dias ao chegar em frente à<br />
residência, o cão já está pulando tentando agarrar sua mão. Surgiu então a<br />
ideia de distrair o animal com <strong>uma</strong> pedrinha. Com a mão direita ele ia com a<br />
<strong>carta</strong> em direção a caixinha e com a mão esquerda ele jogava a pedrinha para<br />
o outro lado causando assim a distração do cachorro. Segundo Souza, essa<br />
tática durou um pouco mais de <strong>uma</strong> semana e, infelizmente, agora o cão<br />
entendeu a jogada do carteiro. Na última tentativa de tirar a atenção do<br />
cachorro ele atirou quase cinco pedrinhas e o animal ficou estático em seu<br />
lugar, mexendo apenas a boca para latir.<br />
Continuamos conversando e chegam mais dois grevistas para passar a<br />
noite junto ao piquete montado pelo sindicato. Jefferson aponta para um deles<br />
e fala que aquele ali já foi mordido várias vezes, mas menos que ele. Questiono<br />
se em algum dia ele sofreu alg<strong>uma</strong> tentativa de assalto ou se já foi assaltado.<br />
Neste momento, ao contrário das <strong>outra</strong>s perguntas, cujas histórias lembrava<br />
rápido, ele teve que parar para pensar. “Já sim, faz uns anos, é comum tentarem<br />
assaltar, mas comigo foi <strong>uma</strong> vez só”, conta ele começando a explicação de que<br />
os assaltantes geralmente rendem os carteiros com arma de fogo e levam toda<br />
a bolsa. O objetivo, segundo Souza, é roubar os talões de cheques, mas como<br />
não há tempo de abrir as correspondências, o mais prático é levar toda a<br />
bolsa. “Mas e aí? Vocês têm quem pagar pela bolsa? Como funciona o<br />
procedimento?”, eu questiono. Jefferson explica então que, em todos os casos<br />
que envolvem assalto, o carteiro envolvido deve fazer um boletim de ocorrência<br />
na delegacia mais próxima do ocorrido e então passa por <strong>uma</strong> sindicância<br />
interna, com perguntas e investigações realizadas por <strong>uma</strong> comissão<br />
especializada em apurar esses tipos de casos. Tudo isso para provar, ou não,<br />
que o carteiro que sofreu o assalto não estava envolvido com o esquema da<br />
pessoa que praticou o assalto. “Pode levar dias, meses, mas não me recordo<br />
algum caso em que um carteiro tenha sido considerado cúmplice do assalto”,<br />
diz ele citando dois casos que ficaram marcados entre os colegas de trabalho.<br />
Ambos os casos se encaixam no tempo de dois meses de investigações<br />
realizado pela equipe interna dos Correios. A primeira história ele conta que<br />
aconteceu com um conhecido que havia passado em um concurso interno da<br />
empresa e havia “evoluído” para motorista. Essa “evolução”, segundo Jefferson,<br />
está mais regulamentada nos dias atuais, pois segundo ele, antes eram feitos<br />
40