12.04.2013 Views

Pistas sobre uma abordagem dialógica à ... - Vigotski - Brasil

Pistas sobre uma abordagem dialógica à ... - Vigotski - Brasil

Pistas sobre uma abordagem dialógica à ... - Vigotski - Brasil

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

UNIVERSIDADE PARANAENSE<br />

CURS0 DE PSICOLOGIA<br />

PROF. ACHILLES DELARI JUNIOR<br />

DISCIPLINA PESQUISA CIENT~FICA I1<br />

UMUARAMA, 05 DE FEVEREIRO DE 2003<br />

PISTAS SOBRE UMA ABORDAGEM DIALOGICA A MFTODOLOGIA<br />

DAS CI~NCIAS HUMANAS<br />

de Mikhail M. Bakhtin (1895-1975)<br />

- contribui~Zies<br />

A psicologia pode, com toda a legitimidade, ser tratada como pertencente ao campo das<br />

ciencias h<strong>uma</strong>nas, embora alg<strong>uma</strong>s abordagens teoricas possam considera-la como<br />

pertencente as cihcias biologicas ou proponham mesmo a possibilidade de localiza-la<br />

como <strong>uma</strong> especie de fisica do comportamento.<br />

11. CONTEXTUALIZAC~O INICIAL<br />

1) Como acordamos anteriormente, estudaremos, neste modulo de conteudos, alg<strong>uma</strong>s<br />

das principais concepcies de ciQncia que podem orientar nossas opcijes<br />

metodol6gicas em ciencias h<strong>uma</strong>nas (considerando que seja legitimo posicionar a<br />

psicologia como pertencente ao campo das ciencias h<strong>uma</strong>nas). Concep~aes como o<br />

positivismo, o estruturalismo, a fenomenologia, a hermeneutica e a dialetica.<br />

2) Hoje, no campo das concepcies dialeticas (de mundo, de homem, de cisncia e de<br />

metodo) el particularmente, no da dialetica materialista, trataremos de alg<strong>uma</strong>s<br />

contribuic$es da concep@o dialogica de Bakhtin a reflex30 metodologica em ciiincias<br />

h<strong>uma</strong>nas.<br />

[retomar grafim apresentado ern auta anterior]<br />

3) Trabalharemos elementos do texto 'Observa~ies <strong>sobre</strong> a epistemologia das ciencias<br />

h<strong>uma</strong>nas", publicado no <strong>Brasil</strong> no livro "Estetica da criaeo verbal" (coletbnea de<br />

diferentes trabalhos de Mikhail Bakhtin) cujo titulo original pode ser literalmente<br />

traduzido por 'A proposito da metodologia das cisncias h<strong>uma</strong>nas". So esse titulo ja e<br />

suficiente para justificar a escolha do texto, principalmente considerando a<br />

envergadura do autor.<br />

4) Contudo, a justificativa pela autoridade do autor e pela adequaeo do titulo s6<br />

ganham consistQncia se nos lembtarrnos da definieo de "metodologia" que fizemos<br />

anteriormente para os fins das disciplinas relacionadas a pesquisa no curso de<br />

psicologia. Lembremo-nos de que a palavra "metodologia" possui dois componentes<br />

essenciais: 'metodo" (que vem do grego p t e<br />

- "methodos") e "logia" (que vem<br />

do grego - "logosN). A palavra "logos" pode ser traduzida como "fala",<br />

"discurso", "palavra", no sentido de <strong>uma</strong> articulac$o verbal racional. Assim<br />

"metodologia" e literalmente "discurso <strong>sobre</strong> o metodo", "fala <strong>sobre</strong> o metodo",<br />

"palavta <strong>sobre</strong> o metodo" e, por desdobramento, "discurso (ou estudo) sistematico,<br />

Iogico, racional, <strong>sobre</strong> o metodo. Pedro Demo (1995) atesta essa acep~o. "Metodo",<br />

como sabemos, e <strong>uma</strong> palavra composta por 'meta-" (= por meio de) e "hod6s" (=<br />

"via", "caminho"). Metodo seria enao algo como 'o caminho por meio do qua1 ..." out<br />

como define Cunha (1982), a "ordem que se segue na investiga~io da verdade, no<br />

estudo de <strong>uma</strong> ciQncia ou para alcancpr urn fim determinado" (p. 517)


