O Senhor da Chuva - Jovem Sul News

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12.04.2013 Views

serviço braçal, nunca se queixavam. Embora não estivesse habituado àqueles afazeres, sentia-se bem ao executá-los. Apanhou uma toalha no guarda-roupa da cunhada e dirigiu-se ao banheiro. Arremessou uma olhada pela janela: a noite caía. Dali, podia ver parte do celeiro, o esqueleto de uma criatura sinistra, um achado arqueológico. Retiraram tanta madeira do cômodo, que pouco mais de um décimo do madeirame original remanescia. O velho celeiro parecia mesmo um esqueleto fossilizado submergindo na penumbra da noite com ar fantasmagórico. Olhou para o céu límpido: não choveria uma gota. Durante o banho, sentiu os músculos relaxarem em contato com a água quente. A sensação do líquido correndo do topo da cabeça para o resto do corpo era extremamente revigorante. Levou poucos segundos para sentir-se muito bem, quase sem dor alguma. O cansaço ia embora; estava reenergizandose. Permaneceu curvado, apoiado à parede, com as mãos espalmadas, enquanto a água corria por vários minutos. Fechou os olhos, apertou-os. Aquele som, aquele barulho de água despencando lembrava aquela noite. O velho, o cabeludo... o cabeludo com um tiro na testa. O que tinha acontecido? Quem era Renan? Esse nome não lhe saía da cabeça. Por quê? Disparos, tiros ecoavam nas lembranças. Teriam acertado o rapaz? Não duvidava. Tudo estava tão brumoso, tão esquisito naqueles dias. A água do chuveiro continuava a despencar enquanto Gregório divagava. — Devo ter trapaceado nos negócios. Tinha muito dinheiro naquele maço que Vera encontrou. Ela não tocou na grana, nem sabe que tinha muito mais. Preciso voltar. Vinte e cinco mil é muito dinheiro no meu bolso. Mas tinha mais, em algum lugar. — A imagem de uma pequena mala caindo numa poça de lama passou-lhe à mente. — Preciso saber de onde veio essa grana. Por que deixei aqueles caras tão irritados? Gregório dirigiu-se para o quarto e vestiu-se. Pouco depois, estava à mesa, jantando com o estimado irmão e a linda cunhada. —Gostou da peleja? —É, você está certa, foi urna peleja brava pra mim. —Ih, irmãozinho. Tá tão fraquinho assim? —Não! Já estou pronto pra outra. —Amanhã tem muito mais, Gregório. —Já que o senhorzinho está tão disposto, quero um favor seu. — Vera falava enquanto empurrava folhas de alface para dentro da boca. — Quero que trepe comigo... Samuel engasgou, cuspindo um pedaço de carne. Gregório enrubesceu,

não sabendo o que responder. —Calma lá, pessoal. Deixa eu terminar! Quero que você trepe comigo em cima da casa e me ajude a consertar a calha que não está funcionando. Você me ajuda? —Claro. — respondeu o cunhado, mais aliviado. Os três se entreolharam, deixando escapar sonoras risadas. Depois de mais de uma hora de prosa na varanda, recolheram-se. Gregório encostou-se na janela, observando a paisagem. A torre d’água, cilíndrica, semelhante a um farol, apontada para o céu, já era companheira habitual do cenário de sua janela. Uma novidade na paisagem era o esqueleto do velho celeiro. Ficou parado um tempo, tentando adivinhar as formas na escuridão. Fazia uns cinco minutos que estava na brincadeira, quando uma outra coisa lhe chamou a atenção. Estava escuro demais para definir. Um vulto sobrenatural vagava entre as ripas baixas. Instantes após, avistou outra sombra juntando-se à primeira. Pareciam dois porcos chafurdando no chão. Eram quadrúpedes, com certeza, mas grandes demais para ser porcos. Arrepiou-se. Seriam onças, então? Pensou em chamar o irmão. Os dois fantasmas continuaram perto do celeiro. Cerrou os olhos, tentando desvendar o mistério. Estava entretido com os vultos quando, repentinamente, avistou uma esfera luminosa cruzando o céu. Gregório ficou boquiaberto. A estranha bola de luz pairou próximo da caixa d’água. Não enxergava formas no interior do objeto nem precisava seu tamanho real. Feixes de luz provenientes da bola distante alcançavam a janela. O deslumbramento deu lugar ao medo. Seria uma nave? Estrela cadente não era. Estrelas não estacionam no céu! O objeto era dono de uma luz fenomenal. Gregório vasculhou o esqueleto do celeiro à procura das sombrias criaturas. Não viu nada. Teriam elas presenciado o estranho fenômeno também? Se viram, já tinham fugido assustadas. O terreno estava vazio à.exceção do objeto voador. Saltou pela janela no intuito de investigar o estranho fenômeno mais de perto. Era lindo. Tinha uma luz prateada, por vezes azulada. Aproximou-se mansamente, evitando qualquer ruído. A coisa poderia escutá-lo. Estava a uns quinze metros da caixa d’água; o celeiro aparecia à esquerda, sem nenhum movimento estranho. Decidiu avançar mais. Se Gregório fizesse idéia do que sua curiosidade implicaria, certamente desistiria da funesta expedição. Desafortunadamente, o homem estava excitado demais para raciocinar ou perceber as sombras malévolas que voltavam a rondar o celeiro. Estava agora a cinco metros da caixa d’água. Aparentemente, o objeto ainda não havia detectado sua presença, já que permanecia flutuando, oscilando para cima e para baixo. A cada passo, a luz tornava-se mais intensa.

