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Jonas lembrou-se dos cães mortos. Havia vomitado duas vezes, e olha<br />
que ele não era mocinha... Aquele era horrível, mas não chegava nem perto do<br />
cheiro dos cães.<br />
Gauchão tomou a dianteira e aproximou-se lentamente do altar. A parte<br />
do fundo estava escondi<strong>da</strong> pela escuridão; somente a ponta dianteira do esquife<br />
recebia um pouco de luz.<br />
Jonas ergueu o rifle e fez pontaria. Pensou ter ouvido alguma coisa se<br />
mover no fundo <strong>da</strong> capela e ficou silencioso por alguns instantes. Apontou a<br />
espingar<strong>da</strong> para o caixão, imitando o companheiro.<br />
Dez horas <strong>da</strong> noite. Dentro do carro que ro<strong>da</strong>va para a capital, todos<br />
oravam. Sabiam que a Batalha Negra já havia iniciado, que poderiam ter vivido<br />
seus últimos dias em Belo Verde. Se tivessem sorte, se o mal prevalecesse de<br />
fato, as coisas ruins poderiam ficar limita<strong>da</strong>s a Belo Verde. O pastor conhecia o<br />
velho código, sabia que o mal se espalharia com a vitória do exército negro. O<br />
mundo se infestaria mais uma vez de homens sem alma, malignos e facilmente<br />
manipulados pelo exército negro, como aquele que tentara liqui<strong>da</strong>r sua vi<strong>da</strong>.<br />
Aquele não era mais Samuel; sua alma o tinha abandonado com o ataque de<br />
algum demônio, largando-o no mundo escuro, no mundo <strong>da</strong>s lágrimas<br />
eternas. Não contaria a Vera. Aquele não era mais o amado marido <strong>da</strong> mulher.<br />
Não deveria atormentá-la com coisas tão sinistras como as que enfrentava<br />
agora. O motorista não poupara o veículo: em poucos minutos estariam na<br />
capital. Através de um fone celular, o pastor começou a organizar encontros<br />
com as pessoas que iriam realmente importar. Bendita a graça de Deus, nem<br />
por um segundo elas duvi<strong>da</strong>ram <strong>da</strong> emergência recomen<strong>da</strong><strong>da</strong> por Elias.<br />
Algumas pertenciam ao velho código e estavam aceitando atentamente o<br />
processo de alerta. Se conseguissem convencer uma importante emissora de<br />
TV evangélica, espalhariam o imprescindível pedido de orações em cadeia<br />
nacional. Certamente, todos os fiéis atenderiam ao apelo, enviando uma força<br />
sem medi<strong>da</strong>s ao Exército de Luz.<br />
Gauchão pousou a mão na tampa do esquife e aguardou. Todos quietos,<br />
espingar<strong>da</strong>s levanta<strong>da</strong>s, pouca luz entrando. Um barulhinho... um arrastar de<br />
pés vinha <strong>da</strong> parte escura do altar. Silêncio. Sob o esquife, a luz chegava<br />
somente até a ponta em que Gauchão permanecia com a mão encosta<strong>da</strong>,<br />
pouco mais que quinze centímetros. O odor fétido castigava o olfato dos<br />
invasores. Não tinham mais dúvi<strong>da</strong>. Ali dentro, devia repousar um corpo em<br />
decomposição, talvez um crânio sorridente à vista. Essa certeza era a única<br />
coisa que ain<strong>da</strong> segurava a mão do Gauchão. Finalmente, ele tateou para o<br />
lado, encontrando um encaixe. Firmou o punho e começou a erguer a tampa,<br />
lenta e cui<strong>da</strong>dosamente, e os homens puderam vislumbrar nos poucos<br />
centímetros a silhueta de um corpo humano. Gauchão respirava pesado,