Pedaços de Noz 2007 - Escola Secundária Stuart Carvalhais
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A menina dos olhos <strong>de</strong> oiro<br />
<strong>Pedaços</strong> <strong>de</strong> <strong>Noz</strong> | 73<br />
Sentada neste velho banco <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira fazia o que <strong>de</strong> mais penoso há nesta<br />
raquítica vida: esperar. Inspirava silenciosamente a saturação <strong>de</strong> um ar poluído enquanto<br />
o chinfrim ensur<strong>de</strong>cedor do comboio da linha oposta vinha agravar a banal e já habitual<br />
enxaqueca das sextas-feiras. “Não fique a ver os comboios a passar, venha daí!” Olhei<br />
para o slogan como que por obrigação da própria rotina… as letras gastas pelo tempo<br />
per<strong>de</strong>ram o encanto no meio <strong>de</strong> multidões <strong>de</strong> olhares cansados. Alguns indivíduos<br />
corriam <strong>de</strong>sesperados, por todos os lados. (Por vezes chego a achar que correm só por<br />
puro prazer!) O comboio voltou a fugir levando os que por ele esperavam para mais<br />
perto da capital e <strong>de</strong>ixando ao alcance da minha vista uma triste árvore que dançava<br />
numa penosa angústia. Embalada pelo vento procurava a clarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um raio <strong>de</strong> sol<br />
roubado pela alteza <strong>de</strong> um prédio que em troca a algemou na escura sombra <strong>de</strong> um dia <strong>de</strong><br />
sol.<br />
Foi quando, bem mais perto <strong>de</strong> mim jurei ver o brilho <strong>de</strong> duas pérolas no azul do<br />
olhar profundo <strong>de</strong> uma criança que passava. Intimidada pela inocente beleza do seu<br />
sorriso, <strong>de</strong>sviei o olhar… um olhar que outrora pertencera à menina dos olhos <strong>de</strong> oiro.<br />
Mas a menina cujo olhar reflectia a luz dum sol que queimara a sua pele, continuava a<br />
observar-me incessantemente. Ousei mergulhar os meus olhos <strong>de</strong> oiro no profundo<br />
oceano do seu olhar e senti, como que pintado por uma criatura divina, um sorriso nascer<br />
em mim. De mão dada com a mãe a menina cujos olhos eram pedaços <strong>de</strong> mar, procurava<br />
agora a cor <strong>de</strong> outros sorrisos, o aroma <strong>de</strong> outros olhares… Mas aqui na cida<strong>de</strong> as<br />
pessoas vivem afogadas noutros mares… e esquecem-se <strong>de</strong> rir e <strong>de</strong> morrer em ondas <strong>de</strong><br />
puro prazer. E eu? Terei eu esquecido o puro prazer <strong>de</strong> rir… o puro prazer <strong>de</strong> correr pelo<br />
campo… <strong>de</strong> ousar respirar a limpi<strong>de</strong>z do ar dum vale que viu nascer a menina dos olhos<br />
<strong>de</strong> oiro?<br />
“Atenção senhores passageiros, o comboio suburbano com <strong>de</strong>stino a Sintra vai<br />
entrar na linha número um. Na entrada para os comboios atenção à distância entre as<br />
portas e a plataforma.” Quase que à velocida<strong>de</strong> da luz o comboio <strong>de</strong>sfilou perante mim<br />
<strong>de</strong> uma forma bruta e pouco elegante. Levantei-me ainda com o pensamento mergulhado<br />
numa total confusão. Voltei a olhar para o slogan e recor<strong>de</strong>i o primeiro dia que o havia<br />
contemplado. Fora na altura em que os meus olhos reflectiam o doirado <strong>de</strong> um raio <strong>de</strong><br />
sol e a alegria que sentia por saber sorrir <strong>de</strong> puro prazer. Nessa altura senti-me<br />
verda<strong>de</strong>iramente lisonjeada por obe<strong>de</strong>cer ao pedido do slogan e por pensar no quão