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ADOÇÃO DE CRIANÇAS POR PARES ... - CONPEDI

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<strong>ADOÇÃO</strong> <strong>DE</strong> <strong>CRIANÇAS</strong> <strong>POR</strong> <strong>PARES</strong> HOMOAFETIVOS MASCULINOS 1<br />

RESUMO<br />

ADOPTION FOR MALE HOMOSSEXUAL COUPLES<br />

Cyntia Mirella da Costa Farias<br />

Rosendo Freitas De Amorim<br />

Diante da relevância do instituto da adoção e da oportunidade de unir interesses, tanto de<br />

casais que desejam adotar quanto de crianças que esperam a oportunidade de se integrarem a<br />

uma família, observa-se que a lei não determina o sexo ou o formato daqueles que se colocam<br />

na condição de adotantes. O que ela determina são as condições favoráveis ao adotando que<br />

deverá usufruir de um lar digno e saudável. Entretanto, o fato de a lei não determinar o sexo<br />

ou os integrantes que compõem a futura família de uma criança adotada, pressupõe-se que o<br />

modelo heterossexual se constitua e corresponda ao idealizado pela sociedade. Nesse<br />

contexto, este artigo encontra a lacuna necessária para questionar a validade e a eficácia de<br />

um lar formado por duas pessoas de mesmo sexo que, como todas as outras, cultivaram o<br />

sonho paternal e ou maternal. A pesquisa objetiva analisar a adoção por pares homoafetivos<br />

masculinos. Elaborou-se uma pesquisa empírica de natureza qualitativa, cujo trabalho de<br />

campo cujo foi composto por uma amostra de cinco casais de homossexuais masculinos<br />

residentes na cidade de Fortaleza, estado do Ceará. Para a coleta de dados utilizou-se a técnica<br />

de entrevistas gravadas. Concluiu-se que independente da preferência sexual do adotante, o<br />

processo de adoção deve contemplar sempre o benefício da criança a ser adotada.<br />

PALAVRAS-CHAVES: Ordenamento Jurídico, Adoção, Crianças, Pares Homoafetivos,<br />

Famílias, Masculino.<br />

ADOPTION FOR MALE HOMOSSEXUAL COUPLES<br />

ABSTRACT<br />

Given the importance of the institution of adoption and the opportunity to unite the interests<br />

of both couples to adopt children as they expect the opportunity to integrate a family, it is<br />

observed that the law does not determine the sex or the format of those who place provided<br />

adopters. What it determines are the favorable conditions for adopting that should enjoy a<br />

decent home and healthy. However, the fact that the law does not determine the sex or the<br />

members that make up the future family of an adopted child, it is assumed that the<br />

heterosexual model arises and corresponds to the idealized society. Therefore, this article is<br />

the gap necessary to question the validity and effectiveness of a household consisting of two<br />

persons of the same sex who, like all others, the dream grew and paternal or maternal. The<br />

1 Pesquisa submetida ao Comitê de Ética da Universidade de Fortaleza e aprovada com o Parecer nº 191/08.<br />

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do <strong>CONPEDI</strong> realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010<br />

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esearch aims to analyze the adoption by homosexual couples men. We developed an<br />

empirical research of a qualitative nature, the field work which consisted of a sample of five<br />

pairs of gay men living in the city of Fortaleza, Ceará state. To collect data we used the<br />

technique of taped interviews. It was concluded that regardless of sexual preference of the<br />

adopter, the adoption process should always include the benefit of the child to be adopted.<br />

KEY-WORDS: Planning Law, Adoption, Children, Homosexual Couples, Families, Male.<br />

Introdução<br />

Este artigo tem por objetivo analisar a adoção por casais homossexuais no ordenamento<br />

jurídico brasileiro, uma vez que as leis atuais parecem andar em descompasso com a realidade<br />

social de forma que não têm conseguido atender às demandas da sociedade contemporânea.<br />

Trabalha-se, portanto, a partir de diferentes objetivos específicos como compreender os<br />

motivos e as crenças que explicam a resistência da sociedade ao reconhecimento dos núcleos<br />

familiares homoafetivos; entender quais critérios devem ser observados e respeitados na hora<br />

de ser aprovada uma adoção; discutir a dinâmica das relações familiares face à defasagem das<br />

leis sobre a adoção.<br />

O trabalho vai além das discussões teóricas na tentativa de compreender possíveis<br />

preconceitos precedidos de “achismos” contra as famílias homoafetivas. Para atingir os<br />

objetivos propostos, realizou-se pesquisa de campo para coletar dados com cinco pares<br />

homoafetivos, residentes em Fortaleza, capital do estado do Ceará, por meio de entrevistas<br />

não estruturadas.<br />

As dinâmicas da vida se colocam em uma velocidade crescente e constante de maneira<br />

que é preciso alcançá-las ou, ao menos, tentar entendê-las, pois, a família como núcleo<br />

principal da sociedade, vem, gradativamente, alterando-se a ponto de exigir dos aplicadores<br />

do direito, novos olhares e interpretações com o objetivo de se amoldar às demandas dela<br />

oriundas.<br />

Com as mudanças socioeconômicas e culturais profundas ocorridas durante os dois<br />

últimos séculos, as famílias passaram a assumir distintos modelos de organização na tentativa<br />

de adaptar-se às mudanças e influenciando uma nova conjuntura social. Saindo de casa, as<br />

mulheres foram à labuta nas fábricas em que seus maridos trabalhavam, passando então a ter a<br />

renda dividida entre o marido e a mulher.<br />

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Após conquistar seu espaço no mercado de trabalho, ainda que sofrendo discriminação,<br />

a mulher deixou de depender exclusivamente do homem para se sustentar e sustentar os seus.<br />

Assim, estruturou-se o novo modelo de família monoparental no qual não há a presença<br />

obrigatória da tríade pai-mãe-filho. Na formação da família a estrutura formada apenas pelo<br />

filho e a mãe, ou o pai e o filho, o tio e o sobrinho, o avô (ó) e o neto demonstra que a família<br />

deixou de ter como função primordial e inadiável a procriação. O núcleo familiar passou a ser<br />

originado a partir de um novo modelo calcado na idéia da afetividade.<br />

Desta maneira, por ir além de seu caráter procriatório, a família é, também, no Brasil,<br />

composta por pessoas de um mesmo sexo, visto que a sua origem e sua existência são muito<br />

anteriores à sua formalização jurídica, política e cultural. O que conta é a intenção dos<br />

membros da família de permanecerem juntos, auxiliando um ao outro no que for possível,<br />

amparando, cuidando e zelando.<br />

Assim, o instituto jurídico da adoção, que antes servia à formação de um núcleo<br />

familiar, hoje se traduz nas necessidades dos maiores interessados pela própria adoção, ou<br />

seja, o foco principal da adoção não é mais apenas a vontade do adotando, prioriza-se agora a<br />

melhor opção para o adotado.<br />

Por isso, ao observar o estado de abandono em que se encontram algumas crianças<br />

brasileiras constata-se, nestas, problemas psicossociais em razão do próprio abandono e do<br />

sentimento de insegurança gerado pela situação de se sentirem desprotegidas pelos pais,<br />

aqueles que deveriam ser os responsáveis por sua formação. Compete, nestes casos, ao Estado<br />

amparar e orientar essas crianças. No entanto, o Poder Público não tem conseguido atingir<br />

seus objetivos de forma eficaz e célere. Os abrigos públicos, que deveriam ser amplos,<br />

higiênicos e estruturados para oferecerem total cobertura às necessidades da criança acabam,<br />

em grande parte, por falharem nestes aspectos seja por falta de interesse político, seja por falta<br />

de condição financeira.<br />

Entendendo assim, alguns juízes já se manifestam favoravelmente à adoção por casais<br />

homoafetivos, haja vista a ausência de lei específica. Por meio da analogia, os magistrados<br />

têm dado início a um novo olhar da Justiça perante àqueles que têm deveres como qualquer<br />

outro cidadão, mas que usufruem de direitos limitados, como o da possibilidade de filiação<br />

via judicial, em razão da sua sexualidade.<br />

A problemática baseia-se no entendimento de casais homoafetivos serem ou não dignos<br />

de tutelarem alguém. Atualmente, encontram-se correntes favoráveis aos dois lados da<br />

questão posta pelas atuais estruturas familiar e social. Há quase dez anos a homossexualidade<br />

deixou de constar no quadro de doenças da Organização Mundial de Saúde. Portanto, o fato<br />

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de casais do mesmo sexo criar um filho adotivo não implica, necessariamente, que este filho<br />

sofrerá influência em seu comportamento sexual, até porque na grande maioria dos casos<br />

estatisticamente comprovados, os homossexuais cresceram em famílias heterossexuais.<br />

1 Algumas questões metodológicas<br />

Frente à polêmica em torno da adoção por pares homoafetivos, que inquieta<br />

comportamentos e crenças conservadoras na cultura brasileira, acredita-se ser importante<br />

aprofundar algumas discussões acerca dos critérios para se adotar crianças por homossexuais<br />

que ultrapasse a discussão bibliográfica.<br />

Elaborou-se, então, um roteiro de entrevista não-estruturada ou despadronizada, ou seja,<br />

