13.04.2013 Views

pela máxima efetividade processual nos juizados ... - ABDPC

pela máxima efetividade processual nos juizados ... - ABDPC

pela máxima efetividade processual nos juizados ... - ABDPC

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

PELA MÁXIMA EFETIVIDADE PROCESSUAL NOS JUIZADOS<br />

ESPECIAIS CÍVEIS<br />

Augusto Vinícius Fonseca e Silva<br />

Juiz de Direito em Minas Gerais<br />

Pós-graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil<br />

<strong>pela</strong> UNESA/RJ<br />

Professor no curso de Pós-graduação em Direito Civil e<br />

Direito Processual Civil da Faculdade Pitágoras, campus<br />

de Ipatinga/MG<br />

Membro da Academia Brasileira de Direito Processual<br />

Civil (<strong>ABDPC</strong>) e do Instituto Brasileiro de Direito<br />

Processual (IBDP)<br />

1- Introdução:<br />

O presente artigo é a adaptação escrita de palestra por mim proferida na data<br />

de 17/4/2009, a convite da Escola Judicial Des. Edésio Fernandes (EJEF), vinculada ao<br />

Tribunal de Justiça de Minas Gerais, e do Conselho de Supervisão e Gestão dos Juizados<br />

Especiais de Minas Gerais, para os candidatos que participam do I Curso de Formação para<br />

Ingresso na magistratura mineira.<br />

Propõe-se, num primeiro instante, a aplicação subsidiária do Código de<br />

Processo Civil à lei n. 9099/95, obviamente, no que for cabível, e sempre visando a<br />

concretizar os princípios cravados no art. 2.º da referida lei. Para tanto, parto da filtragem<br />

constitucional do processo e, ulteriormente, passo a trazer algumas aplicações práticas que, no<br />

dia-a-dia de um Juizado que, no ano passado, teve média de 660 processos mensais, serviram<br />

àqueles propósitos acima mencionados (<strong>efetividade</strong> e celeridade) e humildemente<br />

contribuíram para o sucesso dos Juizados Especiais do <strong>nos</strong>so Estado e do <strong>nos</strong>so país. 1<br />

Dito “sucesso”, aliás, foi recentemente atestado em notícia veiculada no Jornal<br />

da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), mencionando que a taxa de<br />

congestionamento <strong>nos</strong> Juizados Especiais é a menor entre os ramos da justiça brasileira. 2<br />

1 É o que pode ser visto no periódico mensal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais “TJMG Informativo”, edição n. 133, de<br />

Novembro de 2008.<br />

2 “Entre os destaques positivos do estudo apresentado pelo CNJ está a atuação dos <strong>juizados</strong> especiais estaduais, que<br />

julgaram 1,2 milhão de processos e receberam, no mesmo período, 1,1 milhão de casos novos. A taxa de congestionamento é<br />

a menor entre todos os ramos da Justiça Brasileira: 47,64%. ‘É uma Justiça de proximidade com a população, que sempre<br />

considerou o Judiciário inacessível. A procura pelos <strong>juizados</strong> deslanchou em virtude da resposta mais ágil’, analisa a<br />

presidente do Fórum Nacional dos Juizados Especiais (FONAJE), Maria Abadia de Castro Lima). Recente pesquisa<br />

realizada <strong>pela</strong> AMB constatou que os <strong>juizados</strong> têm o melhor nível de aprovação dentre os órgãos do Poder Judiciário,<br />

alcançando índice superior a 70%. A boa avaliação sugere que os <strong>juizados</strong> tornaram-se a porta de entrada da população,<br />

sobretudo a mais carente, no Judiciário”. (AMB Informa – Edição 1.º a 29 de Fevereiro de 2008).<br />

www.abdpc.org.br


Hoje, os Juizados Especiais constituem uma realidade de concretização do tão almejado<br />

“acesso à ordem jurídica justa”. Os JESPs são uma realidade de concretização do acesso à<br />

ordem jurídica justa. Conforme asseverado pelo eminente Presidente do Conselho de<br />

Supervisão e Gestão dos Juizados Especiais de Minas Gerais, Desembargador José Fernandes<br />

Filho, “dos grandes temas constitucionais (...) à menor reivindicação patrimonial, tudo leva<br />

à judicialização das relações sociais. Esta saudável realidade, expressão do exercício da<br />

cidadania, aumenta a carga de trabalho dos Juízes, incapazes de responder à expectativa da<br />

sociedade”. 3<br />

Tal expressão, cunhada pelo <strong>processual</strong>ista paulista Kazuo Watanabe e<br />

presente em linhas citadas por Alexandre Freitas Câmara, significa “a garantia de que todos<br />

os titulares de posições jurídicas de vantagem possam ver prestada a tutela jurisdicional,<br />

devendo esta ser prestada de modo eficaz, a fim de se garantir que a já referida tutela seja<br />

capaz de efetivamente proteger as posições de vantagem”. 4<br />

E boa parte dos titulares dessas posições de vantagem pertence à parcela<br />

me<strong>nos</strong> abastada da população.<br />

Assim, a justiça, vista, antes, como algo distante da maioria da população<br />

brasileira, acessível apenas aos de maior poder aquisitivo, tornou-se desmistificada com a<br />

instituição dos Juizados Especiais <strong>pela</strong> Lei n. 9099/95, os quais não se limitaram a ser um rito<br />

célere e barato. Bem ao contrário, com eles se obteve a aproximação dos hipossuficientes do<br />

ponto de vista econômico, constatação que mitigou sensivelmente a noção de que justiça<br />

existia para negros, pobres e prostitutas. E isso não passou ao largo da arguta percepção<br />

doutrinária de Bernardo Gonçalves Fernandes e Flávio Quinaud Pedron que, escorados nas<br />

lições de Cândido Rangel Dinamarco e Luiz Guilherme Marinoni, preconizaram:<br />

Observa, na esteira de Dinamarco, que os Juizados Especiais, com um<br />

procedimento mais simplificado e ágil, além de economicamente mais<br />

viável, trazem consigo um papel altamente significativo na luta pelo efetivo<br />

acesso à ordem jurídica justa. Mas adverte que não basta a “deformalização”<br />

conjugada com a agilidade procedimental. Seria necessária também uma<br />

mudança sob a (ótica) perspectiva ideológica, no que se refere aos Juizados<br />

Especiais:<br />

3<br />

Jornal ESTADO DE MINAS, Edição de 02/07/2009.<br />

4<br />

Lições de Direito Processual Civil. 16.ª ed. RJ: Lumen Juris, 2007, V. 1, p. 36.<br />

www.abdpc.org.br


“É absurda a ideia de se pensar o Juizado como um mero<br />

órgão destinado à aceleração da justiça. Estaríamos diante da transformação<br />

do juizado em vara cível peculiarizada <strong>pela</strong> adoção de um procedimento<br />

deformalizado e mais ágil. Ora, não basta a deformalização do procedimento<br />

se é esquecida a ideologia que inspirou a sua instituição. A ideologia do<br />

juizado requer uma mudança de mentalidade voltada para o trato das<br />

questões das com pessoas carentes”. 5<br />

Gize-se, entretanto, que os Juizados não anelam ser a justiça dos pobres,<br />

exclusivamente. Entendê-los assim é me<strong>nos</strong>cabá-los e erradamente compreendê-los. Seu<br />

objetivo, afirma Artur César de Souza, como o de toda a justiça, “não é estabelecer uma<br />

justiça dos pobres em contraposição à justiça dos mais abastados economicamente, mas, sim,<br />

formatar um Poder Judiciário acessível a todos com igualdade de condições e estrutura.<br />

Deseja-se romper as perspectivas, ainda recentes, das indiferenças em relação à realidade do<br />

sistema judiciário (...)”.<br />

“Mas o reconhecimento dessas desigualdades não se restringe apenas à base<br />

econômica. Pretende-se expandi-la a outros aspectos em que haja vitimização decorrente das<br />

amarras de um sistema injusto e desigual”.<br />

“Persegue-se, na realidade, o reconhecimento de eventuais vítimas do sistema<br />

dominante. E por vítimas do sistema não são apenas catalogados os me<strong>nos</strong> favorecidos<br />

economicamente”. 6<br />

Os Juizados, então, são muito mais que a aproximação da Justiça à população<br />

hipossuficiente. Sim, é isso, mas é muito mais, inclusive, é a franca possibilidade de o Juiz<br />

agir com uma parcialidade positiva, fazendo do processo um instrumento de real pacificação<br />

social. Este, pois, o panorama do artigo em apreço.<br />

2- Aplicação subsidiária do CPC à lei n. 9099/95:<br />

Vive-se, no contexto legislativo atual, a era da descodificação ou “era dos<br />

estatutos”, de onde surgiram os microssistemas, isto é, “diplomas legislativos destinados a<br />

regular, de forma completa, não um ramo da ciência jurídica, mas um certo ramo da vida em<br />

sociedade” 7 , a exemplo da lei das locações (lei n. 8245/91), do Código de Defesa do<br />

5<br />

Poder Judiciário e(m) crise. RJ: Lumen Juris, 2008, p. 151.<br />

6<br />

A Parcialidade Positiva do Juiz. SP: RT, 2008, pp. 208 e 209.<br />

7<br />

Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais – Comentários à lei 9099/95. 4 ed. SP: RT, 2005, p. 7.<br />

www.abdpc.org.br


Consumidor (lei 8078/90), do Estatuto da Criança e do Adolescente (lei n. 8069/90), dentre<br />

outros. E, segundo Alexandre Freitas Câmara, “o mesmo se dá em relação ao Estatuto dos<br />

Juizados Especiais. Este cria um sistema <strong>processual</strong> próprio, distinto do sistema criado pelo<br />

Código de Processo Civil. Trata-se de um sistema <strong>processual</strong> adequado para as ‘causa cíveis<br />

de me<strong>nos</strong> complexidade’ (...). Este microssistema segue princípios e regras próprios, distintos<br />

daqueles estabelecidos pelo Código de Processo Civil, mas o sistema do CPC lhe é<br />

subsidiariamente aplicável”. 8<br />

Assim, cabe dizer, junto com Joel Dias Figueira Jr. e Fernando da Costa<br />

Tourinho Neto, que, com a lei 9099/95, “introduziu-se no mundo jurídico um novo sistema<br />

ou, ainda melhor, um microssistema de natureza instrumental e de instituição<br />

constitucionalmente obrigatória (o que não se confunde com a competência relativa e a<br />

opção procedimental) destinado à rápida e efetiva atuação do direito, estando a exigir dos<br />

estudiosos da ciência do processo uma atenção toda particular, seja a respeito de sua<br />

aplicabilidade no mundo empírico como do seu funcionamento técnico-procedimental”. 9<br />

