O Senhor da Chuva - Jovem Sul News
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estragos. Com a ajuda do trator, Jonas trazia troncos de árvores para o salão. Paulo prendia um jogo de roldanas a cada um dos quatro cantos junto ao teto. Quando Paulo terminou, o sol já sumia no horizonte, deixando a noite invadir a fazenda. O vento aumentara, provocando, a cada rajada, um zumbido cada vez maior na estrutura de madeira. Amarraram cordas em volta do primeiro tronco, e os quatro começaram a elevar o imenso bastão de madeira. O tronco era pesado demais, exigindo grande esforço, só atingindo o cume graças a vigorosos arrancões. Faltava encaixar a ponta ao cume a fim de desempenhar o papel de escora. Levaram pelo menos uma hora e meia até completar todos os cantos. Realmente, lidar com aqueles troncos não era tarefa fácil. Enfim, os quatro deixaram o celeiro. Gregório tomou um cigarro de palha de Ramiro, despediu-se dos ajudantes e voltou para casa. Precisava de um banho urgente. Na mesa da cozinha, encontrou um bilhete de Vera, avisando que estaria no hospital à noite para que Samuel pudesse tomar o café da manhã em casa, no dia seguinte. Gregório sentiu escapulir um sorriso de satisfação. Ao passar pela janela da cozinha, lançou um olhar para fora. Nada de luzes nem vultos emergindo das sombras. Apenas o velho celeiro jazia vincado na paisagem. Sentiu uma brisa forte trazer o frio para dentro do peito e encher as narinas com um odor que muito lhe agradava: o cheiro da chuva. Ela não demoraria. Dava-se conta de que estranhamente ansiava por ela. Como criança esperando Papai Noel. Aquele odor eriçava-lhe a nuca, como se o preparasse para algo. A chuva chegando. Podia ouvi-la. Chamando. Energizando. Era estranho, mas era a palavra: energizando. Cada célula tocada por aquele poder oculto. — Devo estar enlouquecendo. — pensou, aspirando mais uma vez, lentamente, com aquele sorriso de idiota no rosto. Demorou pelo menos vinte minutos debaixo d’água. Além de relaxar o corpo, queria ter certeza de que estaria livre do fedor dos cães. Quando saiu, percebeu que a chuva despencava, forte e barulhenta. Gregório se vestiu e foi para a cozinha preparar um lanche rápido. A janela estava aberta, deixando entrar a chuva e um vento enfurecido que aumentava, fazendo da chuva tempestade. Esquentou o café que havia no bule e preparou-se para a refeição. Os relâmpagos piscavam no horizonte, como se aproximassem em marcha ritmada e incessante. A cada disparo de luz, Gregório percebia sua sombra acentuar-se contra a parede. Ingeria o café quente a pequenos goles, tentando não queimar a língua. O vento aumentou. A luz dos relâmpagos mostrava gravetos assombrados voando pelo céu, como vassouras de bruxas. Mais relâmpagos. Gregório pensou ter visto o galpão oscilar. O vento soprava a construção, como o lobo mau aterrorizando os porquinhos. Resolveu verificar
as escoras gigantes. Apanhou um blusão de moletom do irmão, olhou para o celeiro, tomou ar e correu em sua direção. O vento estava aterrorizante; poderia derrubar um homem. Gregório dava grandes passadas. A chuva... ah! a chuva! Ela acariciava-lhe a face, fazendo-o parar ali para senti-la. Estava a vinte metros da grande porta quando aconteceu. Imediatamente, lembrou-se da última noite na escuridão. Lembrou-se dos cães ao sentir a mão disforme agarrando-o e jogando-o ao chão. Um segundo de pavor. O corpo bateu na lama. Relampejou, clareando toda a fazenda. Um trovão roncou em sua orelha, ensurdecendo-o. A mão apertou com força sua canela, tornando a região dolorida e machucada. Gregório tentou arrastar-se e livrar-se do atacante. A chuva entrou pela boca, dando-lhe força. Ao segundo puxão, a mão abriu, libertando-o. Gregório sentiu o terror derreter em seu peito. Fosse o que fosse, não teria medo; uma legião de cães, não teria medo. A chuva o fortalecia; a chuva o defenderia. Levantou-se, esperando um novo ataque; os ouvidos aguçados, a visão concentrada. A água descia pela testa e algumas vezes acertava os olhos e ardia. Outro relâmpago. A luz delatou a posição do opositor: um grande galho de árvore caído no chão. Mesmo embalado por todo aquele sentimento de bravura, soltou o ar dos pulmões num assobio aliviado. Virou em direção à porta do grande armazém e seguiu lentamente. Uma vez encharcado pela chuva, não fazia sentido correr. Entrou no pátio e aproximouse do primeiro tronco. Estava firme, ao contrário do terceiro, prestes a cair, com o grave risco de destruir parte importante das bases do galpão. O primeiro impulso foi sair correndo, mas, ouvindo o vento ribombar contra a construção e o rangido feroz do madeirame a cada centímetro que o grosso tronco cedia, resolveu aliviar o peso da tora. Posicionou a escada junto à roldana do tronco que vacilava, apanhou a corda deixada no meio do celeiro e correu para cima, pela escada. Amarrou uma ponta ao tronco e passou