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César Daniel de Assis Rolim - XI Encontro Estadual de História ...

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PoPulismo ou reformismo social? a influência do<br />

trabalhismo Petebista na ação Política <strong>de</strong> leonel brizola<br />

Cé s a r Da n i e l D e assis ro l i m<br />

Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em <strong>História</strong> da UFRGS<br />

cdarolim@ig.com.br<br />

resumo<br />

Procura-se no presente trabalho discutir a viabilida<strong>de</strong> da aplicação do conceito <strong>de</strong> populismo para as ações políticas<br />

dos trabalhistas, em especial <strong>de</strong> Leonel Brizola, durante o período compreendido entre 1961 e 1964. Preten<strong>de</strong>-se<br />

também analisar as influências <strong>de</strong> tradições políticas anteriores no pensamento e ação <strong>de</strong> Leonel Brizola no contexto<br />

<strong>de</strong>limitado. Nota-se que o populismo foi, enquanto referencial conceitual, utilizado por autores her<strong>de</strong>iros da teoria<br />

da mo<strong>de</strong>rnização. Verifica-se que o conceito <strong>de</strong> populismo foi historicamente construído e utilizado por um setor<br />

da historiografia latino-americana por um período, optando-se por consi<strong>de</strong>rar, na presente pesquisa, as ações <strong>de</strong><br />

li<strong>de</strong>ranças trabalhistas, como Brizola, como her<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> tradições específicas como, nacionalismo, fortalecimento<br />

do Estado e reformismo social.<br />

Palavras-chave: Leonel Brizola; populismo; trabalhismo.<br />

Procura-se no presente trabalho discutir a viabilida<strong>de</strong> da aplicação do conceito <strong>de</strong><br />

populismo para as ações políticas dos trabalhistas, em especial <strong>de</strong> Leonel Brizola, durante<br />

o período compreendido entre 1961 e 1964. O conceito <strong>de</strong> populismo foi utilizado <strong>de</strong> uma<br />

maneira consi<strong>de</strong>rável para <strong>de</strong>signar a atuação <strong>de</strong> políticos vinculados ao trabalhismo.<br />

Nesse trabalho busca-se discutir o conceito <strong>de</strong> populismo e a sua aplicabilida<strong>de</strong> para a ação<br />

política das li<strong>de</strong>ranças trabalhistas, Brizola em especial, durante o contexto <strong>de</strong>limitado<br />

anteriormente.<br />

O populismo, em seu sentido mais geral, marcaria a passagem <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong><br />

tradicional para uma mo<strong>de</strong>rna. Parcela da historiografia latino-americana sobre o tema<br />

consi<strong>de</strong>rava que esse <strong>de</strong>senvolvimento histórico ocorreu após 1930, com um rápido processo<br />

<strong>de</strong> urbanização e industrialização. A realida<strong>de</strong> latino-americana aparecia como uma<br />

realida<strong>de</strong> complexa, repleta <strong>de</strong> arcaísmos. Mas essa realida<strong>de</strong> estava em transição. Pouco a<br />

pouco, segundo Ianni (1989:21), reduzia-se o peso do tradicional e crescia a importância do<br />

mo<strong>de</strong>rno. No limite estaria a socieda<strong>de</strong> urbano-industrial, <strong>de</strong>mocrática, racional, on<strong>de</strong> não<br />

haveria nem <strong>de</strong>magogos nem carismáticos. No curso da transição surgem os movimentos<br />

populistas, compostos principalmente <strong>de</strong> amplas massas <strong>de</strong> escassa ou nenhuma experiência<br />

no mundo urbano. Em todos os movimentos populistas, a mobilização das massas populares<br />

das áreas marginais rebaixa ou ameaça rebaixar os canais <strong>de</strong> participação que a estrutura<br />

social é capaz <strong>de</strong> oferecer (GERMANI, 1973: 157).<br />

Por sua vez, o período, que se esten<strong>de</strong> <strong>de</strong> 1945 até a queda do Governo Goulart, é<br />

caracterizado por parte da historiografia como <strong>de</strong> ampla liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão, on<strong>de</strong> “as<br />

forças e tendências (massas populares urbanas e setores sociais ligados à industrialização),<br />

que puseram fim ao Estado Novo, amadurecem plenamente e chegam ao limite <strong>de</strong> suas<br />

168


possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> manifestação com a série <strong>de</strong> crises que termina em abril <strong>de</strong> 1964”<br />

(WEFFORT, 1966: 138).<br />

As classes médias urbanas seriam os grupos mais importantes que pressionaram no<br />

sentido da <strong>de</strong>rrubada da oligarquia. Porém, esses grupos não possuíram condições para negar<br />

<strong>de</strong> maneira radical e eficaz o quadro institucional, mas apenas conseguiram re<strong>de</strong>finir suas<br />

relações com ele. “Além disso, o Estado surgido pós-1930 colocava-se acima do compromisso<br />

estabelecido entre os setores urbanos e os grupos agrários dominantes. Esse compromisso,<br />

logo, não legitima o po<strong>de</strong>r do Estado. Este encontra legitimida<strong>de</strong> nas massas populares<br />

urbanas” (WEFFORT, 1966: 141).<br />

A partir <strong>de</strong>ssa noção <strong>de</strong> busca <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> nas massas urbanas, surge o fantasma<br />

do povo na história política brasileira, o qual será manipulado por Vargas. Este criará, para<br />

Weffort (1966: 143) uma estrutura estatal <strong>de</strong> controle dos sindicatos, doando uma legislação<br />

trabalhista para os trabalhadores das cida<strong>de</strong>s (aten<strong>de</strong>ndo às pressões das massas urbanas,<br />

que manipulará sem molestar os interesses do latifúndio) e estabelecerá órgãos oficiais<br />

<strong>de</strong> propaganda. Legalizará a questão social, reconhecendo para as massas o direito <strong>de</strong><br />

formularem reivindicações.<br />

As concepções <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> trabalhadores são <strong>de</strong>sprestigiadas pelos autores que<br />

classificam como populistas as relações entre lí<strong>de</strong>res partidários e trabalhadores durante o<br />

período estudado, ou seja, estes últimos aparecem como potencialmente manipuláveis e<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes do Estado e do partido que dá legitimida<strong>de</strong> política às ações do Executivo. As<br />

camadas sociais trabalhadoras são classificadas como massas, ignorando-se as especificida<strong>de</strong>s,<br />

em termos <strong>de</strong> composição e <strong>de</strong> interesses das mesmas. Vistas como <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes do Estado<br />

e sem autonomia em relação às organizações partidárias populistas, as massas trabalhadoras<br />

estariam impossibilitadas <strong>de</strong> conquistar a sua emancipação sócio-econômica.<br />