5) Como ja expliquei anteriormente, "metodologia" para determinados pensadores<br />

sovieticos implicava <strong>uma</strong> reflexio teorica geral <strong>sobre</strong> fundamentos do metodo<br />

cientifico (corno a defini~so do objeto de estudo, da unidade de analise, dos<br />

principios explicativos, etc.). Isto esta em autores como <strong>Vigotski</strong> em psicologia e<br />

como Bakhtin em epistemologia, estetica e filosofia da linguagem.<br />

I. ALGUMAS CONTRIBUIC~ES DE BAKHTIN A METODOLOGIA DAS CI~NCIAS<br />

HUMANAS<br />

1) EM QUE AS CI~NCIAS HUMANAS SE DISTINGUEM DAS CI~NCIAS NATURAIS<br />

a. As ciencias naturais pronunciam-se <strong>sobre</strong> coisas, seu objeto de estudo n3o<br />

fala <strong>sobre</strong> si. As ciencias naturais "monologam".<br />

b. As cigncias h<strong>uma</strong>nas pronunciam-se <strong>sobre</strong> sujeitos, seu objeto de estudo fala<br />

<strong>sobre</strong> si. As ciencias h<strong>uma</strong>nas dialogam com seu objeto de estudo. A<br />

constituicio do conhecimento cientifico nesse caso ocorre como um dialogo.<br />

Ha sempre pelo menos dois sujeitos em jog0 e a palavra daquele que se busca<br />

estudar e fundamental na constitui~%o do prbprio estudo. Deve-se considerar<br />

seus posicionamentos, sua visio de mundo, o que implica necessariamente<br />

um confront0 dialogico quando o pesquisador busca interpretar estes<br />

processos.<br />

a. Tanto as ciencias h<strong>uma</strong>nas quanto as naturais pronunciam-se <strong>sobre</strong> seus<br />

objetos. Ambas implicam sujeitos pronunciando-se <strong>sobre</strong> algo.<br />

b. Mesmo as coisas so se apresentam como tais para nos quando lhes atribuimos<br />

sentidos, quando nos tornamos capazes de nomea-las. Em ljltima analise, em<br />

qualquer caso esse ato de nomear envolve um processo dialogico, mesmo que<br />

ele seja abreviado ou dissimulado, mesmo que ele oculte a insercio da<br />

palavra de outrem no processo de "nomea@on.<br />

"A coisa, que continua sendo coisa, influi somente <strong>sobre</strong> as coisas. Para influir <strong>sobre</strong> a<br />

pessoa, ela deve revelar seu potencial de sentido, tomar-se palavra, ou seja,<br />

participar de urn contexto virtual no sentido verbal" (Bakhtin, 1992 - p. 407)<br />

3) UM MOD0 DE SE PENSAR 0 PROCESS0 DE COMPREENSAO<br />

a. Quem faz ciencia busca explicar ou compreender (ha <strong>uma</strong> distincso filosofica<br />

entre estes dois termos - que nso trataremos aqui). Bakhtin nos da <strong>uma</strong><br />

contribuieo <strong>sobre</strong> como podemos definir nosso processo de compreensso.<br />

Para este autor a compreensao articula-se em atos distintos, os quais fundem-<br />

se num ljnico processo:<br />

'1) a percep~ao psicofisiolbgica do signo fisico (palavra, cor, forma espacial. 2) 0<br />

reconhecimento do signo (corno algo conhecido ou desconhecido); a cornpreens20 de<br />

sua significa~30 reproduzivel (geral) na lingua. 3) A compreenszo de sua significa~a"~<br />

em dado contexto (contiguo ou distante). 4) A cornpreens20 dialdgica ativa<br />

(concordancia-discorddncia); a inser~20 num contexto dialbgico; o juizo de valor, seu<br />

grau de profundidade e de universalidade" (Bakhtin, 1992 - p. 401)


. Para que haja cornpreens30 viva de um texto e precis0 sempre remeter a<br />

outros textos (quest30 da "intertextualidade") :<br />

"Toda palavra (todo signo) de um texto conduz para fora dos limites desse texto. A<br />

compreenszo e o cotejo de um texto com outros textos" (Bakhtin, 1992 - p. 404)<br />

