Edição 40 - Memorial da América Latina

Num estilo mais clássico que
García Márquez, mas com jogos de
temporalidades que abrem sobre o
tema da complexidade da representação
dos fatos históricos, ele retrata um
mundo desesperadamente violento.
Como todo verdadeiro escritor, apesar
das desilusões, ele ainda acredita
no poder de contradição que caracteriza
a obra literária. Ela abre o olhar e
a sensibilidade do leitor para mundos
além do dia a dia tão limitado e frustrante,
afirma.
Com a publicação mais recente
de A Festa do bode (2000), Mario nos
precipita no mundo trágico da ditadura
de Rafael Leônidas Trujillo, que
durou de 1939 a 1961 em Santo Domingo.
A multiplicação dos pontos de
vista sobre os abusos e as manipulações
por parte do poder absoluto, dão
conta das dores e perturbações desencadeadas
pelo processo ditatorial. Daí
se entende o caráter quase mítico que
reveste o poder nestas circunstâncias.
A mistura de ficção e de fatos históricos
permite ao autor dar conta da
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complexidade dos chamados “fatos
históricos”, que nada são senão reconstruções
partidárias, o que podemos
também verificar no seu romance
A guerra do fim do mundo (1981), em que
ele põe em ficção o desenvolvimento
da guerra implacável contra Antonio
Conselheiro e seus seguidores em Canudos,
outrora genialmente descrita
por Euclides da Cunha.
O último romance, O sonho do
Celta, que sai agora em língua espanhola,
está dedicado ao percurso do
irlandês Roger Casement, exemplar
mesmo nas suas próprias ambivalências.
Em dois relatórios sem amenidades,
Casement mostra os excessos da
colonização belga no Congo, e a lógica
comercial que a orienta. Por meio da
figura de um dos primeiros críticos do
sistema colonial europeu, Vargas Llosa
volta ao tema da universalidade do mal
como característica do poder.
Jacques Leenhardt é francês, professor, filósofo e
crítico de arte.
FOTOS: REPRODUÇÃO