Sobre as organizações sindicais, o que importa ter em conta é que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m durante<br />

todo este período <strong>de</strong> um po<strong>de</strong>r já constituído. Eis por que a influência do getulismo, do<br />

janguismo ou do janismo nos sindicatos oscila segundo o <strong>de</strong>stino político <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>sses<br />

lí<strong>de</strong>res políticos. “Essa falta <strong>de</strong> autonomia das organizações sindicais é apenas um aspecto<br />

da <strong>de</strong>pendência política das organizações populares em geral (inclusive as partidárias), em<br />

face do po<strong>de</strong>r constituído do Estado ou das regras <strong>de</strong> jogo ditadas pelos grupos no po<strong>de</strong>r”<br />

(WEFFORT, 2003: 19).<br />

Após 1945 a <strong>de</strong>mocracia teria como fundamento as massas urbanas, e como chefes<br />

os lí<strong>de</strong>res populistas, consolidando o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Estado do pós-1930. Os lí<strong>de</strong>res políticos<br />

“estabelecem uma relação autoritário-carismática com as massas urbanas, estabelecendose<br />

uma distância entre o chefe autoritário e a massa submissa que não po<strong>de</strong> ser preenchida<br />

por nenhuma forma <strong>de</strong> comunicação que dê à massa o direito <strong>de</strong> influir diretamente sobre<br />

o lí<strong>de</strong>r” (WEFFORT, 1966: 150). Esse mo<strong>de</strong>lo conceitual <strong>de</strong> populismo abarca li<strong>de</strong>ranças<br />

políticas como Gaspar Dutra, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João<br />

Goulart, todos classificados como políticos populistas, sem o apontamento <strong>de</strong> especificida<strong>de</strong>s<br />

nas ações políticas <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>les.<br />

A Consolidação das Leis do Trabalho, o PTB, “o peleguismo, o Estatuto do Trabalhador<br />

Rural, Vargas, Kubitschek, Goulart, Arraes, Brizola seriam parte <strong>de</strong> um mesmo sistema.<br />

E juntam-se A<strong>de</strong>mar <strong>de</strong> Barros, Hugo Borghi, Jânio Quadros e outros apresentados como<br />

integrantes do mesmo universo populista” (IANNI, 1968: 102). Todos eles são relacionados<br />

ao pensamento getuliano e particularmente à política <strong>de</strong> massas, como elementos ligados<br />

nuclearmente ou como variantes.<br />

No período posterior a 1945, todos os grupos, inclusive as massas populares, participam<br />

direta ou indiretamente do po<strong>de</strong>r; não obstante, como nenhum <strong>de</strong>les possui a hegemonia,<br />

todos veem o Estado como uma entida<strong>de</strong> superior, do qual esperam solução para os seus<br />

problemas. “Nestas condições, em que nenhum dos grupos dominantes é capaz <strong>de</strong> oferecer<br />

as bases para uma política <strong>de</strong> reformas, as massas populares (sem nenhuma autonomia)<br />

169


aparecem novamente como a única força capaz <strong>de</strong> dar sustentação a essa política e ao<br />

próprio Estado e grupo dominante” (WEFFORT, 1966: 155). Este seria o ponto central do<br />

populismo, ou seja, a ausência <strong>de</strong> autonomia das massas populares, submissas ao jugo do lí<strong>de</strong>r<br />

carismático populista. O populismo, logo, “é, essencialmente, a exaltação do po<strong>de</strong>r público,<br />

é o próprio Estado colocando-se por meio do lí<strong>de</strong>r, em contato direto com os indivíduos<br />

reunidos em massa”( WEFFORT, 2003: 28).<br />

A massificação da socieda<strong>de</strong> brasileira ocorre, no entendimento <strong>de</strong> Weffort (1966: 153),<br />

a partir do seguinte processo: a pressão popular sobre o Estado é marcada pela insatisfação<br />

mesmo quando se trata <strong>de</strong> setores relativamente integrados ao processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

econômico; esta insatisfação é manipulada pelos lí<strong>de</strong>res populistas e, através <strong>de</strong>les, pelo<br />

Estado; a situação das massas e suas formas políticas não são in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> posições<br />

<strong>de</strong>terminadas <strong>de</strong> classe, apesar <strong>de</strong> que as manifestações políticas <strong>de</strong> massas neguem essas<br />

posições <strong>de</strong> classe.<br />

Para os autores, como Octávio Ianni e Francisco Weffort, que concebem que as relações<br />

entre trabalhadores e lí<strong>de</strong>res partidários <strong>de</strong>senvolviam-se a partir do paradigma populista,<br />

não existe uma nítida noção <strong>de</strong> classe social. Esta aparece como uma massa amorfa sem o<br />

mínimo <strong>de</strong> autonomia diante <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res carismáticos que se utilizam <strong>de</strong> discursos aglutinadores<br />

<strong>de</strong>sprovidos <strong>de</strong> um conteúdo <strong>de</strong> transformação social.<br />

Um ponto em comum entre os autores é que o populismo na política brasileira é<br />

uma herança <strong>de</strong> Vargas e seus apoiadores, seja no PTB, no PSD ou na UDN. A política<br />

<strong>de</strong> massas, essência do padrão getuliano <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento econômico, era caracterizada<br />

pela combinação dos interesses econômicos e políticos do proletariado, da classe média e da<br />

burguesia industrial. “Essa combinação efetiva e tática <strong>de</strong> interesses <strong>de</strong>stina-se a favorecer<br />

a criação e expansão do setor industrial, tanto quanto do setor <strong>de</strong> serviços” (IANNI, 1968:<br />

55). O nacionalismo-<strong>de</strong>senvolvimentista, como núcleo i<strong>de</strong>ológico da política <strong>de</strong> massas,<br />

promovia a crescente participação do Estado na economia. Como possibilitador da política<br />

<strong>de</strong> massas, o peleguismo, para Ianni (1968: 56), prática inerente da legislação trabalhista,<br />

possibilitava a manutenção dos sindicatos operários e dos setores médios <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes do<br />

Ministério do Trabalho pelo controle dos recursos financeiros exercidos por este. Assim,<br />

os sindicatos e seus dirigentes reduzem-se a instrumentos <strong>de</strong> manobras políticas, às vezes<br />

totalmente alheias aos interesses dos assalariados.<br />

A composição social do proletariado industrial, predominantemente rural-urbana,<br />

constitui-se como um fator da inexperiência política do proletariado brasileiro, pois o seu<br />

horizonte cultural estaria profundamente marcado pelos valores e padrões do mundo rural.<br />

“Nestes predominariam formas patrimoniais ou comunitárias <strong>de</strong> organização do po<strong>de</strong>r, <strong>de</strong><br />

li<strong>de</strong>rança e submissão, <strong>de</strong>limitadas pelo misticismo, violência e conformismo, como soluções<br />

tradicionais” (IANNI, 1968: 57).<br />

Ianni e Weffort, em suas obras sobre o período posterior a 1930, são influenciados pela<br />

teoria da mo<strong>de</strong>rnização <strong>de</strong> autores como Gino Germani e Torcuato di Tella (DI TELLA,<br />

