O Senhor da Chuva - Jovem Sul News

O Senhor da Chuva - Jovem Sul News O Senhor da Chuva - Jovem Sul News

jovemsulnews.com.br
from jovemsulnews.com.br More from this publisher
12.04.2013 Views

família era um irmão mais novo trancafiado na Febem. Procurara emprego, mas sempre lhe ofereciam cargos cujo maior salário chegava a trezentos reais. Muito trabalho para pouco. Queria conseguir dinheiro para alugar uma casa. Para tirar o irmão da cana. Advogado é troço caro. Já passara fome, e ninguém lhe estendera a mão. Quando estenderam, ela veio com drogas entre os dedos e uma arma na outra. Traficantes barra-pesada. Ficara com medo. Muito medo. Era um passo e tanto, porém não podia mais com aquela situação. Morar na rua. Nela ouvira falar de Gregório. Traficante, peixe pequeno. Conseguiu entabular conversa com o homem. Expôs sua condição. Prometeu dedicação, empenho e, principalmente, fidelidade. Gregório aceitou. Estava querendo ampliar o esquema. Um braço a mais viria a calhar. O carro encostou. As gotas da chuva ricocheteavam no capô do Chevrolet, tamborilando com rapidez. Um homem de sobretudo cáqui desceu. Correu desajeitadamente, fazendo a volta pelo veículo. Era um sujeito baixinho, gordo e de face corada. Parecia nervoso, um quê de irritação. Tinha um jeito afetado de movimentar os braços e as mãos. No rosto, mantinha um sorriso estranho, como se tivesse uma gargalhada entalada na garganta, prestes a explodir. — Fala, Grégui. Cadê meu bagulho? Gregório tirou o papelote do bolso, deixando à vista. O gorducho arregalou os olhos. — Grégui, Grégui. Você nunca falha mesmo. O cliente fez menção de agarrar o pacote, mas Gregório esquivou o braço estendido. —Calma lá, freguês. Primeiro a grana, depois a coca. —Correto. Correto. Cê tá certo. — repetiu o homem várias vezes, empertigando-se e vasculhando os bolsos até encontrar um modesto maço de notas de dez. Estendeu-as para Gregório. Renan apanhou a grana e conferiu. O cliente surpreendeu-se com a intromissão do rapaz. Encarou-o de maneira estranha. Parecia pronto a ter um ataque, a enfiar a mão no bolso e retirar um revólver. — Não gosto deste teu ajudante. — Só tenho ele, Beiço. Lamento. Vai com calma nas carreiras, brou. Essa aí é daquela lá. O gorducho balançou a cabeça com rapidez. Gregório contou o dinheiro e voltou a se encostar debaixo do toldo,

como se o cliente não existisse mais. Renan imitou-o. O gorducho ficou parado debaixo da chuva, olhando para os dois por quase um minuto. O rosto tinha uma expressão de deboche que desaparecia toda vez que uma gota pesada acertava-lhe em cheio um dos olhos, depois voltava para a mesma expressão. Gregório acendeu um cigarro. A primeira tragada foi longa e demorada. Que diabos aquele cara queria? —Tá tudo certo, chapa. Precisa de mais alguma coisa? —É. Eu preciso, sim. —Droga? —E. Mais coca. Mas é um pedido especial. Muito mais do que isso aqui. —Consigo. — Gregório deixou algum excitamento escapar. - Quanto? —Muito mais. O homem voltou a correr na chuva. Entrou no Chevrolet. Abaixou o vidro do lado direito, acionando-o eletricamente, colocando a cara gorda para fora. — Se você conseguir arrumar mais, tenho um amigo que vai ficar muito contente. Você acertou na loteria, Grégui, acertou, sim. Ah, ah, ah! — gargalhou eufórico o gorducho por três segundos, calando-se de forma repentina. — Tome, este cartão tem o telefone dele. Converse com o cara, diga que eu te indiquei, saberá que o negócio é bom. O gorducho deu partida no carro, saindo lentamente. Gregório guardou o cartão no bolso. Deu um tapinha nas costas de Renan. — Fica frio, garoto. Você está muito tenso. Mais nervoso do que eu na minha primeira transa. Gregório viu o carro desaparecer no fim da rua. Apagou o cigano, atirando-o ao chão e pisando em cima. trás. — Vambora, Renan. Os dois começaram a caminhar com rapidez, deixando a rua escura para — Vamos comer alguma coisa. Dessa vez, eu pago. Entraram num beco sombrio e deserto. A chuva diminuía gradativamente. A cidade, imersa na noite escura, exalava cheiros agradáveis, relaxada e alheia à

como se o cliente não existisse mais.<br />

Renan imitou-o.<br />

O gorducho ficou parado debaixo <strong>da</strong> chuva, olhando para os dois por<br />

quase um minuto. O rosto tinha uma expressão de deboche que desaparecia<br />

to<strong>da</strong> vez que uma gota pesa<strong>da</strong> acertava-lhe em cheio um dos olhos, depois<br />

voltava para a mesma expressão.<br />

Gregório acendeu um cigarro. A primeira traga<strong>da</strong> foi longa e demora<strong>da</strong>.<br />

Que diabos aquele cara queria?<br />

—Tá tudo certo, chapa. Precisa de mais alguma coisa?<br />

—É. Eu preciso, sim.<br />

—Droga?<br />

—E. Mais coca. Mas é um pedido especial. Muito mais do que isso<br />

aqui.<br />

—Consigo. — Gregório deixou algum excitamento escapar. - Quanto?<br />

—Muito mais.<br />

O homem voltou a correr na chuva. Entrou no Chevrolet. Abaixou o vidro<br />

do lado direito, acionando-o eletricamente, colocando a cara gor<strong>da</strong> para fora.<br />

— Se você conseguir arrumar mais, tenho um amigo que vai ficar muito<br />

contente. Você acertou na loteria, Grégui, acertou, sim. Ah, ah, ah! —<br />

gargalhou eufórico o gorducho por três segundos, calando-se de forma<br />

repentina. — Tome, este cartão tem o telefone dele. Converse com o cara,<br />

diga que eu te indiquei, saberá que o negócio é bom.<br />

O gorducho deu parti<strong>da</strong> no carro, saindo lentamente. Gregório guardou<br />

o cartão no bolso. Deu um tapinha nas costas de Renan.<br />

— Fica frio, garoto. Você está muito tenso. Mais nervoso do que eu na<br />

minha primeira transa.<br />

Gregório viu o carro desaparecer no fim <strong>da</strong> rua. Apagou o cigano,<br />

atirando-o ao chão e pisando em cima.<br />

trás.<br />

— Vambora, Renan.<br />

Os dois começaram a caminhar com rapidez, deixando a rua escura para<br />

— Vamos comer alguma coisa. Dessa vez, eu pago.<br />

Entraram num beco sombrio e deserto. A chuva diminuía gra<strong>da</strong>tivamente.<br />

A ci<strong>da</strong>de, imersa na noite escura, exalava cheiros agradáveis, relaxa<strong>da</strong> e alheia à

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!