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liberando momentaneamente Crepúsculo. O grande demônio perdeu altitude,<br />
buscando por Samuel. Viu-o correndo velozmente no encalço de um Monza<br />
branco pela ruazinha de terra. Sabia que era o carro do pastor. Pôs a mão na<br />
feri<strong>da</strong>, percebendo que o líquido viscoso vazava generosamente. Voou no<br />
encalço de seu protegido. Precisava deter o carro, precisava usar um truque,<br />
talvez o derradeiro truque, que lhe consumiria as últimas forças.<br />
Elias, em grande desespero, principiou a chorar e a orar. Quando aceitou<br />
a missão em seu sonho, estava ciente de que encontraria problemas com as<br />
forças de Satã, mas nunca, nem em seus piores pesadelos, pôde imaginar algo<br />
tão físico e apavorante. Enfim, existiam os vampiros. Engatou a quinta marcha;<br />
com o carro, teria chances de fugir. Para onde? perguntou-se. Alcançou a<br />
estra<strong>da</strong> de asfalto. Bateu os olhos no retrovisor e, apesar <strong>da</strong> escuridão, divisou<br />
uma estranha silhueta. Era Samuel, ou algo muito parecido com ele, com um<br />
tecido esvoaçante às costas. Voltou à estra<strong>da</strong>, quando, surpreendido, puxou o<br />
volante impensa<strong>da</strong>mente para a direita. Gritou. Havia alguma coisa pavorosa<br />
no meio do caminho, algo parecido com um diabo... uma criatura grotesca,<br />
com asas de dragão abertas e chifres de carneiro. O carro bateu com violência<br />
no barranco <strong>da</strong> estreita rodovia, levantando a frente de maneira<br />
cinematográfica. A única coisa que estranhamente passou como um relâmpago<br />
pelo cérebro de Elias foi lamentar não ter colocado o cinto de segurança. O<br />
motor do Monza bradou como bicho louco quando as ro<strong>da</strong>s descolaram do<br />
chão, capotando de modo fenomenal. Elias chacoalhou-se, batendo em to<strong>da</strong>s<br />
as partes internas do veículo. Sentiu pe<strong>da</strong>ços de vidro na boca e o mundo<br />
emudecer, ouvindo apenas o barulho <strong>da</strong> lataria do teto arrastando-se no<br />
asfalto. Quando tudo se aquietou, não sabia se estava vivo ou se estava morto.<br />
Ouviu um galopar sinistro. Cavalo? Quem sabe, afinal de contas, duzentos<br />
quilômetros à sua volta eram preenchidos por ci<strong>da</strong>des rurais. Isso é mer<strong>da</strong> para<br />
se pensar numa hora dessas? Precisava sair <strong>da</strong>li, se é que estava vivo. O carro, de<br />
cabeça para baixo, deixava o pastor em posição desconfortável. As janelas<br />
estavam amassa<strong>da</strong>s e estreita<strong>da</strong>s, mas, numa primeira avaliação, Elias percebeu<br />
que havia espaço para escapar. E se o carro explodir? O cheiro de gasolina. Ao<br />
tentar se mover, sentiu uma dor lancinante no conjunto esquerdo de costelas.<br />
Desistiu. Tomou fôlego, pensando no que fazer.<br />
Samuel parou assim que, para sua surpresa, o pastor perdera o controle<br />
do carro. Aproximava-se vagarosamente, com sua montaria espectral,<br />
avaliando a segurança <strong>da</strong> situação. Viu Crepúsculo pousando no topo do<br />
barranco, atrás do carro, com a mão no abdome, tentando tapar um ferimento<br />
importante.<br />
— Mate-o agora, vampiro. E sua tarefa. — ordenou com a voz<br />
apaga<strong>da</strong>. — Não poderei deter o anjo por muito tempo.