é aquela em que o entrevistador tem liberdade para desenvolver e explorar cada situação na<br />

direção que considerar adequada. É uma forma de poder ampliar o campo em que a questão<br />

está circunscrita. “Em geral, as perguntas são abertas e podem ser respondidas dentro de uma<br />

conversação informal”. (LAKATOS e MARCONI, 2003, p.195). Estas entrevistas foram<br />

realizadas com casais homossexuais, masculinos e ou femininos, que pretendem adotar ou que<br />

já adotaram uma criança.<br />

O depoimento de um dos pares dos casais foi gravado em locais escolhidos pelos<br />

próprios entrevistados, de forma a não constrangê-los. Cada entrevistado foi contactado por<br />

meio de uma rede de amigos comuns que, ao tomarem conhecimento da questão abordada<br />

pela pesquisa e, indagados se conheciam alguém que se enquadrasse no tema, indicavam<br />

outros que se prontificavam a colaborar. A expectativa criada pelos próprios entrevistados era<br />

tamanha que já se dispunham a dar seus depoimentos no primeiro encontro. Cada entrevista<br />

durou cerca de sessenta minutos, totalizando ao final do trabalho, a média de trezentos<br />

minutos de entrevista.<br />

Estas foram gravadas com o consentimento dos entrevistados e considerando as<br />

exigências e os cuidados sugeridos pelo Comitê de Ética da UNIFOR (Resolução 196/96), no<br />

que se refere às pesquisas que envolvem dados, informações e mesmo seres humanos, de<br />

forma a não constranger ou prejudicar os participantes colaboradores desta investigação.<br />

Assim, a pesquisa foi submetida à este Comitê, tendo sido acatada pelo Parecer nº 191/08.<br />

Por questão de privacidade, a pesquisa garantiu a confidencialidade obedecendo ao<br />

critério do anonimato dos entrevistados e a não-utilização de suas informações em prejuízo<br />

dos mesmos. Desta maneira, cada casal foi identificado pela letra inicial de seu nome,<br />

conforme indicado a seguir: casal I – Gl. e G. Entrevista realizada em 18 de abril de 2008;<br />

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casal II – JP. e S. Entrevista realizada em 24 de abril de 2008; casal III – I. e G. Entrevista<br />

realizada em 26 de abril de 2008; casal IV – J. e D. Entrevista realizada em 28 de abril de<br />

2008; casal V – FJ. e A. Entrevista realizada em 05 de maio de 2008.<br />

Embora a pesquisa envolva casais homoafetivos, a entrevista foi realizada apenas com<br />

um de seus pares, visando a livre manifestação do pensamento sem que houvesse a<br />

interferência do outro, de forma a não intimidá-lo. Para garantir uma certa homogeneidade nas<br />

informações, procuramos manter um certo padrão na seleção dos informantes. Assim, o filtro<br />

determinante foi: ser homossexual masculino ou feminino; ter ou estar mantendo uma relação<br />

conjugal por, no mínimo, seis meses; ter pensado, ou pensar, na possibilidade de adotar uma<br />

criança com seu parceiro(a) ou já ter conseguido adotá-la. A partir dos dados coletados, foi<br />

possível elaborar um perfil dos entrevistados além de colher dados fundamentais para a<br />

discussão que pretendíamos realizar.<br />

Uma vez respeitados esses requisitos, os entrevistados preencheram uma ficha de<br />

identificação informando o nome, a idade, o estado civil, a formação acadêmica, a existência<br />

de filhos, a profissão e com quem moravam. Em seguida, as entrevistas seguiram um roteiro<br />

que delimitava o tema da adoção por pares homoafetivos, sendo abordados assuntos práticos<br />

do dia-a-dia da vida dos adotantes e adotados, como por exemplo, como seus filhos deveriam<br />

chamá-los, se como pai e pai e/ou mãe e mãe ou, se pai e mãe, “pãe”, ou algum outro nome<br />

considerado mais oportuno.<br />

2 Princípios constitucionais e a união homoafetiva<br />

A Constituição Federal brasileira, lei máxima do Brasil é formada por um conjunto de<br />

normas e princípios consubstanciados em documento solene determinado pelo poder<br />

constituinte originário e somente modificável mediante processos especiais previstos em seu<br />

texto, conferindo-lhe a supremacia dessas normas e princípios. Toda lei infraconstitucional<br />

surgida antes ou depois da Lei Maior deve ser recepcionada pela Carta Magna. A palavra<br />

“Princípio” no Título I da Constituição de 1988 significa “mandamento nuclear de um<br />

sistema” (SILVA, 2007, p.28). Ainda sobre princípios constitucionais, Barroso (1999, p.141)<br />

afirma que:<br />

são o conjunto de normas da ideologia da Constituição, seus postulados básicos e<br />

seus afins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas<br />

pelo constituinte como fundamento ou qualificações essenciais da ordem jurídica<br />

que institui.<br />

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Essa essencialidade faz dos princípios a pedra de toque, o alicerce das normas<br />

brasileiras. São, os princípios constitucionais precisamente, a síntese dos valores principais da<br />

ordem jurídica. Os direitos e garantias não podem excluir ou sobrepor a um princípio. Desta<br />

maneira, fácil é a relação de que os princípios estejam no ponto mais alto da pirâmide<br />

normativa, que sejam eles “norma das normas”, “fonte das fontes”. No entendimento de<br />

Bonavides (1999, p.358) “são qualitativamente a viga mestra do sistema, o esteio da<br />

legitimidade constitucional, o penhor da constitucionalidade das regras de uma constituição”.<br />

Aprofundando mais o entendimento, encontra-se afirmativa de que os princípios vão<br />

além das leis. São os princípios morais da Constituição, os valores que mesmo não escritos<br />

inspiram e regem as normas escritas, como bem entende Silva (1989, p.447).<br />

Entendendo ser a igualdade, a liberdade e a dignidade da pessoa humana princípios<br />

constitucionais vigentes no país e associando-os à problemática dos direitos dos<br />

homossexuais no Brasil, Spengler (2003, p.51) comenta sobre o confronto não-raro<br />

ocasionado entre uma norma e um princípio, alertando para quando o confronto ocorrer nas<br />

vezes em que o princípio não possui “previsão normativa de sua aplicação em determinados<br />

casos”. Nessas situações, cabe uma análise de qual deverá sobrepor-se ao outro. Dentro deste<br />

estudo, Spengler (2003, p.53) se posiciona da seguinte maneira:<br />

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao<br />

principio implica ofensa não apenas a um especifico mandamento obrigatório, mas a<br />

todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou<br />

inconstitucionalidade conforme o escalão do princípio violado, porque representa<br />

insurgência contra todo um sistema, subversão dos seus valores fundamentais,<br />

contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.<br />

Dessa forma, a violação aos princípios da igualdade, da liberdade e da dignidade da<br />

pessoa humana é mais gravosa do que a sociedade tacitamente pode imaginar. Numa visão<br />

que abrange o uso em conjunto dos princípios afrontados por regras, Dias (2000, p.84) afirma<br />

que:<br />

A restrição constante do §3º do art. 226 da CF/88, só reconhecendo como entidade<br />

familiar, merecedora da proteção do Estado, a união estável entre um homem e uma<br />

mulher, configura verdadeira afronta tanto ao cânone do respeito à dignidade<br />

humana como ao princípio da igualdade, que são os vetores do perfil democrático do<br />

Estado. Diante desse aparente confronto entre a norma constitucional e os princípios<br />

que a norteiam, até por uma questão de coerência interna, a conclusão só pode ser<br />

uma: desde que uma norma constitucional se mostre contrária a um princípio<br />

constitucional, há de prevalecer o princípio.<br />

Assim, o princípio da isonomia traz como fundamento tratar os iguais como iguais e os<br />

desiguais como desiguais na medida em que se desigualam; o princípio da liberdade faz<br />

alusão ao fato de se referir à liberdade do cidadão de fazer opções sendo defeso apenas às<br />

proibições expressas em lei; e a dignidade da pessoa humana dispõe que, uma vez respeitada,<br />

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não permite que o indivíduo sofra discriminações e seja tratado com desigualdade. Mesmo<br />

estando todos esses princípios elencados solenemente na Constituição de 1988, é notória a<br />

violação cotidiana de conduta por parte daqueles que deveriam resguardá-los por<br />

representarem dois dos três poderes públicos: o Legislativo e o Judiciário.<br />

O artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal traz o princípio da legalidade da seguinte<br />

maneira: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de<br />

lei”. Tal princípio é interpretado de diferentes formas dependendo do ramo do Direito a ser<br />

seguido, se público ou privado. No primeiro caso, diz-se da estrita legalidade, pois qualquer<br />

ato da Administração Pública somente terá validade se respaldado em lei, em sua acepção<br />

ampla. Isso gera uma maior segurança ao administrador e ao povo brasileiro que aos atos<br />

daquele se submete. No campo do direito privado, em contrapartida, haja vista os interesses<br />

das partes, elas poderão fazer tudo o que a lei não proíbe. Deste entendimento se vale a<br />

máxima de que tudo aquilo que não é proibido é permitido. (BONAVI<strong>DE</strong>S, 1999).<br />

Assim, a adoção, instituto pertinente ao direito de família, que por sua vez é ramo do<br />

direito privado, segue o ditame que só lhe será proibido o que a lei anteriormente determinar.<br />