Entrementes, não é o fato de consubstanciar um microssistema que gera o<br />

insulamento do rito dos Juizados. O Código de Processo Civil, enquanto macrossistema,<br />

continua permeando a aplicação de regras gerais, em regime de subsidiariedade e<br />

complementação, naquilo que for compatível, ao talante do que se retira, em interpretação<br />

sistemática, do art. 272, parágrafo único, do CPC. Neste sentido, é que dissertam Fernando da<br />

Costa Tourinho Neto e Joel Dias Figueira Jr.:<br />

Não se pode rechaçar a aplicabilidade das normas gerais de processo<br />

insculpidas na referida codificação [os autores referem-se ao CPC]; há que<br />

se observar, isto sim, que elas só terão incidência na hipótese de omissão<br />

legislativa do microssistema e desde que se encontrem em perfeita<br />

consonância com os princípios orientadores dos Juizados Especiais. 10<br />

8 Idem, p. 8.<br />

9 Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais – Comentários à lei 9099/95. 4 ed. SP: RT, 2005, p. 39.<br />

10 Obra citada, p. 66. Humberto Theodoro Jr. endossa, prelecionando que, “embora a lei n. 9099/95 seja omissa a respeito, é<br />

intuitivo que, nas lacunas das normas específicas do Juizados Especial, terão cabimento as regras do Código de Processo<br />

Civil, mesmo porque o art. art. 272, par. Único, contém previsão genérica de que suas normas gerais sobre procedimento<br />

comum aplicam-se complementarmente ao procedimento sumário e aos especiais. É de reconhecer-se que, entre outros,<br />

institutos como a repressão à litigância temerária, à antecipação de tutela e a medidas cautelares devem ser acolhidos no<br />

âmbito do Juizado Especial Civil, assim como todo o sistema normativo do Código de Processo Civil, em tudo que seja<br />

necessário para suprir as omissões da lei específica, desde que não interfira em suas disposições expressas e não atrite com<br />

seus princípios fundamentais. No entanto, é importante ressaltar que nenhuma lacuna da lei n. 9099/95 poderá ser<br />

preenchida por regra do Código de Processo Civil que se mostre incompatível com os princípios que norteiam o Juizado<br />

Especial na sua concepção constitucional e na sua estruturação normativa específica”. (Curso de Direito Processual Civil –<br />

Procedimentos Especiais. 41 ed. RJ: Forense, 2009, V. III, p. 414).<br />

www.abdpc.org.br


comensalista. 11<br />

Há, pois, por assim dizer, um diálogo entre as fontes, num regime<br />

E não poderia mesmo ser de outro modo, porquanto, ao aplicar o direito, o<br />

operador interpreta-o 12 sistematicamente. 13<br />

3- Interpretação constitucional do processo, Filtragem constitucional do processo e<br />

Direito Constitucional Processual:<br />

Se a interpretação, como visto, permite a aplicação do CPC ao rito<br />

sumaríssimo, não podemos perder de vista, também e sobretudo, que o ponto de partida de<br />

mencionada interpretação deve ser, inexoravelmente, a Constituição Federal. Quer dizer, não<br />

basta que a interpretação seja conforme a Constituição; é preciso que seja a partir da<br />

Constituição. 14<br />

Noutras palavras, mas chegando ao mesmo destino, o processo deve passar<br />

<strong>pela</strong> “filtragem constitucional” para se justificar legitimamente.<br />

Por “filtragem constitucional” quer-se dizer que “a ordem jurídica, sob a perspectiva<br />

formal e material e assim os seus procedimentos e valores, devem passar, sempre e sempre,<br />

pelo filtro axiológico da Constituição Federal, impondo, a cada momento da aplicação do<br />

Direito, uma releitura e atualização de suas normas. (...) Temos em mente, na linha seguida<br />

<strong>pela</strong> pesquisa, que a ideia de filtragem constitucional deve expressar mais um sentido de<br />

11 Contra, entendendo que descabe a aplicação subsidiária do CPC ao rito sumaríssimo: Nelson Nery Jr. e Rosa Maria<br />

Andrade Nery. Código de Processo Civil e legislação <strong>processual</strong> civil extravagante em vigor. 4 ed. SP: RT, 1999, p. 2238,<br />

com o que, data venia, discordamos.<br />

12 “A interpretação do direito consiste em concretar a lei em cada caso, isto é, na sua aplicação. Assim, existe uma equação<br />

entre interpretação e aplicação: não estamos aqui diante de dois momentos distintos, porém frente a uma só operação.<br />

Interpretação e aplicação consubstanciam um só processo unitário, superpondo-se”.(GRAU, Eros Roberto. Ensaio e<br />

Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. 2 ed. SP: Malheiros, 2003, p. X).<br />

13 Isso quer dizer que o intérprete, ao interpretar o Direito, na verdade, está a“interpretar o sistema inteiro: qualquer exegese<br />

comete, direta ou obliquamente, uma aplicação da totalidade do Direito” (...). Não se deve considerar a interpretação<br />

sistemática como simples instrumento da interpretação jurídica. É a interpretação sistemática, quando entendida em<br />

profundidade, o processo hermenêutico por excelência, de tal maneira que ou se compreendem os enunciados prescritivos<br />

<strong>nos</strong> plexos dos demais enunciados, ou não se alcançará compreendê-los sem perdas substanciais. Nesta medida, mister<br />

afirmar, com os devidos temperamentos, que a interpretação jurídica é sistemática ou não é interpretação”.(FREITAS,<br />

Juarez. A interpretação sistemática do Direito. 3ª ed.. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 71).<br />

14 A respeito, vale trazer à colação o pensamento sempre pertinente de Luís Roberto Barroso: “o Direito Constitucional é um<br />

modo de olhar o Direito e a Constituição é a lente por que se deve ler e interpretar os demais ramos do Direito, de modo que<br />

o Direito infraconstitucional deve ser lido e reinterpretado a partir da Constituição, cuja supremacia, além de formal, é<br />

axiológica. Enfim, toda interpretação jurídica é constitucional. A norma infraconstitucional deve ser interpretada como<br />

forma de viabilizar e concretizar a vontade constitucional”. (Hermenêutica e Interpretação da Constituição – Palestra<br />

proferida no XXIV Congresso Brasileiro de Direito Constitucional – São Paulo, 12 a 14 de Maio de 2004 – Notas<br />

taquigráficas).<br />

www.abdpc.org.br


‘contaminação’ do direito infraconstitucional à luz dos princípios constitucionais, que um<br />

sentido de ‘purificação’”. 15<br />

Esse processo de “contaminação” dos institutos processuais (e procedimentais)<br />

<strong>pela</strong> norma constitucional levou a doutrina a defender a existência de um Direito<br />

Constitucional Processual “para significar o conjunto das normas de Direito Processual que<br />

se encontra na Constituição Federal, ao lado de um Direito Processual Constitucional, que<br />

seria a reunião dos princípios para o fim de regular a denominada jurisdição<br />

constitucional”. 16 Tal ramo, assevera Canotilho, teria “como objecto o estudo dos princípios e<br />

regras de natureza <strong>processual</strong> positivados na Constituição e materialmente constitutivos do<br />

status activus <strong>processual</strong>is”. 17<br />

A dicotomia Direito Constitucional Processual/Direito Processual<br />

Constitucional não é imune a críticas de setor autorizado da doutrina 18 , mas o trabalho em tela<br />

não busca focar o acerto ou desacerto da divisão. Aliás, a bem da verdade, a razão parece<br />

estar com Cássio Scarpinella Bueno, para quem “importam muito pouco os nomes: ‘processo<br />

constitucional’, ‘direito <strong>processual</strong> constitucional’, ‘direito constitucional <strong>processual</strong>’, ‘tutela<br />

constitucional do processo’, todos eles, dentre tantos, são aptos para descrever essa proposta<br />

metodológica, um verdadeiro método de pensamento do direito <strong>processual</strong> civil. Já perdemos<br />

tempo demais com a identificação dos nomes; é mister aplicar aquilo que eles descrevem”! 19<br />

O que se colima com o que se expôs até então é demonstrar que, conquanto o<br />

art. 2.º da Lei n. 9099/95 (que, sem querer reduzi-la, é estatuto nitidamente <strong>processual</strong>/ritual)<br />

mencione quais são os princípios regentes dos Juizados Especiais, não se deve olvidar de que<br />

os princípios processuais cravados na Constituição Federal de 1988 também o são. O<br />

princípio do devido processo legal, quer em seu sentido formal, quer em seu sentido<br />

substancial (proporcionalidade), a ampla defesa, o contraditório, o da razoável duração do<br />

15 Filtragem Constitucional – Construindo uma nova dogmática jurídica. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1999,<br />

p. 104, nota 5.<br />

16 NERY JR., Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. Coleção Estudos de Direito de Processo<br />

ENRICO TULLIO LIEBMAN. 8 ed. SP: RT, 2004, p. 26. LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo – Primeiros<br />

Estudos. Porto Alegre: Síntese, 1999, pp. 61 e 62.<br />

17 Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 966.<br />

18 Contra a dicotomia, ver: LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo – Primeiros Estudos. Porto Alegre: Síntese,<br />

1999, pp. 61 e 62. Também: CATTONI, Marcelo. Direito Constitucional. Coleção Primeiras Linhas. BH: Mandamentos,<br />

2002, p. 121.<br />

19 O “Modelo Constitucional do Direito Processual Civil”: um paradigma necessário de estudo do Direito Processual Civil<br />

e algumas de suas aplicações. In Processo Civil – Novas Tendências – Homenagem ao Professor Humberto Theodoro Jr..<br />

Coord. Fernando Gonzaga Jayme, Juliana Cordeiro de Faria e Maira Terra Lauar. BH: Del Rey, 2008, p. 157.<br />

www.abdpc.org.br


processo, o da <strong>efetividade</strong>, dentre outros vários disseminados pelo texto magno, igualmente,<br />

regem os Juizados. Deve, portanto, haver aplicação de todos estes princípios, resolvidas as<br />

questões de colisão através do método da ponderação que, por sua vez, é secundado <strong>pela</strong><br />

proporcionalidade e seu tríplice aspecto, sempre com o intuito de alcançar a <strong>efetividade</strong> do<br />

processo. 20<br />

4- Efetividade do processo:<br />

Muito se tem falado, hodiernamente, da <strong>efetividade</strong> do processo, sem, contudo,<br />

haver precisão conceitual a respeito. Isso se deve, creio, ao fato de que muitas coisas da vida<br />

são mais bem compreendidas do que conceituadas. E a <strong>efetividade</strong> <strong>processual</strong> é uma destas<br />

coisas. Prova disso é que, além de ser princípio, também é escopo do moderno processo. Por<br />

isso, já se disse, com percuciência, “os princípios do devido processo legal, do contraditório<br />

e da ampla defesa estão diretamente ligados à <strong>efetividade</strong> da jurisdição, uma vez que eles são<br />

a garantia, para o cidadão, de obter do Estado a tutela de seus direitos”. 21<br />

