You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
A chuva descia forte, encharcando o milharal. Samuel olhava para a<br />
plantação, repleto de contentamento.<br />
Gregório saiu do banho. Passou suavemente a toalha pelo corpo,<br />
secando as feri<strong>da</strong>s. Como doíam aqueles calombos! Chegou ao quarto de<br />
hóspede, onde a janela permanecia aberta. A chuva caía para o lado de dentro,<br />
formando uma poça enorme no assoalho. Gregório aspirou aquele odor. A<br />
chuva! Desde quando se sentia assim? Atraído pela chuva, como uma<br />
namora<strong>da</strong> nova. Estranhava, mas era bom! Ah, era fascinante! Andou em<br />
direção à janela. Pisou na poça d’água. Seu corpo arrepiou-se dos pés até a<br />
cabeça. Não era frio! Era algo. Sim! Simplesmente algo! Algo estava mu<strong>da</strong>ndo<br />
em seu corpo. Em todo o corpo. Sentia-se forte! Sentia-se bravo. Sentia-se<br />
cheio de to<strong>da</strong>s as coisas boas que podia sentir. Entusiasmo! Queria aju<strong>da</strong>r o<br />
irmão. A chuva era benéfica. Seus passos pareciam querer sugar aquela poça<br />
inteira. Sentia a chuva! Parecia em transe. Outros sentidos estavam sendo<br />
despertos. Podia ouvir! Sim! Ele podia ouvir! Ouvir ca<strong>da</strong> gota do céu cortando<br />
o ar, criando um enorme silêncio um décimo de segundo antes de tocar o solo.<br />
Então, ouvia ca<strong>da</strong> uma delas espatifando-se no chão. Quando na terra. Quando<br />
nos vegetais. Podia ouvi-los sussurrando agradecimentos ao Pai. Ao Pai de<br />
tudo. Podia-se imaginar uma confusão <strong>da</strong>na<strong>da</strong>, mas não. Era tudo<br />
harmonioso demais para confundir-se. Ele podia ver! Ver ca<strong>da</strong> gota <strong>da</strong> chuva<br />
despregar-se <strong>da</strong> nuvem e precipitar-se ao solo. Alguém já tinha visto isso? Ele<br />
podia ver. A nuvem virava lágrima. A gota viajava. A chuva queri<strong>da</strong> descia<br />
cantando, bendita. Seus olhos, em forma de chamas, estavam cheios. Seus<br />
ouvidos, como de um super-homem, estavam cheios. O olfato, que distinguia<br />
ca<strong>da</strong> espiga <strong>da</strong>quele milharal, estava cheio. Só faltava se entregar ao seu meio.<br />
Um impulso inevitável.<br />
Gregório podia sentir a presença de ca<strong>da</strong> elemento. Ele podia sentir!<br />
Uma gota <strong>da</strong> chuva espatifou-se em seu peito. Era como se ela penetrasse os<br />
poros de seu corpo inteiro. Era como se irrigasse sua alma. Como se o fizesse<br />
ferver. Não conseguia entender. Sentia-se com a força de dez, vinte homens.<br />
Sentia-se ungido de pura energia. Uma droga poderosa. Enfiou a cabeça para<br />
fora <strong>da</strong> janela, recebendo a chuva no rosto. A água inundou sua boca,<br />
escorrendo para dentro do corpo. Era como se algo ligasse seu interior. Sentia<br />
o gosto de mil coisas em uma gota. Mais mil coisas diferentes em outra.<br />
Sabia onde ca<strong>da</strong> gota d’água transformara-se em vapor. Água <strong>da</strong> nascente <strong>da</strong><br />
montanha. Água do oceano mais próximo. Água <strong>da</strong>s costas do leopardo. Água<br />
dos quatro cantos <strong>da</strong> Terra. Ele sentia o poder. O poder de todos os seus<br />
sentidos. Era um novo homem, um novo ser. Benigno. Gregório não entendia<br />
sobretudo esta sensação. O peito refletia paz. Não tinha medo. Harmonia.<br />
Força. Poder. Gregório largou a toalha no chão e saltou a janela.<br />
Samuel e Vera aguar<strong>da</strong>vam o rapaz para o jantar, sentados no balanço