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O Senhor da Chuva - Jovem Sul News

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Samuel estava firmemente agarrado à crina do cavalo. Fincava-lhe os<br />

calcanhares para que o animal decolasse. Os cascos arrancavam chispas do<br />

asfalto, criando um rastro de fogo onde batiam. Samuel ain<strong>da</strong> não tinha a<br />

escuridão envolvendo-o, amando-o e, sobretudo, o protegendo como uma mãe<br />

zelosa e adorável. A mãe, naquele exato momento, abandonava a cria<br />

involuntariamente. Sem perceber que seu adorado filhote sufocava com o<br />

próprio vômito. Surpresa desagradável ao acor<strong>da</strong>r.<br />

A faixa vermelha avançava galopante no horizonte. Logo, o Sol<br />

despontaria na primeira colina como um pai severo e zangado, punindo o filho<br />

que ain<strong>da</strong> não se recolhera, surrando-o com raios mortais. Para onde vai a<br />

consciência de um vampiro sem alma? Para onde vão as lembranças? São<br />

finitas? São. Porque não vão para os santos no Céu. Não vão para os demônios<br />

no Inferno. Não vão vagar, joga<strong>da</strong>s ao rio. Não vão chorar no fundo dos<br />

mares. Não serão devora<strong>da</strong>s por uma truta faminta. Não serão encontra<strong>da</strong>s<br />

por um pescador. Não serão sol-<strong>da</strong>do-de-chumbo nem serão enterra<strong>da</strong>s por<br />

uma tribo indígena brasileira. Não se tornarão manioca. Sem critérios. Um<br />

vampiro não é mais na<strong>da</strong> do que o agora. Um vampiro é o sangue que ele<br />

bebe durante devaneio alucinado. Um vampiro é a sombra que ele toma. E o<br />

gato que ele mata por na<strong>da</strong>. É o pensamento que ele lê e arranca sem permissão.<br />

E o grito que provoca. E o sangue que ele gela. E o minuto-segundo que<br />

suspira, imaginando sentir o coração pulsar. E a lágrima que cai quando o fim<br />

nos parece certo. Um vampiro é exatamente isso. É to<strong>da</strong> magnífica ação, ou<br />

sensação, que cabe dentro de uma fração de segundos. Portanto, não tenham<br />

medo do vampiro. Ele não é na<strong>da</strong> quando o Sol chega. Ele não é na<strong>da</strong> na<br />

ponta <strong>da</strong> estaca. Não tenha medo do vampiro; ele não é na<strong>da</strong>.<br />

Samuel temia apenas o tempo. Conseguiria. Estava certo de que<br />

conseguiria. Restavam poucos quilômetros. Porém, também restavam poucos<br />

momentos. Abandonou a estra<strong>da</strong>. O cavalo entrou no pasto, rasgando o verde<br />

que começava a ganhar cor. Começava a existir clari<strong>da</strong>de. Os olhos de Samuel<br />

tornaram-se vermelhos. O cavalo embrenhou-se na mata. Estavam quase em<br />

casa. A capela. O caixão. A escura proteção.<br />

Thal avançou para o pasto. O vampiro estava próximo. O rastro entrava<br />

agora em uma floresta. Não virou uma esfera de luz, pois a veloci<strong>da</strong>de<br />

excessiva poderia fazer com que os perdesse. Seus poderosos ouvidos captaram<br />

um ritmado galope. Dois segundos, e avistou Samuel, aferrado ao cavalo<br />

ca<strong>da</strong>vérico. Aumentou a veloci<strong>da</strong>de. Mais dois segundos, alcançou-o<br />

definitivamente, derrubando o vampiro <strong>da</strong> montaria sobrenatural. Rolou<br />

violentamente, levantando folhas secas, atordoado. Thal pousou a seu lado. O<br />

horizonte vermelho crescia assustadoramente, devorando a noite morta. Mais<br />

três minutos ale o primeiro raio de Sol... talvez dois. Samuel levantou e<br />

arremessou um olhar nas profundezas. Um minuto de corri<strong>da</strong>... talvez mais.

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