Efetividade, significa, portanto, sob o enfoque do Direito Constitucional,“a<br />

realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a<br />

materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão<br />

íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social”. 22<br />

Especificamente acerca da <strong>efetividade</strong> do processo ou da jurisdição, quer-se<br />

designar, segundo anota Cláudio Cintra Zarif, “o conjunto de direitos e garantias que a<br />

Constituição atribuiu ao indivíduo que, impedido de fazer justiça por mão própria, provoca a<br />

atividade jurisdicional para vindicar um bem da vida de que se considera titular. A este<br />

indivíduo devem ser, e são, assegurados meios expeditos e, ademais, eficazes, de exame da<br />

demanda trazida à apreciação do Estado. Eficazes, no sentido de que devem ter aptidão de<br />

propiciar ao litigante vitorioso a concretização fática da sua vitória”. 23<br />

20 A respeito, veja-se: BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, Racionalidade e Atividade Jurisdicional. RJ: Renovar,<br />

2005. SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. RJ: Lumen Juris, 2003. BARROS, Suzana<br />

de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos<br />

fundamentais. 3 ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2003.<br />

21 LOPES, Maria Elizabeth de Castro e LOPES, João Batista. Princípio da Efetividade. In Princípios Processuais Civis na<br />

Constituição. Org.: Olavo de Oliveira Neto e Maria Elizabeth de Castro Lopes. SP: Elsevier, 2008, p. 241<br />

22 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6 ed. SP: Saraiva, 2004, p. 248.<br />

23 Da necessidade de repensar o processo para que ele seja realmente efetivo. In Processo e Constituição – Estudos em<br />

homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. Coord.: Luiz Fux, Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier.<br />

SP: RT, 2006, p. 141.<br />

www.abdpc.org.br


Exercendo seu direito de ação, anelando obter a tutela jurisdicional de proteção<br />

a seu direito, o cidadão deflagra o processo que, hoje, há de ser entendido não como um fim<br />

em si mesmo, mas como “um método de trabalho desenvolvido pelo Estado para permitir a<br />

solução dos litígios” 24 , ou como “um instrumento a serviço e realização da justiça do caso<br />

concreto; o processo não é um fim em si mesmo”. 25<br />

Nota-se, então, que há uma estreita relação entre processo, procedimento e<br />

<strong>efetividade</strong>, constatação que não passou despercebida às lentes de Cândido Rangel<br />

Dinamarco, cujas linhas, <strong>pela</strong> importância, merecem transcrição literal:<br />

Pois a <strong>efetividade</strong> do processo, entendida como se propõe, significa<br />

que sua almejada aptidão para eliminar insatisfações, com justiça e fazendo<br />

cumprir o direito, além de valer como meio de educação geral para o<br />

exercício e respeito aos direitos e canal de participação dos indivíduos <strong>nos</strong><br />

desti<strong>nos</strong> da sociedade e assegurar-lhes a liberdade. Sempre, como se vê, a<br />

visão dos objetivos que vem iluminar os conceitos a oferecer condições para<br />

o aperfeiçoamento do sistema.<br />

Ora, é preciso adequar o processo ao cumprimento de toda essa<br />

complexa missão, par que ele não seja fonte perene de decepção (“toda<br />

decepção é muito triste”), nem permite que isso se desgaste a legitimidade<br />

do sistema. Desse lavor, hão de participar o <strong>processual</strong>ista e o juiz e de<br />

ambos se espera, para que possa chegar ao bom termo, uma racional mas<br />

decidida mudança de mentalidade. 26 [destaques originais]<br />

Também a <strong>efetividade</strong> guarda relação com a celeridade, princípio dos mais<br />

caros aos Juizados Especiais, à vista da expressa previsão contida no art. 2.º da lei n. 9099/95<br />

e, sobretudo, após o acréscimo do inciso LXXVIII ao art. 5.º da CF por força da Emenda<br />

Constitucional de n. 45/2004. Esclareça-se, porém, que, embora relacionados, <strong>efetividade</strong> e<br />

celeridade não são sinônimos, conquanto seja comum haver confusão entre os sentidos. A<br />

respeito da diferença, dissertam os citados João Batista Lopes e Maria Elizabeth de Castro<br />

Lopes:<br />

A celeridade é apenas um aspecto da <strong>efetividade</strong>. Com maior rigor<br />

técnico e à luz da emenda n. 45, aos jurisdicionados se deve garantir a<br />

razoável duração do processo que, entre outros critérios, terá de levar em<br />

consideração a complexidade da causa. Por exemplo, se o desate da lide<br />

exigir prova pericial e o juiz a dispensar, em nome da celeridade <strong>processual</strong>,<br />

a <strong>efetividade</strong> do processo estará irremediavelmente comprometida: o<br />

julgamento não será antecipado, mas precipitado...<br />

24<br />

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Técnica Processual. 2 ed. SP: Malheiros, 2007, p. 36.<br />

25<br />

STJ – REsp. 667.002/DF – Rel. Min. Luiz Fux – Data do julgamento: 12/12/2006 – Disponível no Informativo n. 308/STJ.<br />

26<br />

A instrumentalidade do processo. 12 ed. SP: Malheiros, 2005, pp. 330 e 331.<br />

www.abdpc.org.br


Tem-se, pois, que a celeridade <strong>processual</strong> não pode vulnerar as<br />

garantias constitucionais entre as quais se colocam a ampla defesa e a<br />

produção de prova. 27<br />

Por isso, apresenta-se escorreita a posição de José Roberto dos Santos<br />

Bedaque, para quem “processo efetivo é aquele que, observado o equilíbrio entre os valores<br />

segurança e celeridade, proporciona às partes o resultado desejado pelo direito material.<br />

Pretende-se aprimorar o instrumento estatal destinado a fornecer a tutela jurisdicional. Mas<br />

constitui perigosa ilusão pensar que simplesmente conferir-lhe celeridade é suficiente para<br />

alcançar a tão almejada <strong>efetividade</strong>. Não se nega a necessidade de reduzir a demora, mas<br />

não se pode fazê-lo em detrimento do mínimo de segurança, valor também ao processo<br />

justo.” 28<br />

Traçado, pois, que a <strong>efetividade</strong> é o fim maior do processo – e assim também,<br />

como não poderia deixar de ser, o processo sob o rito sumaríssimo -, passaremos às propostas<br />

de aplicação concreta de algumas medidas que, creio, possam ajudar na implementação<br />

daquele escopo. E isso tinha mesmo de ser feito, pois não se pode admitir o Direito como<br />

mero academicismo de propostas abstratas e estéreis. Como já dissera Alexandre Freitas<br />

Câmara, “a ciência isolada da prática é uma ciência estéril, enquanto a prática do Direito,<br />

distante da ciência, pode se tornar puro charlatanismo”. 29 É nesta miríade, pois, que<br />

prosseguiremos adiante.<br />

5- Propostas concretas para a realização do princípio da <strong>efetividade</strong> <strong>processual</strong> <strong>nos</strong><br />

Juizados Especiais Cíveis:<br />

Seguindo o rito sumaríssimo, apresentaremos as propostas do início: primeiro,<br />

relativamente às peculiaridades da petição inicial <strong>nos</strong> Juizados. Após, cuidaremos do<br />

momento exato da apresentação da contestação, abordando, inclusive, a possibilidade de<br />

flexibilização procedimental e a correta exegese do enunciado cível de n. 10 do FONAJE.<br />

Após, examinaremos a sentença e a proposta de aplicação do art. 515, §3.º, do CPC ao rito<br />

sumaríssimo. Por fim, algumas particularidades da impenhorabilidade na execução dos<br />

Juizados.<br />

5.1- Petição inicial – Atermação:<br />

27 Artigo citado, p. 245.<br />

28 Efetividade do Processo e Técnica Processual. 2 ed. SP: Malheiros, 2007, p. 49.<br />

29 Lições de Direito Processual Civil. RJ: Lumen Juris, 2007, V. 1. Nota introdutória.<br />

www.abdpc.org.br


O art. 14 da lei n. 9099/95 possibilita que o pedido seja aviado, <strong>nos</strong> Juizados<br />

Especiais, através de “atermação”, isto é, após relato oral da parte, o atermador reduzi-lo-á a<br />

termo escrito, observado os requisitos do §1.º respectivo e, no que couber, o art. 282 do<br />

Código de Processo Civil.<br />

É sabido que boa parte dos atermadores é composta de estagiários ou<br />

servidores do Judiciário que não são bacharéis em Direito. Daí, é curial que o Juiz do Juizado<br />

tenha a sensibilidade de, ao analisar a petição inicial, não ser tão técnico, porquanto a técnica<br />

<strong>processual</strong>, porque instrumental, há de ser posta a serviço do direito material. Deve<br />

flexibilizar a análise do princípio da congruência (CPC, 128 e 460), obviamente, sem relegar<br />

ao limbo a segurança jurídica, mas sem que sobrepuje a questão de fundo (lide) à forma. A<br />

propósito, é o que preconiza Rogério Marrone de Castro Sampaio:<br />

No entanto, os novos rumos tomados pelo Processo Civil exigem,<br />

atualmente, seja dada certa flexibilização a esse modelo, aproveitando-se,<br />

dentro do possível e sem vulneração das garantia processuais, o ato<br />

<strong>processual</strong> incompleto ou defeituoso, em nome de outros valores ou<br />

interesses que se pretendem preservar.<br />

É por essa razão que os pressupostos processuais não podem ser<br />

concebidos a partir de uma visão puramente formal, de sorte que a simples<br />

constatação da ausência de um deles deva conduzir, inexoravelmente, à<br />

extinção do processo sem julgamento de mérito. Esta postura, que ainda<br />

deita raízes em <strong>nos</strong>so meio jurídico, é, de fato, responsável pelo<br />

abortamento de várias demandas, muitas das quais poderiam ser salvas e<br />

permitir, ao final, a pacificação do litígio. A comprovar tal assertiva, basta<br />

atestar o grande número de petições iniciais indeferidas, muitas das quais<br />

sem que sequer fosse dada ao autor oportunidade de corrigir eventual<br />

defeito.<br />

Se o que se busca atualmente é a <strong>efetividade</strong> da jurisdição,<br />

proporcionando-se ao sujeito o acesso a uma ordem jurídica justa, há que se<br />

conferir aos pressupostos processuais uma conotação substancial,<br />

vinculando-os ao preenchimento de determinada função dentro do processo.<br />

Com muita precisão, conclui Bedaque “serem os pressupostos processuais<br />

exigências legais destinadas à proteção de determinados valores inerentes às<br />

partes e à jurisdição, visando possibilitar que o processo seja efetivo<br />

instrumento de acesso à ordem jurídica - ou, em outras palavras que ele<br />

represente método équo e justo de solução de controvérsia”.<br />

Dentro deste contexto, assume o juiz o importante papel de<br />

conferir, dentro do possível e diante da relevância dos valores em jogo, a<br />

viabilidade necessária ao enfrentamento do mérito, ora direcionando a<br />

emenda da petição inicial, ora integrando certas omissões, ora relevando<br />

determinadas irregularidades, desde que não atingidos os princípios do<br />

contraditório e da ampla defesa.<br />

(...)<br />

Essa atuação integrativa do magistrado fica ainda mais evidente<br />

quando focado o procedimento adotado <strong>nos</strong> Juizados Especiais Cíveis.<br />

