O Senhor da Chuva - Jovem Sul News

O Senhor da Chuva - Jovem Sul News O Senhor da Chuva - Jovem Sul News

jovemsulnews.com.br
from jovemsulnews.com.br More from this publisher
12.04.2013 Views

Os homens saltaram para o chão agitados. Samuel correu, equilibrando-se sobre a lama escorregadia. —O que foi, homem? —Parece coisa de onça, patrão. Tem um rastro de sangue danado de esquisito dali pra frente. Achei melhor esperar o senhor, vai que é bicho mesmo. O maluco do Celeste se enfiou no milharal. —E cadê ele, agora? —Tá lá. Samuel coçou a cabeça. Afundou o chapéu na testa, que serviria para cortar a chuva, e engatilhou a espingarda. Avançou para dentro do milharal. Será que era onça mesmo? Há quanto tempo não ouvia falar de onça? A última estória que ouviu foi da boca de seu pai. Podia ser um cachorro grande, perdido. Estava muito escuro. O barulho da tempestade furiosa atrapalhava demais. Não ouvia coisa alguma. Os trovões reverberavam por segundos infinitos, dissolvendo-se lentamente no céu, chegando a empurrar o ar espesso. A natureza era assustadoramente poderosa nessas horas. Resolveu arriscar. — Celeste! Celeste! Cadê você, criatura? Samuel berrava com toda a força que conseguia extrair dos pulmões. Celeste era um de seus melhores ajudantes, e um amigo querido também. Tinha família ali na fazenda. Não estava na sua hora ainda. Gritou mais duas vezes. Uma pancada forte d’água veio, trazendo muito vento. A ventania cortava entre as folhas, criando uma melodia sinistra, transtornando Samuel. O coração acelerou. Lá atrás ficara a luz do jipe. O farol não alcançava mais a parte do milharal onde estava, tornando o cenário absolutamente escuro. Toda a luz que conseguia agora vinha dos relâmpagos relutantes. Mais um trovão, longo e retumbante, encheu o céu de som. Apressou o passo pesado que teimava em afundar na terra molhada. Não era onça coisa nenhuma. Fazia mais de dez anos que não aparecia uma sequer. Com aquela escuridão, qualquer bichinho poderia ter assustado o pobre do Celeste. Mas o sangue? Naquela escuridão, tudo impressionava, somando-se o barulho da chuva... Onde estava o diacho do homem? Celeste não se perderia dentro do milharal! Lidava com ele todos os dias nos últimos sete anos. Talvez estivesse com medo. Medo suficiente para ficar em silêncio. Samuel parou de andar. Era com se estivesse sendo seguido. Olhou para trás. Nada ali. Certamente, iria ficar bastante nervoso, era questão de segundos. O milharal balançou. Uma folha de um pé próximo bateu em seu rosto. Voltou a caminhar, berrando o nome de Celeste. Um rosnado quase inaudível foi captado por seus tímpanos. Era um rosnado leve e pavoroso.

Estacou. Girou os olhos junto com a cabeça, tentando encontrar a ameaça. Só enxergava o milharal escuro... assombrado, grandes lanças verdes apontando para cima, recebendo a chuva com gratidão, deixando aquele homem experiente bastante assustado. Diacho! Não podia ter nada naquele milharal! Era só o medo alucinado crescendo, confundindo-se com o recente pesadelo. Olhou para trás. Também não conseguiu enxergar nada. Lembrou-se do rastro de sangue. Que burrice! Deveria ter procurado pelo tal rastro; uma hora dessas, certamente já estaria com Celeste. Olhou para trás e apurou a visão, forçando a objetiva ocular a funcionar. Distinguiu uma minguada luz que deveria vir dos faróis do jipe e da colheitadeira. Andou apressado naquela direção. O rosnado invadiu sua cabeça mais uma vez. Havia alguma coisa no seu encalço. Alguma coisa assustadora e grande. Ouvia um galopar abafado pela lama. Patas afundando no barro molhado. Não era onça! Não podia ser uma. Era algo que transpirava terror. Um adocicado odor de enxofre instalou-se em suas narinas. Enxofre? Não pôde olhar para trás, mas já sabia. Era uma fera que o perseguia, uma fera que esmagava a plantação, tentando alcançá-lo. Samuel correu o mais rápido possível. Ouvia o rosnado cada vez mais nítido. Estava apavorado agora. O bicho o perseguia velozmente, as patas afundavam na lama bem mais próximas. Os calcanhares pressentiam a presença da fera. Era algo mau, fedendo a enxofre. Os faróis apareciam nítidos; a luz já o alcançava. Logo estaria junto do jipe e, então, arriscaria uma olhada para trás, arriscaria um tiro. Samuel apertou a corrida. A luz já tomava boa parte do milharal à frente. Percebeu que a fera diminuía a fúria à medida que se aproximavam da luz. Quanto mais iluminado ele ficava, mais seguro se sentia. O odor de enxofre não era mais captado. O rosnado diabólico tampouco. Aproximou-se do jipe, diminuindo o passo. Voltou-se lentamente, arriscando uma olhada. Sabia o que encontraria. Nada, somente o milharal e a chuva. As espigas balançavam frenéticas, acariciadas pela bendita água da chuva. Só isso. Um vaivém monótono, sem monstros cheirando a enxofre. Sem rosnados de onças fantasmas. Ainda assustado, conseguiu soltar um sorriso de alívio, acompanhado de um resmungo descontraído. Porém, logo perdeu a expressão calma. Sabia que aquilo lá não era onça coisa nenhuma. Algo o advertia, algo mais perigoso, muito mais que uma onça, que um tigre. Samuel virou-se novamente na direção do jipe e da colheitadeira. Estivera tão excitado que não havia dado por falta dos homens. Onde diabos estavam todos? Andou até o jipe e ouviu um zunzunzum. Correu para adiante e viu-os do outro lado da colheitadeira, acocorados em semicírculo juntamente com Celeste. O Dr. Jessup tinha o semblante preocupado, socorrendo um homem caído, estirado na lama e coberto... coberto de sangue. Samuel aproximou-se lentamente, surpreso. Tirou o chapéu, respeitosamente, e abaixou-se junto à turma, largando a arma. O homem ferido estava vestido de jeans e camiseta preta; por cima, uma jaqueta de couro, também preta, envolto em sangue abundante. O

