You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Gregório e Vera trocaram um olhar ligeiro. Ele voltou para casa e dois<br />
minutos depois saía com a espingar<strong>da</strong> Puma na mão, vestindo uma camisa<br />
xadrez de mangas longas, sem abotoar, usa<strong>da</strong> por Samuel.<br />
O três correram para o milharal, embrenhando-se na estradinha que<br />
Ramiro costumava trilhar. As espigas estavam soberbas. Vera quase chorou<br />
pensando quanto o marido ficaria feliz em vê-las <strong>da</strong>quele tamanho, prontas para<br />
a colheita e para a ven<strong>da</strong>. Afinal, a maioria dos plantadores <strong>da</strong> região já tinha<br />
negociado as mirra<strong>da</strong>s espigas uma semana atrás, sem acreditar na chega<strong>da</strong> de<br />
chuva. O zumbido era gigante. Parecia uma cachopa de marimbondos tamanho<br />
família. Uma muralha forma<strong>da</strong> por milhares de moscas varejeiras verdes e<br />
gor<strong>da</strong>s surgiu na frente deles, zunindo e cobrindo-os. Tônico e Vera tentaram<br />
espantá-las, agitando os braços. Gregório fixou-se no cadáver largado na<br />
estradinha. Parecia um defunto gordo e verde, mas era o mirrado Ramiro. Vera<br />
apanhou o isqueiro e acendeu uma tocha feita de folhas de milho secas. Na<br />
outra ponta <strong>da</strong> estra<strong>da</strong>, surgiam os companheiros do finado Ramiro. O jovem<br />
Tônico tentava proteger o ferimento na testa, limpando o sangue e evitando o<br />
alvoroço dos bichos incômodos.<br />
— Que foi que fizeram com ele? — perguntou Celeste, com a voz<br />
embarga<strong>da</strong>.<br />
Gregório entregou a arma para Tônico. Abaixou-se ao lado do corpo de<br />
Ramiro, apoiou a mão com firmeza no peito do homem e confirmou o que todo<br />
mundo já sabia.<br />
—Ele tá morto mesmo. Ele tinha alguma doença? Alguém sabe?<br />
Coração...<br />
—Num tinha na<strong>da</strong>, não. — respondeu Paulo.<br />
— Esse homem foi morto, você num tá vendo? — perguntou Celeste,<br />
consternado. — Ai, Pai... quando isso vai parar?<br />
Um fio de sangue preto e coagulado estava escondido nos cabelos do<br />
cadáver, e somente Celeste havia notado. Viraram o corpo para observar<br />
melhor. Havia um ferimento estranho no pescoço, dois pequenos buracos<br />
paralelos, de onde aparentemente brotara o sangue. Parecia uma...<br />
—Mordi<strong>da</strong>. Parece uma mordi<strong>da</strong> de bicho, sei lá. — falou Tônico.<br />
—É mesmo. — concordou Paulo.<br />
—Vou ligar para a polícia. — avisou Vera.<br />
A nuvem de insetos voava em volta do grupo, afasta<strong>da</strong> pela tocha<br />
improvisa<strong>da</strong>. O vento batia na plantação, provocando um som gostoso... mas<br />
nenhum deles podia <strong>da</strong>r atenção: lamentavam a morte de mais um amigo.