Tendo em vista os princípios que os informam, notadamente os da<br />

www.abdpc.org.br


simplicidade e oralidade, é inviável postura rigorosa no exame da<br />

representação inicial que, na maioria das vezes, sequer vem elaborada por<br />

advogado. Pensamento contrário certamente levaria ao reconhecimento da<br />

inépcia da grande maioria das petições iniciais, deduzidas, inclusive por<br />

servidores do próprio Poder Judiciário. Cabe ao juiz, portanto, atuação no<br />

sentido de integrar e corrigir irregularidades, abrindo caminho para, ao<br />

final, conceder tutela que confira justa solução à lide.<br />

Infere-se, como conseqüência do cenário supra descrito, a<br />

flexibilização do principio da congruência, isto é, da exata correlação entre<br />

o pedido e a providência outorgada. Em suma, o autor fixa os limites da lide<br />

e da causa de pedir na petição inicial, cabendo ao juiz decidir de acordo<br />

com esse limite, censurando-se assim, os denominados desvios de<br />

julgamento. É certo que a adstrição da sentença ao pedido deduzido em<br />

juízo decorre do principio dispositivo, conferindo segurança jurídica e<br />

contribuindo para a preservação da imparcialidade. No entanto, priorizados<br />

os ideais de justiça e <strong>efetividade</strong> do processo, tal limitação à atuação do juiz<br />

deve ser atenuada, desde que respeitadas as garantas processuais das partes.<br />

Essa deve ser a inteligência a ser dada ao artigo 460 do Código de Processo<br />

Civil que proíbe ao juiz “proferir sentença, a favor do autor, de natureza<br />

diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em<br />

objeto diverso do que lhe foi demandado”. 30<br />

Deve-se, pois, possibilitar a emenda à inicial, quando pouco inteligível o<br />

pedido, mesmo quando já ofertada a contestação, conforme, a propósito, já decidiram o STJ e<br />

o TJMG. 31<br />

A par de ser a emenda um direito da parte, assim agindo o magistrado do<br />

Juizado, estará realizando o princípio da cooperação, que, para Fredie Didier Jr., resume-se<br />

no trinômio a) dever de esclarecer dúvidas, evitando decisões açodadas e equivocadas; b)<br />

dever de consultar as partes sobre questão não alvitrada no processo, evitando, assim, o efeito<br />

surpresa, mesmo diante de questões cog<strong>nos</strong>cíveis de ofício; e c) dever de prevenir, evitando<br />

30 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. A atuação do Juiz no Direito Processual Civil Moderno. SP: Atlas, 2008, p. 131-<br />

134.<br />

31 “PROCESSO CIVIL. CITAÇÃO E CONTESTAÇÃO DA EMPRESA RÉ. SENTENÇA, EXTINGUINDO O PROCESSO SEM<br />

JULGAMENTO DO MÉRITO, POR INÉPCIA DA INICIAL. APELAÇÃO PROVIDA, DETERMINANDO A EMENDA DA<br />

INICIAL, MESMO QUE APRESENTADA A CONTESTAÇÃO. POSSIBILIDADE. DIREITO SUBJETIVO DO AUTOR. ART.<br />

284 DO CPC. OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA ECONOMIA, EFETIVIDADE E INSTRUMENTALIDADE DO<br />

PROCESSO. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO, MAS IMPROVIDO.1 - Inviável a extinção do<br />

processo sem julgamento do mérito por inépcia da exordial, sem dar oportunidade à parte para proceder à sua emenda, por<br />

se tratar de direito subjetivo do autor. Art. 284 do CPC.<br />

2 - Incompatível com a interpretação sistemática e teleológica do sistema <strong>processual</strong> civil brasileiro o procedimento adotado<br />

pelo MM. Juiz monocrático que, sem realizar o exame prévio da exordial quando da propositura da ação, deu<br />

prosseguimento ao feito, para então, após a contestação da recorrente, decidir <strong>pela</strong> extinção do processo sem julgamento do<br />

mérito <strong>pela</strong> inépcia da petição inicial.<br />

3 - Em observância aos princípios da economia, da <strong>efetividade</strong> e da instrumentalidade do processo, esta Corte vem<br />

admitindo a emenda da petição inicial considerada inepta, ainda que contestada a ação (.STJ – 4.ª T. - REsp. 674215/RJ –<br />

Relator Ministro JORGE SCARTEZZINI - Data do Julgamento: 19/10/2006 - Data da Publicação/Fonte: DJ 20/11/2006, p.<br />

314. Também: STJ – 6.ª T. – REsp. n. 101.013/CE – Rel. Min. Hamilton Carvalhido – j. 11/06/2003 – DJU 18/08/2003, p.<br />

232). No TJMG: “PETIÇÃO INICIAL - INÉPCIA - EMENDA - DIREITO SUBJETIVO DO AUTOR. Ao autor deve ser<br />

concedida a oportunidade de emendar a Inicial, salvo se insanável o vício, mesmo depois de contestado o feito, pois constitui<br />

direito subjetivo daquele”. (TJMG - Número do processo: 1.0708.05.012810-5/001 – Relator Des. JOSÉ ANTÔNIO<br />

BRAGA - Data do Julgamento: 11/11/2008 - Data da Publicação: 07/01/2009).<br />

www.abdpc.org.br


nulidades e a extinção prematura e indesejável do processo. Aqui se enquadraria o art. 284 do<br />

CPC. 32<br />

Ainda no trato dos requisitos de admissibilidade da petição inicial,<br />

destacadamente quando da análise das condições da ação, valioso que aplique o Juiz do<br />

Juizado a teoria da asserção.<br />

Classicamente, a partir da leitura do art. 267, VI e §3.º, do Código de Processo<br />

Civil, a extinção do processo sem resolução de mérito poderia ocorrer a qualquer tempo,<br />

porquanto a carência de ação seria matéria não-preclusiva.<br />

Entrementes, não mais é dado ao operador do Direito aplicar cegamente a lei,<br />

sem ter em conta o que prescreve a Constituição Federal de 1988 a respeito do devido<br />

processo legal. Por esse motivo, fala o citado Rogério Marrone de Castro Sampaio na<br />

necessidade de uma releitura das condições da ação pelo Juiz:<br />

A aferição das condições da ação constitui estágio em que se<br />

evidencia a atuação valorativa na aplicação das normas processuais. O novo<br />

modelo <strong>processual</strong>, em que se prestigia a outorga de um tutela jurisdicional<br />

justa e pacificadora, impulsiona o processo, na medida do possível, ao<br />

julgamento do mérito, visto que, em princípio, esse é o resultado que atende<br />

a tais expectativas.<br />

(...)<br />

Inseridas entre as técnicas processuais, surgem as condições da ação<br />

como requisitos cuja presença é essencial para viabilizar o exame do objeto<br />

da ação (...).<br />

De outra parte, a ausência de uma das condições da ação torna o<br />

processo inútil, desprovendo de eficácia a tutela jurisdicional que viesse a<br />

apreciar a pretensão do autor, além de movimentar, desnecessariamente, a<br />

máquina do Poder Judiciário.<br />

Assim, surgindo um obstáculo ao exame do mérito, as condições da<br />

ação devem ser compatibilizadas com essa nova visão constitucional do<br />

direito de ação. Ao mesmo tempo que atuam como fator limitativo do<br />

exercício da plena atividade jurisdicional no caso concreto, não podem, de<br />

outra parte, serem concebidas num grau de formalismo que conduza à<br />

vulneração dessa nova concepção social dada ao processo, vinculado a um<br />

resultado justo. Em suma, é imperioso que a ação, como direito à obtenção<br />

de uma tutela justa, seja inserida, com as limitações impostas <strong>pela</strong> presença<br />

de certas condições, dentro do modelo que consagra as garantias<br />

constitucionais do processo. Daí a necessidade de flexibilização do exame<br />

das condições da ação.<br />

32<br />

Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 8 ed. Salvador: Jus Podium,<br />

2007, V. 1, pp. 55/58.<br />

www.abdpc.org.br


33 Obra citada, pp. 136/138.<br />

É preciso realçar que a atuação prática das condições da ação, como<br />

técnica para se aferir a aptidão do processo de atingir providência de mérito,<br />

dá ensejo a inúmeras dificuldades e a intensas discussões doutrinárias que,<br />

todavia, não guardam pertinência com o que se pretende nessa fase. Parece<br />

irrecusável, a par dessa controvérsia, que a aferição da legitimidade da parte,<br />

do interesse <strong>processual</strong> ou de agir e a possibilidade jurídica do pedido<br />

exigem do juiz um exame superficial e abstrato dos vários aspectos que<br />

giram em torno do direito material, objeto da pretensão deduzida.<br />

Procedendo a esse exame, uma vez constatada a falta de pertinência<br />

subjetiva para figurar em um dos pólos da relação jurídica <strong>processual</strong>, ou a<br />

falta de adequação ou de necessidade da tutela pretendida, ou a existência de<br />

vedação no ordenamento jurídico para que se instaure a relação <strong>processual</strong>,<br />

deve o magistrado, como regra, julgar o autor carecedor de ação,<br />

extinguindo o processo sem julgamento de mérito. O que se defende, no<br />

entanto, é que, excepcionalmente, se atinja o julgamento do mérito, com a<br />

satisfação do interesse protegido, relegando-se para segundo plano a perfeita<br />

identificação de uma dessas condições da ação. A relevância do bem<br />

jurídico, objeto da pretensão, justifica a mitigação destes requisitos<br />

prejudiciais ao mérito, com fundamento, inclusive, no estudado princípio da<br />

proporcionalidade.<br />

Maior ainda é o prejuízo à instrumentalidade <strong>processual</strong> quando a<br />

extinção do processo, por carência de ação, se dá após longa e cansativa<br />

tramitação <strong>processual</strong>, com o esgotamento, inclusive, de toda a fase<br />