Portanto, a Lei 8.069/90, mais conhecida com Estatuto da Criança e do Adolescente, e o atual<br />

Código Civil de 2002 ao especificarem os pressupostos que deverão ser atendidos para<br />

aqueles que pretendem adotar não mencionam a sexualidade do indivíduo nem tampouco se<br />

ele deve estar na forma de casal ou isoladamente.<br />

Logo, deve-se partir da premissa de que um indivíduo homossexual atende a todos os<br />

requisitos necessários à adoção e por isso, deve ser analisado junto ao Juizado da Infância e da<br />

Juventude de forma isonômica, sendo respeitada a sua dignidade como qualquer outro<br />

candidato heterossexual. Dias (2006, p.108) ao tratar dessa possível impossibilidade, entende<br />

que “o Estatuto da Criança e do Adolescente não traz qualquer restrição à possibilidade de<br />

adotar e tampouco faz referência ao sexo, ao estado civil ou à orientação sexual do adotante”.<br />

As únicas exigências previamente concebidas são as de que o adotante deverá ter idade<br />

mínima de dezoito anos, sendo obedecida a diferença de idade entre as partes de, no mínimo,<br />

dezesseis anos, e que essa adoção seja conforme o melhor interesse do menor. As exigências<br />

que não são elencadas em lei são as de cunho subjetivo, observadas pelos técnicos, psicólogos<br />

e assistentes sociais.<br />

As regras da adoção são as mesmas, não devendo ser a sexualidade critério condicional<br />

nem resolutório para seu deferimento. Critérios discriminatórios não devem pautar a avaliação<br />

do pretenso adotante. O que deve ser considerado é a capacidade do candidato em<br />

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proporcionar um ambiente sadio ao adotado, possibilitando que este possa crescer e se<br />

desenvolver plenamente.<br />

Embora não haja barreira legal explícita para a adoção individual feita por um<br />

homossexual, o mesmo não se aplica a casais homossexuais. O artigo 1.622 do Código Civil<br />

de 2002, atualmente vigente, ao dispor que “ninguém pode ser adotado por duas pessoas,<br />

salvo se forem marido e mulher, ou se viverem em união estável” impõe uma condição<br />

impeditiva aos pares homoafetivos. Essa restrição tem como escopo a aproximação máxima<br />

possível do padrão familiar nuclear composta pela tríade pai-mãe-filho.<br />

Face à concreta e crescente existência de uniões homoafetivas, o movimento<br />

homossexul tem lutado pelos direitos de casarem e adotarem, ao contrário de questionarem<br />

regras e tentarem burlá-las ou mesmo quebrá-las. Assim, esses casais lutam não apenas pela<br />

adoção em si, mas por algo com sentido maior e que tantas vezes parece ser invisível aos<br />

olhos dos conservadores, que é a luta pela inclusão e participação das regras em geral, quando<br />

a única regra seria a não-discriminação. (ROUDINESCO, 2003).<br />

Sobre a restrição legal de casais que não sejam marido e mulher ou que vivam em união<br />

estável de adotarem, parece injustificada já que, na prática, o casamento e a união estável,<br />

mesmo que de forma ilegítima, entre pessoas do mesmo sexo existem e de forma crescente se<br />

tornam públicas.<br />

Destarte, não se há de esquecer que a adoção, por mais que tenha a intenção de imitar<br />

uma família natural, é uma família substituta e concebida juridicamente. Além disso, foge à<br />

lógica ser permitida por lei, através da omissão, a adoção por homossexuais individuais e<br />

proibi-la a casais homo. A convivência com pessoas de orientação sexual homoafetiva será a<br />

mesma, independentemente desta ter ou não relação conjugal fixa com um companheiro. Ao<br />

contrário, deveria ser positivado o fato do indivíduo ter um relacionamento fixo, estável e<br />

duradouro permitindo ao adotado o laço afetivo enraizado no momento da consumação da<br />

adoção. Nas palavras de Dias (2006, p.111):<br />

[...] quem é adotado por um dos parceiros só poderá buscar eventuais direitos, como<br />

alimentos, benefícios de cunho previdenciário ou sucessório, com relação ao<br />

adotante. Quer pela separação do par, quer pela morte do que não é legalmente o<br />

genitor, não pode o filho desfrutar de qualquer direito daquele que também<br />

reconhece como verdadeiramente seu pai ou sua mãe. Essa limitação acarreta<br />

injustificável prejuízo ao menor. Assim, a inadmissibilidade da adoção de crianças<br />

por casais homossexuais só vem em prejuízo do menor, principalmente quanto aos<br />

aspectos patrimoniais. O filho passa a ter todos os direitos pertinentes à filiação,<br />

guarda, alimentos e sucessórios, que, em vez de ter em relação as duas pessoas, terá<br />

apenas em relação ao adotante.<br />

Ademais, a inviabilização da adoção por casais homoafetivos apenas mascara a<br />

realidade em virtude de que, na prática, um adotará a criança e/ou adolescente, enquanto o<br />

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outro conviverá na mesma casa como parte integrante da família. Como observa Silva (2005,<br />

p.116), esta forma de adequação trata-se de uma grave violação ao melhor interesse da criança<br />

e do adolescente, uma vez que serão criados e educados em lares de famílias homossexuais,<br />

mas terão, entretanto, os direitos relativos apenas ao adotante.<br />

O Poder Judiciário mostra-se incoeso quanto à matéria ora discutida. A corrente<br />

majoritária, entretanto, apresenta-se em desfavor ao deferimento da adoção por pessoas do<br />

mesmo sexo. Até mesmo para os homossexuais que pretendem adotar isoladamente a<br />

dificuldade é de alta grandeza. Spengler (2003, p.72) salienta que:<br />

[...] a omissão do legislador brasileiro muitas vezes se dá porque o relacionamento<br />

homossexual não possui plena aceitação social e, conseqüentemente, quem deveria<br />

produzir legislação sobre o assunto teme desagradar seus eleitores. Então, a<br />

inexistência de legislação desencoraja completamente os julgadores a reconhecer<br />

tais relações que muitas vezes batem à porta do judiciário reclamando a tutela<br />

jurídica do Estado.<br />

Dessa forma, a submissão do legislador aos preceitos sociais majoritários levam-no a<br />

optar por deixar a lei omissa quanto aos direitos homossexuais na espreita que eles, por si só,<br />

conquistem seu lugar ao sol no mundo dos direitos brasileiros. Este temor do legislador induz<br />

o Judiciário a negar ou dificultar ao máximo os pedidos de tutela ao Estado gerando um “faz<br />

de conta” que os homossexuais não existem.<br />

Marta Teresa Smith de Vasconcelos Suplicy, mais conhecida como Marta Suplicy, foi<br />

autora do Projeto de Lei 1.151/95, enquanto ainda deputada federal pelo Partido dos<br />

Trabalhadores. O projeto, que disciplina a parceria civil registrada entre pessoas do mesmo<br />

sexo, composta de 19 artigos, trata a regulamentação da união por pessoas do mesmo sexo na<br />

forma de contrato devendo ser, portanto, realizada em Cartórios de Registro Civil de Pessoas<br />

Naturais e dando-lhes o direito de visar a proteção dos direitos à propriedade e à sucessão.<br />

Todavia, o direito sucessório referido não tange a direitos de filiação por parte do casal, como<br />

elenca o artigo 3º, parágrafo 2º: “São vedadas quaisquer disposições sobre adoção, tutela ou<br />

guarda de crianças ou adolescentes em conjunto, mesmo que sejam filhos de um dos<br />

parceiros”. O companheiro tem o direito de receber parte da herança, no que lhe couber, e ser<br />

beneficiário de pensões vitalícias, bem como da Previdência Social. A proposição encontra-se<br />

sujeita à apreciação do plenário na Câmara dos Deputados, havendo sofrido alterações no<br />

projeto original por parte da Comissão Especial criada para fins específicos de análise sobre o<br />

referido projeto. (BRASIL, 2008, online).<br />

Há outro Projeto de Lei de nº 1.756/03 composto por 75 artigos, que pretende unificar<br />

todas as disposições acerca da adoção, criando um espaço próprio para a adoção de adultos.<br />

Entretanto, o projeto é omisso quanto à descrição dos possíveis adotantes no que se refere a<br />

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sua sexualidade repetindo, apenas, os velhos pressupostos que trazem o ECA e o Código Civil<br />

de 2002.<br />

Mediante a ausência legal, cabe aos magistrados a aplicação do artigo 4º da Lei de<br />

Introdução ao Código Civil na medida do exposto que “quando a lei for omissa, o juiz<br />

decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.<br />

Assim, uma vez que não haja legislação sobre a união homoafetiva e tampouco sobre a<br />

adoção por pares homoafetivos, uma das prováveis soluções até que seja solucionado o<br />

impasse legislativo é a aplicação da analogia para fins de suprir as lacunas, julgando casos<br />

que envolvam tais relacionamentos. Ratificando este posicionamento, Dias (2000) afirma que<br />

a solução seriam os métodos analógicos, posto que não há como fugir da analogia com as<br />

demais relações que têm o afeto por causa e, dessa forma, reconhecer a existência de uma<br />

entidade familiar à semelhança do casamento e da união estável.<br />

Para Diniz (2002) é aplicável a analogia quando o caso sub judice não estiver previsto<br />

em norma jurídica, ou o caso contemplado tenha, pelo menos, uma relação semelhante ao<br />

previsto em lei, ou quando houver verdadeira semelhança e mesma razão entre ambos.<br />