1969). Ambos situam-se na concepção funcionalista 1 do populismo, que seria “um fenômeno<br />

aberrante produzido pela assincronia nos processos <strong>de</strong> transição <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> tradicional<br />

para uma socieda<strong>de</strong> industrial” (LACLAU, 1979: 151-153). A incorporação prematura das<br />

massas na vida política latino-americana gerou pressões que extravasaram os canais <strong>de</strong><br />

absorção e <strong>de</strong> participação ofertados pelas estruturas políticas. “A mentalida<strong>de</strong> das massas,<br />

1 Existem quatro enfoques básicos na interpretação sobre o populismo. Três <strong>de</strong>les consi<strong>de</strong>ram-no, simultaneamente,<br />

como um movimento e como uma i<strong>de</strong>ologia. Um quarto o reduz a um fenômeno puramente i<strong>de</strong>ológico. O primeiro<br />

enfoque consi<strong>de</strong>ra o populismo como uma expressão típica <strong>de</strong> uma classe social. O segundo é qualificado como<br />

niilismo teórico, on<strong>de</strong> o populismo é <strong>de</strong>stituído <strong>de</strong> conteúdo, pois a análise <strong>de</strong>veria ser realizada diretamente sobre<br />

os movimentos sociais; assim, a análise dos fundamentos <strong>de</strong> classe <strong>de</strong> todo movimento constitui a chave para<br />

<strong>de</strong>svendar sua natureza. Um terceiro enfoque consi<strong>de</strong>ra o populismo unicamente como uma i<strong>de</strong>ologia (o anti-status<br />

quo, a <strong>de</strong>sconfiança nos políticos tradicionais, o apelo ao povo e não às classes etc). E, por último, a concepção<br />

funcionalista. LACLAU, 1979: 151-153.<br />

170


dada a sua integração insuficiente, caracterizava-se pela coexistência <strong>de</strong> traços tradicionais<br />

e mo<strong>de</strong>rnos” (GERMANI, 1973: 157). Assim como Ianni, Germani aponta a influência da<br />

mentalida<strong>de</strong> (<strong>de</strong> origem rural e tradicional) das massas urbanas à sua incorporação em uma<br />

política <strong>de</strong> massas populista.<br />

O populismo, segundo Di Tella (1969), constitui-se em um movimento político que<br />

<strong>de</strong>sfruta do apoio das massas, ou seja, da classe operária urbana e do campesinato, mas que<br />

não <strong>de</strong>riva do po<strong>de</strong>r organizacional e autônomo <strong>de</strong> nenhum dos dois setores. As classes<br />

sociais estão presentes no populismo, mas não enquanto classes, pois inexiste a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

consciência <strong>de</strong> classe, daí os autores como Ianni e Weffort consi<strong>de</strong>rarem a existência <strong>de</strong><br />

massas. Essa análise aproxima-se da visão que aponta a ativida<strong>de</strong> política do proletariado<br />

estando imersa na política <strong>de</strong> massas. Estas seriam, para Ianni (1968: 61), organizadas em<br />

termos <strong>de</strong> consciência <strong>de</strong> massa, pois os interesses <strong>de</strong> classe, em particular os antagonismos<br />

com as outras classes e grupos sociais, não se estruturam a não ser parcialmente. E não<br />

chegam a fundamentar posições e diretrizes políticas proletárias, isto é, <strong>de</strong> classe.<br />

Assim, a esquerda brasileira ficou aprisionada, no enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Ianni (1968: 103). O<br />

autor justifica essa afirmação constatando que as técnicas da política <strong>de</strong> massas e o reformismo,<br />

conduzidos pelos setores mais audaciosos da política <strong>de</strong> industrialização, estabeleceram os<br />

limites e as condições tanto da politização como da atuação política do proletariado urbano.<br />

Em consequência, viveu oscilando entre as recomendações do marxismo e as exigências da<br />

<strong>de</strong>mocracia populista. O fato é que ela não conseguiu transformar a política <strong>de</strong> massas numa<br />

política <strong>de</strong> classes.<br />

À análise do fenômeno político classificado como populismo, impõem-se algumas<br />

objeções. É questionável atribuir o populismo a uma etapa <strong>de</strong> transição <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento,<br />

pois também em países 2 <strong>de</strong>senvolvidos se registraram experiências ditas populistas. Mais<br />

ainda, a teoria não nos fornece os instrumentos necessários para <strong>de</strong>cidir sobre sua valida<strong>de</strong>.<br />

Isto se <strong>de</strong>ve ao fato <strong>de</strong> que o conceito <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> industrial não foi teoricamente construído<br />

– é, antes, o resultado do prolongamento <strong>de</strong> certas características das socieda<strong>de</strong>s industriais<br />

avançadas e da adição meramente <strong>de</strong>scritiva <strong>de</strong>ssas características; enquanto o conceito<br />

<strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> tradicional não passa <strong>de</strong> uma antítese <strong>de</strong> cada um dos traços da socieda<strong>de</strong><br />

industrial, tomados individualmente. “Dentro <strong>de</strong>sse esquema, as etapas <strong>de</strong> transição só<br />

po<strong>de</strong>m consistir na coexistência <strong>de</strong> características pertencentes a ambos os pólos. Sendo<br />

assim, o fenômeno populista aparecerá sempre como um agregado heterogêneo e confuso <strong>de</strong><br />

tradicionais e mo<strong>de</strong>rnos” (LACLAU, 1979: 160).<br />

Como síntese das i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong>fendidas por Weffort e Ianni, <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>-se que o<br />

populismo seria uma política <strong>de</strong> massas, vinculado à proletarização dos trabalhadores na<br />

socieda<strong>de</strong> complexa mo<strong>de</strong>rna, sendo indicativo <strong>de</strong> que tais trabalhadores não adquiriram<br />

consciência e sentimento <strong>de</strong> classe: não estão organizados e participando da política<br />

como classe. As massas, interpeladas pelo populismo, são originárias do proletariado, mas<br />

<strong>de</strong>le se distinguem por sua inconsciência das relações <strong>de</strong> espoliação sob as quais vivem.<br />

Só a superação <strong>de</strong>ssa condição <strong>de</strong> massificação permitiria a libertação do populismo ou a<br />

aquisição da verda<strong>de</strong>ira consciência <strong>de</strong> classe. O populismo, para Gomes (2001: 24-25), está<br />

associado a uma certa conformação da classe dirigente, que per<strong>de</strong>u sua representativida<strong>de</strong><br />

e po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> exemplarida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> criar os valores e os estilos <strong>de</strong> vida orientadores <strong>de</strong><br />

toda a socieda<strong>de</strong>. O surgimento do lí<strong>de</strong>r populista, um homem carregado <strong>de</strong> carisma, capaz<br />

<strong>de</strong> mobilizar as massas e empolgar o po<strong>de</strong>r, completaria o ciclo.<br />

O fenômeno do populismo seria integrado, portanto, “por um proletariado sem<br />

consciência <strong>de</strong> classe; uma classe dirigente em crise <strong>de</strong> hegemonia; e um lí<strong>de</strong>r carismático,<br />

cujo apelo subordina instituições (como o partido, embora com ele conviva) e transcen<strong>de</strong><br />

fronteiras sociais (<strong>de</strong> classe e entre os meios urbano/rural)” (GOMES, 2001: 25). As massas<br />