instrutória. Uma vez atingido esse estágio, é muito mais razoável na medida<br />

do possível, outorgar-se providência de mérito, julgando-se procedente ou<br />

improcedente a ação, do que se apegar ao formalismo e simplesmente<br />

decretar o autor carecedor de ação, conquanto, à luz da legislação<br />

<strong>processual</strong>, isso deva ser feito. (...) 33<br />

Retomando a tal teoria da asserção, escreve Fredie Didier Jr.:<br />

Sem olvidar o direito positivo, e considerando a circunstância de que,<br />

para o legislador, a carência de ação é diferente de improcedência do pedido,<br />

propõe-se que a análise das condições da ação, como questões estranhas ao<br />

mérito da causa, fique restrita ao momento de prolação do juízo de<br />

admissibilidade inicial do procedimento. Essa análise, então, seria feita à luz<br />

das afirmações do demandante contidas em sua petição inicial (in statu<br />

assertionis). Deve o juiz raciocinar admitindo, provisoriamente, e por<br />

hipótese, que todas as afirmações do autor são verdadeiras, para que se possa<br />

verificar se estão presentes as condições da ação. O que importa é a<br />

afirmação do autor, e não a correspondência entre a afirmação e a realidade,<br />

que já seria problema de mérito.<br />

Não se trata de um juízo de cognição sumária das condições da ação,<br />

que permitiria um reexame pelo magistrado, com base em cognição<br />

exauriente. O juízo definitivo sobre a existência das condições da ação farse-ia<br />

nesse momento: se positivo o juízo de admissibilidade, tudo o mais<br />

seria decisão de mérito, ressalvados os fatos supervenientes que<br />

determinasse a perda de uma condição da ação. A decisão sobre a existência<br />

ou não de carência de ação, de acordo com essa teoria, seria sempre<br />

definitiva. Chama-se de teoria da asserção ou da prospettazione.<br />

(...)<br />

www.abdpc.org.br


A falta de uma dessas condições, reconhecida liminarmente ou após<br />

instrução, deveria dar ensejo, sempre, a uma decisão de mérito. A natureza<br />

de uma questão não muda de acordo com o momento em que é examinada.<br />

No entanto, é indiscutível que, à luz do direito positivo, a melhor solução<br />

hermenêutica é a adoção da teoria da asserção, que ao me<strong>nos</strong> diminui os<br />

inconvenientes que a aplicação literal do §3.º do art. 267 do CPC poderia<br />

causar. 34<br />

A jurisprudência já teve a oportunidade de se mostrar neste rumo, afinando-se,<br />

então, com a moderna <strong>processual</strong>ística. 35<br />

Aplicando indigitada teoria, o Juiz estará velando <strong>pela</strong> resolução da lide, sem<br />

esquecer, portanto, de examinar as condições da ação. Todavia, irá fazê-lo secundado nas<br />

abstratas alegações do autor. Recebida a inicial, tudo em diante será mérito e a sentença<br />

correspondente será definitiva, desafiando coisa julgada material, com efeitos panprocessuais.<br />

Concretizada, assim, a <strong>efetividade</strong> <strong>processual</strong>.<br />

5.2- Contestação no rito sumaríssimo: momento de apresentação; enunciado cível n. 10<br />

do FONAJE, flexibilização procedimental e o enunciado cível n. 6 do II ENJESP:<br />

Qual o momento em que a contestação pode ser apresentada em sede de<br />

Juizado Especial Cível?<br />

Reza o enunciado cível de n. 10 do FONAJE que “a contestação poderá ser<br />

apresentada até a audiência de Instrução e Julgamento”. Todavia, muita distorção<br />

interpretativa tem ocorrido acerca de tal enunciado, com prejuízo para a própria <strong>efetividade</strong><br />

do processo.<br />

34 Pressupostos Processuais e Condições da Ação – O Juízo de Admissibilidade do Processo. SP: Saraiva, 2005, pp. 216/218.<br />

35 “A legitimidade para o feito, conforme a teoria da asserção, diz respeito apenas à verificação da pertinência abstrata com<br />

o direito material controvertido. Assim, se em uma análise preliminar do processo verifica-se que o pedido do autor deve ser<br />

dirigido ao réu em razão dos fatos e fundamentos deduzidos na inicial, há pertinência subjetiva para o feito. Por outro lado,<br />

a análise da existência ou não da relação jurídica afirmada na inicial importa, respectivamente, na procedência ou<br />

improcedência do pedido”. (TJMG - Número do processo: 2.0000.00.490569-9/000 – Relator Des. ELPÍDIO DONIZETTI -<br />

Data do Julgamento: 29/06/2006 - Data da Publicação: 15/09/2006). “II - No particular, inclusive, é de se aplicar a Súmula<br />

n. 283/STF, porquanto fundou-se o julgado ora hostilizado na argumentação de que vigente no direito <strong>processual</strong> a teoria da<br />

asserção e não a teoria concretista da ação, motivo por que "as condições da ação são verificadas em abstrato". Sobre este<br />

fundamento, suficiente à mantença do acórdão, não se contrapôs a recorrente. III - A alegativa de violação do art. 3º do<br />

Código de Processo Civil, por si só, não tem o condão de reformar o acórdão recorrido, visto que a Corte ordinária<br />

justificou a existência da legitimidade passiva, in casu, tendo como base, à justa, a teoria da asserção. A recorrente, todavia,<br />

prende-se à alegativa de que "não é crível manter uma ação civil pública contra a fornecedora de energia elétrica se ela não<br />

produz o dano e muito me<strong>nos</strong> está responsável <strong>pela</strong> operação de equipamentos que podem, em tese, evitá-lo (...)". Aí é que<br />

reside o nó górdio da questão: <strong>pela</strong> teoria da asserção é possível sim, que isto aconteça. IV - Ademais, consoante cediço, "a<br />

legitimidade do Ministério Público para ajuizar tais ações (civis públicas) é prevista in satus assertionis, ou seja, conforme a<br />

narrativa feita pelo demandante na inicial ('teoria da asserção')". (STJ - REsp n. 265.300/MG, DJ de 2/10/2006). V -<br />

Agravo regimental improvido. (STJ – 1.ª T. - AgRg no REsp 877161/RJ - Relator Ministro FRANCISCO FALCÃO - Data<br />

do Julgamento: 05/12/2006 - Data da Publicação/Fonte: DJ 01.02.2007, p. 442).<br />

www.abdpc.org.br


Nota-se que a letra do enunciado faz menção ao ato <strong>processual</strong> denominado<br />

audiência de instrução e julgamento. Logo, a correta exegese não pode desprezar isso, o que<br />

<strong>nos</strong> leva à seguinte indagação: o que é audiência de instrução e julgamento? A pergunta pode<br />

parecer trivial, mas, repito, vários operadores a têm utilizado malbaratadamente,<br />

comprometendo a <strong>efetividade</strong>.<br />

Esclarece Rogério Lauria Tucci que a AIJ é “o momento do procedimento<br />

ordinário em que se consubstancia ato complexo do processo de conhecimento, destinado à<br />

instrução oral e julgamento da causa”. 36 Haure-se, pois, deste conceito que a razão de sua<br />

designação é premência de produção de provas orais. Assim, segundo palavras do insigne<br />

Des. Ernane Fidélis dos Santos, “dispensáveis as provas orais, o julgamento da lide é<br />

antecipado (art. 330, I e II), abolindo-se a fase instrutória e, em conseqüência, a<br />

audiência”. 37<br />

Sim, temos norma específica na lei n. 9099/95, positivada no art. 33, segundo o<br />

qual “todos as provas serão produzidas na audiência de instrução e julgamento”. Certo.<br />

Mas, para que designar audiência de instrução e julgamento apenas para que as partes juntem<br />

documentos? O dispêndio de dinheiro e de tempo para a designação de tal audiência é alto,<br />

pois envolve gastos com papel, Oficial de Justiça etc. E não olvidemos que a AIJ tem por fim<br />

máximo a produção de prova oral. Logo, a despeito daquele dispositivo da LJE, pode e deve<br />

o Juiz, em homenagem à celeridade <strong>processual</strong>, que tem status de princípio do rito<br />

sumaríssimo (art. 2.º, da lei n. 9099/95), deixar de designar tal ato apenas para colheita de<br />

prova documental. Isso pode ser obtido, sem qualquer violação da ampla defesa,<br />

oportunizando que as partes juntem documentos depois de intimadas para tanto.<br />

Todavia, o que se tem visto é a designação de AIJ apenas porque, em sessão de<br />

conciliação, não é obtida a conciliação. O réu, então, requer designação de AIJ apenas para<br />

ofertar contestação, sem qualquer menção à prova oral e, às vezes, até dela desistindo<br />

36 Enciclopédia Saraiva do Direito. SP: Saraiva, 1977, V. 9, p. 119.<br />

37 Manual de Direito Processual Civil – Processo de Conhecimento. 11 ed. SP: Saraiva, 2007, V. 1, p. 592. No mesmo<br />

sentido: NUNES, Elpídio Donizetti. Curso Didático de Direito Processual Civil. 8 ed. RJ: Lumen Juris, 2007, p. 337. E<br />

também: CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16 ed. RJ: Lumen Juris, 2007, V. 1, pp. 386 e<br />

387; BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil – Procedimento Comum: Ordinário e<br />

Sumário. SP: Saraiva, 2007, V. 2, T. I, p. 317; GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo Curso de Direito Processual<br />

Civil. 4 ed. SP: Saraiva, 2007, V. 1, p. 493. Na jurisprudência: TJRS - Agravo de Instrumento n. 70022680862, Décima<br />

Quinta Câmara Cível, Relator Des. Otávio Augusto de Freitas Barcellos, Julgado em 15/01/2008, Diário da Justiça do dia<br />

01/02/2008.<br />

www.abdpc.org.br


expressamente. Até aí, apesar de juridicamente errado, vai. O pior é quando o Juiz defere tal<br />

requerimento e marca a AIJ. Ora, mas referido ato não serve precipuamente à produção de<br />

prova oral? As partes e os advogados comparecem, portanto, apenas para que seja entregue a<br />

contestação e, se for o caso, para que seja apresentada a réplica. Com todo respeito, isso é<br />

inconveniente, contraproducente do ponto de vista <strong>processual</strong> e sinceramente comprometedor<br />

da <strong>máxima</strong> eficiência possível do processo!<br />

E tudo por causa da obnubilada interpretação do indigitado enunciado...<br />

Bastaria estar atento à expressão “até” ali inserida que, prosaico dizê-lo, delimita o período<br />

máximo de tempo, isto é, a contestação tem o limite temporal <strong>processual</strong> para ser apresentada<br />

até a referida audiência e não na audiência de instrução e julgamento. Logo, sendo<br />

prescindível a produção de prova oral, não há por que ser marcada audiência de instrução e<br />

julgamento apenas para apresentação de contestação. Aqueles que assim procedem, ainda<br />

mais em Juizados Especiais cuja distribuição mensal é alta, oportunizam ao réu um prazo<br />

deveras dilatado para contestar, mesmo porque a pauta de audiência de instrução e<br />

julgamentos também é assoberbada. A propósito, Athos Gusmão Carneiro enxerga nessa<br />

patologia a “audiência como fator de eventual retardamento do processo”. Disserta o culto<br />

