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noturna. A primeira lição ele estava para completar. Dez metros à frente,<br />
avistou o muro do cemitério municipal. Precisava de um abrigo seguro e<br />
adequado durante o descanso diurno, e ali encontraria o que buscava. Após<br />
breve corri<strong>da</strong>, saltou para cima do muro, como dotado de magia. O cemitério<br />
estava completamente vazio de humanos. Samuel podia ouvir apenas o<br />
gargalhar esganiçado de algumas feras escondi<strong>da</strong>s entre os túmulos.<br />
Eventualmente, pares de olhos vermelhos cruzavam o campo sagrado, como<br />
brasas desgarra<strong>da</strong>s de um incêndio maior. Estacou na frente de um túmulo<br />
com adornos novos e velas crepitantes. Um morto novo. Seis ou sete coroas de<br />
flores enfeitavam a sepultura, impregnando o ar de um cheiro viciado e pesado<br />
que se misturava com o odor de enxofre que rescendia por todo o cemitério.<br />
Em outros tempos, estaria amedrontado com aquelas feras diabólicas,<br />
zanzando e gargalhando, mas não. Hoje, pertencia a eles, hoje Samuel também<br />
era um demônio, hoje ele não tinha medo de silhuetas bizarras, que an<strong>da</strong>vam<br />
em matilhas, com olhos ora amarelos, terríveis, ora escarlates. Seriam seus<br />
irmãos? Uma <strong>da</strong>s feras chegou próximo ao fazendeiro morto-vivo. Rosnou,<br />
nervosa, mostrando dentes afiados. O morto-vivo subiu numa sepultura de<br />
mármore polido. Na lápide, a fotografia de duas crianças. Conhecia as<br />
crianças? Passado. O morto-vivo encarou o demônio que ain<strong>da</strong> rosnava nervoso<br />
e an<strong>da</strong>va pra lá e pra cá, à sua frente, no corredor asfaltado do cemitério.<br />
Samuel gargalhou alto, acompanhado por todos os demônios <strong>da</strong>s redondezas,<br />
fazendo a algazarra infernal espalhar-se por to<strong>da</strong> a ci<strong>da</strong>de.<br />
Esferas de luzes ofuscantes cruzavam o céu em alta veloci<strong>da</strong>de. Anjos!<br />
Outrora, as luzes provocariam ódio e terror nas feras ali em baixo, não<br />
naquela noite, quando os demônios estavam protegidos por orações e sangue<br />
derramado. Era parte do plano. Os anjos não ousariam guerrear em hora tão<br />
imprópria.<br />
Khel abandonou o corpo de Samuel, e seu espectro tomou forma no<br />
plano espiritual. Rugiu para a fera que rosnava para Samuel. O cão inferior<br />
afastou-se do líder. Khel saltou para cima <strong>da</strong> cabeça de um anjo de bronze que<br />
adornava o topo de um túmulo suntuoso, olhou fixamente para Samuel,<br />
semicerrando os olhos, que passaram do vermelho-brasil para um amarelo vivo<br />
e demoníaco.<br />
O ex-humano ficou tonto, enfraquecido, quando o espírito do cão deixou<br />
seu corpo. Caiu de joelhos e levou a mão à cabeça. Arreganhou o cenho e<br />
grunhiu. Sentiu a força voltar ás pernas e agarrou-se à lápide poli<strong>da</strong> do túmulo.<br />
Um vento forte cortou o cemitério, e o som <strong>da</strong>s folhas secas arrastando-se<br />
pelo chão chegou forte em seu ouvido. O que eram aquelas criaturas? Eram<br />
tantas!<br />
— Vamos, meu aliado, leve o que veio buscar; logo o sol estará