'0 texto so vive em contato com outro texto (contexto). Somente em seu ponto de<br />

contato e que surge a luz que aclara para tras e para frente, fazendo que o texto<br />

participe de um dialogo. Salientamos que se trata do contato dialogic0 entre os textos<br />

(entre os enunciados), e n3o do contato mecijnico "opositivo", possivel apenas dentro<br />

das fronteiras de um texto (e na"o entre texto e contextos), entre os elementos<br />

abstratos desse texto (entre os signos dentro do texto), e que e indispensavel<br />

somente para urna primeira etapa da cornpreens30 (cornpreens30 da significac30 e<br />

n%o do sentido). Por tras desse contato, ha o contato de pessoas e n3o de coisas.<br />

Assim que convertermos o dialogo nurn texto compacto, ou seja, assim que<br />

apagarmos a distin~so das vozes (a alternrincia dos sujeitos falantes) - o que e em<br />

principio possivel (a dialetica monologica de Hegel) -, o sentido profundo (infinito)<br />

desaparecera (teremos batido no fundo, ficaremos em ponto morto)." (Bakhtin, 1992<br />

- pp. 404-405)<br />

c. Bakhtin concebe o sentido como algo sempre aberto a se refazer, mesmo<br />

quando se trata daqueles sentidos ultrapassados pelo tempo ou suprimidos<br />

pela for~a ou pelo esquecimento. Isto nos descortina um amplo espectro, urna<br />

vasta area de trabalho (virtualmente infinita), para a investigac20 cientifica<br />

em ciencias h<strong>uma</strong>nas.<br />

"N3o ha urna palavra que seja a primeira ou a hltima, e n3o ha limites para o contexto<br />

dialogic0 (este se perde nurn passado ilimitado e nurn futuro ilimitado). Mesmo os<br />

sentidos passados, aqueles que nasceram do dialog0 com os seculos passados, nunca<br />

est%o estabilizados (encerrados, acabados de urna vez por todas). Sempre se<br />

mod ificarzo (renovando-se) no desenrolar do dialogo subseqiiente, futuro. Em cada<br />

um dos pontos do dialog0 que se desenrola, existe urna multiplicidade inumeravel,<br />

ilimitada de sentidos esquecidos, porem, nurn determinado ponto, no desenrolar do<br />

dialogo, ao sabor de sua evolu


Assim entendido, o ouvinte ideal sera o reflexo do autor num espelho, um reflexo que<br />

sera sua duplica~So; n%o se poderia introduzir nada de pessoal, nada de novo na obra<br />

compreendida de urna maneira ideal, nem no designio, idealmente completado, do<br />

autor; ele se situa no mesmo espa~o-tempo que o pr6prio autor, mais exatamente,<br />

ele estd, a exemplo do autor, fora do tempo e do espaCo (4 o caso de qualquer<br />

construGo do espirito, abstrata); por isso ele n%o pode ser o outro (outrem) para o<br />

autor, n%o pode possuir o excedente inerente i sua alteridade. Entre o autor e tal<br />

ouvinte, n%o se estabelece nenh<strong>uma</strong> intera60, nenh<strong>uma</strong> relasiio ,ativa, dramdtica,<br />

pois jd n%o s%o vozes, mas nosees abstratas intra- e inter-iguais. E quando ocorrem<br />

abstra~aes tautol6gicas, matematizadas ou mecanizadas. Quando ocorre a<br />

despersonaliza~~o." (Bakhtin, 1992 - p. 408)<br />

"No estruturalismo, existe apenas um llnico sujeito: o prbprio pesquisador. As coisas<br />

se transformam em conceitos (com um grau variavel de abstra@o); o sujeito n%o<br />

pode tornar-se um conceit0 (ele mesmo fala e responde). 0 sentido e personalists;<br />

sempre comporta urna pergunta, dirige-se a alguem e presume urna resposta, sempre<br />

implica que existem dois (o minimo dial6gico)" (Bakhtin, 1992 - p. 413)<br />

5) UMA CONTRAPOSIC&O A REIFICA~~O E A0 DOGMATISM0<br />

a. Quanto um enunciado e tratado fora do seu contato vivo com outros<br />

enunciados, ocorre urna reificaGo, que conduz ao dogmatismo, urna vis%o<br />

que as verdades que ai estzo sempre foram e sempre continuarzo sendo tais<br />

e quais. (como veremos posteriormente, o dogmatismo, tanto quanto o<br />

relativism0 e urna forma de negaeo do dialogo)<br />

"A reificaGo com pleta, extrema, leva ria inevitavelmente ao desa parecimento do que<br />