Partindo dessa premissa, portanto, pode-se entender que é possível julgar por analogia a união<br />

estável ou o casamento de pessoas do mesmo sexo, pois essa forma de preencher as lacunas<br />

do Direito se adequa aos requisitos supramencionados haja vista que não há previsão legal,<br />

identificando a lacuna; e há existência de semelhança entre a união homoafetiva e a união<br />

estável, representada pela mútua afeição entre os companheiros.<br />

Entendendo que os fatos sociais ditam as novas regras e que por esta razão o Direito<br />

deve acompanhar tais mudanças não podendo respaldar-se na espera de legislação cabível ao<br />

deslinde dos litígios ocorridos no âmbito jurídico, Dias (2000, p.86-87) afirma que: “Não<br />

pode a Justiça seguir dando respostas mortas a perguntas vivas, ignorando a realidade social<br />

subjacente, encastelando-se no conformismo, para deixar de dizer o direito”. Esta seria uma<br />

forma plausível de tentar desigualar os desiguais, e de se fazer entender que legislar sobre<br />

esse assunto não é criar a homossexualidade, mas apenas discipliná-la.<br />

A resistência à normatização pode ser refletida nas palavras do deputado Severino<br />

Cavalcante citado por Spengler (2003, p.96-97) ao discutir sobre os direitos homossexuais,<br />

assim referindo-se:<br />

O que existe, por pior que seja, não pode ser negado que exista, mas isto não lhe<br />

confere automaticamente um direito a essa existência. O fato de existir o crime não<br />

lhe outorga direito a existência. Assim, uma situação que exista de fato, não pode<br />

passar, por esta simples razão a uma situação de direito. Este só lhe é conferido em<br />

razão de atributos próprios que se conformem com a lei natural e a lei positiva.<br />

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do <strong>CONPEDI</strong> realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010<br />

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A partir do momento que o legislador e o magistrado assumem o papel de guardiões da<br />

moral e dos bons costumes, tendem a assegurar o conservadorismo como forma de proteção<br />

não apenas da sociedade, mas deles mesmos. Enquanto o casamento homoafetivo não for<br />

validado pelo Direito, o processo de adoção por iniciativa desses ficará se não impedido,<br />

prejudicado. Dias (2000, p.121) mais uma vez se posiciona que:<br />

Da mesma falta de coragem se ressente a jurisprudência majoritária. Sob a desculpa<br />

da ausência de regramento legal, simplesmente se esquivam os juízes da obrigação<br />

de solver os conflitos cuja origem está ligada a relacionamentos entre pessoas do<br />

mesmo sexo, como se dito alijamento tivesse o condão de inibir o surgimento de<br />

laços homoafetivos que acabam por gerar conseqüências jurídicas.<br />

Enquanto não se chegar a um consenso, quem mais tem a perder são as crianças das<br />

Casas de Abrigo que ficam cerceadas de seu direito de integrarem uma família em um lar<br />

digno, proporcionando a elas uma condição de pluralidade quanto a sua vida privada. Já há<br />

casos, no Brasil, de magistrados que entendem que se os pressupostos da união estável se<br />

mostrarem configurados em determinada união homoafetiva, cabe ao ordenamento jurídico,<br />

com base neste reconhecimento, permitir que seja realizada a adoção por pares homossexuais.<br />

Adiante, destina-se um tópico próprio para as jurisprudências que deferiram esses pedidos<br />

com o objetivo de dar maior visibilidade e importância ao fato.<br />

3 O menor como indivíduo singular e não plural<br />

A situação fática de crianças que se encontram amparada pelas casas sociais é de total<br />

ausência de identidade familiar e de individualidade. Essas crianças, desde o momento que<br />

adentram estas casas, até sua saída, representam números que podem ser auferidos à miséria,<br />

ao descaso, à falta de instrução, à incapacidade do exercício do poder familiar e à má sorte.<br />

Embora estas casas procurem dar um tratamento digno e adequado às crianças e aos<br />

adolescentes que nelas habitam, isto não é suficientemente condizente com a realidade prática.<br />

O ECA, em seu artigo 19 dispõe que toda criança ou adolescente tem o direito de ser<br />

criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta,<br />

assegurando a convivência familiar e a comunitária. Nas situações de risco e enfraquecimento<br />

desses vínculos, o Estado deverá preservar a criança ou o adolescente dando-lhe apoio sócio-<br />

econômico e referências morais e afetivas no plano familiar. No caso da ruptura de tais<br />

vínculos, o ECA estabeleceu como excepcionalidade e provisoriedade o acolhimento<br />

institucional. Neste local, deverá ser assegurada a preservação dos vínculos familiares e a<br />

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do <strong>CONPEDI</strong> realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010<br />

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integração em família substituta quando esgotados os recursos de manutenção na família de<br />

origem.<br />

Examinando as características definidoras e determinantes para a existência de uma casa<br />

de abrigo, Patiño, Francischini, Ferreira (2006, p.4, online), assim se colocam, pois<br />

observaram que esta recebe:<br />

Um grande número de indivíduos com situações semelhantes, [em que ocorre] uma<br />

separação da sociedade por um período considerável de tempo, e vida fechada [o<br />

que dá o caráter total, simbolizado pela barreira à relação social com o mundo<br />

externo e por interdições às saídas; por isso, a denominação Instituição Total] e<br />

formalmente administrada.<br />

Os autores apontam que para as três esferas principais da vida infanto-juvenil, dormir,<br />

brincar e trabalhar, crianças e adolescentes que vivem nessas instituições, se desenvolvem em<br />

um mesmo local sob o comando de uma única autoridade, com horários fixos e uma rotina a<br />

ser seguida por todos, caracterizando a majoração das atividades grupais. A freqüência<br />

incessante e crescente dessas atividades aniquila a identidade da criança, que, muitas vezes,<br />

não teve tempo sequer de determinar sua personalidade antes de entrar na casa.<br />

Desta feita, cabe ao Judiciário decidir o que deve prevalecer: se a restrição do Código<br />

Civil à adoção conjunta por pares homoafetivos ou o melhor interesse do adotado. Os<br />

magistrados devem rejeitar prontamente quaisquer argumentos contrários ou a favor da<br />

adoção embasados na orientação sexual do adotante, uma vez que o interesse fundamental<br />

deve ser o da criança, e não se pode permitir que a sua inserção no meio social seja afastada<br />

com base no preconceito sexual. (FACHIN, 2003, p.161).<br />

A possibilidade da adoção por homossexual também encontra amparo sob a óptica<br />

constitucional, haja vista que não é possível excluir o direito à paternidade e à maternidade<br />

apenas em virtude da preferência sexual de alguém, sob pena de violar o mais sagrado cânone<br />

do respeito à dignidade humana, dizimando o princípio da igualdade e da vedação ao<br />

tratamento discriminatório de qualquer ordem. Silva (1995, p.116) discorre que:<br />

Nosso ordenamento jurídico não enfrenta a questão da homossexualidade. Vale<br />

dizer, não há nenhuma regra legal no Código Civil ou no Estatuto da Criança e do<br />

Adolescente que permita ou proíba a colocação do menor em lar substituto cujo<br />

titular seja homossexual. [...] A nosso ver, [então] o homossexual pode, sim, adotar<br />

uma criança ou um adolescente.<br />

O silêncio da lei acarreta dois pólos de pensamento sobre o assunto. Ao passo que de<br />

um lado há aqueles que se posicionam contra a possibilidade da adoção por pares<br />

homoafetivos, utilizando a moral como argumento precursor, e o entendimento de que o<br />

desenvolvimento da criança pode ser ameaçado pelo convívio direto com os adotados, além<br />

da dificuldade de conseguirem o registro de nascimento que tanto os pais quanto a criança e o<br />

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do <strong>CONPEDI</strong> realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010<br />

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Estado terão de enfrentar; de outro se encontram aqueles que defendem a colocação em<br />

família substituta pelos que têm orientação sexual diversa da convencional, agarrando-se à<br />

ausência de proibitivo legal como embasamento elementar, bem como nos princípios da<br />

dignidade da pessoa humana e da não-discriminação, aliados ao interesse do menor.<br />

Dessa maneira, diante da não-proibição legal da adoção por quem seja homossexual, e<br />

da situação de abandono de milhares de crianças e adolescentes brasileiros, entende-se que<br />

não deveria sequer ser cogitada a proibição da adoção desses menores por uma pessoa cuja<br />

orientação sexual seja tida como incomum, pois o caráter de uma pessoa não se mede por esse<br />

parâmetro. O que os assistentes sociais juntamente com suas equipes devem considerar é que<br />

o deferimento da colocação em família substituta dependa da “conduta do requerente<br />

homossexual perante a sociedade, da mesma forma, aliás, que ocorre com o requerente<br />

heterossexual”. (SILVA, 1995, p.116/117). Assim, em conformidade a esse posicionamento,<br />