Ministro:<br />

contestação?<br />

A exigência de realizar, sempre e sempre, a audiência de instrução e<br />

julgamento, constitui fator, vezes muitíssimas, não de aperfeiçoamento, mas<br />

de procrastinação injustificável no andamento dos processos, pelo atraso<br />

decorrente das pautas de juízes sobrecarregados de trabalhos. 38<br />

O que fazer, então, se não designada a AIJ? Quando o réu ofertará sua<br />

A resposta, para os que não entendem possível a aplicação subsidiária do CPC<br />

à lei n. 9099/95, é marcar AIJ para esse fim, com o que, respeitosamente, discordamos.<br />

Alhures, podemos <strong>nos</strong> valer do CPC para concretizar a <strong>efetividade</strong>. E como? Aplicando o que,<br />

modernamente, é chamado de flexibilização procedimental.<br />

Segundo Luiz Guilherme Marinoni, “o processo, no Estado contemporâneo,<br />

tem de ser estruturado não apenas consoante as necessidades do direito material, mas<br />

38<br />

Audiência de Instrução e Julgamento e Audiências Preliminares. 11 ed. RJ: Forense, 2003, p. 6.<br />

www.abdpc.org.br


também dando ao juiz e à parte a oportunidade de se ajustarem às particularidades do caso<br />

concreto. É nesse sentido que se diz que o direito fundamental à tutela jurisdicional, além de<br />

constituir uma garantia ao titular do direito à tutela do direito material, incide sobre o<br />

legislador e o juiz. De modo que o processo, atualmente, é o próprio procedimento. Mas não<br />

apenas, como quer Fazzalari, o procedimento realizado em contraditório – até porque essa<br />

exigência é óbvia e inegável -, mas igualmente um procedimento idôneo às tutelas prometidas<br />

pelo direito material e à proteção do caso concreto. Aliás, para que o processo seja capaz de<br />

atender ao caso concreto, o legislador deve dar à parte e ao juiz o poder de concretizá-lo ou<br />

de estruturá-lo. Ou seja, o processo não apenas deve, como módulo geral atender às<br />

expectativas do direito material, mas também deve dar ao juiz e às partes o poder de utilizar<br />

as técnicas processuais necessárias para atender às peculiaridades do caso concreto”. 39<br />

Nesta quadra é que se localiza o princípio da adaptabilidade do procedimento.<br />

Para Fredie Didier Jr., “nada impede, entretanto, antes aconselha, que se possa previamente<br />

conferir ao magistrado, como diretor do processo, poderes para conformar o procedimento<br />

às peculiaridades do caso concreto, tudo como meio de mais bem tutelar o direito material”,<br />

de modo que “a flexibilização do procedimento às exigências da causa é (...) fundamental<br />

para a melhor consecução dos seus fins, em uma perspectiva instrumentalista do<br />

processo”. 40<br />

Logo, pode-se dizer, junto com Sérgio Gilberto Porto, que a adequação<br />

procedimental às peculiaridades da situação concreta “por certo acarretaria a melhora do<br />

al, pois o uso do instrumento certo, longe de<br />

dúvida, otimiza a qualidade do resultado”. 41<br />

desempenho estatal na prestação jurisdicion<br />

Frise-se que a adaptação procedimental não tem por escopo relegar ao limbo a<br />

técnica <strong>processual</strong>, nem levantar a bandeira da ampla e irrestrita liberdade ritual. Nada disso.<br />

Como bem disserta José Roberto dos Santos Bedaque, “o princípio da adequação ou<br />

adaptação do procedimento é fundamental à correta aplicação da técnica <strong>processual</strong>. Os<br />

modelos procedimentais e os poderes, deveres e faculdades dos sujeitos do processo devem,<br />

39 Teoria Geral do Processo. 2 ed. SP: RT, 2007, V. 1, pp. 429 e 430.<br />

40 Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 8 ed. Salvador: Jus Podium,<br />

2007, V. 1, p. 51.<br />

41 A crise da eficiência do processo – A necessária adequação <strong>processual</strong> à natureza do direito posto em causa, como<br />

pressuposto de <strong>efetividade</strong>. In Processo e Constituição – Estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira.<br />

SP: RT, 2006, p. 181.<br />

www.abdpc.org.br


na medida do possível, adequar-se às peculiaridades do fenômeno jurídico material e ser<br />

compatíveis com a natureza da tutela jurisdicional pleiteada”, afinal, “a forma não constitui<br />

valor em si mesma, o formalismo <strong>processual</strong> deve ser examinado à luz dos objetivos a serem<br />

alcançados. Assegurada a participação dos interessados na formação do convencimento do<br />

julgador – e, portanto, no resultado do processo -, o problema da forma acaba passando<br />

para o segundo plano. É preciso reconhecer que, muitas vezes, o fim é alcançado embora não<br />

observada a forma destinada a garanti-lo. Por isso, as regras relacionadas aos requisitos<br />

formais desse método de trabalho devem ser interpretadas à luz desta premissa: o que<br />

importa é o fim, sendo a forma mero meio para atingi-lo. É imprescindível que o<br />

<strong>processual</strong>ista volte sua atenção para o objetivo principal do processo, em função do qual<br />

deve ser aplicada a técnica <strong>processual</strong>”. 42 Quer dizer, a forma e a técnica devem servir<br />

adequadamente ao direito de fundo (material), sobre o qual pende o estado de insatisfação a<br />

ser resolvido <strong>pela</strong> via <strong>processual</strong> estatal. 43<br />

Assim, preconizam José Miguel Garcia Medina e Tereza Arruda Alvim<br />

Wambier, “inexistindo procedimento explicitamente previsto no sistema, o procedimento<br />

adequado deverá ser modelado pelo juiz, de acordo com os parâmetros oferecidos <strong>pela</strong>s<br />

partes, já que a ausência de tal procedimento adequado<br />

à tutela do direito substantivo<br />

significaria a negativa de existência de tal direito”.<br />

“A este resultado se poderá chegar interpretando-se um procedimento<br />

previsto no Código de Processo Civil [e, por que não, em lei extravagante] conforme à<br />

requisito procedimento injustificável,<br />

ou cuja existência acabaria por eliminar o direito”. 44<br />

Constituição Federal, por exemplo, a fim de suprimir<br />

42 Obra citada, pp. 45 e 46.<br />

43 Ou, nas palavras de Humberto Theodoro Jr., “o que deve merecer maior valorização não é a forma em si, mas, sim, o<br />

objetivo visado <strong>pela</strong> norma procedimental. Se este objetivo for preservado, dentro do escopo maior do processo e segundo o<br />

sistema geral do contraditório e da ampla defesa, cumpriu-se a instrumentalidade esperada do procedimento. Mesmo<br />

inobservado algum ritual, não haverá razão para atribuir relevância ao vício formal. O interesse público na definição do<br />

rito está na garantia dos valores que o inspiram e não em si mesmo”. (Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral do<br />

Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 50 ed. RJ: Forense, 2009, V. 1, p. 328).<br />

44 Processo Civil Moderno – Parte Geral e Processo de Conhecimento. SP: RT, 2009, V. 1, pp. 54 e 55. No mesmo sentido,<br />

novamente, José Roberto dos Santos Bedaque: “a principal missão do <strong>processual</strong>ista moderno é buscar alternativas que<br />

favoreçam a resolução de conflitos. Não pode prescindir, evidentemente, da técnica. Embora necessária para a <strong>efetividade</strong> e<br />

eficiência da justiça, deve ela ocupar o seu devido lugar, como instrumento de trabalho, não como um fim em si mesmo. Não<br />

se trata de desprezar aspectos técnicos do processo, mas apenas de não se apegar ao tecnicismo. A técnica deve servir de<br />

meio para que o processo atinja seu resultado (...)”. (Direito e Processo – Influência do Direito Material sobre o Processo.<br />

4 ed. SP: Malheiros, 2006, pp. 50 e 51)<br />

www.abdpc.org.br


Fernando da Fonseca Gajardoni, em obra dedicada ao estudo da flexibilização<br />

procedimental, analisand o os requisitos indispensáveis a tanto, disserta:<br />

Obviamente, algum critério, ainda que mínimo, deve haver para que<br />

possa ser implementada a variação ritual, sob pena de tornarmos <strong>nos</strong>so<br />

sistema imprevisível e inseguro, com as partes e o juiz não sabendo para<br />

onde o processo vai nem quando ele vai acabar.<br />

Esse critério consiste na necessidade de existência de um motivo para<br />

que se implemente, no caso concreto, uma variação ritual (finalidade), na<br />

participação das partes da decisão flexibilizadora (contraditório) e na<br />

indispensabilidade de que sejam expostas as razões <strong>pela</strong>s quais a variação<br />

será útil para o processo (motivação). 45<br />

Este mesmo autor afirma que, não obstante devam as partes do processo<br />

participar, em contraditório, da decisão que flexibilizará o procedimento, tal só será<br />

necessário “se a participação da parte para a formação do novo rito for útil, isto é, capaz de<br />

lhe assegurar alguma vantagem. Se a variação ritual lhe for ser benéfica, sua participação<br />

pode ser excepcionalmente e licitamente tolhida, pois acabaria consistindo em um simples<br />

participar por participar,<br />

o que, além de retardar a prestação jurisdicional, vai de encontro,<br />

como já vimos, à faceta material do contraditório, mais precisamente na capacidade de<br />

influir na decisão”.<br />

46<br />

Doravante, este mesmo Magistrado paulista disserta especificamente<br />

acerca da<br />

flexibilização<br />

ritual em sede de Juizado Especial, arrimando sua tese na interpretação do art.<br />

6.º, da lei n. 9099/95, emb ora reconheça haver corrente contrária. Escreve:<br />