serviço braçal, nunca se queixavam. Embora não estivesse habituado àqueles<br />

afazeres, sentia-se bem ao executá-los. Apanhou uma toalha no guar<strong>da</strong>-roupa<br />

<strong>da</strong> cunha<strong>da</strong> e dirigiu-se ao banheiro. Arremessou uma olha<strong>da</strong> pela janela: a<br />

noite caía. Dali, podia ver parte do celeiro, o esqueleto de uma criatura sinistra,<br />

um achado arqueológico. Retiraram tanta madeira do cômodo, que pouco mais<br />

de um décimo do madeirame original remanescia. O velho celeiro parecia<br />

mesmo um esqueleto fossilizado submergindo na penumbra <strong>da</strong> noite com ar<br />

fantasmagórico. Olhou para o céu límpido: não choveria uma gota.<br />

Durante o banho, sentiu os músculos relaxarem em contato com a água<br />

quente. A sensação do líquido correndo do topo <strong>da</strong> cabeça para o resto do<br />

corpo era extremamente revigorante. Levou poucos segundos para sentir-se<br />

muito bem, quase sem dor alguma. O cansaço ia embora; estava reenergizandose.<br />

Permaneceu curvado, apoiado à parede, com as mãos espalma<strong>da</strong>s,<br />

enquanto a água corria por vários minutos. Fechou os olhos, apertou-os.<br />

Aquele som, aquele barulho de água despencando lembrava aquela noite. O<br />

velho, o cabeludo... o cabeludo com um tiro na testa. O que tinha acontecido?<br />

Quem era Renan? Esse nome não lhe saía <strong>da</strong> cabeça. Por quê? Disparos, tiros<br />

ecoavam nas lembranças. Teriam acertado o rapaz? Não duvi<strong>da</strong>va. Tudo estava<br />

tão brumoso, tão esquisito naqueles dias. A água do chuveiro continuava a<br />

despencar enquanto Gregório divagava.<br />

— Devo ter trapaceado nos negócios. Tinha muito dinheiro naquele<br />

maço que Vera encontrou. Ela não tocou na grana, nem sabe que tinha muito<br />

mais. Preciso voltar. Vinte e cinco mil é muito dinheiro no meu bolso. Mas<br />

tinha mais, em algum lugar. — A imagem de uma pequena mala caindo numa<br />

poça de lama passou-lhe à mente. — Preciso saber de onde veio essa grana.<br />

Por que deixei aqueles caras tão irritados?<br />

Gregório dirigiu-se para o quarto e vestiu-se. Pouco depois, estava à<br />

mesa, jantando com o estimado irmão e a lin<strong>da</strong> cunha<strong>da</strong>.<br />

—Gostou <strong>da</strong> peleja?<br />

—É, você está certa, foi urna peleja brava pra mim.<br />

—Ih, irmãozinho. Tá tão fraquinho assim?<br />

—Não! Já estou pronto pra outra.<br />

—Amanhã tem muito mais, Gregório.<br />

—Já que o senhorzinho está tão disposto, quero um favor seu. —<br />

Vera falava enquanto empurrava folhas de alface para dentro <strong>da</strong> boca.<br />

— Quero que trepe comigo...<br />

Samuel engasgou, cuspindo um pe<strong>da</strong>ço de carne. Gregório enrubesceu,

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