Santini (1996, p.61) dispõe:<br />

A homossexualidade não deve ser encarada como óbice à adoção, sendo certo que,<br />

em nossa função judicante, se depararmos com um caso dessa natureza [...] não<br />

teremos dúvidas em deferi-lo. [Pois] em nosso entender, terá melhor „destino‟ a<br />

criança adotada por uma família, mesmo chefiada por homossexual, do que<br />

permanecer como mais um dos milhões de sem-teto, sem-família, só antevendo pela<br />

frente um futuro infame e sem nenhuma perspectiva como os incontáveis<br />

pequeninos brasileiros que hoje perambulam pelas ruas, vivem em favelas ou até ao<br />

relento.<br />

Com relação ao argumento daqueles que negam aos homossexuais o direito de adotar,<br />

relacionando o vínculo adquirido aos prejuízos psicológico e social do menor, alguns estudos<br />

realizados com crianças adotadas por gays e lésbicas apontam em caminho contrário, segundo<br />

relata Dias (2006, p.113):<br />

Na Califórnia, desde meados de 1970, vem sendo estudada a prole de famílias nãoconvencionais,<br />

filhos de quem vive em comunidade ou casamentos abertos, bem<br />

como crianças criadas por mães lésbicas ou pais gays. Concluíram os pesquisadores<br />

que filhos com pais do mesmo sexo demonstram o mesmo nível de ajustamento<br />

encontrado entre crianças que convivem com pais de diferente sexo. Nada há de<br />

incomum quanto ao desenvolvimento do papel sexual dessas crianças. As meninas<br />

são tão femininas quanto as outras, e os meninos tão masculinos quanto os demais.<br />

Também não foi detectada qualquer tendência importante no sentido de que filhos<br />

de pais homossexuais venham a se tornar homossexuais.<br />

Através de resultados uníssonos de pesquisas como esta, permite-se chegar à conclusão<br />

da não-justificativa para o mito de que a homossexualidade dos pais seja causa de desvios,<br />

problemas de ordem comportamental ou até mesmo patologias em seus filhos. Ademais, não<br />

se deve olvidar que a grande maioria dos homossexuais de hoje cresceram em lares<br />

heterossexuais e, por isto, são prova viva de que o convívio não determina a orientação sexual<br />

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do indivíduo. A precaução devida é que sejam asseguradas ao menor totais condições de<br />

assimilar o papel de pai e de mãe ainda que desvinculado da conotação sexual.<br />

Não se pode negar, entretanto, que problemas na convivência familiar com o adotando<br />

poderão existir, sejam os adotantes hetero ou homossexuais, visto que são inúmeras as<br />

variáveis na criação da criança e do adolescente que podem influenciar em seu<br />

desenvolvimento independentemente da sexualidade dos pais. Uma vez definido o papel de<br />

cada componente dentro do seio familiar, o lar homossexual não pode ser taxado como<br />

incapaz ou impróprio devido, principalmente, à quantidade de lares desajustados de pessoas<br />

heterossexuais na contemporaneidade. Melhor do que divagar sobre o que possivelmente<br />

acontece em lares homossexuais é ir a campo entrevistar casais homossexuais que tenham<br />

adotado ou que possuam a vontade de adotar uma criança em conjunto ao seu companheiro.<br />

Desta forma, passa-se à fase prática da discussão.<br />

4 Uma visão prática<br />

Diante de algumas dúvidas que o tema em discussão suscita, a pesquisa de campo<br />

mostrou-se relevante por apresentar a perspectiva de uma amostra de casais homoafetivos que,<br />

embora não possa responder em nome de todos, representa-os. Em uma conversa informal,<br />

por meio da técnica da entrevista, os entrevistados dispuseram-se a responder questões de<br />

cunho pessoal, social e jurídico, como se vê a seguir:<br />

“Então eu acho que depois, com o tempo, isso vá... melhorar” – Gl.<br />

Assim, no dia 18 de abril de 2008, foi realizada a primeira entrevista em uma sala de<br />

aula da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Gl. é estudante do curso de fisioterapia da<br />

citada universidade, foi o representante do casal, optando pelo referido local por sentir-se mais<br />

à vontade. Gl. tem 22 anos, é solteiro, mora com a mãe, não tem filhos e namora há onze<br />

meses com G., estudante de medicina, de 23 anos, que mora com seus pais.<br />

O entrevistado contou que ambas as famílias sabem do namoro, mas que os dois não<br />

freqüentam a casa um do outro por respeito aos pais que não aprovam o envolvimento. Os<br />

pais de Gl. se separaram quando ele ainda era pequeno, mas ao ser questionado acerca da<br />

separação como possível causa ou influência em sua homossexualidade, respondeu: “Não.<br />

Porque antes mesmo eu já tinha uma... Meus pais eram juntos ainda. Foi [a descoberta de sua<br />

homossexualidade] antes dos meus pais se separarem”. E relacionou ao fato de que os pais de<br />

G. são bem casados e isto não fez diferença na homossexualidade do filho. Perguntado sobre o<br />

seu conceito de homossexual, Gl. assim definiu:<br />

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do <strong>CONPEDI</strong> realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010<br />

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Homossexual pra mim é homem que se relaciona com outro homem, mas que tem<br />

afeto. Porque... eu não encaro esse pessoal [heterossexuais que se relacionam com<br />

uma pessoa do mesmo sexo se dizendo continuar hetero, ou assumindo ser<br />

bissexual] como homossexual, não consigo. Eu sou homossexual. Eu gosto, tendeu?<br />

Não é um desejo, de uma tara. É porque eu gosto, eu quero isso pra mim, eu sei que<br />

quero isso. Mas se você perguntar a um homem desses, ele vai dizer „Eu num quero<br />

isso pra mim não. Eu quero só curtir, só transar‟. Tem muito homem que gosta de<br />

sexo por sexo.<br />

O entrevistado contou que a idéia de adotar uma criança surgiu com o nascimento de<br />

seu sobrinho há quatro anos. Disse que este sobrinho passa muito tempo em sua casa [do<br />

entrevistado] e que isso aflorou seus instintos paternais. Falou que gosta de ensinar à criança<br />

noções de certo e de errado e mostrar que existem regras a serem seguidas a fim de que o<br />

sobrinho não “seja mal educado por aí”. O tema da adoção foi assunto do casal pela primeira<br />

vez quando se falou do presente trabalho em uma festa de aniversário, e Gl. externou com<br />

euforia a sua vontade, enquanto G. afirmou nunca ter pensado antes a respeito. Depois disso,<br />

G. disse aceitar e até mesmo gostar da idéia, mas que para tanto, o casal precisa se estabilizar<br />

financeiramente.<br />

Sobre a possibilidade que a adoção dá ao adotante de escolher a criança, Gl. afirmou<br />

que ao invés de optarem por uma criança previamente definida, eles a escolheriam através do<br />

método de exclusão “tipo assim „não, não quero esse!‟ Você acabaria excluindo algum,<br />

tendeu? „Eu não quero esse, nem esse, nem esse”. Mas que essa exclusão não estaria<br />

associada à cor, ao cabelo, nem a outro aspecto físico. Haveria preferência, outrossim, de uma<br />

criança recém-nascida ou bebê para satisfazer o lado paternal emergido. Quanto ao sexo da<br />

criança, Gl. disse ter sempre imaginado um menino, mas durante a conversa, na tentativa de<br />

antever o futuro da criança na escola sendo filho de dois homens, Gl. achou melhor que o<br />

adotado fosse do sexo feminino porque “a menina não tem a brincadeira... Eu tô falando da<br />

brincadeira de meninazinha de seis, sete anos... Não tem a brincadeira maldosa. Sempre os<br />

meninos vão brincar”.<br />

Indagados sobre o modo como eles ensinariam a criança a chamá-los, respondeu que de<br />

pai e pai, ou de “pãe”, por ser uma mistura de pai com mãe. Deixou claro, todavia, que<br />

ensinariam ao filho a noção de que mãe necessariamente é associada à figura feminina, e que<br />

por isto, no Dia das Mães, por exemplo, a criança entregaria o presente às avós. Que vão<br />

ensiná-lo sobre a homossexualidade, mas esclarecerão que conforme os padrões sociais, a<br />

heterossexualidade é o predominante, e que, se depender dele Gl., muito embora não vá fazer<br />

nenhuma pressão com a criança adotada, sua preferência enquanto pai seria a criança ser<br />

heterossexual para não sofrer, “porque eu não sei como é que ele [filho] ia lidar com isso”.<br />

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Perguntado se eles já haviam procurado se informar sobre os aspectos jurídicos da<br />

adoção, o entrevistado afirmou que não, mas que gosta de acompanhar os noticiários sobre<br />

homossexuais e tudo o que esse tema envolve. E quanto as suas expectativas, finalizou<br />

dizendo:<br />

“... Me chame de gente!” – JP.<br />

Mas eu acho que futuramente, esse ponto vai mudar, tendeu? Porque se você for<br />

comparar o que era antes pra o que é agora, mudou muita coisa. Muita coisa mesmo.<br />

