Novas Bonecas Feitas de Velhos Retalhos: Investigando ... - Anpad

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13.04.2013 Views

Novas Bonecas Feitas de Velhos Retalhos: Investigando Medos, Ansiedades e Inquietações das Mulheres nas Organizações Autoria: José Luis Felicio dos Santos de Carvalho, Maria da Penha Felicio dos Santos de Carvalho, Lyla Collares dos Santos Resumo Por meio de uma releitura da peça “Casa de Boneca”, de Ibsen, contemplada à luz das experiências profissionais vividas nas organizações patriarcais pelas mulheres brasileiras, o presente estudo propõe investigar as aflições manifestadas pela mulher com relação ao trabalho nas empresas. A revisão bibliográfica traça um histórico dos últimos cem anos da luta pela emancipação da mulher e concentra seu foco nos recentes estudos de gênero empreendidos por acadêmicos brasileiros. Conduz-se uma pesquisa de campo amparada por procedimentos metodológicos de base qualitativa, cujas evidências empíricas são então discutidas com a utilização de análise hermenêutica. Os resultados obtidos sugerem que as transformações ocorridas durante o último século e meio não foram suficientes para modificar substancialmente os temores enfrentados pela mulher com respeito à vida profissional. Introdução Em 1879, o mundo ocidental foi tomado de assalto pela estréia de “Casa de Boneca”, do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen. No palco, pela primeira vez, uma mulher abandonava o lar e escolhia comandar sua vida pela sua própria vontade, ao invés de continuar submetendo-se ao marido. Nora Helmer empreendia um dos passos mais importantes dados pela dramaturgia do século XIX: uma mulher rompia a rígida fronteira entre “casa” e “rua”, imposta pelo domínio masculino. O escândalo da última cena de “Casa de Boneca” foi tão grande que, para as apresentações seguintes, Ibsen foi obrigado a reescrever o final da peça, para acalmar os ânimos mais exaltados. Algumas décadas mais tarde, mais mulheres repetiam, na vida real, o gesto de Nora, e passavam a conquistar espaços até então proibidos a elas, como era o caso do trabalho formal nas primeiras grandes empresas da era pós-industrial. Os desafios enfrentados por Nora Helmer no século retrasado podem parecer, no Brasil de hoje, tão distantes quanto a fria Noruega. Afinal, as mulheres brasileiras ocupam atualmente uma parcela bastante representativa do mercado de trabalho e, teoricamente, o mundo organizacional caminha a passos largos em direção à igualdade entre os sexos. Não se pode esquecer, contudo, que as diferenças, os preconceitos e os entraves ao desenvolvimento da vida profissional da mulher ainda não foram banidos das empresas. A luta da mulher por seu espaço continua e, como é próprio das batalhas mais acirradas, os conflitos delas originados fazem surgir medos, angústias, receios, ansiedades de toda sorte. Por outro lado, se os maiores medos de Nora Helmer relacionavam-se às possibilidades de seus atos causarem prejuízos à carreira de seu marido, espera-se que as mulheres brasileiras do século XXI manifestem inquietações profissionais voltadas mais para elas mesmas do que para seus maridos ou para suas famílias. Neste sentido, estabeleceu-se como objetivo do presente artigo investigar os principais motivos capazes de causar ansiedades, medos e inquietações com relação ao desenvolvimento da vida profissional das brasileiras nas organizações. Aventa-se a proposição de que, mesmo com todas as mudanças na estrutura sócio-econômica das sociedades ocidentais, ao longo dos últimos 120 anos, as mulheres do Brasil de hoje guardam muito mais semelhanças com Nora Helmer do que poderia ser desejável. Para examinar esta proposição, estruturou-se o presente relatório de

<strong>Novas</strong> <strong>Bonecas</strong> <strong>Feitas</strong> <strong>de</strong> <strong>Velhos</strong> <strong>Retalhos</strong>:<br />

<strong>Investigando</strong> Medos, Ansieda<strong>de</strong>s e Inquietações das Mulheres nas Organizações<br />

Autoria: José Luis Felicio dos Santos <strong>de</strong> Carvalho, Maria da Penha Felicio dos Santos <strong>de</strong><br />

Carvalho, Lyla Collares dos Santos<br />

Resumo<br />

Por meio <strong>de</strong> uma releitura da peça “Casa <strong>de</strong> Boneca”, <strong>de</strong> Ibsen, contemplada à luz das<br />

experiências profissionais vividas nas organizações patriarcais pelas mulheres brasileiras, o<br />

presente estudo propõe investigar as aflições manifestadas pela mulher com relação ao trabalho<br />

nas empresas. A revisão bibliográfica traça um histórico dos últimos cem anos da luta pela<br />

emancipação da mulher e concentra seu foco nos recentes estudos <strong>de</strong> gênero empreendidos por<br />

acadêmicos brasileiros. Conduz-se uma pesquisa <strong>de</strong> campo amparada por procedimentos<br />

metodológicos <strong>de</strong> base qualitativa, cujas evidências empíricas são então discutidas com a<br />

utilização <strong>de</strong> análise hermenêutica. Os resultados obtidos sugerem que as transformações<br />

ocorridas durante o último século e meio não foram suficientes para modificar substancialmente<br />

os temores enfrentados pela mulher com respeito à vida profissional.<br />

Introdução<br />

Em 1879, o mundo oci<strong>de</strong>ntal foi tomado <strong>de</strong> assalto pela estréia <strong>de</strong> “Casa <strong>de</strong> Boneca”, do<br />

dramaturgo norueguês Henrik Ibsen. No palco, pela primeira vez, uma mulher abandonava o lar e<br />

escolhia comandar sua vida pela sua própria vonta<strong>de</strong>, ao invés <strong>de</strong> continuar submetendo-se ao<br />

marido. Nora Helmer empreendia um dos passos mais importantes dados pela dramaturgia do<br />

século XIX: uma mulher rompia a rígida fronteira entre “casa” e “rua”, imposta pelo domínio<br />

masculino. O escândalo da última cena <strong>de</strong> “Casa <strong>de</strong> Boneca” foi tão gran<strong>de</strong> que, para as<br />

apresentações seguintes, Ibsen foi obrigado a reescrever o final da peça, para acalmar os ânimos<br />

mais exaltados. Algumas décadas mais tar<strong>de</strong>, mais mulheres repetiam, na vida real, o gesto <strong>de</strong><br />

Nora, e passavam a conquistar espaços até então proibidos a elas, como era o caso do trabalho<br />

formal nas primeiras gran<strong>de</strong>s empresas da era pós-industrial.<br />

Os <strong>de</strong>safios enfrentados por Nora Helmer no século retrasado po<strong>de</strong>m parecer, no Brasil <strong>de</strong><br />

hoje, tão distantes quanto a fria Noruega. Afinal, as mulheres brasileiras ocupam atualmente uma<br />

parcela bastante representativa do mercado <strong>de</strong> trabalho e, teoricamente, o mundo organizacional<br />

caminha a passos largos em direção à igualda<strong>de</strong> entre os sexos. Não se po<strong>de</strong> esquecer, contudo,<br />

que as diferenças, os preconceitos e os entraves ao <strong>de</strong>senvolvimento da vida profissional da<br />

mulher ainda não foram banidos das empresas. A luta da mulher por seu espaço continua e, como<br />

é próprio das batalhas mais acirradas, os conflitos <strong>de</strong>las originados fazem surgir medos,<br />

angústias, receios, ansieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> toda sorte. Por outro lado, se os maiores medos <strong>de</strong> Nora Helmer<br />

relacionavam-se às possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> seus atos causarem prejuízos à carreira <strong>de</strong> seu marido,<br />

espera-se que as mulheres brasileiras do século XXI manifestem inquietações profissionais<br />

voltadas mais para elas mesmas do que para seus maridos ou para suas famílias.<br />