2 Itália, França, Alemanha, são citados como exemplos <strong>de</strong> países que passaram por experiências <strong>de</strong> populismo<br />

(LACLAU, 1979: 160).<br />

171


ou os setores populares, não sendo concebidos como atores/sujeitos nessa relação política,<br />

mas sim como <strong>de</strong>stinatários/objetos a que se remetem formulações e políticas populistas,<br />

só po<strong>de</strong>riam mesmo ser manipulados ou cooptados (pelas li<strong>de</strong>ranças), o que significa ser<br />

enganados.<br />

Os elementos centrais do mo<strong>de</strong>lo conceitual que classificaria como populismo as relações<br />

entre trabalhadores e Estado, no período analisado, po<strong>de</strong>riam ser resumidos em alguns<br />

pontos: o populismo constituiria uma relação pessoal entre um lí<strong>de</strong>r e um conglomerado <strong>de</strong><br />

indivíduos, relação explicada através do recurso à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>de</strong>magogia, nem sempre claramente<br />

<strong>de</strong>finida. “O lí<strong>de</strong>r populista não aparece como um verda<strong>de</strong>iro político mas, sobretudo, como<br />

um aproveitador da ignorância popular, e as massas, na sua irracionalida<strong>de</strong>, não constituem<br />

fundamento para qualquer tipo <strong>de</strong> política. O populismo, <strong>de</strong>sse ponto <strong>de</strong> vista, seria, pois,<br />

um fenômeno pré-político ou parapolítico”(DEBERT, 1979: 1).<br />

De acordo com Bo<strong>de</strong>a (1992: 194), os gran<strong>de</strong>s lí<strong>de</strong>res do movimento trabalhista<br />

gestam, fortalecem, projetam e reproduzem a sua li<strong>de</strong>rança essencialmente a partir da sua<br />

ascensão <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma estrutura partidária regional e não, como muitos parecem supor, a<br />

partir <strong>de</strong> uma relação carismática direta entre o lí<strong>de</strong>r e a massa popular. Assim, o partido<br />

ten<strong>de</strong> a projetar e consolidar a imagem do lí<strong>de</strong>r junto à massa. O lí<strong>de</strong>r torna-se o símbolo<br />

<strong>de</strong> um pensamento coletivo e o povo o segue. O carisma, quando houve, <strong>de</strong>senvolve-se<br />

posteriormente. Em relação a esse conceito, o autor utiliza-se da argumentação weberiana<br />

que o caracteriza como uma forma peculiar <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. O autor analisa a existência <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res,<br />

cuja autorida<strong>de</strong> se baseia não no caráter sagrado <strong>de</strong> uma tradição, nem da legalida<strong>de</strong> ou<br />

racionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma função, mas em um dom. Essa autorida<strong>de</strong> se funda em dons pessoais<br />

e extraordinários <strong>de</strong> um “indivíduo (carisma) – <strong>de</strong>voção e confiança estritamente pessoais<br />

<strong>de</strong>positadas em alguém que se singulariza por [...] qualida<strong>de</strong>s exemplares que <strong>de</strong>le fazem<br />

o chefe, isto é, na capacida<strong>de</strong> extraordinária que ele possui. Em nossos dias, esse tipo se<br />

apresenta sob o aspecto do ‘chefe <strong>de</strong> um partido parlamentar’”(WEBER, 1967: 57).<br />

Por sua vez, Gomes (1988) procura investigar a história da constituição da classe<br />

trabalhadora no Brasil atribuindo-lhe um papel <strong>de</strong> sujeito que realiza escolhas segundo<br />

o horizonte <strong>de</strong> um campo <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s. A abordagem recusa-se em atribuir aos<br />

trabalhadores uma posição política passiva. Nisso residia a gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> utilização<br />

do conceito <strong>de</strong> populismo, que remetia à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> manipulação 3 política. A obra busca atribuir<br />

aos trabalhadores um papel ativo, uma presença constante na interlocução com o Estado,<br />

reconhecendo um diálogo entre atores com recursos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r diferenciados, mas capazes<br />

<strong>de</strong> se apropriar das propostas político-i<strong>de</strong>ológicas um do outro, como <strong>de</strong> relê-las. Assim,<br />

afastava-se a dicotomia entre autonomia e heteronomia da classe, como forma <strong>de</strong> explicar a<br />

ausência <strong>de</strong> li<strong>de</strong>ranças verda<strong>de</strong>iras e a falta <strong>de</strong> consciência ou consciência possível.<br />

A existência <strong>de</strong> um pacto trabalhista era a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mediação das relações<br />

entre Estado e classe trabalhadora. A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> pacto procura enfatizar a relação entre atores<br />

<strong>de</strong>siguais, mas on<strong>de</strong> não há um Estado todo-po<strong>de</strong>roso, nem uma classe passiva porque fraca<br />

numérica e politicamente. A lógica <strong>de</strong>sse pacto, cuja efetivação estava sendo datada, precisa<br />

ser entendida numa perspectiva temporal mais ampla, que conectava o período do pré e do<br />

pós-30 e as experiências aí vivenciadas pela classe trabalhadora e pelo Estado. “O trabalho<br />

procurava se contrapor a uma forte interpretação que explicava o sucesso populista como o<br />

resultado <strong>de</strong> um cálculo utilitário em que ganhos materiais eram trocados por obediência<br />

política, claramente referida à dimensão da manipulação” (GOMES, 2001: 48).<br />

3 A categoria ‘manipulação’ é proposta pelos autores não <strong>de</strong> forma unidirecional, mas como possuidora <strong>de</strong> uma<br />

intrínseca ambiguida<strong>de</strong> , por ser tanto uma forma <strong>de</strong> controle do Estado sobre as massas quanto uma forma <strong>de</strong><br />

atendimento <strong>de</strong> suas reais <strong>de</strong>mandas. É interessante observar que Weffort chega mesmo a sugerir a substituição<br />

<strong>de</strong> ‘manipulação’ por ‘aliança’ como categoria mais precisa para o que <strong>de</strong>seja situar. Contudo, na há investimento<br />

nesta modulação, nem por parte do autor, nem por parte <strong>de</strong> muitos outros que seguem suas pegadas. (GOMES,<br />

1987: 34).<br />

172


As análises <strong>de</strong> Ianni e Weffort (her<strong>de</strong>iras da teoria da mo<strong>de</strong>rnização <strong>de</strong> Germani e Di<br />

