O Senhor da Chuva - Jovem Sul News
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O carro do médico Jessup parou diante da varanda. O velho doutor desceu, abanando-se. —Olá, rapazes e moças. Espero que chova novamente, está ficando muito abafado. — O médico olhou para Samuel de cima a baixo. — Até que não está tão mal, né, meu filho? Já vi o senhorzinho bem pior. Ainda dói muito? —Coisa pouca, doutor. Coisa pouca. — disse Samuel, dando um tapinha nas costas e acompanhando o médico para dentro. — Vera, pega uma limonada para este velho aqui; vamos refrescar um pouquinho nosso visitante. Os dois entraram rindo um bocado. Lá pra depois da curvinha, os homens manejavam a máquina de colher, enchendo as esteiras com sabugos de milho. Celeste dirigia a máquina, atento ao caminho. Mais dois homens o ajudavam no que precisava. Conversavam animados a respeito da chuva. Se o aguaceiro continuasse, o resto do milho engordaria rápido, dando boas espigas e muito dinheiro. Estavam todos entretidos em boa conversa quando, de repente, Celeste desligou a máquina. Havia alguma coisa na plantação, talvez um animal ferido se contorcendo. Como ambos não entenderam o motivo da parada, Celeste apontou. Era algo grande... Na casa, o médico examinava Samuel. Depois de certa expectativa, terminou os reparos nos curativos. — Foi uma bela surra, garoto, mas não se preocupe, logo estará tudo novinho. Você é um homem forte e jovem, se restabelece em dois segundos. É só cuidar das costelas. Nada de peso e um pouco de repouso vão te fazer bem. Um relâmpago iluminou o céu cinzento. Os homens se levantaram e foram para a sala, onde os esperava a jarra de suco gelado. Vera uniu-se aos dois, e ficaram ali, jogando um pouco de conversa fora. Logo começaram a ouvir o tilintar das gotas de chuva tamborilando no telhado da casa. No minuto seguinte, era uma tempestade. Uau! — exclamou Samuel. — Que temporal! — Diacho! Espero não ficar nesse atoleiro. — resmungou o médico. Vera servia o suco quando, surpreendentemente, foram interrompidos. Um garoto entrou correndo na sala, encharcado pela chuva e tremendo muito. Era Antônio, ou melhor, Tônico, filho do agricultor Celeste, com cerca de quinze anos. Logo perceberam que não era frio que o fazia tremer, era medo,
um medo paralisante, mas medo de quê? — O que foi, Tônico? — perguntou Vera, assustada. Samuel segurou-o pelos braços, tentando acalmá-lo. O rapaz precisou de alguns segundos para se refazer, então começou a falar, a falar sobre a plantação. — Lá no milharal. Estávamos colhendo pra depois da curva. Uma hora, meu pai parou a máquina, desceu, dizendo que viu algum bicho ferido no mato, parecia um cachorro, um cachorro grande. Eu e o Ramiro ficamos em cima da máquina como ele mandou, então começou a chover, primeiro devagar, depois um aguaceiro danado. Não conseguia mais ver meu pai. Gritei e ele não respondeu. — o garoto estava chorando. — Então eu desci, vi um rastro de sangue no meio do milho. Tinha bastante sangue, que nem quando mata porco. Não achei o pai, só ouvi ele gritando alto, dizendo pra nós voltá e pedi ajuda pro senhor. Samuel correu até o quarto. O pesadelo. Lembrou-se dele. Muito sangue era mau agouro. Seria um presságio? Um dos maus presságios? Agarrou a espingarda e benzeu-se. Voltou à sala, passando direto e saindo para a varanda, gritando ordens para todo mundo. — Doutor, o senhor vem comigo. O menino disse que viu sangue lá. Talvez precisemos do senhor. Tônico, você leva a gente até o lugar. Vera, fique aqui, tranque as portas, logo estamos de volta. O trio pulou para dentro do jipe, inundado no aguaceiro. A chuva caía forte, dificultando a visão na estrada. Ainda era manhã, mas o dia havia submergido num breu ferrenho, em trevas assombradas. Samuel acendeu os faróis, forçando o jipe para alcançar logo a curvinha e evitar atolar no barro. O milharal balançava, bailando com a ventania. Tônico, no banco de trás, parecia orar. Estava assustado demais. O médico ia em silêncio, mas certamente muito nervoso. O jipe dançou na curva, jogando a traseira para fora. Samuel segurou o veículo na raça. Não tinha tempo para atolar ou apanhar da chuva. Jessup se agarrou ao banco, parecendo rezar com Tônico. Estavam saindo da curvinha, bem próximos à cerca. As roupas já estavam encharcadas, coladas ao corpo. — Lá! — gritou o menino. Samuel jogou o jipe para dentro do milharal. Avançaria até onde o chão permitisse. Logo viu a máquina parada, o outro caboclo sentado em cima da danada com os olhos esbugalhados.