Neste sentido, estabeleceu-se como objetivo do presente artigo investigar os principais<br />

motivos capazes <strong>de</strong> causar ansieda<strong>de</strong>s, medos e inquietações com relação ao <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

vida profissional das brasileiras nas organizações. Aventa-se a proposição <strong>de</strong> que, mesmo com<br />

todas as mudanças na estrutura sócio-econômica das socieda<strong>de</strong>s oci<strong>de</strong>ntais, ao longo dos últimos<br />

120 anos, as mulheres do Brasil <strong>de</strong> hoje guardam muito mais semelhanças com Nora Helmer do<br />

que po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong>sejável. Para examinar esta proposição, estruturou-se o presente relatório <strong>de</strong>


trabalho em três seções, além <strong>de</strong>sta Introdução e das Conclusões. Na primeira parte, mostra-se<br />

uma revisão bibliográfica que resgata a questão <strong>de</strong> gênero nas organizações <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os movimentos<br />

pela emancipação da mulher ocorridos à época da peça “Casa <strong>de</strong> Boneca” até os estudos mais<br />

recentes sobre a inserção do feminino nas empresas brasileiras. A segunda seção do artigo traz os<br />

principais procedimentos metodológicos utilizados na parte empírica da pesquisa. Finalmente, os<br />

resultados do estudo são examinados na terceira e última parte, que apresenta e discute<br />

<strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> mulheres brasileiras.<br />

1. Quadro teórico referencial<br />

1.1. A peça <strong>de</strong> Henrik Ibsen<br />

Em praticamente todos os textos teatrais que compõem a obra do norueguês Henrik Johan<br />

Ibsen (1828-1906), fazem-se presentes personagens femininas fortes e marcantes, apesar <strong>de</strong> o<br />

dramaturgo ter feito questão <strong>de</strong> afirmar, ao final <strong>de</strong> sua vida, que jamais buscara trabalhar pela<br />

emancipação da mulher (Freire-Filho, 2001). Escrita em 1879, “Casa <strong>de</strong> Boneca” (Et<br />

Dukkehjem), sua obra-prima, contradiz esta auto-avaliação. A universalida<strong>de</strong>, a vitalida<strong>de</strong> e a<br />

atualida<strong>de</strong> do texto, cujo caráter polêmico escandalizou a socieda<strong>de</strong> oci<strong>de</strong>ntal ao final do século<br />

XIX, conseguiram explicitar violentamente os profundos conflitos <strong>de</strong> gênero que subsistiam – e<br />

que ainda perduram um século e meio <strong>de</strong>pois – no âmago das famílias que compunham a<br />

nascente socieda<strong>de</strong> capitalista (Carvalho, 1998; Schollhammer, 2001). Des<strong>de</strong> que Nora Helmer<br />

<strong>de</strong>u seus primeiros passos nos palcos da Noruega e, posteriormente, do mundo todo, “ibsenismo”<br />

tornou-se sinônimo <strong>de</strong> “feminismo” (Freire-Filho, 2001; Lemarchand, 1958).<br />

Nas cenas iniciais <strong>de</strong> “Casa <strong>de</strong> Boneca” (Ibsen, 1958; 1976), Nora é tratada como uma<br />

boneca <strong>de</strong> luxo por seu marido, o advogado Torvald Helmer. Aos poucos, percebe-se que a<br />

jovem Nora guarda um importante segredo: para ajudar financeiramente Torvald e sua família,<br />

ela falsificou a assinatura do pai em um documento importante. Por conta <strong>de</strong>ste ato, Nora vive<br />

assombrada pela ameaça <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scoberta, o que po<strong>de</strong>ria arruinar o bem-estar e a felicida<strong>de</strong> do<br />

marido e manchar a memória <strong>de</strong> seu pai. Quando Torvald é nomeado diretor <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> banco,<br />

Nora passa a ser chantageada por um empregado da firma e revela seu segredo ao marido. Ao ver<br />

Torvald esboçar uma reação totalmente oposta ao discurso protetor exaustivamente repetido pelo<br />

“chefe da casa”, Nora <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser a bonequinha <strong>de</strong> seu esposo, abandonando a casa, para<br />

espanto <strong>de</strong> Torvald e da conservadora socieda<strong>de</strong> européia da época.<br />

Nas socieda<strong>de</strong>s oci<strong>de</strong>ntais do século XIX, os papéis e as atribuições dos membros do<br />

núcleo familiar estavam muito bem <strong>de</strong>marcados: o homem era responsável pela ativida<strong>de</strong><br />

econômica exercida fora do lar burguês; à mulher, cabia o espaço doméstico e a responsabilida<strong>de</strong><br />

da união da família (Madruga et al., 2001), o que tornava o lar o antípoda do trabalho (Tonelli,<br />

2001). A questão <strong>de</strong> gênero <strong>de</strong>ve ter sua interpretação relacionada, portanto, ao reconhecimento da<br />

conexão entre o privado e o público (Betiol, 2000; Castro, 1998; Damatta, 1997; Paula Netto,<br />

Capelle e Vilas Boas, 2001; Van Eer<strong>de</strong>wijk, 2001), isto é, consi<strong>de</strong>rando-se a separação entre o<br />

âmbito doméstico e público como uma ruptura artificialmente elaborada pelo sistema patriarcal,<br />

evi<strong>de</strong>nciando-se a cisão entre as funções reprodutora e produtora. “Casa <strong>de</strong> Boneca” é uma<br />

ilustração perfeita do contraste entre a moral da esfera doméstica privada, tradicionalmente<br />

vinculada ao sexo feminino – centrada nas noções <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> e cuidado – e a moral<br />

masculina da esfera pública, orientada pelos princípios do <strong>de</strong>ver e da justiça (Carvalho, 1998).<br />

1.2. Mulheres nas organizações<br />

2


Des<strong>de</strong> os tempos em que Nora Helmer floresceu da imaginação <strong>de</strong> Henrik Ibsen, diversas<br />

mudanças na dinâmica sócio-econômica do capitalismo provocaram gradualmente uma maior<br />

inclusão da mulher no mercado <strong>de</strong> trabalho formal (Geelink, 2001; Polanyi, 2000). Como<br />

conseqüência, em um processo que se iniciou nos anos 1930 e intensificou-se a partir da década<br />

<strong>de</strong> 1970, as mulheres da classe média e da classe trabalhadora começaram a pensar menos nos<br />

<strong>de</strong>veres do lar e mais em seus trabalhos e em suas carreiras do que as gerações anteriores,<br />

iniciando um questionamento que se estendia da vida profissional para a vida pessoal (Madruga<br />

et al., 2001; Sharpe, 2001; Thayer, 2001; Tonelli, 2001; Vilas Boas, Paula Netto e Barros, 2001).<br />

Paradoxalmente, durante o processo <strong>de</strong> profissionalização da organização, a partir da<br />

segunda meta<strong>de</strong> do século XIX, quando reforçaram-se as formas burocráticas e tecnocráticas <strong>de</strong><br />

controle, a mulher sofreu um processo evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> exclusão das funções relacionadas à gestão<br />

(Castro, 1998; Oliveira, Oliveira e Dalfior, 2000). Nos anos 1990, outrossim, mais confiantes e<br />

mais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, as mulheres já não se perguntavam a respeito das possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> inserção<br />

no mercado: as novas inquietações dirigiam-se ao ambiente <strong>de</strong> trabalho no qual elas agora<br />

encontravam-se inseridas (Rouleau, 2001; Sharpe, 2001). Se as mulheres haviam dado<br />

importantes e <strong>de</strong>cisivos passos em direção à busca da igualda<strong>de</strong> no trabalho, os homens pareciam<br />

não ter acompanhado este avanço. Tal situação – que se perpetua até hoje – configura um<br />

problema nítido: em virtu<strong>de</strong> da dominação propagada pelas instituições patriarcais, as mudanças<br />

não se fazem sentir <strong>de</strong> maneira plena e integrada (Betiol, 2000; Betiol e Tonelli, 1991; Bresler,<br />

