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FILOSOFIA DA TEORIA POLÍTICA: ALGUNS MOMENTOS

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96<br />

cadernos ufs - filosofia<br />

submissão ou a isenção do Estado frente à moralidade religiosa 9 . O Príncipe é o<br />

exemplo mais emblemático desse tipo de escrita, já que desenvolve o conselho não<br />

apenas em seu conteúdo, mas também na forma do texto. No caso dessa obra<br />

especificamente, como bem se sabe, ela foi feita com um destinatário já em mente,<br />

o “Magnífico Lourenço de Médici”, assim como consta em sua introdução.<br />

Haveria um paradoxo no fato de que Maquiavel seja visto como aquele que<br />

inicia a visão de que o soberano não deve ser julgado – isto é, que não se<br />

pode dizer se agiu de modo certo ou errado – e o fato de que o próprio autor<br />

escreve uma obra para indicar como agir corretamente? Trata-se aí de compreender<br />

as concepções de certo e errado que podemos encontrar no autor: o<br />

certo e o errado estão sujeitos à situação em que o príncipe se encontra e não<br />

necessariamente a algum critério imutável.<br />

Para responder à pergunta, deve-se esclarecer que, em Maquiavel, contrariamente<br />

ao que muitas vezes se considera, não há uma oposição entre a moral<br />

do príncipe e a da Igreja; há apenas uma diferenciação. Assim, essas duas<br />

morais caminham paralelamente. A ação do príncipe não é necessariamente<br />

imoral, ela apenas pode vir a ser. Em outros momentos, pode ser que ambas<br />

coincidam e que a virtude do príncipe oriente para a mesma ação que a virtude<br />

religiosa. Em tais casos, sem dúvida, o príncipe terá seguido sua própria<br />

moral, mas não convém dizer que a moral cristã tenha sido contrariada. Em<br />

outros momentos tal coincidência não ocorrerá e a separação entre Estado e<br />

religião que era potencial se tornará real. A intenção teórica parece ser a de<br />

que isso não gere prejuízo algum ao príncipe, de modo que este não hesite em<br />

ir contra a moral cristã, caso considere necessário. A soberania se torna então<br />

absoluta, já que essa deve ser pensada não apenas em relação aos outros<br />

domínios – ou outros governantes – mas também referindo-se à independência<br />

em relação à Igreja enquanto ator supranacional. As críticas que se desenvolveram<br />

sobre esse tema da existência ou não de uma moral própria do<br />

Estado para orientar os governantes darão origem ao pensamento sobre a<br />

razão de Estado 10 . Muitas delas não tinham a intenção de colaborar com os<br />

argumentos de Maquiavel, mas, ao contrário, pretendiam colocar limites ao<br />

que se chamou de maquiavelismo, isto é, a ação indiscriminada dos<br />

governantes, seguindo apenas seus próprios interesses 11 .<br />

9 Diz Skinner sobre esse problema, referindo-se ao conflito entre Erasmo e Maquiavel: “Maquiavel supõe, com<br />

o espírito de um utilitário moderno, que a pergunta fundamental deve ser como conservar a própria república.<br />

Assim, então, apóia invariavelmente a necessidade de um cálculo prudente das conseqüências prováveis”<br />

(ob.cit. p.279. Tradução minha, do espanhol).<br />

10 Discutir razão de Estado em Maquiavel não é tão simples quanto muitas vezes se propõe. Ocorre que no momento<br />

da obra não há propriamente o que conhecemos como Estado em sua concepção moderna. Tampouco na teoria<br />

é possível encontrar os elementos formais que se exige para considerar um sistema político como Estado. A<br />

ausência do direito na discussão do autor é apenas um dos elementos que geram essa dificuldade. Segundo Yves-<br />

Charles Zarka (1996), a razão de Estado apenas se constituiria definitivamente no plano teórico após as obras de<br />

Jean Bodin, que puderam separar a soberania do governo, o que, em Maquiavel, ainda não ocorre.<br />

11 Perceba-se que o maquiavelismo, assim como outros “ismos” é um recorte seletivo da teoria de Maquiavel.<br />

A ação do governante não é exatamente aleatória, uma vez que deve corresponder à virtude do príncipe. No<br />

entanto, foram essa considerações sobre a arbitrariedade da ação do príncipe, e não os próprios textos do<br />

autor, que levaram às mais ferozes críticas contra ele.

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