Documento (.pdf) - Biblioteca Digital - Universidade do Porto
Documento (.pdf) - Biblioteca Digital - Universidade do Porto
Documento (.pdf) - Biblioteca Digital - Universidade do Porto
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
30<br />
José Pedro Paiva<br />
pregavam aos <strong>do</strong>mingos e festas solenes aos seus fiéis, preven<strong>do</strong>, inclusivamente,<br />
a possibilidade de poderem retirar aos negligentes uma porção <strong>do</strong> seu benefício<br />
para o dar a outrem que por ele exercitasse esta incumbência 109 . Estipularam ainda<br />
ser obrigação prelatícia verificar se os ministros da palavra, mesmo os regulares,<br />
«pregam erros» ou até heresias e, fazen<strong>do</strong>-o, poderiam privá-los de confessar e<br />
proceder contra eles «conforme o direito» 110 . Na guerra de palavras com o mun<strong>do</strong><br />
protestante, os púlpitos eram entendi<strong>do</strong>s como lugar decisivo de comunicação.<br />
Não só para alimentar na vontade e verdadeira fé os fiéis católicos, como para<br />
combater o dissídio e as heresias protestantes. Ainda que isso devesse ser ministério<br />
confia<strong>do</strong> aos mais aptos e celebra<strong>do</strong> com a máxima prudência.<br />
Não foram apenas as normas conciliares a pressionar o episcopa<strong>do</strong>. A Coroa,<br />
de igual mo<strong>do</strong>, em especial nos momentos de fractura política, percebeu o relevo<br />
da parenética e reclamou aos bispos apertada vigilância. Em 20 de Abril de<br />
1580, numa época nevrálgica para a questão da sucessão dinástica em Portugal,<br />
a Junta de governa<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Reino escreveu cartas a to<strong>do</strong>s os prela<strong>do</strong>s, pedin<strong>do</strong>lhes<br />
que fizessem respeitar as decisões tomadas em cortes, e que prevenissem<br />
gestos imprudentes de apoio a qualquer candidato ao trono, reclaman<strong>do</strong> especial<br />
alerta sobre prega<strong>do</strong>res 111 . E muitos tê-lo-ão cumpri<strong>do</strong>. D. Frei Bartolomeu<br />
<strong>do</strong>s Mártires, a 11 de Maio desse ano, emitiu provisão pela qual proibiu que<br />
os prega<strong>do</strong>res nos sermões dessem «ocasiões a escandalos», toman<strong>do</strong> parti<strong>do</strong><br />
por algum <strong>do</strong>s candidatos 112 . Na mesma conjuntura, Cristóvão de Moura, um<br />
<strong>do</strong>s mais activos representantes de D. Felipe II, informava-o de que pedira ao<br />
arcebispo de Lisboa, D. Jorge de Almeida (1569-1585), para ele repreender um<br />
religioso que dizia <strong>do</strong>s púlpitos que quem morresse combaten<strong>do</strong> os castelhanos<br />
tinha destina<strong>do</strong> o Céu 113 . E no centro político havia quem percebesse bem o poder<br />
de sedição que podia estar associa<strong>do</strong> à palavra <strong>do</strong>s prega<strong>do</strong>res. Em 1637, durante<br />
o ciclo da integração de Portugal na monarquia hispânica, e precisamente numa<br />
altura de grande agitação popular e contestação à governação filipina, o Duque de<br />
Olivares expressava em consulta ao monarca que «os prega<strong>do</strong>res são os caudilhos<br />
de todas as sedições <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>» 114 .<br />
109 Ver O sacrosanto e ecumenico Concílio de Trento, tomo I, 87.<br />
110 Cf. O sacrosanto e ecumenico Concílio de Trento, tomo I, 89. Esta matéria da jurisdição <strong>do</strong>s bispos sobre<br />
os regulares foi plano de acesa disputa em Trento, ten<strong>do</strong>-se ali confronta<strong>do</strong> duas linhas. Uma defensora <strong>do</strong><br />
reforço <strong>do</strong>s poderes episcopais e outra que procurava preservar o espaço de autonomia jurisdicional das<br />
ordens religiosas, questão atentamente examinada em Giuseppe ALBERIGO, I vescovi italiani al Concilio di<br />
Trento (1545-1547), Firenze, G. C. Sansoni, 1959, 291-335.<br />
111 Ver João Francisco MARQUES, A parenética portuguesa e a <strong>do</strong>minação filipina, ed. cit., 46.<br />
112 Cf. João Francisco MARQUES, A parenética portuguesa, ed. cit., 323.<br />
113 Carta de 9 de Maio de 1580, já referida por José Maria de Queirós VELOSO, O interregno <strong>do</strong>s governa<strong>do</strong>res<br />
e o breve reina<strong>do</strong> de D. António, Lisboa, Academia Portuguesa da História, 1953, 76.<br />
114 Cito a partir de Fernan<strong>do</strong> NEGREDO DEL CIERRO, Teoria política y discurso eclesiástico. Una<br />
visión desde la pastoral barroca in De Re Publica Hispaniae. Una vindicación de la cultura política en los