2000; Carvalho, Carvalho e Carvalho, 2001; Castro, 1999; Sharpe, 2001).<br />

Os mecanismos que reproduzem e <strong>de</strong>terminam a subordinação social dos papéis e das<br />

experiências femininas ao jugo da or<strong>de</strong>m patriarcal são fenômenos <strong>de</strong> natureza institucional<br />

(Castro, 1998, 1999; Charles et al., 2001; Madruga et al., 2001; Stapleton, 2001; Van Eer<strong>de</strong>wijk,<br />

2001) que ficam fortemente evi<strong>de</strong>nciados na peça <strong>de</strong> Henrik Ibsen. Com o acirramento do<br />

individualismo e da competitivida<strong>de</strong> impostos pela dinâmica das atuais organizações e pelo<br />

sistema neoliberal, por outro lado, os conflitos <strong>de</strong> gênero ganham novas facetas e per<strong>de</strong>m a<br />

obvieda<strong>de</strong>, tornando-se mais ambíguos e etéreos (Carvalho, Carvalho e Carvalho, 2001; Geelink,<br />

2001; Rouleau, 2001; Sharpe, 2001; Thayer, 2001). Atualmente, por exemplo, incontáveis<br />

mulheres fazem questão <strong>de</strong> posicionar-se como pessoas que rejeitam a idéia milenar <strong>de</strong> que as<br />

obrigações femininas estão todas atreladas à rotina do lar e ao atendimento das necessida<strong>de</strong>s do<br />

núcleo familiar; na prática, entretanto, as restrições impostas pelas exigências das tarefas<br />

domésticas parecem continuar sendo vistas – pelas próprias mulheres – como naturais, inevitáveis<br />

e mais prementes do que uma carreira profissional que exija in<strong>de</strong>pendência em relação à família<br />

(Betiol, 2000; Boscarin, Grzybovski e Migott, 2001; Charles et al., 2001; Silva, Vilas Boas e<br />

Brito, 2001; Stapleton, 2001; Van Eer<strong>de</strong>wijk, 2001).<br />

Sabe-se, contudo, que a partir dos compromissos pessoais e profissionais que a pessoa<br />

estabelece com a empresa, po<strong>de</strong>m surgir aspectos relacionais harmônicos e conflituosos, os quais<br />

contagiam as dimensões afetivas, familiares e sociais <strong>de</strong> sua vida (Bastos, Correa e Lira, 1998;<br />

Borges e Tamayo, 2000; Mourão e Andra<strong>de</strong>, 2001; Sarsur e Cruz, 2001; Steil e Sanches, 1998;<br />

Tonelli, 2001). A quase totalida<strong>de</strong> das trabalhadoras brasileiras concorda que o trabalho tem<br />

fortes impactos sobre a vida privada das mulheres (Betiol, 2000). Em outras palavras, se às Noras<br />

Helmer <strong>de</strong> hoje foi permitido ter, teoricamente, trânsito livre no mundo das organizações, isto não<br />

significa que este ingresso tenha sido gratuito; se a mulher saiu da “casa” para a “rua” (Damatta,<br />

1997), este rompimento da fronteira entre as esferas privada e pública não foi indolor.<br />

1.3. Vida pessoal e vida profissional da mulher<br />

3


Comparadas aos homens, as mulheres apresentam padrões mais fortes <strong>de</strong> duplo vínculo<br />

com o trabalho, ou seja, comprometem-se tanto com a organização quanto com a profissão<br />

(Bastos, Correa e Lira, 1998; Machado, 1999). Em contraste com a situação <strong>de</strong> Nora Helmer, que<br />

fazia da família sua razão <strong>de</strong> viver, evi<strong>de</strong>nciando uma configuração social que predominava até<br />

poucas décadas atrás, atualmente inúmeras mulheres parecem <strong>de</strong>positar em seus empregos e no<br />

trabalho todas as suas expectativas <strong>de</strong> vida (Paula Netto, Capelle e Vilas Boas, 2001; Pelisson et<br />

al., 2001). Um rompimento assim tão abrupto com a vida centrada no lar, entretanto, talvez não<br />

seja suficiente para traduzir integralmente a realida<strong>de</strong> da maioria das mulheres brasileiras, ainda<br />

que as estatísticas dêem conta <strong>de</strong> uma forte reconfiguração do mercado <strong>de</strong> trabalho (Vilas Boas,<br />

Paula Netto e Barros, 2001). O número <strong>de</strong> lares encabeçados por mulheres vem crescendo<br />

sobremaneira; no Brasil, as mulheres chefiam 24% dos lares (CEPAL, 2001), muitos <strong>de</strong>ntre os<br />

quais, infelizmente, costumam entrar nos levantamentos <strong>de</strong>mográficos como os mais pobres<br />

<strong>de</strong>ntre os lares pobres (Castro, 1999). Nas últimas três décadas, dobrou o número <strong>de</strong> mulheres<br />

brasileiras no mercado <strong>de</strong> trabalho formal; atualmente, cerca <strong>de</strong> 50% das mulheres do Brasil estão<br />

empregadas (Madruga et al., 2001).<br />

O fascínio <strong>de</strong>spertado pela história <strong>de</strong> Nora Helmer não <strong>de</strong>ve impedir a percepção <strong>de</strong> que,<br />

apesar dos inúmeros pontos comuns, as mulheres brasileiras não vivem na Noruega do século<br />

retrasado. Assim, é importante que as diversida<strong>de</strong>s entre as experiências das muitas Noras sejam<br />

explicitadas e preservadas. A<strong>de</strong>mais, sabe-se que o problema das diferenças e dos conflitos <strong>de</strong><br />

gênero constitui-se por meio da negociação <strong>de</strong> normas e <strong>de</strong> práticas situadas em dado contexto,<br />

no interior <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas comunida<strong>de</strong>s (Stapleton, 2001). Destarte, para provocar mudanças<br />

efetivas, as teorias feministas <strong>de</strong>vem comportar características locais e contemplar experiências<br />

particulares (Charles et al., 2001; Marchbank e Letherby, 2001; Thayer, 2001) que nem sempre<br />

po<strong>de</strong>m estar diretamente relacionadas a um opressor masculino perfeitamente i<strong>de</strong>ntificável.<br />

À guisa <strong>de</strong> exemplo, registra-se o relato autobiográfico <strong>de</strong> Amélie Nothomb (2001),<br />

mulher angustiada por ser chefiada por uma executiva japonesa que seguia o masculinizado<br />

padrão <strong>de</strong> conduta da “abelha-rainha” (Rindfleish, 2000; Sinclair, 2000). A submissão<br />

profissional ao jugo <strong>de</strong> uma superior hierárquica que negava as dificulda<strong>de</strong>s naturais enfrentadas<br />

por uma mulher no trabalho e que, na maioria das vezes, assumia comportamentos viris ou<br />

machistas, e oprimia outras mulheres, ensejava uma jornada <strong>de</strong> trabalho sufocada pelo <strong>de</strong>sespero<br />

e pela humilhação, que tinha como única representação <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> a simulação do suicídio pela<br />

autora, que praticava sua catarse várias vezes por dia, imaginando-se estirada na calçada em<br />

frente da empresa, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um salto para a morte.<br />