Uma outra corrente, da qual somos partidários, vê no dispositivo<br />

verdadeira autorização para julgamento por equidade. Autorizada, portanto,<br />

de maneira genérica, a flexibilização das normas procedimentais e materiais<br />

em favor de um julgamento mais aderente à realidade da causa.<br />

Com efeito, a expressão equânime é adjetivo daquele que age com<br />

equidade, não me parecendo, assim, que a obediência às regras de legalidade<br />

estrita seja imposta do ponto de vista redacional. Ademais, na medida em<br />

que o art. 25 da lei n. 9099/95 fala em possibilidade de julgamento por<br />

equidade pelo juiz leigo eleito <strong>pela</strong>s partes como árbitro, fazendo expressa<br />

referência ao art. 6.º da mesma lei, não me parece que<br />

o dispositivo tenha<br />

querido dizer outra coisa se não que é dado a qualquer julgador em sede do<br />

JEC (juízes togados, leigos ou árbitros), diante das circunstâncias específicas<br />

do caso concreto, se afastar das regras legais cogentes.<br />

(...)<br />

45<br />

Flexibilização Procedimental – Um novo enfoque para o estudo do Procedimento em matéria <strong>processual</strong>. SP: Atlas, 2008,<br />

pp. 87 e 88.<br />

46<br />

Idem, p. 93.<br />

www.abdpc.org.br


Os operadores desse sistema estão libertos do tradicional zelo <strong>pela</strong>s<br />

formas dos atos processuais, isto a fim de cumprir com fidelidade a mens<br />

dessa nova ordem <strong>processual</strong>. O Juiz, ao me<strong>nos</strong> quanto às regras de forma<br />

(...), é ‘livre para dar ao feito o procedimento que se revelar mais adequado à rápida e justa<br />

composição da lide, sem se afastar, por óbvio, das garantias constitucionais do processo.<br />

Por isso, há amparo legal e doutrinário para que o julgador, ao me<strong>nos</strong> no sistema dos<br />

Juizados, que cuida, em tese, de causas de me<strong>nos</strong> valor, inove no âmbito procedimental,<br />

Justiça Comum?<br />

– acaba por reforçar “o ideário do juiz como instrumento da realização da<br />

justiça no caso concreto e não como simples autômato repetidor da sempre genérica norma<br />

legal”.<br />

criando ou mesclando procedimentos diversos, fundamentadamente, para o fim de alcançar<br />

uma mais justa e equânime decisão, ainda que com o afastamento dos padrões legislativos<br />

abstratos.<br />

(...)<br />

Também<br />

nã o se vê óbice à dispensa da audiência conciliatória prevista no art. 21 da<br />

lei<br />

n. 9099/95, quando o juiz aferir que o deslocamento da parte para duas audiências (de<br />

conciliação e instrução) puder lhe acarretar grave prejuízo ou ampliar consideravelmente os<br />

custos do processo. 47<br />

E seguindo essa vereda, o Juiz dos Juizados Especiais – e por que não o da<br />

“Sem as limitações previstas<br />

no art. 127 do CPC, o art. 6.º da lei n. 9099/95<br />

autoriza o julgamento por equidade sempre que esse critério atender aos fins sociais dessa lei<br />

e às exigências do bem comum”. 48<br />

De se lembrar, contudo, que “a maior liberdade de atuação proporcionada<br />

<strong>pela</strong> lei n. 9099/95, ao contrário de dispensar a motivação das decisões, impõe<br />

ao juiz o<br />

dever de bem justificar seu eventual distanciamento da letra da lei, a fim de evitar que a<br />

discricionariedade<br />

que lhe foi confiada ganhe contor<strong>nos</strong> de arbitrariedade”. 49<br />

Nesta trilha, bem andou Minas Gerais, ao aprovar, no II Encontro dos Juízes<br />

do Juizados do Estado (II ENJESP), o enunciado cível de n. 6, cuja dicção<br />

é a seguinte: “É<br />

possível o julgamento antecipado da lide, caso em que os prazos para contestar e impugnar,<br />

nas hipóteses previstas em lei, serão os do Código de Processo Civil”. 50<br />

47<br />

Idem, pp. 152/154.<br />

48<br />

SANTOS, Marisa Ferreira e CHIMENTI, Ricardo Cunha. Juizados Especiais Cíveis e Criminais Federais e Estaduais.<br />

Coleção Sinopses Jurídicas. 2 ed. SP: Saraiva, 2004, V. 15, T. II, pp. 187 e 188.<br />

49<br />

Idem, Ibidem.<br />

50<br />

José Roberto dos Santos Bedaque ratifica, em linhas que se encaixam perfeitamente à flexibilização do procedimento<br />

sumaríssimo: “trata-se da concepção de um modelo procedimental flexível, passível de adaptação às circunstâncias<br />

apresentadas <strong>pela</strong> relação substancial. Não se admite mais o procedimento único, rígido, sem possibilidade de adaptação às<br />

exigências do caso concreto. Muitas vezes, a maior ou menor complexidade do litígio exigem sejam tomadas providências<br />

diferentes, a fim de se obter o resultado do processo. Exemplo claro do princípio da adaptabilidade consiste na possibilidade<br />

de julgamento antecipado, quando circunstâncias inerentes à relação substancial tornarem dispensável dilação probatória<br />

(CPC,<br />

330, I). Verifica-se, aqui, a influência que o direito material acarreta no procedimento, o que reforça a idéia de<br />

www.abdpc.org.br


Que sigam os nobres colegas Magistrados dos Juizados essas orientações para<br />

o bem dos jurisdicionados e para que se concretize a <strong>efetividade</strong> do processo.<br />

5.3- Propostas finais para concretização da <strong>efetividade</strong><br />

do processo sob o rito<br />

sumaríssimo – a sentença, o recurso e a execução:<br />

Em arremate, proporemos, em breves linhas finais, sugestões acerca da<br />

sentença, do recurso e da execução <strong>nos</strong> Juizados Cíveis, sempre colimando realizar a<br />

multipropalada <strong>efetividade</strong>.<br />

O fato de a sentença, em sede de Juizados, dispensar o relatório (art. 38 da lei<br />

n. 9099/95), não implica que deva ser curta, nem longa, nem lacônica, nem preciosista. Como<br />

ato estatal de decisão, tem um real conteúdo comunicativo com as partes do processo que,<br />

aqui, podem litigar sem advogado.<br />

redigir a sua decisão, deve procurar sempre fazê-lo da forma mais clara possível, para que<br />

ela seja plenamente entendida pelos seus destinatários. Decisões que exigem grandes<br />

esforços para a sua compreensão não são recomendadas. Isso não significa que as decisão<br />

não precisão ser bem escritas, mas sim que o magistrado deve se preocupar mais com a<br />

clareza do que com a beleza, jamais sacrificando aquela em benefício desta”<br />

mo escreveu Calamandrei, “as sentenças não devem ser bonitas, mas simplesmente<br />

51 , mesmo<br />

porque, co<br />

justas”. 52<br />

Por isso, bem asseverou Luís Eduardo Simardi Fernandes, “o magistrado, ao<br />

Dessa forma, deve o magistrado buscar fazer entender-se, valendo-se de uma<br />

linguagem clara e inteligível. Esclareça-se, porém, que a clareza não é contrária à falta de<br />

polidez. A fineza ao escrever não vai de encontro com a capacidade de comunicação<br />

que este<br />

ato precisa ter para que o jurisdicionado capte e entenda o que foi decidido.<br />

necessidade de relativizar o binômio a fim de que sejam alcançados os objetivos do direito <strong>processual</strong>”. (Direito..., pp. 60 e<br />

61).<br />

51 FERNANDES, Luis Eduardo Simardi. Embargos de Declaração – Efeitos Infringentes, Prequestionamento e outros<br />

aspectos polêmicos. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier (Coord.). Coleção Recursos no Processo Civil. 2 ed.<br />

SP: RT, 2008, V. 11, p. 91.<br />

52 Eles, os juízes, vistos por um advogado. SP: Martins Fontes, 1995. Excerto da introdução. O Des. Elpídio Donizetti Nunes<br />

é taxativo em dizer que “sentença longa não é sinônimo de prolixidade. O que se condena é a verborragia desnecessária, o<br />

registro do óbvio. A decisão deve responder fundamentalmente aos pleitos das partes e, às vezes, para tanto, deve ser<br />

extensa”. (Redigindo a Sentença Cível. 3 ed. BH: Del Rey, 2005, p. 57).<br />

www.abdpc.org.br


Dias atrás, na mídia impressa veiculou excertos de sentenças que continham<br />

“humor, ironia ou bizarrice” 53 , como, por exemplo, em caso de incidente de consumo<br />

(defeito em televisão), quando o prolator da decisão asseverou: “como o autor poderia<br />

assistir às gostosas do Big Brother?”. Não vai aqui qualquer crítica à decisão, o que, aliás,<br />

não poderia por mim ser feito face ao que prevê o art. 12, II, do Código de Ética da<br />

Magistratura Nacional. A análise é puramente voltada para o que se expôs: embora deva ser<br />

clara, a sentença, enquanto ato estatal, deve conter seriedade, como todo ato estatal.<br />

Idiossincrasias e opiniões devem ser guardadas para um artigo jurídico. Tentar ser simples,<br />

fazendo-se entender, mas sem grosserias. Eis o objetivo da sentença <strong>nos</strong> Juizados.<br />

Entendendo-a, a parte poderá, ainda que discorde, saber o que aconteceu. A <strong>efetividade</strong><br />

também está na comunicação estatal. Quantos processos são extintos, em sede de Juizado,<br />

quando a parte vencida, em obediência ao que se decidiu, propõe-se a pagar? Eliminar o<br />

estado de insatisfação. Eis o escopo do processo. Eis a realização da <strong>efetividade</strong>.<br />

Juizados.<br />

Outro ponto que se propugna é aplicação do art. 515, §3.º, do CPC aos<br />

Conforme lecionaram Gilson Delgado Miranda e Patrícia Miranda Pizzol, a<br />

aplicação efetiva deste dispositivo configura um concreto meio de “se alcançar o acesso à<br />

ordem jurídica justa, minimizando, pois, os embargos formais à prestação jurisdicional. É o<br />

que alguns denominam de ‘julgamento da causa madura’ pelo tribunal. Com efeito,<br />

autorizando-se o tribunal a julgar o mérito, a par da extinção do processo sem a apreciação<br />

do mérito, valorizaremos os princípios da instrumentalidade e da <strong>efetividade</strong> do processo”. 54<br />

Destarte, embora a sistemática do recurso inominado divirja da a<strong>pela</strong>ção, nada<br />

obsta – aliás, tudo aconselha – que isso se aplique ao rito sumaríssimo. Conclamemos, pois, a<br />

que as Turmas Recursais assim procedam. Os jurisdicionados agradeceriam.<br />

Por fim, algumas linhas acerca da impenhorabilidade no sistema dos Juizados.<br />

Que o Estado é um dos maiores interessados em pôr termo ao processo de<br />

execução é estreme de dúvida. 55<br />

53<br />

“Pérolas do Judiciário”. Revista ISTOÉ – Edição n. 2050, de 25/2/2009, pp. 50 e 51.<br />