As coisas eram escondidas demais. Agora tem boate gay lá no Órbita! Antes as<br />

boates eram muito escondidas, hoje não. Então eu acho que depois, com o tempo,<br />

isso vá... melhorar em relação a aceitação das pessoas.<br />

A segunda entrevista aconteceu em 24 de abril de 2008, também em uma sala de aula,<br />

mas da Universidade Federal do Ceará (UFC), posto que o entrevistado, JP. é estudante de<br />

psicologia da citada universidade e por comodidade preferiu a instituição de ensino onde<br />

passa suas manhãs e tardes. JP. tem 23 anos, é solteiro, não tem filhos, mora com seus pais e<br />

namora há nove meses com S., de 20 anos, também estudante de psicologia e que mora com<br />

sua mãe.<br />

O entrevistado contou que mesmo antes de conhecer S. já almejava adotar uma criança,<br />

e ao se conhecerem descobriram que esse sonho era pactuado por ambos. Que a família sabe<br />

do namoro, mas que “aceitar, já é outra coisa”. Como a vontade de ter um filho os acompanha<br />

há tempos, JP. falou que a criança já possui nome, mas que fazia parte da intimidade do casal<br />

e por essa razão preferia não divulgar. Falou apenas que em relação à escolha do sexo da<br />

criança “foi um primeiro impasse assim, porque ele [seu companheiro]... ele quer ter menina,<br />

né... ele acha que é mais legal menina, ele diz que menino é muito chato. Já eu sou o<br />

contrário, eu acho que eu gostaria de ter um filho homem”. Falou que as características físicas<br />

da criança não importavam e que eles imaginavam “muito as atividades, o que fazer... esse<br />

tipo de coisa assim... a minha rotina, na nossa rotina, com criança. De trabalho, de estudo, o<br />

que for, mas [imaginar] de rosto não” e que contribuía muito para a falta de critérios físicos da<br />

criança a morosidade no processo da adoção.<br />

Quanto à idade, disse que a criança deverá ter até três anos, por achar difícil, nas<br />

condições presentes, de adotarem uma mais velha que isso. JP. justificou que além do<br />

preconceito que poderia vir enraizado com a criança “eu acho que entraria até sentimentos<br />

ambivalentes: [e fala o que acredita poder ser o pensamento da criança]: „vô ter uma casa...<br />

ah, vô ter alguém que possa cuidar de mim e tal‟ - isso é uma coisa boa, mas - „ah! São dois<br />

homens!‟, tá entendendo? Eu acho que ficaria um pouco confuso”. Explicou que a criança<br />

chegando ao lar homossexual desde muito nova o entendimento e aceitação dela para com a<br />

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situação seria bem mais fácil. Que eles pensam no desenvolvimento psicológico da criança, e<br />

atribuem que para o adotado o lar homossexual será tão saudável quanto o heterossexual, e<br />

que “haveria diferença, como todo casal tem diferença [...]. Se você for pensar na criança<br />

como reflexo do casal, todo casal vai ser diferente!”.<br />

Na realidade, continuou, a criança aprenderá a lidar com essa situação de acordo com a<br />

forma como os pais a ensinarem a tratar em seu cotidiano. Explicou que da mesma forma que<br />

mostrará ao filho que existem negros, louros e ruivos, existem heterossexuais e homossexuais,<br />

e por isto “falaria tipo: „filho, oh, tem família que só tem um pai, tem família que só tem mãe,<br />

tem família que só tem avó, né... tem família de todo jeito! Tem famílias que são adotadas<br />

como você... né, que tem outros pais..., que não tem pais, mas que moram com outros, né, [eu<br />

falo isso como sendo a criança bem pequena, né] e na sua família você têm dois pais”.<br />

Relatou que desde que resolveu assumir sua orientação sexual não tem “problema mais<br />

pra ninguém”, e que assim sendo, não vê embaraço algum com relação a assumir o<br />

relacionamento homoafetivo no colégio que o adotado venha a estudar. Que no Dia das Mães<br />

iriam os dois, o casal, até “porque também nem toda criança tem mãe, né! E como é que<br />

faz...? Eu acho que no dia das mães meu pai também ia, então...” uma vez que a criança tenha<br />

instrução o suficiente, ela entrega o presente às avós.<br />

JP. disse que ele mesmo diverte-se com o nome “baitola” por considerar o melhor para<br />

brincar, mas que a expressão “viadinho” é, em sua opinião, o mais pejorativo de todos. Que<br />

“não é só o „viado‟... há um menosprezo bem... de falar assim... „fulaninha‟, tá entendendo?<br />

Diminuindo”. O entrevistado diz lutar pela igualdade, que não é a favor de rótulos, mas que se<br />

for para ele se descrever quanto sua sexualidade, é homossexual, mas “me chame de gente!”,<br />

disse sorrindo.<br />

Discorreu também que é “muito revolucionário, muito... Marxista” enquanto seu<br />

companheiro é acomodado. Falou que gostava “de ser chato, de questionar e de não aceitar e<br />

dizer que tá errado, e dizer que tem que mudar”. J.P se intitulou como alguém que não gosta<br />

de sentir-se à margem das possibilidades, e que se ele pode auferir direitos, deseja lutar para<br />

que os homossexuais conquistem mais espaço no mundo jurídico.<br />

“...Criei uma figura, eduquei uma figura bem!” – I.<br />

Em 26 de abril de 2008, a entrevista com I. se deu no hall do prédio em que o<br />

entrevistado reside. I. montou sua própria empresa dentro de casa, e por isto não pode “ficar<br />

muito tempo longe daqui... que eu fico logo preocupado do telefone tocar... essas coisas”. I.<br />

tem 47 anos, cursou Direito até o terceiro semestre, mas descobriu que não gostava da<br />

profissão. Resolveu cursar nova faculdade e hoje é graduado em ciências sociais pela USP-<br />

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do <strong>CONPEDI</strong> realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010<br />

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SP, namora há quatro anos com G. e cria o filho caçula de seu ex-namorado. Atualmente,<br />

mora com o filho H. de 8 anos, e seu namorado “passa muito mais tempo aqui que na casa<br />

dele. Dorme aqui uns quatro dias na semana, aí né... eu digo que ele mora aqui!”. Seu par, G.,<br />

tem 22 anos e concluiu o 2º grau.<br />

I. contou que se apaixonou por um homem casado, pai de um garoto “muito novinho”, à<br />

época, estando a esposa grávida de um segundo filho. Que se envolveu com esse homem, F., e<br />

tiveram um relacionamento de sete anos. Que ficou muito amigo da esposa de F. e de toda a<br />

sua família; que eles não sabiam do relacionamento amoroso dos dois, “mas também não sei<br />

se não sabia... porque é estranho d´eu brigar, d´eu fazer escândalo, de ligar pra ela e: „Olha,<br />

fulano num chegou ainda aqui, num sei onde ele tá não‟ -, ou então: „Ele num tá aqui‟ e: -´Oi,<br />

fulano tá ai?‟ - „Não, não chegou ainda‟ - „Onde que ele tá? Já liguei tanto e o telefone dele tá<br />

desligado”. Contou que a família de F. é humilde e que quando a esposa engravidou doe H., o<br />

terceiro filho eles, I. e F., já tinham um relacionamento de quase três anos, e que por isto<br />

acompanhou o nascimento do menino e se apegou muito a H. Até que um dia, quando a<br />

criança tinha uns dois anos “eu pedi pra criar. E a mãe deixou na boa. Hoje é o aniversário<br />

dele e eu vou pra lá com ele. E o pai dele sempre vem aqui, conhece o meu namorado<br />

atual...”.<br />

O entrevistado contou que os irmãos de H. estudam em escola pública, moram em uma<br />

favela com os pais, passam o dia na rua brincando e que a vida de H. é diferente da dos<br />

irmãos. Falou que “o daqui não, ele estuda em um colégio bom, faz natação, faz xadrez... tudo<br />

que tem direito, lá. Ele é bem... assim, tô fazendo uma base boa pra ele”. Contou que a rotina<br />

deles é “normal. Ele acorda seis da manhã, aí boto ele pra tomar banho, comer, escovar os<br />

dentes, aí depois levo ele pro colégio. Aí vou buscar no final do dia”. Disse que nenhum dos<br />

amiguinhos de H. sabe da sexualidade dele; que na verdade nem o próprio H. sabe. “Ele não<br />

tem noção de nada não... ele é muito criança”. Explicou que embora ele seja presente na vida<br />

de H., prefere não se expor. Que assiste aos campeonatos em que o filho participa, mas que<br />

“discretamente, não me exponho não... nem vou me expor. Pelo menos agora, né? Pra não<br />

pirar a cabeça dele”. Indagado se ele pretende contar ou deixar claro ao filho sobre sua<br />

sexualidade, I. disse que não pretende fazer isso, que “... vai depender de quando ele vai abrir<br />

jogo comigo”. Mas que tem certeza de que H. não irá reagir de forma negativa por se tratar de<br />

uma criança muito amorosa. O entrevistado revelou que dentro de casa age “naturalmente”,<br />

mas toma precauções do tipo:<br />

[...] ficar com meu namorado lá dentro de casa... ficar agarrando na frente dele, isso<br />

eu não faço. Quando eu tô sozinho em casa, eu fico com a porta do meu quarto<br />

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do <strong>CONPEDI</strong> realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010<br />

