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—Fala como se tivesse pena <strong>da</strong>quele beberrão.<br />
—Não é pena, sei lá, parece pior. Pior, como se eu tivesse culpa...<br />
—Oras, por quê?<br />
—Ah! Sei lá! Depois que o irmão gêmeo dele morreu... sei lá, foi algum<br />
tempo depois que ele começou a beber.<br />
Vera, quieta, acompanhou o marido até a porta. Samuel pôs o chapéu na<br />
cabeça e continuou a narrativa.<br />
— Eu e meu irmão, lembra? — Como Vera aquiesceu, Samuel<br />
prosseguiu. — Bem, nós dois costumávamos brincar com o Jeff e o irmão,<br />
dois pares de gêmeos; Jeff e Eric, eu e meu irmão Gregório. — completou<br />
Samuel.<br />
O fazendeiro tomou mais um gole de café e foi sentar-se na varan<strong>da</strong>. Os<br />
homens há muito tinham sumido na curvinha e logo estariam com o milho<br />
colhido. Nuvens pesa<strong>da</strong>s passavam baixas, tornando o dia escuro e frio, como<br />
aquele do qual se lembrava agora. O homem sentiu um aperto no peito. Aflição.<br />
As lembranças trouxeram outra espécie de fantasma... o rosto do irmão<br />
Gregório.<br />
— Era um dia frio. Como não poderíamos nos divertir no lago, fomos<br />
a um pomar, na divisa de Belo Verde. Éramos garotos, adorávamos essas<br />
coisas. Lá, a gente encontrava goiabas deliciosas. Sempre roubávamos frutas<br />
ali. Havia um cão pastor que fazia a gente fugir. Era divertido. Estávamos lá<br />
pela terceira dúzia de goiabas rouba<strong>da</strong>s quando ouvimos o cão vindo e o velho<br />
Helias gritando e xingando. Era hora de correr. — Samuel esboçou um largo<br />
sorriso, típico de lembranças com cheiro de infância. — Gregório foi o<br />
primeiro a descer e em dois<br />
segundos estava no pé <strong>da</strong> árvore. A cento e cinqüenta metros, ficava a cerca de<br />
arame farpado; passando, estaríamos a salvo. Saltei, seguido de Jeff.<br />
Moleques dos diabos! — praguejava o velho. O cachorro, enorme, já estava<br />
bem perto, <strong>da</strong>va pra ver os caninos brancos prontos para estraçalhar intrusos.<br />
Gregório já tinha começado a correr em direção à cerca. Eric. O Eric ain<strong>da</strong><br />
estava lá em cima. Petrificado. Era a primeira vez que eu o via com medo.<br />
Costumava ele ser o primeiro a chegar ao pé <strong>da</strong> árvore. O cão vinha, e nós<br />
gritávamos para Eric descer. Senti o estômago embrulhar, com medo,<br />
nervoso. Jeff começou a correr. Eu fiquei lá, ia esperar mais alguns<br />
segundos. Aí veio o estalo. Um galho partido. Um garoto caindo de cima <strong>da</strong><br />
goiabeira. O cão chegando. Eu parado. Jeff gritando: Aju<strong>da</strong>! Aju<strong>da</strong>! Lá do outro<br />
lado <strong>da</strong> cerca, Gregório, imóvel, parado como eu. Eric tentou se levantar. Os<br />
médicos disseram que ele tinha quebrado um osso <strong>da</strong> perna. Não iria<br />
conseguir correr mesmo. Tentou novamente e começou a chorar. Gregório