Tella, e oriundas do Grupo <strong>de</strong> Itatiaia 4 ) apontam para a existência <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> civil<br />

incapaz <strong>de</strong> auto-organização. E a uma classe trabalhadora débil, impõe-se um Estado que,<br />

armado <strong>de</strong> eficientes mecanismos repressivos e persuasivos, seria capaz <strong>de</strong> manipular, cooptar<br />

e corromper. Se a classe não surgiu como se imaginava, ou como previa a teoria, a explicação<br />

po<strong>de</strong>ria ser encontrada no po<strong>de</strong>r repressivo <strong>de</strong> Estado, nos mecanismos sutis <strong>de</strong> manipulação<br />

i<strong>de</strong>ológica e, ainda, nas práticas <strong>de</strong>magógicas dos políticos populistas. “A teoria do <strong>de</strong>svio,<br />

assim, reforçou a interpretação que polarizava Estado e socieda<strong>de</strong>. Culpabilizar o Estado e<br />

vitimizar a socieda<strong>de</strong>, eis alguns dos fundamentos da noção <strong>de</strong> populismo” (FERREIRA,<br />

2001: 62).<br />

A <strong>de</strong>scrença <strong>de</strong> que o conceito (populismo) possa ser caracterizado como um fenômeno<br />

que tenha regido as relações entre Estado e socieda<strong>de</strong> durante o período <strong>de</strong> 1930 a 1964, ou<br />

como uma característica peculiar da política brasileira naquela temporalida<strong>de</strong>, é permanente<br />

entre parte da historiografia dos anos 1990 e 2000. O populismo, sim, constituiu-se em “uma<br />

categoria que, ao longo do tempo, foi imaginada e, portanto construída, para explicar essa<br />

mesma política”(FERREIRA, 2001: 63).<br />

O populismo estaria ligado a uma lógica política e não a um movimento i<strong>de</strong>ntificado a<br />

uma base social específica. No caso brasileiro, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Vargas até o golpe civil-militar <strong>de</strong> 1964,<br />

não se consolida uma li<strong>de</strong>rança populista nos mol<strong>de</strong>s propostos, pois <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a acomodação<br />

<strong>de</strong> seus apoiadores, por parte <strong>de</strong> Vargas, em dois partidos (PTB e PSD 5 ) refletia-se uma<br />

fragmentação política. O PTB baseava-se nos setores urbanos, especialmente operários,<br />

e tentava a partir <strong>de</strong>les <strong>de</strong>senvolver um jacobinismo populista conceito esse trabalhado<br />

por Laclau (1979) 6 . O pacto trabalhista, pensado ao longo do tempo, tem nele, “<strong>de</strong> modo<br />

integrado mas não redutível, tanto a palavra e a ação do Estado (que sem dúvida teve o<br />

privilégio <strong>de</strong> <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>á-lo), quanto a palavra e a ação da classe trabalhadora, ressaltandose<br />

que nenhum dos dois atores é uma totalida<strong>de</strong> harmônica, mantendo-se num processo <strong>de</strong><br />

permanente reconstrução” (GOMES, 2001: 48).<br />

O sucesso político dos trabalhistas e o crescimento eleitoral do PTB não foram casuais<br />

nem arbitrários, resultados das ações <strong>de</strong> um lí<strong>de</strong>r superconsciente, como Vargas, ou <strong>de</strong> uma<br />

burocracia pelego-ministerial, mas sim correspon<strong>de</strong>ram a tradições, crenças e valores que<br />

circulavam na socieda<strong>de</strong> brasileira da época. O PTB foi a institucionalização do getulismo<br />

em partido político, transformando-se em um projeto para o país, nomeado <strong>de</strong> trabalhismo.<br />

Nessa época, uma geração <strong>de</strong> pessoas, partilhando i<strong>de</strong>ias, crenças e representações,<br />

4 Em meados da década <strong>de</strong> 1950 um grupo <strong>de</strong> intelectuais sob o patrocínio do Ministério da Agricultura, passou a<br />

se reunir periodicamente com o objetivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>bater os problemas políticos do país. Como uma vanguarda o grupo<br />

(que fundou o Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Economia, Sociologia e Política (IBESP), on<strong>de</strong> participavam Guerreiro Ramos,<br />

Cândido Men<strong>de</strong>s, Hermes Lima, Hélio Jaguaribe que fundariam o ISEB) esforçou-se para formular projetos políticos<br />

e estabelecer uma nova visão <strong>de</strong> mundo. Um dos problemas i<strong>de</strong>ntificados foi o surgimento do populismo na política<br />

brasileira. O populismo era uma política <strong>de</strong> massas e estava associado a uma classe dirigente que per<strong>de</strong>ra a sua<br />

representativida<strong>de</strong>, que carecia <strong>de</strong> exemplos e valores que orientassem toda a coletivida<strong>de</strong>. (FERREIRA, 2001: 67)<br />

5 O Partido Social Democrático, durante o período <strong>de</strong> 1945-1964, conquistando a maioria no Congresso Nacional,<br />

li<strong>de</strong>rou o processo político, comprometendo os <strong>de</strong>mais partidos com uma política mo<strong>de</strong>rada. Além disso, sua origem<br />

estaria localizada nos interventores do Estado Novo e na oligarquia fundiária. O PSD, logo, não conseguiu respon<strong>de</strong>r<br />

com eficiência às novas questões surgidas durante o processo <strong>de</strong> radicalização política do início da década <strong>de</strong> 1960,<br />

fragmentando-se internamente e <strong>de</strong>struindo a coesão do sistema político. (HIPPÓLITO, 1985: 254).<br />

6 Para Laclau, no jacobinismo, as interpelações popular-<strong>de</strong>mocráticas adquirem o máximo <strong>de</strong> autonomia compatível<br />

com uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> classe. A reabsorção das interpelações populares pelos discursos i<strong>de</strong>ológicos <strong>de</strong> classe po<strong>de</strong>se<br />

dar <strong>de</strong> duas maneiras: ou os elementos popular-<strong>de</strong>mocráticos se mantêm a nível <strong>de</strong> meros elementos, enquanto se<br />

aceita, cada vez mais, o marco i<strong>de</strong>ológico vigente; ou se produz uma cristalização da inflexão jacobina: organização<br />

das interpelações popular-<strong>de</strong>mocráticas em uma totalida<strong>de</strong> sintética que, unida a outras interpelações que adaptam<br />

o jacobinismo aos interesses das classes que através <strong>de</strong>le se expressam, apresenta-se como alternativa antagônica a<br />

i<strong>de</strong>ologia vigente. (LACLAU, 1979: 181). Ver também: LACLAU, Ernesto. La razón populista. Buenos Aires: Fondo <strong>de</strong><br />

Cultura Económica, 2005. p. 150.<br />

173


acreditou no nacionalismo, na <strong>de</strong>fesa da soberania nacional, nas reformas das estruturas<br />

sócio-econômicas do Brasil, na ampliação dos direitos sociais dos trabalhadores do campo<br />

e da cida<strong>de</strong>. “Assim, entre outras <strong>de</strong>mandas materiais e simbólicas esperou encontrar os<br />

meios necessários para alcançar o real <strong>de</strong>senvolvimento do país e o efetivo bem-estar social”<br />