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um medo paralisante, mas medo de quê?<br />
— O que foi, Tônico? — perguntou Vera, assusta<strong>da</strong>.<br />
Samuel segurou-o pelos braços, tentando acalmá-lo. O rapaz precisou de<br />
alguns segundos para se refazer, então começou a falar, a falar sobre a<br />
plantação.<br />
— Lá no milharal. Estávamos colhendo pra depois <strong>da</strong> curva. Uma hora,<br />
meu pai parou a máquina, desceu, dizendo que viu algum bicho ferido no<br />
mato, parecia um cachorro, um cachorro grande. Eu e o Ramiro ficamos<br />
em cima <strong>da</strong> máquina como ele mandou, então começou a chover, primeiro<br />
devagar, depois um aguaceiro <strong>da</strong>nado. Não conseguia mais ver meu pai.<br />
Gritei e ele não respondeu. — o garoto estava chorando. — Então eu desci, vi<br />
um rastro de sangue no meio do milho. Tinha bastante sangue, que nem<br />
quando mata porco. Não achei o pai, só ouvi ele gritando alto, dizendo pra nós<br />
voltá e pedi aju<strong>da</strong> pro<br />
senhor.<br />
Samuel correu até o quarto. O pesadelo. Lembrou-se dele. Muito sangue<br />
era mau agouro. Seria um presságio? Um dos maus presságios? Agarrou a<br />
espingar<strong>da</strong> e benzeu-se. Voltou à sala, passando direto e saindo para a<br />
varan<strong>da</strong>, gritando ordens para todo mundo.<br />
— Doutor, o senhor vem comigo. O menino disse que viu sangue lá.<br />
Talvez precisemos do senhor. Tônico, você leva a gente até o lugar.<br />
Vera, fique aqui, tranque as portas, logo estamos de volta.<br />
O trio pulou para dentro do jipe, inun<strong>da</strong>do no aguaceiro. A chuva caía<br />
forte, dificultando a visão na estra<strong>da</strong>. Ain<strong>da</strong> era manhã, mas o dia havia<br />
submergido num breu ferrenho, em trevas assombra<strong>da</strong>s. Samuel acendeu os<br />
faróis, forçando o jipe para alcançar logo a curvinha e evitar atolar no barro.<br />
O milharal balançava, bailando com a ventania. Tônico, no banco de trás,<br />
parecia orar. Estava assustado demais. O médico ia em silêncio, mas certamente<br />
muito nervoso. O jipe <strong>da</strong>nçou na curva, jogando a traseira para fora. Samuel<br />
segurou o veículo na raça. Não tinha tempo para atolar ou apanhar <strong>da</strong> chuva.<br />
Jessup se agarrou ao banco, parecendo rezar com Tônico. Estavam saindo <strong>da</strong><br />
curvinha, bem próximos à cerca. As roupas já estavam encharca<strong>da</strong>s, cola<strong>da</strong>s ao<br />
corpo.<br />
— Lá! — gritou o menino.<br />
Samuel jogou o jipe para dentro do milharal. Avançaria até onde o chão<br />
permitisse. Logo viu a máquina para<strong>da</strong>, o outro caboclo sentado em cima <strong>da</strong><br />
<strong>da</strong>na<strong>da</strong> com os olhos esbugalhados.