Estacou. Girou os olhos junto com a cabeça, tentando encontrar a ameaça. Só<br />

enxergava o milharal escuro... assombrado, grandes lanças verdes apontando<br />

para cima, recebendo a chuva com gratidão, deixando aquele homem<br />

experiente bastante assustado. Diacho! Não podia ter na<strong>da</strong> naquele milharal!<br />

Era só o medo alucinado crescendo, confundindo-se com o recente pesadelo.<br />

Olhou para trás. Também não conseguiu enxergar na<strong>da</strong>. Lembrou-se do rastro<br />

de sangue. Que burrice! Deveria ter procurado pelo tal rastro; uma hora<br />

dessas, certamente já estaria com Celeste. Olhou para trás e apurou a visão,<br />

forçando a objetiva ocular a funcionar. Distinguiu uma mingua<strong>da</strong> luz que<br />

deveria vir dos faróis do jipe e <strong>da</strong> colheitadeira. Andou apressado naquela<br />

direção. O rosnado invadiu sua cabeça mais uma vez. Havia alguma coisa no<br />

seu encalço. Alguma coisa assustadora e grande. Ouvia um galopar abafado<br />

pela lama. Patas afun<strong>da</strong>ndo no barro molhado. Não era onça! Não podia ser<br />

uma. Era algo que transpirava terror. Um adocicado odor de enxofre instalou-se<br />

em suas narinas. Enxofre? Não pôde olhar para trás, mas já sabia. Era uma fera<br />

que o perseguia, uma fera que esmagava a plantação, tentando alcançá-lo.<br />

Samuel correu o mais rápido possível. Ouvia o rosnado ca<strong>da</strong> vez mais nítido.<br />

Estava apavorado agora. O bicho o perseguia velozmente, as patas<br />

afun<strong>da</strong>vam na lama bem mais próximas. Os calcanhares pressentiam a<br />

presença <strong>da</strong> fera. Era algo mau, fedendo a enxofre. Os faróis apareciam<br />

nítidos; a luz já o alcançava. Logo estaria junto do jipe e, então, arriscaria uma<br />

olha<strong>da</strong> para trás, arriscaria um tiro. Samuel apertou a corri<strong>da</strong>. A luz já tomava<br />

boa parte do milharal à frente. Percebeu que a fera diminuía a fúria à medi<strong>da</strong><br />

que se aproximavam <strong>da</strong> luz. Quanto mais iluminado ele ficava, mais seguro se<br />

sentia. O odor de enxofre não era mais captado. O rosnado diabólico<br />

tampouco. Aproximou-se do jipe, diminuindo o passo. Voltou-se lentamente,<br />

arriscando uma olha<strong>da</strong>. Sabia o que encontraria. Na<strong>da</strong>, somente o milharal e a<br />

chuva. As espigas balançavam frenéticas, acaricia<strong>da</strong>s pela bendita água <strong>da</strong><br />

chuva. Só isso. Um vaivém monótono, sem monstros cheirando a enxofre. Sem<br />

rosnados de onças fantasmas. Ain<strong>da</strong> assustado, conseguiu soltar um sorriso de<br />

alívio, acompanhado de um resmungo descontraído. Porém, logo perdeu a<br />

expressão calma. Sabia que aquilo lá não era onça coisa nenhuma. Algo o<br />

advertia, algo mais perigoso, muito mais que uma onça, que um tigre. Samuel<br />

virou-se novamente na direção do jipe e <strong>da</strong> colheitadeira. Estivera tão excitado<br />

que não havia <strong>da</strong>do por falta dos homens. Onde diabos estavam todos? Andou<br />

até o jipe e ouviu um zunzunzum. Correu para adiante e viu-os do outro lado<br />

<strong>da</strong> colheitadeira, acocorados em semicírculo juntamente com Celeste. O Dr.<br />

Jessup tinha o semblante preocupado, socorrendo um homem caído, estirado na<br />

lama e coberto... coberto de sangue. Samuel aproximou-se lentamente,<br />

surpreso. Tirou o chapéu, respeitosamente, e abaixou-se junto à turma,<br />

largando a arma. O homem ferido estava vestido de jeans e camiseta preta; por<br />

cima, uma jaqueta de couro, também preta, envolto em sangue abun<strong>da</strong>nte. O

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!