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Episcopa<strong>do</strong> e pregação no Portugal Moderno: formas de actuação e de vigilância<br />
a autoridade de S. Bernar<strong>do</strong>, recor<strong>do</strong>u que os «pastores de almas» estavam<br />
obriga<strong>do</strong>s a apascentar a grei com três mo<strong>do</strong>s de «pasto», a saber, oração, <strong>do</strong>utrina<br />
e exemplo 95 . Isto dito, e revelan<strong>do</strong> um profun<strong>do</strong> conhecimento da diocese que<br />
comandava, lamentou o desconsolo da pregação no seu tempo, constatan<strong>do</strong> como<br />
a maior parte <strong>do</strong>s párocos eram negligentes, «e se alguns dizem algumas palavras,<br />
sam de maneyra que nam pegam nem fazem fructo, nem edificam as consciencias,<br />
nem acendem faisca algua de devaçam ou de bom proposito nos corações <strong>do</strong>s<br />
ouvintes, antes tam frios e distrahi<strong>do</strong>s se tornam acabada a missa como entraram<br />
na ygreja». E prosseguiu consideran<strong>do</strong> essa uma das situações mais lastimosas da<br />
Igreja: «Esta he huma das cousas que se muyto deve chorar na Igreja de Deos,<br />
mayormente na igrejas <strong>do</strong>s montes e logares onde nunca ou muy poucas vezes<br />
ha pregaçam. Os fregueses das quaes nunca ouvem outra palavra de Deos, nunca<br />
ouvem outra <strong>do</strong>utrina senão a que lhes diz seu cura ao Domingo» 96 .<br />
Expôs, de seguida, o objectivo destas pregações: «alevantar os senti<strong>do</strong>s<br />
distrai<strong>do</strong>s», «despertar a memória para as coisas da salvação», «alumiar o<br />
entendimento» e «aquecer a vontade no amor de Deus e de Jesus Cristo». No fun<strong>do</strong>,<br />
o que os párocos deviam fazer na pregação, a seu juízo, não era discorrer sobre<br />
grandes <strong>do</strong>utrinas ou conceitos, que nem eles nem os seus ouvintes entenderiam,<br />
«mas huas <strong>do</strong>utrinas moraes, trazen<strong>do</strong>-lhe à memoria a paixam de Nosso Senhor<br />
Jesu Christo, exortan<strong>do</strong>-hos ao amor das vertudes e odio <strong>do</strong>s pecca<strong>do</strong>s, a temor<br />
da morte, <strong>do</strong> juizo, <strong>do</strong> inferno e a esperança <strong>do</strong> Paraiso» 97 . Preceituário que,<br />
como bem viu Jean Delumeau, assentava numa lógica que visava atemorizar as<br />
consciências com a maldição <strong>do</strong> peca<strong>do</strong> e a dureza eterna e implacável <strong>do</strong>s castigos<br />
que Deus cominaria aos peca<strong>do</strong>res, para depois as aliviar através da <strong>do</strong>çura <strong>do</strong><br />
discurso da salvação e das delícias de uma eternidade beatífica que aguardava<br />
os justos no além 98 . Mas também linha que se inseria no preceituário de bispos<br />
contemporâneos, como Borromeo e Paleotti, a qual preceituava uma pregação<br />
mais moralística e devocional <strong>do</strong> que teológica ou polemizante 99 .<br />
Foi com estes desideratos que Bartolomeu <strong>do</strong>s Mártires preparou este Catecismo,<br />
o qual era composto por duas partes. Na primeira expunha-se a <strong>do</strong>utrina que os<br />
párocos deviam ler/ensinar nos dias em que não houvesse sermão prepara<strong>do</strong> na<br />
95 Cf. Bartolomeu <strong>do</strong>s Mártires, Cathecismo ou <strong>do</strong>utrina christã, Braga, Antonio de Mariz, 1564, fl. não<br />
numera<strong>do</strong> <strong>do</strong> Proemio.<br />
96 Cf. Bartolomeu <strong>do</strong>s Mártires, Cathecismo ou <strong>do</strong>utrina christã, Braga, Antonio de Mariz, 1564, fl. não<br />
numera<strong>do</strong> <strong>do</strong> Proemio.<br />
97 Cf. Bartolomeu <strong>do</strong>s Mártires, Cathecismo ou <strong>do</strong>utrina christã, Braga, Antonio de Mariz, 1564, fl. não<br />
numera<strong>do</strong> <strong>do</strong> Proemio.<br />
98 Ver Jean DELUMEAU, La péché et la peur. La culpabilisation en Occident XIII-XVIII siécle, Paris, Fayard,<br />
1983, sobretu<strong>do</strong> 369-547 e Jean DELUMEAU, Rassurer et protéger. Le sentiment de securité dans l´Occident<br />
d´autrefois, Paris, Fayard, 1989, sobretu<strong>do</strong>, 33-398.<br />
99 Ver Samuele GIOMBI, Dinamiche della predicazione cinquecentesca tra forma retorica e normativa religiosa<br />
in Cristianesimo nella Storia, XIII/1 (1992), 79-81.<br />
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