(FERREIRA, 2005: 11).<br />

Nesse sentido, a concepção <strong>de</strong> Ferreira aproxima-se da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> trabalhismo<br />

realizada por Gomes. “O trabalhismo seria uma categoria <strong>de</strong> análise que se referia a um<br />

conjunto <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e práticas políticas, partidárias e sindicais, o que po<strong>de</strong>ria ser i<strong>de</strong>ntificado<br />

para além <strong>de</strong> seu contexto <strong>de</strong> origem histórica, ou seja, o Estado Novo “(GOMES, 2001: 55).<br />

O trabalhismo reformista <strong>de</strong> Vargas dos anos 1950, e especialmente <strong>de</strong> Goulart e <strong>de</strong> Brizola,<br />

seria tributário da herança varguista dos anos 1930, mas também influenciado pelo i<strong>de</strong>ário<br />

nacionalista-reformista que circulava nas socieda<strong>de</strong>s latino-americanas.<br />

A socieda<strong>de</strong> brasileira, entre 1945-1964, para Ferreira (2005: 14), estaria dividida a<br />

partir da polarização social, reunindo <strong>de</strong> um lado as esquerdas, compostas por trabalhistas,<br />

comunistas, socialistas, sindicalistas, estudantes e facções das Forças Armadas, com o projeto<br />

nacional-estatista cujo programa, em termos gerais, baseava-se na soberania nacional, no<br />

<strong>de</strong>senvolvimento econômico e na justiça social; <strong>de</strong> outro, os liberais-conservadores <strong>de</strong> direita,<br />

como u<strong>de</strong>nistas, políticos tradicionais, empresários, latifundiários, meios <strong>de</strong> comunicação e<br />

facções da Forças Armadas, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo restrições aos direitos do movimento sindical, o<br />

liberalismo econômico, a abertura do país ao capital estrangeiro e o alinhamento aos Estados<br />

Unidos da América.<br />

A conjuntura <strong>de</strong>limitada pelos anos 1940 e início dos anos 1960 foi caracterizada pela<br />

crença <strong>de</strong> expressivos segmentos da socieda<strong>de</strong> civil brasileira <strong>de</strong> que a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> só seria<br />

alcançada se apoiada em um programa governamental sustentado pela industrialização, por<br />

políticas sociais distributivistas e por efetiva <strong>de</strong>fesa do patrimônio econômico e cultural do<br />

país. Esperança, reformismo, distributivismo e nacionalismo eram elementos integrantes da<br />

utopia <strong>de</strong>senvolvimentista que se constituiu como signo daquela época. Dentre os partidos<br />

que participaram da construção <strong>de</strong> um projeto político e social orientado <strong>de</strong> forma geral<br />

por tais objetivos, <strong>de</strong>staca-se o PTB, que, i<strong>de</strong>ntificado com tais proposições, apresentou um<br />

projeto específico para o Brasil, qual seja, o trabalhismo brasileiro. “Um projeto nacional<br />

preciso, <strong>de</strong>finido e concatenado com a visão <strong>de</strong> futuro que alimentou as esperanças <strong>de</strong> parte<br />

da população brasileira” (DELGADO, 2001: 72). Isso, contudo, não indica que o trabalhismo<br />

consoli<strong>de</strong>-se como um conceito substituto ao populismo.<br />

O projeto trabalhista seria her<strong>de</strong>iro da tradição 7 varguista. Constitui-se no contexto <strong>de</strong><br />

urbanização e <strong>de</strong> industrialização, e se caracterizava por um programa nacionalista, estatista<br />

e popular. Também, para Reis Filho (2001: 346), por uma autonomia no quadro das relações<br />

internacionais, com a <strong>de</strong>finição da política externa in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, bem como por um Estado<br />

intervencionista no campo econômico, regulador e <strong>de</strong>senvolvimentista. I<strong>de</strong>ntificados com<br />

essa tradição, conformaram-se, além <strong>de</strong> sindicatos oficiais, o PTB, que exercia a li<strong>de</strong>rança<br />

das lutas nacionalistas (contra o capital estrangeiro, por uma lei rigorosa sobre a remessa<br />

<strong>de</strong> lucros para o exterior, pela afirmação do po<strong>de</strong>r e cultura nacionais), pela distribuição <strong>de</strong><br />

renda (aumento salariais, reforma tributária) e <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r (voto para os analfabetos e para os<br />

graduados das Forças Armadas, controle sobre o po<strong>de</strong>r econômico das eleições etc.).<br />

Tanto a tradição trabalhista quanto a comunista impregnaram todo o período <strong>de</strong> 1945-<br />

1964, segundo Reis Filho (2001: 347), ora competindo entre si, ora compondo alianças. Tais<br />

7 O termo tradição inventada é utilizado num sentido amplo, mas nunca in<strong>de</strong>finido. Inclui tanto as tradições<br />

realmente inventadas, construídas e formalmente institucionalizadas, quanto as que surgiram <strong>de</strong> maneira mais<br />

difícil <strong>de</strong> localizar num período limitado e <strong>de</strong>terminado no tempo. Por tradição inventada enten<strong>de</strong>-se um conjunto<br />

<strong>de</strong> práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, <strong>de</strong> natureza ritual<br />

ou simbólica, visam a inculcar certos valores e normas <strong>de</strong> comportamento através da repetição, o que implica<br />

automaticamente uma continuida<strong>de</strong> em relação ao passado. (HOBSBAWM; RANGER, 1997: 9).<br />

174


tradições não se afirmaram graças a manobras maquiavélicas <strong>de</strong> cérebros iluminados, ou<br />

<strong>de</strong> hábeis prestidigitadores. Não são obras do acaso, nem efeito <strong>de</strong> equívocos, ou ilusões.<br />

Afirmaram-se porque foram acolhidas pelos trabalhadores. Essas duas tradições históricas<br />

constituíam-se como as esquerdas <strong>de</strong>sse período histórico, com projetos bem <strong>de</strong>finidos em<br />

programas políticos para o país. Nesses programas predominavam o reformismo social e o<br />

nacionalismo, daí a aproximação <strong>de</strong>ssas tradições nos anos 1950 e 1960. Diante <strong>de</strong>sse quadro<br />