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trancada porque quando eu tiver com o outro, ele vai saber que ela vai tá sempre<br />

trancada independente do outro tá ou não, né... pra num gerar – „Pô, quando o I. tá<br />

aqui sozinho, a porta vive aberta, quando o rapaz tá aqui, vive fechada?!‟ né? Então<br />

eu tô sempre com a porta fechada.<br />

I. disse que seu filho, como não sabe da relação amorosa entre I. e G., e como G. é bem<br />

mais novo que I., H. chama o namorado de seu pai de “irmão”. Que H. chama o entrevistado<br />

pelo nome próprio: I., mas no colégio ele se refere a I. como “pai”. Devido ao vínculo gerado,<br />

convivem juntos em casa sem que um interfira no cotidiano do outro. Que o H. tem uma vida<br />

como a de qualquer outra criança, que são estabelecidas regras, além de fazer questão de<br />

direcionar situações do dia-a-dia da criança, como afirma o entrevistado: “Eu digo as coisas<br />

que eu vejo que é boa pra ele, tipo é... “ah, eu queria ir lá na pracinha, andar de bicicleta”. Se<br />

eu achar que o horário é conveniente, vamos lá, eu te levo, na boa”.<br />

O entrevistado mostrou ser um pai zeloso dentro de suas crenças e princípios. Afirmou<br />

que em momento algum vai influenciar o filho a ser homossexual, até porque ele acredita que<br />

a pessoa “nasce homossexual”, e que por isto não se tem como escolher. Entretanto, contou<br />

que:<br />

[...] não deixo homossexual ficar vindo na minha casa não. Não gosto que o H. fique<br />

vendo isso. Ah, sei lá... e outra, detesto aquelas bicha loucas, sabe? Aquelas ali eu<br />

não quero que passe nem na minha calçada! E olhe... se eu vê... elas sabem disso.<br />

Eu já avisei que se eu vê um dia alguma dessas bicha... toda... se desmunhecando,<br />

puxando papo com o H... olhe... aí elas vão ver!<br />

Disse também que não pretende casar e mesmo que fosse legalizado no Brasil o<br />

casamento entre homossexuais, ele não o faria. O entrevistado falou sobre as dificuldades que<br />

cada homossexual traz consigo, e que, talvez por essa razão, “a maioria dos homossexuais tem<br />

uma relação... uma situação financeira... não é alta, mas também num é baixa. Eles são muito<br />

batalhadores, então eles conseguem fazer algum patrimônio”, e que paralelamente a isso,<br />

envolvem-se, geralmente, com pessoas de poder aquisitivo inferior aos deles. E que isto<br />

“geraria muitos problemas futuros [...]. Então, se isso for legalizado, vai ter a questão da<br />

partilha e isso geraria muito problema”. I. disse que quer transmitir seu patrimônio ao seu<br />

filho, e que seu maior sonho é vê-lo graduado, casado. E diz:<br />

Então assim, eu acho que é... ego mesmo! De falar assim: „porra, criei uma figura,<br />

eduquei uma figura bem!‟. Então eu quero ver o H. na faculdade, mesmo que ele não<br />

more mais comigo no futuro, entendeu?... mesmo que a gente se degladeie, sei lá...<br />

mas eu quero assim, „pô, faz faculdade‟, ele é inteligente, eu acho que ele vai se dar<br />

bem.<br />

“Eu acho que ela tem que me escolher, e não só eu escolher ela...” – J.<br />

Aos 28 de abril de 2008, foi realizada a quarta entrevista na sala da residência da<br />

entrevistadora por se tratar de um conhecido de seus pais. J. tem 43 anos, é bancário,<br />

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do <strong>CONPEDI</strong> realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010<br />

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graduado em informática e administração de empresas. Tem pós-graduação em tecnologia e<br />

se diz “casado” há quatro anos com D., de 32 anos, comerciante e estudante de pedagogia.<br />

Atualmente o casal mora com os pais do entrevistado por motivo de saúde do pai de J.<br />

O entrevistado iniciou a conversa dizendo que sua vontade de ser pai é bastante antiga.<br />

Que, inclusive, procurou uma mulher que aceitasse ter um filho dele com a condição de se<br />

comprometer a não lutar pela guarda do filho posteriormente, ou de durante a gravidez, não<br />

desistir do combinado. “Eu até imaginei assim: „Não, vou pegar uma amiga minha lésbica,<br />

que ela não vai se apegar ao filho‟. Aí ela disse: - „J., eu não vou fazer isso, porque eu vou<br />

querer esse filho, né..., e nós vamos brigar na Justiça por esse filho. Vai ser difícil, eu vou<br />

ganhar‟. Ela mesmo disse: „porque eu sou a mãe‟. Aí eu desisti”, embora conta nunca ter<br />

esquecido desse sonho.<br />

J. relata que, certa vez, estava no shopping quando viu uma exposição de animais<br />

abandonados e que isto lhe deixou profundamente abalado. “O cachorro olhou tanto pra<br />

mim... que eu quase o levava lá pra casa. Imagina uma criança!”. Disse que, por esta razão,<br />

não tem coragem de ir a uma casa de adoção, “porque eu vou querer muito”. Sobre os motivos<br />

dele e de seu companheiro não terem adotado, já que compartilham desta vontade, J. explicou<br />

da seguinte maneira:<br />

É porque eu sinto assim, pra você criar uma pessoa, criar, né, um filho, você tem que<br />

ter, pelo menos, disponibilidade de tempo. E pra homem, é difícil de pegar e dizer<br />

„não, eu vou ficar em casa, porque... eu acabei de adotar uma criança‟. Mesmo<br />

adotando, eu vou ter uma semana só, né... a CLT vai me dar uma semana só. Se eu<br />

fosse mulher não, eu teria quatro meses pelo menos, né? Mesmo sendo adotado tem<br />

quatro meses, né... e uma semana com uma criança... uma criança pequena ainda, eu<br />

acho difícil, né... Pelo menos por enquanto eu acho difícil, embora tenha a outra<br />

pessoa que poderia me ajudar. Mas como, se os dois trabalham no mesmo horário?<br />

Sobre a escolha da criança, J. comparou a triste semelhança delas com os animais<br />

expostos no shopping. Disse que “tem tanta criança no mundo... que não tem pai... né, vive<br />

sem família, vive sem perspectiva de futuro, até!”, e que isto só aumenta a vontade dele de<br />

adotar. Mas quanto ao momento da escolha, afirmou que “eu acho que ela tem que me<br />

escolher, e não só eu escolher ela, tendeu? Eu acho que o principal é eu notar que ela me<br />

escolheu, tendeu? E não chegar lá e dizer: - „ah.. vô querer esse, que é loirinho, do olho azul,<br />

ou então: - vô querer esse que é moreno, ou alguma coisa assim”.<br />

Contou que eles, J. e D., não têm preferência em relação a cor, sexo, ou idade. Mas ao<br />

ser indagado sobre a possibilidade de adotar um adolescente, J. disse que não fazia parte do<br />

pretendido por ele, que “não... já não é criança, né... eu acho que até uns cinco... seis anos eu<br />

até... ficaria”. E justificou que essa preferência por crianças mais novas se dá em razão de a<br />

“vontade de ser pai, de ter uma pessoa pra cuidar, desde novinha”.<br />

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do <strong>CONPEDI</strong> realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010<br />

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Sobre as dúvidas que poderiam surgir na criança advinda da sexualidade dos pais, J. diz<br />

que talvez por não ter sofrido tantos preconceitos, e seus pais terem aceitado, ele não<br />

considera o homossexual uma pessoa diferente e que por isto, em relação à criança relata:<br />

Eu acho que a criança ficaria confusa, se ela percebesse alguma coisa estranha no<br />

relacionamento. Assim, como por exemplo, num relacionamento de que um manda e<br />

o outro não. De que um tem a posse das coisas e o outro não... diferenças! Eu acho<br />

que ela não ia entender, né... a criança não ia achar estranho até ela ir pro colégio,<br />

né! Mas enquanto ela estivesse naquele núcleo familiar, acho que ela não ia achar<br />

estranho ter dois pais. Afinal de contas, ela ia tá recebendo uma coisa que a gente ia<br />

dá pra ela, que era amor, né!<br />

J. disse ter consciência de que a criança possivelmente sofreria preconceito no colégio<br />

“das outras crianças... às vezes até mesmo, num sei, das próprias professoras, né...” e que isto<br />

poderia resultar em um preconceito interno também da criança, mas que eles tentariam<br />

ensinar que ela não era “diferente” por isso, e que homossexual “não é uma coisa que você<br />

optou por ser. É uma coisa que você é!”.<br />

O entrevistado finalizou a conversa dizendo ter certeza que conta com o apoio da<br />

família, principalmente de sua mãe, quando eles adotarem uma criança. E que quando eles<br />

resolverem, vão “procurar assistência jurídica do GRAB, você já deve ter ouvido falar do<br />

