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marinho, como se tivesse to<strong>da</strong> a noite para chegar em casa. Gregório apressou<br />
o passo. Mais dois quarteirões, viraria o beco à direita, cruzaria e chegaria ao<br />
ponto. Em cinco minutos, teria dinheiro suficiente para parar de vender<br />
drogas, tomar garoa de madruga<strong>da</strong> e tirar o amigo <strong>da</strong> forca. Cinco minutos<br />
para mu<strong>da</strong>r to<strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong>. Cinco minutos para parar de se vestir de preto, cinco<br />
minutos...<br />
Thal, que acompanhava Eloísa de volta ao lar, avistou Gregório lá<br />
embaixo, chegando ao beco. Olhou para a mulher a um quarteirão de seu<br />
prédio. Estava segura. O anjo pousou em cima do edifício. Um relâmpago<br />
bombardeou a torre ao lado, faiscando junto ao pára-raios, iluminando a face<br />
cor de bronze <strong>da</strong> criatura celeste. Thal acompanhou Gregório com os olhos e,<br />
vendo-o caminhar velozmente, condoeu-se. Então era a hora do negócio<br />
acontecer. Buscou novamente Eloísa, que estava entrando no prédio. Olhou<br />
para baixo e saltou. Iria com Gregório.<br />
Entrou no beco. O chão enlameado estava escorregadio. Já se<br />
acostumara com aquele caminho sujo e aquela escuridão. Sessenta segundos<br />
para não se preocupar nunca mais em cair na lama do beco imundo e pútrido.<br />
Chegou à esquina, parou e esperou. Sua última espera.<br />
Thal sobrevoou o beco. Parecia cobrir de paz e de luz ca<strong>da</strong> centímetro<br />
sujo pelo qual passava, permitindo, no entanto, que, poucos segundos após, a<br />
paz fosse engoli<strong>da</strong> pelas trevas. Saiu do beco, sobrevoando Gregório. Iria<br />
protegê-lo naquela noite para que libertasse Renan. Para que saísse limpo de<br />
tudo aquilo. Para que fosse feliz. Todo ser humano tinha o direito de sair <strong>da</strong>s<br />
trevas... Se aquele fosse o meio eleito por Gregório, iria iluminá-lo, pois<br />
sentia no coração do homem pulsar o desejo de melhora, de limpeza. Assim<br />
sendo, ain<strong>da</strong> teria uma chance de engrandecimento espiritual, pois, ali,<br />
atuando no mundo <strong>da</strong>s trevas, como um agente que espalhava dor e fraqueza,<br />
jamais permitira a si próprio e a seu espírito desenvolver-se.<br />
Após a passagem do anjo de luz, o beco voltou para a escuridão e<br />
podridão. Estava tudo silencioso, excluindo-se um leve e quase imperceptível<br />
grunhido de cão. Estaria um breu completo não fosse o leve tom amarelado e<br />
maldito emanado por dezenas de olhos acuados nas trevas, dezenas de olhos<br />
satânicos prontos para abocanhar o bem, abocanhar na hora certa, na hora do<br />
mal. Cães do inferno.<br />
Na rua de trás do beco, surgiu um par de faróis. O carro aproximou-se<br />
vagaroso, receoso, como que com medo de estar ali, no escuro, sozinho.<br />
Gregório agitou-se. Mostrando-se desperto, encostou-se na parede,<br />
sentindo o reconfortante cano <strong>da</strong> pistola pressionando suas costas. Gotas de<br />
garoa ajuntavam-se nas extremi<strong>da</strong>des do prédio e caíam em poças largas.