1.4. Uma Nora Helmer brasileira ?<br />

No Brasil, pesquisas <strong>de</strong>tectaram algumas queixas, insatisfações, inseguranças e angústias<br />

da mulher na vida profissional: a discriminação impedindo ascensão profissional e restrição aos<br />

cargos <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> nas empresas (Betiol, 2000; Silva, Vilas Boas e Brito, 2001); a<br />

percepção <strong>de</strong> que o fato <strong>de</strong> ser casada e ter filhos seria responsável pelo maior nível <strong>de</strong> exigência<br />

e cobrança por parte dos superiores hierárquicos (Oliveira, Oliveira e Dalfior, 2000); a injustiça<br />

<strong>de</strong>, apesar <strong>de</strong> normalmente possuir melhor qualificação profissional, ocupar posições hierárquicas<br />

<strong>de</strong> nível inferior, sempre submissas ao estilo gerencial masculino (Madruga et al., 2001); a<br />

<strong>de</strong>cepção diante da <strong>de</strong>svalorização, pelo marido e pela família, das dificulda<strong>de</strong>s impostas pela<br />

dupla jornada <strong>de</strong> trabalho (Paula Netto, Capelle e Vilas Boas, 2001); a sensação <strong>de</strong> impotência<br />

diante da percepção <strong>de</strong> que não apenas os superiores em comando, mas também os clientes da<br />

empresa po<strong>de</strong>m assumir atitu<strong>de</strong>s machistas geradoras <strong>de</strong> situações inaceitáveis <strong>de</strong> discriminação<br />

(Vilas Boas, Paula Netto e Barros, 2001); o imperativo <strong>de</strong> assumir o discurso e as atitu<strong>de</strong>s<br />

4


impostas pelo mo<strong>de</strong>lo masculino para obter ascensão ou sucesso profissional (Oliveira, Oliveira e<br />

Dalfior, 2000 ; Silva, Vilas Boas e Brito, 2001).<br />

A mulher brasileira continua, enfim, lutando por seu próprio reconhecimento profissional<br />

(Betiol e Tonelli, 1991; Boscarin, Grzybovski e Migott, 2001), diferentemente <strong>de</strong> Nora Helmer,<br />

cuja maior preocupação, nos primeiros diálogos <strong>de</strong> “Casa <strong>de</strong> Boneca”, era não <strong>de</strong>ixar que a<br />

reputação <strong>de</strong> seu marido fosse maculada pela falta moral que ela cometera. Ainda que se<br />

concor<strong>de</strong> que um gran<strong>de</strong> número das mulheres do Brasil continua brigando para vencer o abismo<br />

entre “casa” e “rua”, o presente trabalho tem como enfoque aquelas profissionais que já se<br />

encontram na “rua”, nas organizações. O artigo propõe-se, mais especificamente, a examinar a<br />

dura batalha travada diariamente pelas mulheres nas empresas; nessa luta, surgem medos,<br />

<strong>de</strong>sesperos, angústias, receios. Estariam estas inquietações e dificulda<strong>de</strong>s, próprias da mulher<br />

brasileira <strong>de</strong> hoje, assim tão distantes das preocupações experimentadas há mais <strong>de</strong> 120 anos pela<br />

fictícia Nora Helmer, obcecada por não causar <strong>de</strong>cepções ao marido e ao pai, ou seja, aos homens<br />

da sua vida, à sua família ?<br />

2. Procedimentos metodológicos<br />

2.1. Universo, amostra e seleção dos sujeitos<br />

No início da pesquisa, imaginou-se que a população a partir da qual seria extraída as<br />

amostra seria a<strong>de</strong>quadamente composta pelas mulheres que se pu<strong>de</strong>sse perceber que estivessem,<br />

na época da pesquisa, vinculando o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> sua vida profissional ao trabalho em uma<br />

organização. Optou-se por restringir-se o estudo às mulheres <strong>de</strong> classe média, a exemplo da Nora<br />

Helmer imaginada por Henrik Ibsen. Po<strong>de</strong>riam ser formados, <strong>de</strong>sta feita, dois grupos <strong>de</strong><br />

respon<strong>de</strong>ntes: (1) mulheres no início <strong>de</strong> suas carreiras, ou seja, estudantes universitárias com<br />

vínculo <strong>de</strong> estágio em empresas; e (2) mulheres formalmente empregadas, preferencialmente<br />

ocupando cargos executivos em organizações.<br />

Percebeu-se, em um segundo momento, que as respostas dos dois grupos <strong>de</strong> mulheres ao<br />

dispositivo <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados não apresentavam diferenças substanciais. Na análise dos dados,<br />

portanto, os dois grupos tiveram seus <strong>de</strong>poimentos reunidos e formaram unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> análise em<br />

integração. As estudantes, alunas <strong>de</strong> duas instituições <strong>de</strong> ensino superior do Rio <strong>de</strong> Janeiro, foram<br />

escolhidas por meio <strong>de</strong> amostragem não-probabilística, com seleção por conveniência (Patton,<br />

1990; Remenyi et al., 1998; Vergara, 2000). Em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> se estar buscando informantes-chave<br />

(Yin, 1994) capazes <strong>de</strong> produzir relatos cuja natureza sugeria uma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> confiança das<br />

<strong>de</strong>poentes nos pesquisadores, recorreu-se ao protocolo snowball (Patton, 1990; Remenyi et al.,<br />

1998) para seleção das executivas: às estagiárias-alunas, respon<strong>de</strong>ntes mais próximas dos autores,<br />

solicitou-se a indicação <strong>de</strong> outras pessoas que obe<strong>de</strong>cessem às restrições <strong>de</strong> tipicida<strong>de</strong><br />

previamente estipuladas.<br />

A amostra foi suficientemente diversificada para incluir representantes <strong>de</strong> empresas<br />

nacionais privadas <strong>de</strong> pequeno, médio e gran<strong>de</strong> portes, e <strong>de</strong> companhias estatais, assim como<br />

funcionárias <strong>de</strong> companhias <strong>de</strong> capital predominantemente estrangeiro.<br />

2.2. Coleta <strong>de</strong> dados<br />

Confiando na assertiva <strong>de</strong> que a linguagem po<strong>de</strong> ser utilizada para criar, refletir, sustentar<br />

ou <strong>de</strong>safiar os arranjos e as i<strong>de</strong>ologias patriarcais (Stapleton, 2001), imaginou-se uma dinâmica<br />

<strong>de</strong> pesquisa baseada em questionários (Gil, 1987; Pierson, 1962). Foram utilizados, mais<br />

especificamente, questionários abertos (Patton, 1990) e auto-aplicados, uma vez que se pretendia<br />

5


preservar momentos <strong>de</strong> reflexão para que as respon<strong>de</strong>ntes pu<strong>de</strong>ssem registrar seus <strong>de</strong>poimentos<br />

<strong>de</strong> maneira tranqüila e privada. Este procedimento mostra-se especialmente efetivo quando o<br />

tema em estudo é um assunto <strong>de</strong>licado e íntimo (Aaker, Kumar e Day, 2001).<br />

Adotou-se o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> questionário com duas únicas perguntas abertas e amplas sugerido<br />

por Patton (1990). Foram distribuídos 65 questionários, dos quais 28 foram retornados. O<br />

questionário era entregue acompanhado <strong>de</strong> uma carta explicativa sobre o teor da pesquisa e<br />

continha instruções <strong>de</strong>talhadas para o preenchimento; os questionários foram distribuídos às<br />

respon<strong>de</strong>ntes entre outubro e <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001 e <strong>de</strong>volvidos até dois meses <strong>de</strong>pois. As duas<br />

perguntas, propositadamente ambíguas, foram as seguintes:<br />

(1) Quais seriam os receios, as ansieda<strong>de</strong>s ou as inquietações que mais a afligiriam, se<br />

você imaginar que sua carreira e sua vida profissional po<strong>de</strong>riam não ter o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento que você espera ?<br />