<strong>de</strong> organização <strong>de</strong> duas perspectivas políticas esquerdizantes, os setores conservadores da<br />

socieda<strong>de</strong> civil e dos círculos militares organizaram uma reação que mais tar<strong>de</strong> poria fim ao<br />

período <strong>de</strong> plena <strong>de</strong>mocracia política formal. Assim, os trabalhadores acolheram as tradições<br />

das esquerdas trabalhista e comunista.<br />

Essa visão contrapõe-se à generalização ou homogeneização dos setores sociais em<br />

categorias conceituais abstratas, como povo, massas, classe média. Ao estudar o universo<br />

dos trabalhadores, nunca encontramos nem trabalhadores isolados, nem uma teórica da<br />

classe trabalhadora com uma ação unitária, mas uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> micro-socieda<strong>de</strong>s<br />

e <strong>de</strong> organizações trabalhadoras (grêmios, ligas, cooperativas, sindicatos), cujas referências<br />

culturais e i<strong>de</strong>ológicas são muito diversificadas: anarquistas, comunistas, socialistas, cristãs<br />

etc. Todas essas coletivida<strong>de</strong>s, segundo Guerra (1993: 237), têm suas próprias formas <strong>de</strong><br />

organização, suas tradições e culturas específicas, uma história e uma memória particulares<br />

etc. É epistemologicamente impossível outorgar a algum <strong>de</strong>sses agrupamentos sociais<br />

o atributo <strong>de</strong> encarnar ou representar esse grupo social que seria o dos trabalhadores. O<br />

mesmo se po<strong>de</strong>ria dizer <strong>de</strong> outros abstratos setores sociais, como o campesinato, a burguesia,<br />

as classes médias, entre outros.<br />

Assim, procura-se romper com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> manipulação <strong>de</strong> massas trabalhadoras, feita<br />

por parte <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res carismáticos populistas, enfoque este que predominou em parte da<br />

historiografia sobre o período estudado, durante os anos <strong>de</strong> 1970-1980. A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> atores<br />

sociais que, diante <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada conjuntura, procuram associar suas <strong>de</strong>mandas a uma<br />

cultura política 8 específica, parece ser mais a<strong>de</strong>quada para analisar a estruturação do<br />

trabalhismo brasileiro nos anos <strong>de</strong> 1950 e 1960.<br />

Esse trabalhismo 9 passa por uma fase <strong>de</strong> radicalização <strong>de</strong> seu programa. A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

povo é ressaltada como um campo político e social oposto ao antipovo (representado por<br />

grupos oligárquicos e empresariais ligados ao capital financeiro internacional). Essa era a<br />

essência do trabalhismo, entendido como uma tradição política das esquerdas do período.<br />

As ações políticas <strong>de</strong> suas principais li<strong>de</strong>ranças, especialmente a partir da segunda meta<strong>de</strong><br />

dos anos <strong>de</strong> 1950, caracterizaram-se por uma aproximação cada vez mais consi<strong>de</strong>rável com<br />

os movimentos sociais que buscavam uma reforma social.<br />

A presente pesquisa preten<strong>de</strong> ir além da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> populismo realizada por<br />

teóricos, her<strong>de</strong>iros da teoria da mo<strong>de</strong>rnização (Germani e di Tella, já referidos), como Ianni<br />

8 É interessante enfatizar o trabalhismo como uma das tradições que integram uma cultura política brasileira do<br />

pós-1945. Enten<strong>de</strong>-se, portanto, que uma cultura política é um conjunto <strong>de</strong> referências, mais ou menos formalizadas<br />

em instituições (no caso, partidos e sindicatos), e mais ou menos difundidas na socieda<strong>de</strong>. Ela não é homogênea<br />

e sofre transformações temporais e espaciais. É uma categoria polêmica, mas sua utilida<strong>de</strong> vem sendo testada<br />

em pesquisas que procuram enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> forma menos abstrata o comportamento e os valores políticos <strong>de</strong> atores<br />

individuais e coletivos. Quando fala-se do trabalhismo como uma das importantes i<strong>de</strong>ologias e tradições da<br />

cultura política brasileira, <strong>de</strong>staca-se o caráter plural do que se enten<strong>de</strong> por uma cultura política. Ela é marcada<br />

pela diversida<strong>de</strong>, pela competitivida<strong>de</strong> e pelo movimento. Também não enten<strong>de</strong>-se as tradições como algo rígido;<br />

elas são móveis, e sua força e duração vêm exatamente <strong>de</strong>ssa capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudança, que é gran<strong>de</strong>, mas não é<br />

arbitrária. (GOMES, 2005: 41)<br />

9 Misto <strong>de</strong> um forte dirigismo estatal e <strong>de</strong> uma forte conotação distributivista e participacionista, as propostas do<br />

programa inicial do PTB <strong>de</strong>sdobraram-se em novas proposições e renovaram-se ao longo da conjuntura em que o<br />

partido atuou. Mas sua marca inicial, que pressupunha uma forte interlocução do partido com os trabalhadores,<br />

<strong>de</strong>sdobrou-se como característica permanente da atuação dos trabalhistas. Apesar da existência <strong>de</strong> concepções<br />

diversificadas, havia um eixo, uma estrutura dorsal nacionalista, distributivista e <strong>de</strong>senvolvimentista, que fez com<br />

que o trabalhismo se constituísse, inegavelmente, em um projeto para o país. (DELGADO, 2001: 177)<br />

175


e Weffort. Essa classificação <strong>de</strong> populismo buscava <strong>de</strong>finir <strong>de</strong> maneira negativa o conceito <strong>de</strong><br />

populismo. Enten<strong>de</strong>-se através da pesquisa que diferentemente do populismo <strong>de</strong>finido pela<br />

referida historiografia representada por Ianni e Weffort, a atuação política <strong>de</strong> Leonel Brizola<br />

e do trabalhismo reformista da segunda meta<strong>de</strong> dos anos 1950 eram her<strong>de</strong>iros da cultura<br />

política trabalhista construída a partir <strong>de</strong> tradições políticas (varguismo, nacionalismo,<br />

reformismo) anteriores a criação do PTB. Na medida em que Brizola buscava constituir um<br />

campo político, qual seja, o “povo”, e o objetivo seria se opor a um outro campo, “antipovo”<br />

que representaria os interesses oligárquicos e burgueses associados ao capital estrangeiro.<br />

Laclau (1979: 172) aponta que “povo” não é um mero conceito retórico, mas uma<br />

<strong>de</strong>terminação objetiva, um dos dois pólos da contradição dominante ao nível <strong>de</strong> uma formação<br />

social concreta. Tal perspectiva abre o caminho para a compreensão da relativa continuida<strong>de</strong><br />

das tradições populares, em contraste com as <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>s históricas que caracterizam<br />

a estrutura <strong>de</strong> classes. O discurso político marxista é pródigo em referência à luta secular do<br />

povo contra a opressão, às tradições populares <strong>de</strong> luta etc. Como se sabe, essas tradições estão<br />

cristalizadas em símbolos, valores, nos quais os sujeitos interpelados por elas encontram<br />

um princípio <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. As tradições populares constituem o conjunto <strong>de</strong> interpelações<br />

que expressam a contradição povo/bloco <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r como distinta <strong>de</strong> uma contradição <strong>de</strong><br />

classe. Na medida em que as tradições populares representam a cristalização i<strong>de</strong>ológica da<br />

resistência à opressão geral, isto é, à própria forma do Estado, <strong>de</strong>verão ter maior duração do<br />

que as i<strong>de</strong>ologias <strong>de</strong> classe e constituirão um marco estrutural <strong>de</strong> referência mais estável do<br />

que estas últimas. Além disso, as tradições populares não constituem discursos coerentes e<br />

organizados, mas, puramente, elementos que só existem articulados a discursos <strong>de</strong> classe.<br />

