Pedaços de Noz 2007 - Escola Secundária Stuart Carvalhais
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<strong>Pedaços</strong> <strong>de</strong> <strong>Noz</strong> | 74<br />
aborrecido seria ficar o dia inteiro a olhar para os comboios a passar. Com os meus olhos<br />
<strong>de</strong> oiro contemplava a cida<strong>de</strong> com uma infinita admiração e invejava aquelas pessoas<br />
que viviam muito alto nos prédios, tão perto do céu… conseguiriam elas tocar nas<br />
nuvens? E nas estrelas? Escolhi uma porta e vi o meu olhar reflectido no vidro…<br />
procurei perceber se nele havia ainda um brilho <strong>de</strong> oiro, mas a porta abriu-se sobre o<br />
olhar sombrio <strong>de</strong> um homem <strong>de</strong> negócios que saiu veloz baloiçando com elegância uma<br />
pastinha, como compete aos homens <strong>de</strong> negócios. Entrei no comboio tentando, à<br />
semelhança da menina cujos olhos eram pérolas, pintar sorrisos em rostos pálidos. Mas,<br />
na cida<strong>de</strong>, as pessoas <strong>de</strong>ixam-se morrer pelo inalcançável…<br />
Sentei-me ao lado <strong>de</strong> uma senhora fina e intelectual que escondia o cansaço <strong>de</strong><br />
uma face cor <strong>de</strong> neve por <strong>de</strong>trás <strong>de</strong> um livro, como para se escon<strong>de</strong>r, pois eu bem sei que<br />
se envergonhava da sua própria futilida<strong>de</strong>. Lançou um olhar discreto para mim, como se<br />
a minha presença alegre e banal estivesse a incomodar madame. O comboio voltou a<br />
entrar em movimento e vi afastar-se o velho banco <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira que continuaria a ver os<br />
comboios a passar sem nunca po<strong>de</strong>r sair dali. Um passageiro irrequieto passou pela nossa<br />
carruagem, porque aqui na cida<strong>de</strong> as pessoas competem com o tempo e nunca param<br />
quietas. “Próxima paragem, Cacém”. Quando os meus olhos eram <strong>de</strong> oiro sonhava em ter<br />
uma voz tão bonita como a da senhora que anunciava a chegada a cada uma das estações<br />
e acreditava que era uma das profissões mais bonitas que havia.<br />
O sol, prestes a <strong>de</strong>spedir-se do dia, veio aquecer o meu rosto com uma ternura tal,<br />
que ousaria ficar eternamente a <strong>de</strong>spedir-me do último raio <strong>de</strong> sol. A senhorita franziu a<br />
testa, os seus sensíveis olhos não suportavam aquela “agressão” luminosa, e a sua<br />
<strong>de</strong>licada pele não podia ser exposta assim, sem mais nem menos a uma radiação tão<br />
intensa.<br />
Novos rostos entraram, prontos para se escon<strong>de</strong>rem em revistas, livros e jornais.<br />
O comboio <strong>de</strong> novo voou e <strong>de</strong>cidi contemplar a paisagem que se afastava dum olhar cor<br />
<strong>de</strong> oiro renascido em mim. E assim hei-<strong>de</strong> contemplar todas as paisagens, todos os<br />
sorrisos, todos os olhares cor <strong>de</strong> alegria que esta vida tem para me oferecer. Porque o<br />
valor dos tesoiros do mundo não está nos tesoiros em si, mas sim na forma como<br />
olhamos para eles.<br />
Jessica Gomes<br />
11º B