(2) Como você <strong>de</strong>screveria uma mulher insatisfeita, infeliz ou fracassada<br />

profissionalmente ?<br />

É interessante observar que, apesar do sucesso do pré-teste do questionário (Aaker,<br />

Kumar e Day, 2001), realizado junto a 10 alunas <strong>de</strong> pós-graduação <strong>de</strong> uma instituição carioca <strong>de</strong><br />

ensino superior, muitas respostas ao dispositivo final não pu<strong>de</strong>ram ser plenamente aproveitadas.<br />

Credita-se esta limitação ao fato <strong>de</strong> uma parcela significativa das mulheres – notadamente, as<br />

executivas <strong>de</strong> média gerência – nada terem feito além <strong>de</strong> reproduzir fielmente os discursos<br />

organizacionais (ver Faria e Meneghetti, 2001) perfeitamente estruturados e unicamente<br />

comprometidos com a i<strong>de</strong>ologia dominante na organização, os quais elas <strong>de</strong>vem ter imaginado<br />

que a empresa aprovaria, apesar das promessas <strong>de</strong> sigilo por parte dos pesquisadores.<br />

2.3. Tratamento das evidências empíricas<br />

Os <strong>de</strong>poimentos registrados nos questionários foram submetidos inicialmente à leitura<br />

crítica (Remenyi et al., 1998; Yin, 1994); em seguida, a<strong>de</strong>ntrou-se o protocolo da análise <strong>de</strong><br />

conteúdo (Bartin, 1979; Yin, 1994). Buscou-se, para a discussão dos resultados, a construção <strong>de</strong><br />

análise interparticipante fundamentada na hermenêutica (Pierson, 1962; Vergara, 2000). A<br />

investigação apoiada pela epistemologia hermenêutica costuma confiar no argumento <strong>de</strong> que os<br />

pesquisadores <strong>de</strong>vem a<strong>de</strong>ntrar o mundo dos atores sociais que vivenciam <strong>de</strong>terminado fenômeno<br />

para <strong>de</strong>screver e interpretar aquela realida<strong>de</strong> e, então, propor eventuais contribuições teóricas<br />

(Chalmers, 1999; Patton, 1990; Yin, 1994).<br />

As respostas das participantes do estudo foram transcritas e agrupadas segundo a diretriz<br />

metodológica da classificação <strong>de</strong> termos e idéias (Patton, 1990). Os <strong>de</strong>poimentos sofreram<br />

redução <strong>de</strong> dados por indução (Remenyi et al., 1998) e os clusters <strong>de</strong> análise seguiram o critério<br />

da formação endógena <strong>de</strong> conceitos: os grupos nasceram a partir <strong>de</strong> frases ou termos usados pelas<br />

próprias respon<strong>de</strong>ntes (Patton, 1990). Para ilustrar a apresentação dos grupos analíticos, foram<br />

escolhidos alguns trechos dos diálogos <strong>de</strong> “Casa <strong>de</strong> Boneca” (Ibsen, 1976).<br />

Em virtu<strong>de</strong> da natureza das respostas, optou-se por preservar como anônimas as<br />

organizações, mas não as informantes (Yin, 1994), quando da apresentação dos resultados:<br />

<strong>de</strong>sejava-se dar voz às mulheres e conhecer as inquietações <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> suas perspectivas<br />

profissionais, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> sua inserção em um contexto empresarial <strong>de</strong>terminado.<br />

Mesmo sabendo que os pesquisadores iriam usar somente seus primeiros nomes, sem indicar<br />

sobrenome ou empresa, algumas informantes (“Bárbara” e “Cátia”, por exemplo) solicitaram que<br />

não fossem utilizados seus nomes reais.<br />

2.4. Limitações do método<br />

6


A maior limitação dos questionários parece ser a imposição, aos <strong>de</strong>poentes, <strong>de</strong> uma<br />

estruturação dos problemas que não é necessariamente a sua, o que po<strong>de</strong>ria favorecer a<br />

formulação <strong>de</strong> respostas superficiais ou ina<strong>de</strong>quadas (Thiollent, 1987). Ainda assim, a ausência<br />

<strong>de</strong> categorias e respostas pré-especificadas no dispositivo (Patton, 1990) mobilizou gran<strong>de</strong><br />

varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> respostas, textos entusiasmados e emocionados; as <strong>de</strong>poentes registraram<br />

igualmente sua satisfação em respon<strong>de</strong>r à pesquisa por meio <strong>de</strong> comentários marginais nas folhas<br />

dos questionários (Gostaria muito <strong>de</strong> receber os resultados!!!), fato que já era esperado (Aaker,<br />

Kumar e Day, 2001), principalmente por conta da importância do assunto para muitas mulheres.<br />

Não se po<strong>de</strong> afirmar que todas as mulheres que assumiram o discurso da empresa o<br />

fizeram <strong>de</strong> maneira inconsciente: <strong>de</strong>ntre estas pessoas, po<strong>de</strong>-se crer que algumas simplesmente<br />

escolheram preservar sua intimida<strong>de</strong> e não revelar seus sentimentos. Se, em lugar <strong>de</strong> um<br />

questionário, os pesquisadores tivessem optado por entrevistas, certamente esta dificulda<strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>ria ter sido melhor contornada; outras mulheres, entretanto, talvez preferissem mesmo<br />

respon<strong>de</strong>r o questionário, e então estes relatos teriam sido perdidos <strong>de</strong> modo análogo. De<br />

qualquer modo, ainda que o estudo fosse planejado para comportar as duas formas <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong><br />

dados – entrevistas e questionários – seria inevitável que o acesso às percepções das mulheres<br />

ficasse, pelo menos em parte, comprometido.<br />

3. Apresentação e discussão dos resultados<br />

3.1. Os <strong>de</strong>veres da família<br />

Torvald: Você está doente, Nora. Está <strong>de</strong>lirando. Chego quase a pensar que<br />

você per<strong>de</strong>u a razão.<br />

Nora: Nunca raciocinei com tanta clareza como agora.<br />

Torvald: E é com um raciocínio claro que você abandona seu marido e seus<br />

filhos? É revoltante você ser capaz <strong>de</strong> abandonar assim seus<br />

<strong>de</strong>veres mais sagrados.<br />

Nora: O que é que você consi<strong>de</strong>ra meus <strong>de</strong>veres mais sagrados?<br />

Torvald: Preciso dizer-lhe? Não são seus <strong>de</strong>veres para com seu marido e<br />

seus filhos?<br />

A imensa maioria das respon<strong>de</strong>ntes argumentou que as rotinas <strong>de</strong> trabalho impostas pelas<br />

empresas exigem que as mulheres <strong>de</strong>ixem <strong>de</strong> lado suas vidas pessoais e familiares, o que faz com<br />

que elas acabem <strong>de</strong>dicando muito menos atenção ao marido, aos filhos e aos amigos do que<br />

consi<strong>de</strong>ram <strong>de</strong>sejável. Por este mesmo motivo, as <strong>de</strong>poentes creditam às organizações o<br />

aparecimento <strong>de</strong> conflitos pessoais e frustrações <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m variada. Não se conseguiu <strong>de</strong>tectar<br />

nenhum padrão <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, profissão, tipo <strong>de</strong> empresa ou cargo ocupado entre as mulheres que<br />

fizeram menção à insatisfação com o abandono da vida familiar em nome da organização:<br />

praticamente todas as <strong>de</strong>poentes <strong>de</strong>ixaram registradas as expressões “família” e/ou “vida pessoal”<br />

em suas respostas.<br />

Investi muitos anos da minha vida na minha profissão e em vários momentos fui<br />

bem recompensada, mas sempre fiquei dividida entre filhos, casa, marido e<br />

profissão. É uma pena que para se ter uma carreira plenamente bem sucedida, a<br />

mulher tem que relegar a segundo plano sua vida pessoal. Uma mulher infeliz é<br />

aquela que para conseguir in<strong>de</strong>pendência financeira, ou seja, bons salários e<br />