A presença <strong>de</strong> elementos populares em um discurso não é suficiente para transformálo<br />

em populista. O populismo, segundo Laclau (1979: 114) começa no ponto em que os<br />

elementos popular-<strong>de</strong>mocráticos se apresentam como opção antagônica face à i<strong>de</strong>ologia do<br />

bloco dominante, especialmente oligárquico. E o conjunto i<strong>de</strong>ológico, do qual o populismo<br />

é apenas um momento, consiste na articulação <strong>de</strong>sse momento antagônico a discursos<br />

<strong>de</strong> classe divergentes. O populismo está ligado à apresentação <strong>de</strong> interpelações popular<strong>de</strong>mocráticascomo<br />

um conjunto sintético-antagônico com relação à i<strong>de</strong>ologia dominante.<br />

Assim, o populismo surgiria ligado a uma crise do discurso i<strong>de</strong>ológico dominante que é, por<br />

sua vez, parte <strong>de</strong> uma crise social mais geral, tendo pouco a ver com uma <strong>de</strong>terminada etapa<br />

do <strong>de</strong>senvolvimento, como supõe o enfoque funcionalista. “Os fenômenos populistas po<strong>de</strong>m<br />

se apresentar nos mais variados contextos” (LACLAU, 1979: 179).<br />

Existem dois tipos distintos <strong>de</strong> populismo: um populismo das classes dominantes e<br />

um populismo das classes dominadas. Isso não significaria que o populismo seja sempre<br />

revolucionário. “Basta que, para assegurar sua hegemonia, uma classe ou fração <strong>de</strong> classe<br />

requeira uma transformação substancial do bloco <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r para que uma experiência<br />

populista se torne possível” (LACLAU, 1979: 179).<br />

Essa noção <strong>de</strong> populismo das classes dominadas aproxima-se do que Panizza (2009:<br />

11-12) aponta como um terceiro enfoque <strong>de</strong> populismo. Essa concepção, no entendimento<br />

<strong>de</strong> Panizza (2009: 13-14), aponta para a constituição do “povo” como um ator político,<br />

enten<strong>de</strong>ndo o populismo como um discurso anti status quo que simplifica o espaço político<br />

mediante a divisão simbólica da socieda<strong>de</strong> entre “o povo” (como os “<strong>de</strong> baixo”) e seu<br />

“oposto” (ou seu “outro”):<br />

As i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s tanto do “povo” como do “outro” são construções políticas, constituídas<br />

simbolicamente mediante a relação entre sua forma (o povo como significante) e seu<br />

conteúdo (o povo como significado) está dada pelo seu próprio processo <strong>de</strong> nominação, ou<br />

seja, <strong>de</strong> estabelecimento <strong>de</strong> quem são os inimigos do povo (e para tanto, quem é o povo).<br />

Uma dimensão anti status quo é essencial ao populismo, já que a constituição plena das<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s populares necessita a <strong>de</strong>rrota do “outro”, o que é entendido como opressor ou<br />

explorador do povo. O “outro”, em oposição ao “povo”, po<strong>de</strong> ser apresentado em termos<br />

176


políticos ou econômicos ou como uma combinação <strong>de</strong> ambos, significando “a oligarquia”,<br />

“os políticos”, um grupo étnico ou religioso dominante, “os insi<strong>de</strong>rs” <strong>de</strong> Washington, a<br />

“plutocracia”, ou qualquer outro grupo que impeça o povo atingir sua plenitu<strong>de</strong>. [...] O<br />

populismo é um modo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação a disposição <strong>de</strong> qualquer ator político que opere<br />

em um campo discursivo no qual a noção <strong>de</strong> soberania do povo e seu corolário inevitável,<br />

o conflito entre os po<strong>de</strong>rosos e os fracos, constituem elementos centrais <strong>de</strong> seu imaginário<br />

político.<br />

Embora consi<strong>de</strong>re-se que o conceito <strong>de</strong> populismo construído por Panizza e Laclau<br />

estejam <strong>de</strong>spojado <strong>de</strong> um viés pejorativo para <strong>de</strong>signar um político populista, a pesquisa adota<br />

o conceito <strong>de</strong> cultura política trabalhista para <strong>de</strong>finir as ações políticas <strong>de</strong> Leonel Brizola<br />

e dos atores políticos que compartilhavam <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias reformistas radicais, nacionalismo e<br />

fortalecimento do Estado nacional. Mesmo consi<strong>de</strong>rando que Brizola procurava polarizar<br />

o “povo” do seu oponente (ou “outro”, conforme Panizza), qual seja, o “antipovo”. Assim,<br />

<strong>de</strong> um lado havia o povo constituído por trabalhadores urbanos e rurais, mas também por<br />

estudantes, militares nacionalistas, intelectuais comprometidos, entre outros, como aponta<br />

Panfleto (1964: 14):<br />

177<br />

Em suas lutas o “povo” manifesta seu inconformismo com protestos <strong>de</strong> rua, greves, luta pela terra<br />

e <strong>de</strong>fesa das ban<strong>de</strong>iras nacionalistas. Mas, <strong>de</strong> outro, existe o anti-povo: uma minoria <strong>de</strong> brasileiros<br />

egoístas e vendilhões <strong>de</strong> sua Pátria, minoria po<strong>de</strong>rosa e dominante sobre a vida nacional – <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

o latifúndio, a economia e a finança, a gran<strong>de</strong> imprensa, os controles da política até aos negócios<br />

internacionais – associou-se ao processo <strong>de</strong> espoliação <strong>de</strong> nosso povo. Esta minoria é que<br />

chamamos <strong>de</strong> anti-povo, <strong>de</strong> anti-nação.<br />

Essa dicotomia apregoada por Brizola apareceria como um instrumento da luta política<br />

no sentido <strong>de</strong> construir uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, “povo”, em oposição ao campo político que <strong>de</strong>fendia<br />

interesses incompatíveis com a plena satisfação das necessida<strong>de</strong>s da maioria da população. A<br />

ação política <strong>de</strong> Brizola apontaria para a intensificação <strong>de</strong> um reformismo (PRZEWORSKI,<br />

1989: 58) somado a radicalização da cultura política trabalhista predominante no PTB.<br />

No presente trabalho procurou-se discutir a aplicabilida<strong>de</strong> do conceito <strong>de</strong> populismo<br />

para analisar a conjuntura estudada. Nota-se que o conceito, especialmente utilizado por<br />

autores her<strong>de</strong>iros da teoria da mo<strong>de</strong>rnização, como Weffort e Ianni, entendiam que o pacto<br />

populista predominava nas relações entre lí<strong>de</strong>res carismáticos e massa <strong>de</strong> trabalhadores. Na<br />

pesquisa <strong>de</strong>limitou-se que o conceito <strong>de</strong> populismo foi historicamente construído e utilizado<br />

por um setor da historiografia latino-americana por um período, optando-se por consi<strong>de</strong>rar<br />

as ações <strong>de</strong> li<strong>de</strong>ranças trabalhistas, como Brizola, como her<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> tradições específicas<br />

como, nacionalismo, fortalecimento do Estado e reformismo social.<br />

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