nZo tem fim nem fundo no sentido (de qualquer sentido).<br />

0 pensamento que, como peixe dentro do aqudrio, toca o fundo e as paredes, e n%o<br />

pode ir mais longe nem mais fundo. [Um tal pensamento configura-se como:] 0<br />

pensamento dogmdtico.<br />

0 pensamento [dogmdtico] sd conhece os pontos conwendonais; o pensamento<br />

[dog mdtico] dessubstancia todos os pontos colocados com anterioridade. " (Ba khtin,<br />

1992 - p. 405).<br />

6) UMA CR~TICA AS GENERALIZAC~ES SIMPLIFICADORAS<br />

"Quanto mais profunda for a pessoa, isto e, quanto mais se aproximar de seu prbprio<br />

extremo, menos se Ihe serd aplicivel um m6todo generalizante, pois a generaliza~o e<br />

a formaliza~iio apagam as fronteiras entre o homem genial e a mediocridade"<br />

(Bakhtin, 1992 - p. 411)<br />

a. Em ultima analise, ou melhor, no limite, no extremo, seria de procurarmos<br />

sempre garimpar o que ha de genial em cada homem e mulher, por mais<br />

comuns que suas vidas possam aparentar ser num primeiro olhar. Lembro-me<br />

de urna fala de Deleuze, em que ele diz: "Cabe-nos a nos ir ate aos lugares<br />

extremos, as horns extremas onde vivem e se erguem as verdades mais<br />

elevadas, mais profundas" (Deleuze apud Oliveira, s/d - p. 1 1).<br />

Para encerrar, por hoje, e para abrir mais urna possibilidade de darmos continuidade ao<br />

dialogo, podemos nos recordar ainda urna afirmaeo forte de <strong>Vigotski</strong> n<strong>uma</strong> carta a Luria,<br />

datada de 5 de marc0 de 1926. Afirma~io que tem a ver com a ja citada necessidade de "ir<br />

ate os lugares extremos'' e com a necessidade de constituirmos um discurso critic0 <strong>sobre</strong> o<br />

metodo em pesquisa cientifica, ainda que ligada a outros sentidos. Diz <strong>Vigotski</strong>:<br />

"Para mim a questso primordial 6 a questso do metodo, que e para mim a questso<br />

da verdade" (apud Valsiner e Van der Veer, 1996 - p. 141).


1 - BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch. Estetica da cria~io verbal. S3o Paulo: Martins Fontes.<br />

1992.<br />

2 - CUNHA, Antonio Geraldo da. Dicionario etimologico Nova Fronteira da lingua<br />

portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1982.<br />

3 - DEMO, Pedro. Metodologia cientifica em cisncias sociais. 3. ed. S%o Paulo: Atlas. 1995.<br />

4 - OUVEIRA, Emidio Rosa de. Prefacio. In DELEUZE, Gilles. Foucault. Lisboa: Vega. s/d.<br />

5 - VALSINER, Jaan; VAN DER VEER, Rene. Vygotsky: <strong>uma</strong> sintese. S8o Paulo: Loyola:<br />

Unimarco. 1996.


ARTEDO<br />

DIALOGO<br />

(Antigos sabios gregos)<br />

FILOSOFIA DA<br />

NATUREZA<br />

(Engels)<br />

MATERlALISMO<br />

ARCAICO<br />

(Heraclito, etc.)<br />

CRiTICADA<br />

ECONOMIA pOLiTIC A<br />

(Marx)<br />

DIALETICA<br />

SOCRATICA<br />

(S6crates, Platao, etc.)<br />

GENESE SOCIAL DA<br />

CONSCIENCIA<br />

(<strong>Vigotski</strong>, Luria, etc.)<br />

DIALETICA<br />

IDEALISTA<br />

(Hegel, etc.)<br />

MATERlALISMO B<br />

HISTORlCO E C ..)<br />

DIALETICO<br />

ABORDAGEM DIALOGICA B<br />

A CRlA

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!