7


ônus para comprar seu apartamento e seu carro, tenha que sacrificar sua vida<br />

pessoal e familiar. (Vitoria, 51 anos, private banker)<br />

Ascen<strong>de</strong>r profissionalmente não é para todos, muito menos para os melhores ou<br />

mais bem preparados intelectualmente, os que sobem são os que se sujeitam as<br />

regras do jogo que muitas vezes é um jogo bem sujo... Abrir mão da vida pessoal<br />

também faz parte <strong>de</strong>sta rotina, <strong>de</strong>ve-se "ven<strong>de</strong>r uma imagem" <strong>de</strong> que tudo é<br />

perfeito, manter as aparências <strong>de</strong> ser humano amplamente realizado. (Cátia, 31<br />

anos, representante <strong>de</strong> vendas)<br />

O <strong>de</strong>poimento da jovem Monique é especialmente interessante. Apesar da pouca ida<strong>de</strong> e<br />

da curta experiência profissional, ela não somente parece incomodada por perceber que a atenção<br />

dada pelas mulheres às suas famílias parece insuficiente, como fala <strong>de</strong> <strong>de</strong>voção aos filhos que<br />

ainda nem nasceram. Em um segundo momento, Monique parece incorporar uma idéia materna<br />

arquetípica, separando nitidamente a criação dos filhos homens das filhas mulheres, o que<br />

po<strong>de</strong>ria, paradoxalmente, reforçar os mesmos mecanismos <strong>de</strong> segregação que a <strong>de</strong>sagradam.<br />

Uma mulher insatisfeita é aquela que não consegue conciliar o trabalho que<br />

precisa ou quer fazer fora <strong>de</strong> casa com a vida familiar que valoriza, seja com a<br />

intensida<strong>de</strong> e a <strong>de</strong>voção que for (...) Causa ansieda<strong>de</strong> a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não ser o<br />

exemplo que gostaria para os filhos. No caso <strong>de</strong> filhas mulheres, um exemplo a<br />

seguir <strong>de</strong> conquista pessoal, confiança na própria capacida<strong>de</strong> e busca por<br />

in<strong>de</strong>pendência. No caso <strong>de</strong> filhos homens, um exemplo <strong>de</strong> mulher a buscar como<br />

companheira que agregue valor à sua vida profissional assim como pessoal.<br />

(Monique, 22 anos, consultora associada)<br />

Embora as duas perguntas do questionário refiram-se, clara e objetivamente, apenas à<br />

vida profissional, nas respostas aparecem, invariavelmente, referências à vida familiar. As<br />

mulheres revelam forte preocupação em compatibilizar dois mundos distintos, nos quais<br />

<strong>de</strong>sempenham papéis muitas vezes antagônicos. Essa preocupação mostra que as mulheres, hoje,<br />

não <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> valorizar a vida familiar; pelo contrário, harmonizar as funções tradicionais com<br />

a vida profissional parece ser o gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio para elas. Vale notar que muitas das entrevistadas<br />

vincularam a idéia <strong>de</strong> fracasso à incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conciliar vida profissional e vida familiar –<br />

provavelmente, nenhum homem abordaria a questão sob esse ponto <strong>de</strong> vista.<br />

3.2. Perda da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

Nora: Estou perplexa diante <strong>de</strong> tudo. Só sei que eu e você encaramos o<br />

problema <strong>de</strong> maneiras diferentes. Eu aprendi também que as leis<br />

são muito diferentes do que eu pensava, mas não consigo<br />

convencer-me <strong>de</strong> que as leis sejam justas.<br />

Torvald: Você fala como uma criança. Você não compreen<strong>de</strong> a socieda<strong>de</strong><br />

em que vive.<br />

Nora: Não. Mas agora eu vou tentar, vou ver se consigo enten<strong>de</strong>r quem está<br />

com a razão, a socieda<strong>de</strong> ou eu.<br />

Muitas mulheres manifestaram abertamente o receio <strong>de</strong> terem suas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s anuladas<br />

ou absorvidas pela organização. Inicialmente, po<strong>de</strong>r-se-ia acreditar que esta seria uma ansieda<strong>de</strong><br />

8


comum a qualquer pessoa inserida em um ambiente empresarial pós-industrial,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> seu sexo; o relato <strong>de</strong> Cátia é um exemplo típico <strong>de</strong> conflito individual<br />

relacionado ao trabalho em organizações. Mais adiante, entretanto, como mostram os<br />

<strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> Ilana e Sheila, percebe-se que, quando se trata das mulheres, o fantasma da perda<br />

<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> ganha contornos mais nítidos.<br />

Os receios são muitos, mas o principal é ter certeza <strong>de</strong> que se é absolutamente<br />

<strong>de</strong>scartável, em uma gran<strong>de</strong> empresa per<strong>de</strong>mos a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e nos tornamos<br />

apenas um número. Outro gran<strong>de</strong> inconveniente é não po<strong>de</strong>r pensar com a<br />

própria cabeça, ser sempre "politicamente correto" segundo as normas da<br />

companhia, o que muitas vezes faz com que nos transformemos em fantoches <strong>de</strong><br />

nossas próprias metas. Para muitas mulheres ter sucesso é ser respeitada e<br />

reconhecida <strong>de</strong>ntro da carreira, alcançar um bom salário com alto po<strong>de</strong>r<br />

aquisitivo. Uma mulher bem sucedida é aquela que não abre mão <strong>de</strong> seus i<strong>de</strong>ais e<br />

principalmente não <strong>de</strong>siste do direito <strong>de</strong> ser apenas um ser humano. Mulheres que<br />

se tornam máquinas empresariais, flexibilizam seus padrões éticos e fazem<br />

qualquer coisa pelo sucesso profissional, estas, sim, são as verda<strong>de</strong>iras<br />

fracassadas. Muitos funcionários <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s empresas se envolvem <strong>de</strong> tal forma<br />

no esquema que chegam a acreditar que fazem parte <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> família. Na<br />

verda<strong>de</strong> isto é o que a empresa mais <strong>de</strong>seja, pois este tipo <strong>de</strong> colaborador per<strong>de</strong> a<br />

percepção da realida<strong>de</strong> e passa a agir como se o seu trabalho fosse a principal e<br />

única razão <strong>de</strong> sua existência. Mas o pior disto tudo é que mesmo que você<br />

obtenha sucesso, chegue à presidência da empresa ou siga carreira internacional,<br />

nunca passará <strong>de</strong> um número que mais cedo ou mais tar<strong>de</strong> será eliminado e cairá<br />

no esquecimento. (Cátia, 31 anos, representante <strong>de</strong> vendas)<br />

Não conseguiria jamais me imaginar fazendo algo que <strong>de</strong>testasse, tendo que<br />

acreditar em coisas que não consigo, tendo que obe<strong>de</strong>cer a pessoas que não<br />

respeito e não confio. Jamais po<strong>de</strong>ria me sentir como se fosse diferente <strong>de</strong> todos<br />

que me cercam, como se eu ficasse isolada <strong>de</strong> tudo e <strong>de</strong> todos. (Bárbara, 22 anos,<br />

estagiária)<br />

Em alguns casos, a perda <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pô<strong>de</strong> ser relacionada à percepção <strong>de</strong> que a simples<br />

presença do feminino na empresa seria suficiente para propiciar um conflito entre a mulher e o<br />

contexto organizacional em que ela está inserida. Em outras palavras, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da mulher<br />

parece estar sempre ameaçada pelo fato <strong>de</strong> sua permanência na empresa ten<strong>de</strong>r a ser vista, pelos<br />

homens que geralmente ocupam os cargos mais elevados <strong>de</strong> chefia, como inferior à masculina ou<br />

como nociva ao <strong>de</strong>sempenho da empresa.<br />

Mulher insatisfeita é aquela que não é reconhecida pelo trabalho que faz,<br />

principalmente se o motivo for o fato <strong>de</strong> ser mulher. (Ilana, 22 anos, estagiária)<br />