54<br />

Processo Civil – Recursos. 3 ed. SP: Atlas, 2002, p. 70.<br />

55<br />

Neste sentido: ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 11 ed. SP: RT, 2007, pp. 99 e 100.<br />

www.abdpc.org.br


De se ter em conta, igualmente, que o público do Juizado é diferenciado,<br />

composto, na maioria, por integrantes das classes me<strong>nos</strong> abastadas da população.<br />

Bem por isso, o tema da impenhorabilidade, em sede de Juizados Especiais,<br />

deve ser visto atento às suas peculiaridades. Como asseveram Marisa Ferreira Santos e<br />

Ricardo Cunha Chimenti, “as normas restritivas devem ser analisadas dentro do contexto<br />

social da lei n. 9099/95, que possibilitou amplo acesso da população mais carente ao Poder<br />

Judiciário”. 56<br />

Nessa trilha, dispôs o Enunciado Cível de n. 14 do FONAJE que “os bens que<br />

guarnecem a residência do devedor, desde que não essenciais a habitabilidade, são<br />

penhoráveis”.<br />

Em situação semelhante, já se decidiu que “a lei n. 8009/90, no que toca aos<br />

móveis que guarnecem a residência, visa à proteção de bens essenciais para a manutenção<br />

da família. Televisor não pode ser considerado como tal, mormente em face dos destinatários<br />

da lei n. 9099/95, na grande maioria pessoas de pouquíssimos ou nenhum recurso, de modo<br />

que a exclusão propiciaria não a proteção da família, mas, sim, do inadimplente em<br />

detrimento do credor”. 57<br />

Logo, conquanto a satisfação do credor não deva ser buscada a qualquer custo<br />

(CPC, 620), não se pode perder de vista que esta parte, na maioria das vezes, também é um<br />

hipossuficiente. Desconstituir o ônus que recai sobre bem a princípio impenhorável, de<br />

propriedade de alguém também hipossuficiente, é chancelar a via para a inadimplência. A<br />

parte contrai o débito com uma pequena loja, muitas vezes aberta informalmente, não paga e,<br />

após, quando da execução, levada a penhora a cabo, alega impenhorabilidade. Acolher isso,<br />

como se diz popularmente, é descobrir um santo para cobrir o outro e o processo executivo<br />

sumaríssimo termina indesejavelmente, à míngua de bens penhoráveis (art. 53, §4.º, da lei n.<br />

9099/95), e a <strong>efetividade</strong> vai para o limbo.<br />

6- Conclusão:<br />

56 Juizados Especiais Cíveis e Criminais Federais e Estaduais. 2 ed. SP: Saraiva, 2004, V. 15, T. II, p. 229.<br />

57 RJE 04/257. Sobre a peculiar penhorabilidade de microondas em sede executiva dos Juizados, ver: TJRS - Recurso Cível n.<br />

71001843259, Primeira Turma Recursal Cível, Relator Juiz João Pedro Cavalli Junior, Julgado em 06/11/2008 - Diário da<br />

Justiça do dia 12/11/2008 – www.tjrs.jus.br. TJRS - Recurso Cível n. 71001843259, Primeira Turma Recursal Cível, Relator<br />

Juiz João Pedro Cavalli Junior, Julgado em 06/11/2008 - Diário da Justiça do dia 12/11/2008 – www.tjrs.jus.br.<br />

www.abdpc.org.br


A concretização da <strong>efetividade</strong> do processo, após a<strong>nos</strong> de experiência, é o que<br />

se espera do Magistrado moderno. Realizar a celeridade é realizar a <strong>efetividade</strong>, é dizer o<br />

direito, é pôr fim ao estado de insatisfação, ainda que dizendo para uma parte que ela perdeu.<br />

No dia-a-dia, temos percebido o quão difícil é dizer para uma parte, às vezes<br />

pessoalmente, em audiência, que seu processo será extinto sem resolução de mérito, mas que<br />

ela não perdeu a causa. A decepção estampada no rosto é rutilante. O que fazer, então?<br />

Propusemos, acima, humildemente, algumas atitudes que, cremos, ajudariam a<br />

evitar tais situações decepcionantes, mesmo porque, como disse Dinamarco em passagem<br />

supracitada, toda decepção é triste.<br />

Cabe, então, mudarmos a <strong>nos</strong>sa mentalidade – não só nós, os Juízes, mas todos<br />

aqueles que operam o direito, porquanto, como já dito em Roma<strong>nos</strong>, 12,2, “não vos<br />

conformeis com este mundo, mas transformai-vos <strong>pela</strong> renovação do vosso entendimento”.<br />

Façamos, pois, a <strong>nos</strong>sa parte. Os jurisdicionados agradeceriam (e o processo também).<br />

www.abdpc.org.br


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:<br />

“TJMG Informativo” – Jornal mensal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais edição n. 133.<br />

AMB Informa – Jornal da Associação dos Magistrados Brasileiro - Edição 1.º a 29 de<br />

Fevereiro de 2008).<br />

Jornal ESTADO DE MINAS, Edição de 02/07/2009.<br />

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16.ª ed. RJ: Lumen Juris,<br />

2007.<br />

FERNANDES Bernardo Gonçalves, e PEDRON, Flávio Quinaud. Poder Judiciário e(m)<br />

crise. RJ: Lumen Juris, 2008.<br />

SOUZA, Artur César de. A Parcialidade Positiva do Juiz. SP: RT, 2008, pp. 208 e 209.<br />

TOURINHO NETO, Fernando da Costa e FIGUEIRA JR. Joel Dias. Juizados Especiais<br />

Estaduais Cíveis e Criminais – Comentários à lei 9099/95. 4 ed. SP: RT, 2005, p. 7.<br />

THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos Especiais.<br />

41 ed. RJ: Forense, 2009, V. I e V. III.<br />

NERY JR., Nelson E NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil e legislação<br />

<strong>processual</strong> civil extravagante em vigor. 4 ed. SP: RT, 1999.<br />

GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. 2 ed.<br />

SP: Malheiros, 2003.<br />

FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do Direito. 3ª ed.. São Paulo: Malheiros, 2002.<br />

SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem Constitucional – Construindo uma nova dogmática<br />

jurídica. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1999, p. 104.<br />

www.abdpc.org.br


NERY JR., Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. Coleção Estudos<br />

de Direito de Processo ENRICO TULLIO LIEBMAN. 8 ed. SP: RT, 2004.<br />

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo – Primeiros Estudos. Porto Alegre:<br />

Síntese, 1999.<br />

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra:<br />

Almedina, 2003.<br />

CATTONI, Marcelo. Direito Constitucional. Coleção Primeiras Linhas. BH: Mandamentos,<br />

2002.<br />

JAYME, Fernando Gonzaga et alli (Coord.) Processo Civil – Novas Tendências –<br />

Homenagem ao Professor Humberto Theodoro Jr. BH: Del Rey, 2008.<br />

BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, Racionalidade e Atividade Jurisdicional. RJ:<br />

Renovar, 2005.<br />

SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. RJ: Lumen Juris,<br />

2003.<br />

BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de<br />

constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 3 ed. Brasília: Brasília<br />

Jurídica, 2003.<br />

OLIVEIRA NETO, Olavo de e CASTRO LOPES, Maria Elizabeth. Princípios Processuais<br />

Civis na Constituição. SP: Elsevier, 2008.<br />

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6 ed. SP: Saraiva,<br />

2004.<br />

FUX, Luiz et alli (Coord). Processo e Constituição – Estudos em homenagem ao professor<br />

José Carlos Barbosa Moreira. SP: RT, 2006.<br />

www.abdpc.org.br


BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Técnica Processual. 2 ed.<br />

SP: Malheiros, 2007.<br />

DINAMARCO, Candido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12 ed. SP: Malheiros,<br />

2005.<br />

SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. A atuação do Juiz no Direito Processual Civil<br />

Moderno. SP: Atlas, 2008.<br />

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral do Processo e<br />

Processo de Conhecimento. 8 ed. Salvador: Jus Podium, 2007, V. 1.<br />

DIDIER JR., Fredie. Pressupostos Processuais e Condições da Ação – O Juízo de<br />

Admissibilidade do Processo. SP: Saraiva, 2005.<br />

Enciclopédia Saraiva do Direito. SP: Saraiva, 1977, V. 9.<br />

SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil – Processo de<br />

Conhecimento. 11 ed. SP: Saraiva, 2007, V. 1.<br />

NUNES, Elpídio Donizetti. Curso Didático de Direito Processual Civil. 8 ed. RJ: Lumen<br />

Juris, 2007.<br />

BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil –<br />

Procedimento Comum: Ordinário e Sumário. SP: Saraiva, 2007, V. 2, T. I.<br />

GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. 4 ed. SP:<br />

Saraiva, 2007, V. 1.<br />

CARNEIRO, Athos Gusmão. Audiência de Instrução e Julgamento e Audiências<br />

Preliminares. 11 ed. RJ: Forense, 2003.<br />

MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Teoria Geral do Processo. 2 ed.<br />

SP: RT, 2007, V. 1.<br />

www.abdpc.org.br


WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e MEDINA, José Miguel Garcia. Processo Civil Moderno<br />

– Parte Geral e Processo de Conhecimento. SP: RT, 2009.<br />

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo – Influência do Direito Material<br />

sobre o Processo. 4 ed. SP: Malheiros, 2006.<br />

GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização Procedimental – Um novo enfoque para<br />

o estudo do Procedimento em matéria <strong>processual</strong>. SP: Atlas, 2008.<br />

SANTOS, Marisa Ferreira e CHIMENTI, Ricardo Cunha. Juizados Especiais Cíveis e<br />

Criminais Federais e Estaduais. Coleção Sinopses Jurídicas. 2 ed. SP: Saraiva, 2004.<br />

FERNANDES, Luis Eduardo Simardi. Embargos de Declaração – Efeitos Infringentes,<br />

Prequestionamento e outros aspectos polêmicos. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim<br />

Wambier (Coord.). Coleção Recursos no Processo Civil. 2 ed. SP: RT, 2008.<br />

CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por um advogado. SP: Martins Fontes, 1995.<br />

NUNES, Elpídio Donizetti. Redigindo a Sentença Cível. 3 ed. BH: Del Rey, 2005.<br />

Revista ISTOÉ – Edição n. 2050, de 25/2/2009.<br />

MIRANDA, Gilson Delgado e PIZZOL, Patrícia Miranda. Processo Civil – Recursos. 3 ed.<br />

SP: Atlas, 2002.<br />

ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 11 ed. SP: RT, 2007.<br />

www.abdpc.org.br

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!