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Documento (.pdf) - Biblioteca Digital - Universidade do Porto

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206<br />

Jorge A. Osório<br />

«Eu, trazen<strong>do</strong> lembranças por antolhos<br />

……………………………………….<br />

dezia: – Ó claras Ninfas! Se o senti<strong>do</strong><br />

………………………………………<br />

se, por ventura, fordes algũ’ hora<br />

……………………………………….<br />

nelas em verso heróico e elegante,<br />

escrevei cũa concha o que em mim vistes:<br />

pode ser que algum peito se quebrante».<br />

São treze tercetos – que numa discreta nota da sua tradução da Vida e obras<br />

de Luís de Camões, <strong>do</strong> grande camonista germânico que foi Wilhelm Storck,<br />

Carolina Michaëlis designa como um «estu<strong>do</strong>» 48 , obviamente em senti<strong>do</strong> pictórico<br />

ou musical – que desenvolvem a analogia entre a inquietação da travessia marítima<br />

configurada no modelo mitológico e a perturbação interior nascida da ausência<br />

que essa travessia provocava 49 .<br />

Em segun<strong>do</strong> lugar, num esquema expositivo similar e de idêntica extensão,<br />

surge uma narrativa assente na verdade biográfica garantida pela informação <strong>do</strong><br />

próprio poeta sobre o momento mais perigoso da viagem para a Índia, a passagem<br />

<strong>do</strong> Cabo da Boa Esperança. No seu termo também se introduz o reforço persuasivo<br />

<strong>do</strong> discurso directo, em forma de monólogo interior:<br />

«……………………….. em mim dezia:<br />

– Se algũa hora, Senhora, vos lembrasse,<br />

nada <strong>do</strong> que passei me lembraria».<br />

E vêm mais seis tercetos ainda com da<strong>do</strong>s valida<strong>do</strong>s pela verdade histórica, numa<br />

estratégia que também é usual em Camões: a reportagem de elementos referi<strong>do</strong>s a<br />

uma realidade que não pode ser discutida porque histórica – aqui a referência à<br />

expedição contra o príncipe de Chembe, em finais de 1553, no Malabar, que ocupa<br />

vinte versos – surge como argumento fundamenta<strong>do</strong>r de uma reflexão moralista:<br />

«Vi quanta vaidade em nós se encerra» 50 .<br />

No entanto, neste ponto, o leitor talvez haja perdi<strong>do</strong> um pouco a ane<strong>do</strong>ta<br />

inicial, sobre Temístocles. E com alguma razão. Na verdade, apesar de, no decorrer<br />

48 Wilhelm STORCK, Vida e obras de Luís de Camões, ed.. cit., 514, nota *.<br />

49 A propósito <strong>do</strong>s versos «O coro das Nereidas nos seguia», Faria e Sousa não resiste a uma das suas habituais<br />

manifestações de encanto: «Cada verso es un pino de oro». No entanto, como é bem sabi<strong>do</strong>, a capacidade de<br />

evocar a tempestade marítima com to<strong>do</strong>s os seus perigos, mesmo que num registo de imitação de attestatio<br />

rei uisae, não dependia, em absoluto, de uma experiência realmente vivida no mar; os clichés literários eram<br />

abundantes desde a Antiguidade.<br />

50 A valorização moralista foi feita pelos biógrafos mais antigos; Manuel Severim de FARIA, Discursos<br />

vários políticos, in Vida de Luís de Camões, ed. de Maria Leonor Soares Albergaria Vieira, Lisboa, 1999, 111.

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