Minha profissão é exercida, na sua maioria por homens e "substituí-los" é<br />

bastante difícil já que "nós não somos tão capacitadas"! Uma mulher insatisfeita<br />

no trabalho é aquela que não executa seus serviços no que mais gosta, aquela que<br />

não é reconhecida pelos colegas e principalmente pelo "chefe", a mulher que não<br />

9


é bem remunerada e que não possui um espaço para alcançar um cargo <strong>de</strong> chefia.<br />

(Sheila, 32 anos, supervisora <strong>de</strong> re<strong>de</strong>)<br />

A perda da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> – entendida como negação <strong>de</strong> projetos pessoais, i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> vida,<br />

valores – parece ser o único caminho possível para a realização profissional. Em outras palavras,<br />

a “frustração pessoal” é condição para a “realização profissional”. Para obter reconhecimento e<br />

respeito como profissional, parece ser necessário à mulher abrir mão da sua singularida<strong>de</strong> como<br />

pessoa, renunciar à sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, inclusive como ser sexuado e tornar-se uma “igual”. O<br />

<strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Cátia é emblemático. Ela chama a atenção para as conseqüências da perda <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>: confundir vida profissional com pessoal, fazer do trabalho a razão da existência,<br />

acreditar que a empresa substitui a família.<br />

3.3. A questão financeira<br />

Torvald: Você é bem mulher, mesmo! Nora, falando sério... Nada <strong>de</strong> dívidas,<br />

nada <strong>de</strong> empréstimos, não há liberda<strong>de</strong> nem beleza numa vida<br />

baseada em dívidas.<br />

Nora: Como você achar melhor, Torvald.<br />

Torvald: Não quero a minha pombinha <strong>de</strong> asa caída, o que é isso? Meu<br />

esquilinho está triste? Nora, adivinhe o que eu tenho aqui?<br />

Nora: Dinheiro? Dez... vinte... trinta... quarenta. Ah, obrigada, Torvald. Isso<br />

dá para bastante tempo.<br />

Torvald: É bom que dê mesmo.<br />

Como se po<strong>de</strong>rá notar a partir do <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Paola, as mulheres parecem ressentir-se<br />

bastante do fato <strong>de</strong> que as maiores gratificações obtidas com o trabalho em organizações<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da variável remuneração. O reconhecimento <strong>de</strong> que o trabalho serviria apenas para<br />

prover sustento, sem qualquer relação com satisfação pessoal, trouxe angústias a muitas das<br />

respon<strong>de</strong>ntes, principalmente às mais jovens. Contudo, mesmo consi<strong>de</strong>rando que, por conta <strong>de</strong><br />

sua inserção relativamente recente no mercado <strong>de</strong> trabalho formal, as mulheres ainda não<br />

ganharam intimida<strong>de</strong> com as <strong>de</strong>cepções <strong>de</strong>correntes do trabalho, seria a<strong>de</strong>quado especular,<br />

novamente, se este <strong>de</strong>sconforto po<strong>de</strong>ria também ser extensivo aos homens.<br />

Quando entramos para o mercado <strong>de</strong> trabalho, duas escolhas <strong>de</strong>vemos ter em<br />

mente: uma é sobre a realização profissional, a outra é sobre a questão financeira.<br />

Ambas não podiam caminhar juntas, mas <strong>de</strong>cidi priorizar a financeira. Essa<br />

<strong>de</strong>cisão acarretou em outras questões mais complexas que me fizeram optar por<br />

recomeçar a estudar em outra área completamente diferente da qual trabalho,<br />

justamente por não suportar o peso dos receios, anseios e inquietações<br />

provenientes <strong>de</strong>sse "abrir mão" da realização profissional. É impossível trabalhar<br />

sem uma causa, sem um <strong>de</strong>sejo, sem a sensação <strong>de</strong> estar sendo útil <strong>de</strong> fato. (Paola,<br />

31 anos, economista)<br />

Uma mulher que não conseguisse obter nenhuma satisfação pessoal no trabalho, só<br />

visse em sua ativida<strong>de</strong> profissional uma maneira <strong>de</strong> sobreviver e ganhar dinheiro<br />

(...) na empresa se tornasse um fantasma ou uma morta-viva. (Bárbara, 22 anos,<br />

estagiária)<br />

10


Infeliz é a mulher que não gosta do trabalho que faz (faz somente por necessida<strong>de</strong>).<br />

(Ilana, 22 anos, estagiária)<br />

Alguns <strong>de</strong>poimentos parecem sugerir que a sensação <strong>de</strong> estar à mercê da remuneração<br />

paga pela organização afeta as mulheres <strong>de</strong> modo peculiar. A socieda<strong>de</strong> parece acenar para as<br />

mulheres com duas diretrizes comportamentais diametralmente opostas e, segundo as <strong>de</strong>poentes,<br />

mutuamente exclu<strong>de</strong>ntes: em primeiro lugar, estimula-se o sucesso e in<strong>de</strong>pendência financeira<br />

como padrões <strong>de</strong> sucesso a serem perseguidos pelas mulheres; em seguida, estimula-se a<br />

realização pessoal <strong>de</strong>stas mulheres.<br />

O maior receio é certamente relacionado à in<strong>de</strong>pendência econômica. Ao ser<br />

criada em uma socieda<strong>de</strong> que a cada dia valoriza mais a mulher in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e<br />

bem sucedida profissionalmente, a autoconfiança e o orgulho passaram a ser<br />

medidos por estes critérios. (Monique, 22 anos, consultora associada)<br />

Quem não exerce a função que gostaria, sente que não dá atenção a outros<br />

aspectos da vida, só trabalha, não tem tempo para nada, trabalha on<strong>de</strong> não suporta<br />

porque precisa financeiramente, trabalha longe daqueles que ama, não lida bem<br />

com a situação e fica <strong>de</strong>smotivada. (Cristina, 26 anos, consultora)<br />

A questão do dinheiro evi<strong>de</strong>ncia um problema que parece ter duas facetas distintas: (a) a<br />

<strong>de</strong>pendência financeira e (b) as <strong>de</strong>cepções com o trabalho. A escolha entre ganhar bem ou fazer o<br />

que se gosta não é um problema exclusivamente feminino, mas talvez as mulheres estejam menos<br />

preparadas para enfrentá-lo. As mulheres se sentem duplamente traídas: pela não realização da<br />

“promessa” da conquista da felicida<strong>de</strong> por meio da in<strong>de</strong>pendência financeira e também porque<br />

têm uma expectativa maior do que os homens <strong>de</strong> conciliar remuneração com satisfação. Muitas<br />

mulheres já precisaram optar uma vez (vida em família ou trabalho) e, assim, “ganhar bem ou<br />

fazer o que gosta” é, no caso das mulheres, a segunda vez que têm que fazer uma opção tão dura,<br />

como mostra o <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Cristina.<br />

3.4. Desequilíbrio<br />

Em “Casa <strong>de</strong> Boneca”, os conflitos vividos por Nora Helmer – motivados por seu fracasso<br />

como mãe e esposa – geram na protagonista da peça uma situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sespero que provoca uma<br />

profunda <strong>de</strong>sestabilização, a qual termina por refletir-se em diversas instâncias <strong>de</strong> sua vida,<br />

levando-a a <strong>de</strong>sejar o suicídio. De maneira análoga, no presente estudo, quando se pediu que as<br />