a outra pela roldana. Atirou a corda entre o telhado e a armação superior. Apanhou a ponta e tentou elevar o bastão de madeira. Sem resultado. Puxou novamente. Loucura. Durante o trabalho da tarde, contara com a ajuda de três homens para colocá-los de pé, a custo de muito esforço. Puxou mais uma vez. A trave que sustentava a corda envergou suavemente, mas nada aconteceu. Respirou, fez força. A tora balançou, erguendo-se alguns centímetros, mas era pesada demais. Gregório não resistiu ao peso, e o tronco chocou-se pesadamente contra a parede daquele canto, balançando perigoso. O golpe fez uma telha desprender do telhado, quase acertando sua cabeça, mas desviou a tempo, aliviado. Ao tentar descobrir de onde caíra a telha, gotas de chuva bateram em sua face. Sorveu algumas enquanto eram absorvidas pelo organismo. Um estalo. Um clique. Uma luz se acendendo. Puxou o tronco. Era a última tentativa; afinal, mais um baque daqueles no madeirame seria fatal para a construção, que certamente não precisaria que o vento a destruísse: Gregório o
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as escoras gigantes. Apanhou um blusão de moletom do irmão, olhou para o<br />
celeiro, tomou ar e correu em sua direção. O vento estava aterrorizante;<br />
poderia derrubar um homem. Gregório <strong>da</strong>va grandes passa<strong>da</strong>s. A chuva... ah! a<br />
chuva! Ela acariciava-lhe a face, fazendo-o parar ali para senti-la. Estava a vinte<br />
metros <strong>da</strong> grande porta quando aconteceu. Imediatamente, lembrou-se <strong>da</strong><br />
última noite na escuridão. Lembrou-se dos cães ao sentir a mão disforme<br />
agarrando-o e jogando-o ao chão. Um segundo de pavor. O corpo bateu na<br />
lama. Relampejou, clareando to<strong>da</strong> a fazen<strong>da</strong>. Um trovão roncou em sua<br />
orelha, ensurdecendo-o. A mão apertou com força sua canela, tornando a<br />
região dolori<strong>da</strong> e machuca<strong>da</strong>. Gregório tentou arrastar-se e livrar-se do<br />
atacante. A chuva entrou pela boca, <strong>da</strong>ndo-lhe força. Ao segundo puxão, a mão<br />
abriu, libertando-o. Gregório sentiu o terror derreter em seu peito. Fosse o que<br />
fosse, não teria medo; uma legião de cães, não teria medo. A chuva o<br />
fortalecia; a chuva o defenderia. Levantou-se, esperando um novo ataque; os<br />
ouvidos aguçados, a visão concentra<strong>da</strong>. A água descia pela testa e algumas<br />
vezes acertava os olhos e ardia. Outro relâmpago. A luz delatou a posição do<br />
opositor: um grande galho de árvore caído no chão. Mesmo embalado por todo<br />
aquele sentimento de bravura, soltou o ar dos pulmões num assobio aliviado.<br />
Virou em direção à porta do grande armazém e seguiu lentamente. Uma vez<br />
encharcado pela chuva, não fazia sentido correr. Entrou no pátio e aproximouse<br />
do primeiro tronco. Estava firme, ao contrário do terceiro, prestes a cair,<br />
com o grave risco de destruir parte importante <strong>da</strong>s bases do galpão. O<br />
primeiro impulso foi sair correndo, mas, ouvindo o vento ribombar contra a<br />
construção e o rangido feroz do madeirame a ca<strong>da</strong> centímetro que o grosso<br />
tronco cedia, resolveu aliviar o peso <strong>da</strong> tora. Posicionou a esca<strong>da</strong> junto à<br />
rol<strong>da</strong>na do tronco que vacilava, apanhou a cor<strong>da</strong> deixa<strong>da</strong> no meio do celeiro<br />
e correu para cima, pela esca<strong>da</strong>. Amarrou uma ponta ao tronco e passou a<br />
outra pela rol<strong>da</strong>na. Atirou a cor<strong>da</strong> entre o telhado e a armação superior.<br />
Apanhou a ponta e tentou elevar o bastão de madeira. Sem resultado. Puxou<br />
novamente. Loucura. Durante o trabalho <strong>da</strong> tarde, contara com a aju<strong>da</strong> de três<br />
homens para colocá-los de pé, a custo de muito esforço. Puxou mais uma vez.<br />
A trave que sustentava a cor<strong>da</strong> envergou suavemente, mas na<strong>da</strong> aconteceu.<br />
Respirou, fez força. A tora balançou, erguendo-se alguns centímetros, mas<br />
era pesa<strong>da</strong> demais.<br />
Gregório não resistiu ao peso, e o tronco chocou-se pesa<strong>da</strong>mente contra<br />
a parede <strong>da</strong>quele canto, balançando perigoso. O golpe fez uma telha<br />
desprender do telhado, quase acertando sua cabeça, mas desviou a tempo,<br />
aliviado. Ao tentar descobrir de onde caíra a telha, gotas de chuva bateram em<br />
sua face. Sorveu algumas enquanto eram absorvi<strong>da</strong>s pelo organismo. Um<br />
estalo. Um clique. Uma luz se acendendo. Puxou o tronco. Era a última<br />
tentativa; afinal, mais um baque <strong>da</strong>queles no madeirame seria fatal para a<br />
construção, que certamente não precisaria que o vento a destruísse: Gregório o