GRAB, porque eu não ia chegar na frente do juiz sozinho”.<br />

“...Eu quero jogar bola com meu filho...” – FJ.<br />

A quinta e última entrevista ocorreu no final da tarde do dia 5 de maio de 2008 em um<br />

escritório de advocacia, local em que o entrevistado trabalha como advogado. FJ. tem 34<br />

anos, é divorciado, graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza, não tem filhos, mora<br />

sozinho em um apartamento próprio, e namora há dois anos com A., de 35 anos, com<br />

graduação em farmácia, exercendo atualmente o cargo de farmacêutico em uma drogaria, na<br />

cidade de Fortaleza, e divide o apartamento com sua irmã.<br />

FJ. explicou que aos 19 anos casou com uma vizinha, e que durante a lua-de-mel ela<br />

engravidou. A gravidez foi muito conturbada e sua esposa sofreu um aborto espontâneo. Após<br />

alguns meses do fato, eles se divorciaram.<br />

A real razão do divórcio, conta, não é a conhecida pela maioria das pessoas. “Eu tive<br />

que inventar uma história... não podia dizer que simplesmente eu... que eu tinha... que tava<br />

gostando dum cara, não dava!”. O “cara” é A., que conheceu através de amigos em comum.<br />

Com o passar dos anos, resolveram assumir a relação. “... no início foi foda! Desculpa o termo<br />

chulo, mas foi”, disse se referindo ao fato de ter que contar em casa que estaria assumindo ser<br />

homossexual. Falou que após o susto, a família, que acredita ele, sempre ter desconfiado de<br />

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sua homossexualidade, aceitou a relação e que hoje “convive numa boa com seus pais e a<br />

irmã”. Já os pais do A. [risos], ali é dureza”, acrescentou.<br />

O entrevistado relatou o sofrimento de ter perdido um filho e que a vontade de ser pai,<br />

após o aborto, só aumentou. Entretanto, “sabe aquela coisa...? você quer ter um filho, mas não<br />

quer deitar com mulher. É estranho...” E foi a partir dessa vontade que ele e o A. conversaram<br />

e acharam que deveriam adotar. FJ. diz que acompanha as “novidades” relativas aos<br />

homossexuais, e que agora está “doido pra saber no que vai dar essa adoção pretendida aqui,<br />

no Ceará... cê tá sabendo, né? A Defensoria Pública, salvo engano, entrou com um pedido. E<br />

num é só pra um gay não! É pra um casal mesmo!”, concluiu com notória esperança.<br />

Indagado sobre os aspectos jurídicos relacionado ao pedido da adoção por pares<br />

homoafetivos, aqui no Ceará, com a possibilidade de ser deferido, FJ. Disse: “É aquela coisa,<br />

né... já teve casos em outras partes do Brasil... Vamo vê! Se eles conseguirem, eu tento!”. O<br />

entrevistado contou que está guardando em uma “pastinha” todo o material disponível sobre<br />

adoção por casais de mesmo sexo. E que eles estão esperando apenas o momento ideal para<br />

tomar uma iniciativa neste sentido.<br />

Sobre o cotidiano, FJ. diz que a criança chamará os dois de pai, e que “acho ridículo<br />

você ensinar uma criança a chamar de mãe um homem”. Falou que sabe da dificuldade que a<br />

criança enfrentará na escola, e que eles têm dúvidas quanto a colocar a criança em um colégio<br />

de maior ou menor porte:<br />

Assim, eu penso... ele numa escolinha, e tal... a gente como pai tem como proteger<br />

mais, saber exatamente quem tá mexendo com ele, se tão respeitando... tem como ir<br />

lá no colégio e dizer: „Aconteceu isso, fulano fez aquilo‟ e ter uma resposta mais<br />

rápida. Por outro lado..., pode ser que ele fique mais exposto, né... num sei.<br />

Disse ter preferência por uma criança do sexo masculino, enquanto A. prefere menina.<br />

“...eu quero jogar bola com meu filho, já o A. quer enfeitar, sabe...? [risos]”, mas que não<br />

descarta a possibilidade de adotar uma menina. “A gente só sabe na hora”, afirmou.<br />

O entrevistado observou que ele, como advogado, será o maior suporte para o filho<br />

sempre que este sofrer preconceito e que vai “advogar em causa própria, né! Vô andar com a<br />

Constituição debaixo do braço”. FJ. atua na área de direito tributário e diz sempre ter<br />

detestado direito de família, mas que agora, com essas possibilidades, “tô aprendendo a gostar<br />

de família [referindo-se ao direito de família]. Tu vai ver, daqui pra lá vô tá amando!”,<br />

brincou.<br />

Conclusão<br />

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do <strong>CONPEDI</strong> realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010<br />

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Ao final deste estudo, vê-se que a adoção é um instituto jurídico do mais alto respeito, a<br />

ponto de merecer da lei a oportunidade de firmar um parentesco de filiação civil junto àqueles<br />

que puderem e quiserem ter o livre arbítrio de escolher sua família.<br />

Observa-se que as condições em que se encontram as crianças nas casas de abrigo,<br />

aumentam seu estado de vulnerabilidade, reforçando a responsabilidade do Estado no<br />

momento de decidir quais critérios devem ser tomados para que a criança esteja segura em seu<br />

novo lar, devendo ser assegurada ao adotado todos os direitos e garantias fundamentais<br />

inerentes a sua condição de cidadã. Assim sendo, proteger a criança adotada do preconceito<br />

deve ser uma meta compartilhada entre o Estado e sua nova família. O atual Código Civil<br />

cumpriu com o seu papel igualando a fins de direitos e deveres os filhos legítimos, ilegítimos<br />

e adotados.<br />

Constata-se, por sua vez, que a homossexualidade é outro tema bastante delicado na<br />

cultura brasileira. Ter atração e ou comportamentos sexuais entre indivíduos do mesmo sexo<br />

foge à regra imbuída pela sociedade de que homem e mulher são seres antagônicos que se<br />

completam, decorrendo dessa relação o único meio natural de procriação. Deixar herdeiros,<br />

dar continuidade ao nome de família é tradição desde a Antigüidade e, exatamente por esta<br />

razão, a adoção sempre existiu ainda que não houvesse lei que a regulamentasse.<br />

Atualmente, alguns juízes já vêm adotando o entendimento de que a homossexualidade<br />

não é adquirida e, por isto, não deve ser temida. Desta feita, se após a investigação dos<br />

assistentes sociais e da equipe técnica competente ao caso for constatado que se trata não de<br />

um homossexual estereotipado, mas de um indivíduo de bom caráter, não há razões lídimas<br />

para que seja indeferida a propositura de seu pleito. Para tanto, foram trazidas em comento<br />

jurisprudências oriundas do ordenamento pátrio que aprovam o parentesco de filiação<br />

adquirido pela adoção por pares homoafetivos.<br />

Em detrimento a algumas dúvidas suscitadas sobre o convívio da criança em lares<br />

compostos de pai e pai ou de mãe e mãe, o presente trabalho realizou uma pesquisa de campo<br />

através de entrevistas não-estruturadas, com cinco casais homoafetivos que desejam ou que<br />

tenham adotado uma criança. Cada casal foi representado por um dos membros, numa<br />

entrevista dada para fins específicos deste trabalho, contribuindo de forma primordial ao<br />

sustentáculo de que as famílias homoafetivas são dignas e merecedoras de respeito como toda<br />

família independente de sua sexualidade.<br />

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do <strong>CONPEDI</strong> realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010<br />

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Portanto, verifica-se que relacionar esses dois pólos, homossexualidade e adoção, é<br />

tarefa árdua e sujeita às mais variadas críticas e que a formação de uma família vai além das<br />

questões meramente biológicas. Os laços que unem os indivíduos são enraizados no amor e na<br />

confiança mútua. A criança, sujeito de tutela máxima do Estado deve ser sempre vista como o<br />

ponto forte e alvo principal do instituto da adoção.<br />

Por último, importa destacar que o presente tema, por ser polêmico e recente, ainda não<br />

tem posicionamento firmado, sendo a analogia norteadora da jurisprudência que serve como<br />

resolução dos casos que buscam a tutela jurisdicional. Assim, tendo o Estatuto da Criança e<br />

do Adolescente, ratificado pelo Código Civil de 2002, estabelecido os procedimentos e<br />

pressupostos a serem seguidos por aqueles que pretendem adotar, e sem que tenha sido<br />

exigida nenhuma condição relativa à sexualidade do adotante, e entendendo que em se<br />

tratando de direito privado é permitido tudo aquilo que não é defeso em lei, concluindo-se que<br />

nada obsta ao homossexual individual pretender a adoção.<br />

Todavia, ao casal homoafetivo, muito embora tenha no artigo 1.622 do atual Código<br />

Civil uma barreira impeditiva, está conseguindo abrir precedentes a ponto de, no estado do<br />

Ceará, dois defensores públicos terem dado entrada num pedido de adoção em nome de um<br />

casal homossexual tendo por base jurisprudências brasileiras que já deferiram em prol deste<br />

novo modelo familiar.<br />

Desta forma, conclui-se o trabalho reconhecendo que independente da preferência<br />

sexual do adotante deve preponderar sempre o melhor para a criança a ser adotada, analisando<br />

os preenchimentos dos requisitos da adoção com olhos de justiça, que, por motivos óbvios,<br />

não tem complacência para com o preconceito de qualquer estirpe, de modo que não se deve<br />

ponderar-se dele para se negar ou se beneficiar em uma adoção, já que a exigência máxima<br />

deve ser a do adotante ter capacidade para amar, educar e proporcionar um lar digno e<br />

saudável ao seu filho do coração.<br />

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