<strong>de</strong>poentes esboçassem imagens acerca da possibilida<strong>de</strong> do insucesso profissional, as respostas<br />

enfatizaram aspectos tão diversos quanto abalos na saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong>scuidos com a aparência, crises<br />

amorosas, questionamento existencial, agressivida<strong>de</strong> e impaciência, <strong>de</strong>pressão e mau-humor.<br />

Eu teria o receio <strong>de</strong> entrar em <strong>de</strong>pressão, pois amo o que faço. As inquietações<br />

seriam sentidas nos diversos níveis extra-profissionais: crise familiar, amorosa,<br />

emocional, psicológica e, principalmente, na saú<strong>de</strong>. (Cristina, 26 anos, consultora)<br />

Uma mulher insatisfeita profissionalmente po<strong>de</strong> se tornar agressiva, impaciente e<br />

mal-humorada. Estas características afetam tanto a vida pessoal quanto a<br />

profissional. (Renata, 25 anos, supervisora <strong>de</strong> inventário)<br />

11


Basta olhar em seus olhos e ter um pouco <strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong> para perceber em seu<br />

semblante, em suas reações, agressivida<strong>de</strong> exacerbada, impaciência, falta <strong>de</strong><br />

humor, instabilida<strong>de</strong> emocional, etc. É muito fácil perceber e muito difícil <strong>de</strong> se<br />

lidar... O ser humano quando se mostra assim somente com anos <strong>de</strong> divã...<br />

(Samantha, 27 anos, gerente comercial)<br />

Uma mulher assim (fracassada profissionalmente) está mais velha do que <strong>de</strong> fato<br />

é. Não se preocupa com o corpo, a aparência, não procura conhecimento e<br />

experiência pois está muito focada nos problemas profissionais que repercutem<br />

em sua vida. A baixa estima, a falta <strong>de</strong> amor próprio e a incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

valorizar a si mesma passam a dominar essa mulher. Não há pessoa, sentimento,<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> entretenimento que alterem o seu estado <strong>de</strong> espírito. Sem o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento esperado, a vida fica comprometida em diversos campos:<br />

emocional, social, psicológico, existencial, familiar. (Paola, 31 anos, economista)<br />

3.5. O discurso dominante<br />

Torvald: Há alguma verda<strong>de</strong> no que você diz, exagerada e distorcida, como é<br />

o seu ponto <strong>de</strong> vista. Mas, <strong>de</strong> agora em diante, vai ser diferente.<br />

Acabou-se o tempo <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira, vai começar o tempo da<br />

educação.<br />

Nora: Educação <strong>de</strong> quem? Minha ou das crianças?<br />

Torvald: De todos, você e as crianças, querida.<br />

Nora: Ora, Torvald, você não é o homem indicado para me ensinar a ser uma<br />

verda<strong>de</strong>ira mulher para você.<br />

Torvald: E você é a pessoa indicada para dizer isso?<br />

Um número bastante significativo <strong>de</strong> questionários motivou respostas encharcadas pelo<br />

discurso patriarcal da organização. Ao invés <strong>de</strong> discorrer sobre suas próprias angústias e<br />

inquietações, eventualmente motivadas pela sensação <strong>de</strong> insatisfação profissional, muitas<br />

mulheres pareceram preocupar-se apenas em reproduzir o discurso que a empresa espera que elas<br />

conheçam <strong>de</strong> cor. Como exemplificam os <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> Renata e Ana, foram citadas idéias tais<br />

como nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho, busca <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s e inovações, trabalho em equipe.<br />

A constatação <strong>de</strong> que algumas mulheres preferiram colocar os problemas das empresas à<br />

frente dos seus próprios medos e receios não significa, entretanto, que seus relatos sejam<br />

totalmente estéreis. Pelo contrário, a presença forte das preocupações com resultado e<br />

<strong>de</strong>sempenho, próprias da i<strong>de</strong>ologia propagada pelo atual mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> gestão instrumental,<br />

tecnocrático e fundamentalmente masculino, documenta, ilustra e explicita a dominação<br />

perpetrada pela superposição <strong>de</strong> gêneros nas organizações.<br />

Se a carreira não está <strong>de</strong>senvolvendo como gostaria, po<strong>de</strong> ser pelo fato <strong>de</strong> meu<br />

<strong>de</strong>sempenho estar abaixo do exigido para a ativida<strong>de</strong>. Obviamente, isto aumenta a<br />

ansieda<strong>de</strong> e as inquietações. (Renata, 25 anos, supervisora <strong>de</strong> inventário)<br />

(Uma mulher fracassada é) Uma pessoa acomodada, sem iniciativa para buscar<br />

novas oportunida<strong>de</strong>s ou inovações, sem se importar quanto à eficácia do trabalho<br />

que <strong>de</strong>senvolve, sem compromisso <strong>de</strong> estimular sua equipe, sem estímulo para a<br />

busca <strong>de</strong> melhores resultados. (Ana, 33 anos, analista <strong>de</strong> negócios)<br />

12


As respostas <strong>de</strong> Ana e Renata caracterizam uma inversão que é própria da i<strong>de</strong>ologia. As<br />

mulheres interiorizam o discurso patriarcal dominante e assumem inteiramente a culpa <strong>de</strong> um<br />

possível insucesso: “o sistema é como é, eu é que não fui eficiente, não consegui”. Ainda que este<br />

não seja um fenômeno relacionado somente às questões <strong>de</strong> gênero – a inversão surge em<br />

quaisquer relações <strong>de</strong> <strong>de</strong>sequilíbrio social – no presente estudo sua explicitação acontece<br />

exatamente por conta da fusão histórica do discurso masculino com a voz da organização, à qual<br />

acabam por mesclar-se os <strong>de</strong>sabafos das mulheres.<br />

Conclusões<br />

O presente estudo propôs-se a examinar os principais fatores percebidos pelas mulheres<br />

brasileiras como causadores <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong>s, receios e inquietações no que tange à vida<br />

profissional nas organizações. Os resultados do trabalho empírico mostram que os maiores<br />

motivos <strong>de</strong> angústia e preocupação das mulheres referem-se (1) à sensação <strong>de</strong> que o trabalho<br />

impe<strong>de</strong> a <strong>de</strong>dicação à família e a atenção à vida pessoal; (2) à insatisfação causada pela perda <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> provocada pela empresa; (3) ao <strong>de</strong>sconforto com a <strong>de</strong>pendência financeira da mulher<br />

em relação à organização; e (4) ao <strong>de</strong>sequilíbrio que o fracasso profissional po<strong>de</strong>ria vir a causar, e<br />

que seria sentido nas instâncias do corpo, da mente, do afeto e da saú<strong>de</strong>. Observou-se também<br />

que um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> mulheres substituiu o relato <strong>de</strong> suas angústias individuais pela<br />

reprodução do discurso organizacional, o que sugere que a dominação masculina po<strong>de</strong> estar ainda<br />

mais arraigada na vida das mulheres do que elas próprias po<strong>de</strong>m perceber.<br />

A releitura da obra “Casa <strong>de</strong> Boneca” à luz dos resultados <strong>de</strong> campo parece conduzir ao<br />

reforço da proposição inicial <strong>de</strong> que as recentes mudanças na sócio-economia do mundo oci<strong>de</strong>ntal<br />

não foram suficientes para dissolver as semelhanças fundamentais que as brasileiras <strong>de</strong> hoje<br />

mantêm com a personagem Nora Helmer. À guisa <strong>de</strong> reflexão, espera-se que as mulheres tenham<br />

consciência <strong>de</strong> que Nora continua a mesma somente porque Torvald Helmer também permanece<br />

imutável; em outras palavras, as questões <strong>de</strong> gênero somente po<strong>de</strong>rão caminhar para uma solução<br />

se o entendimento entre o masculino e o feminino for resultado <strong>de</strong> uma mudança conjunta,<br />

integrada e efetiva nas relações entre os sexos.<br />

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