FONSECA, Sherloma Starlet. Memórias de um constitucionalista
FONSECA, Sherloma Starlet. Memórias de um constitucionalista FONSECA, Sherloma Starlet. Memórias de um constitucionalista
ao repórter. Essa era uma ação estratégica, pois assim, sabiam que as boas notícias chegariam aos parentes (tranquilizando-os), aos paulistas nas cidades (entusiasmando-os) e aos inimigos (amedrontando-os). É nesse sentido que se entende a observação de Brussolo (1932, p. 90) de que: “O nome da 'Gazeta' é uma varinha de condão. Naquelles (sic) rostos fatigados só há sorrisos para a gente. Ficamos desvanecidos!”. No cumprimento de seu ofício, o repórter seleciona o conteúdo e a forma com que esse será comunicado. Muitas publicações tinham como objetivo acalentar e entusiasmar a população paulista, pois muitos eram familiares dos combatentes. Além disso, o repórter tinha consciência de que a guerra exigia o controle de informações. É estratégico que diante das hostilidades, cada lado procurasse divulgar só a sua verdade ou até manipular a verdade, pois a informação é parte do aparato de guerra. Por isso, as descrições das privações enfrentadas pelos constitucionalistas aparecem discretamente no diário do repórter, e não chegavam ao jornal. Nesse contexto, o autor apresentou-se surpreso com as notícias de derrota constitucionalista. Em 28 de setembro, o autor havia chegado de uma visita a Guaratinguetá, onde encontrou a cidade abandonada pelos civis, após ter sido bombardeada pela artilharia do Governo Central. Comenta que o cenário lhe fez recordar as cenas vistas no cinema que remontavam à Grande Guerra. Ao comparar com os rastros de destruição nas proporções de um conflito nunca antes visto, o autor dramatiza a condição paulista. Na data, o repórter teve notícias de que as expectativas de vitória estavam frustradas, sendo essa recebida com espanto diante do inesperado. Como dizia, acabo de vir de Guará. E o que logo me surprehendeu (sic) foram as palavras sopradas ao meu ouvido por um amigo: – Parece que estamos perdidos! Ri largamente, até que lágrimas borbulharam em meus olhos: – Perdido? E por que? (sic) – O porque, ignoro. Apenas tenho o pressentimento de que São Paulo se renderá. Fitei-o, intrigado. – Que é que faz pensar desse modo? – Desde manhã correm numerosos e insistentes boatos de que o general Klinger vae (sic) pedir um armistício, durante o qual serão assentados as bases da paz. A principio não dei credito ao que se dizia. Mas, tanto se insistiu no assumpto, que agora me convenci de que assim será. Uma voz interior me leva a pensar do mesmo modo. – Você está muito pessimista. Pense em cousas alegres e verá que essa nuvem passará. – Talvez tenha razão. No entanto... não creio. E assim nos despedimos. (BRUSSOLO, 1932, p. 244-245) 96
Nesse momento, começavam a circular os boatos de que o Comando pedia o armistício. Brussolo destacou que uma atmosfera diferente rondava as cidades: a população demonstrava estar apreensiva e insatisfeita. As notícias chegavam desencontradas e dificultavam a atividade jornalística: “Nós, os repórteres, andamos em terreno accidentado (sic). Não logramos pisar com firmesa (sic). Corremos atabalhoadamente, à cata de notícias. E não obtemos informações que nos venham illucidar (sic) e arrancar desta teia que nos envolve” (p. 246). O final do conflito é apresentado como uma traição da Força Pública, que se rendeu, e do General Bertholdo Klinger, que organizou o armistício. Crescia-se a cólera contra os que favoreceram os entendimentos com o Governo De Vargas e, especialmente, contra o general. Segundo o repórter, os mais exaltados falavam em fuzilamento dos traidores, que abusaram da boa fé ilimitada do povo. A população e os soldados foram inocentados da responsabilidade da derrota e continuaram sendo glorificados. O comportamento dos paulistas após o armistício demonstrou a vergonha e a revolta com o desfecho inesperado. Segundo o autor (1932, p. 260), a opinião pública se levantou para patentear seu desagrado ao manifestar: “Ser vencido, sim; mas, vencido com honra!”. Ao final da guerra, o povo gritava: “Antes vêr (sic) São Paulo arrazado (sic) e todos seus filhos mortos que mais um vez tornal-o captivos (sic)! Grande terra! Grande terra!” (p. 260-261). Buscavam proteger a honra dos bandeirantes, da terra de Piratininga. Como repórter, Armando Brussolo presenciou a guerra de perto e apresentou ao público as pretensões de imparcialidade. Contrariamente, sua exposição apresenta-se pouco informativa e bastante subjetiva. Até o último instante tentou-se manter o moral elevado dos constitucionalistas. Assim, ocultavam as dificuldades e limitações enfrentadas pelo grupo, que culminaram no avanço das tropas ditatoriais e na derrota constitucionalista. Ao final da guerra, Armando Brussolo comentou seu desfecho, que envergonhara os homens dispostos a morrer pelo movimento constitucionalista e, sucessivamente, elogiou a grandeza do movimento: “Tudo, portanto, está terminado! Findou esse grande movimento, essa épica revolução constitucionalista que, na história da nação brasileira, há de passar como sendo a Epopéa de São Paulo!” (p. 277). Nos capítulos seguintes, dedica-se a defender a superioridade paulista, afastando qualquer contrassenso. Procurou desmentir os argumentos ditatoriais, identificando o separatismo como o motivo da guerra, e que São Paulo estava em penúria em razão do bloqueio organizado pelo governo. Em seus comentários finais sobre a obra, Armando Brussolo (Ibidem, p. 286-287) 97
- Page 47 and 48: irmãos negros, formar com eles bat
- Page 49 and 50: liberdade, adequando-se à tutela d
- Page 51 and 52: Negra era então enviada para a lin
- Page 53 and 54: pobreza e o trabalho braçal e a re
- Page 55 and 56: História. Palmares pelo Avesso car
- Page 57 and 58: O contexto político aproximou aind
- Page 59 and 60: Nesse período, o autor começou, c
- Page 61 and 62: por meio do ofício de jornalista,
- Page 63 and 64: Pensei primeiro escrever a uma auto
- Page 65 and 66: neste século que já vai descamban
- Page 67 and 68: da topografia da região, pois o fa
- Page 69 and 70: frente ao posto de saúde [...]. O
- Page 71 and 72: defesa. Ao combatente restava a exc
- Page 73 and 74: é ruim mesmo pra toda a vida (DUAR
- Page 75 and 76: frente. Mas antes de partir, pela m
- Page 77 and 78: Foi nesse instante que me apossei d
- Page 79 and 80: passavam, em sentido contrário, as
- Page 81 and 82: O depauperamento da tropa trazido p
- Page 83 and 84: Vala Suja ficava no Vale do Paraíb
- Page 85 and 86: A concepção de que expor as tropa
- Page 87 and 88: “dezenas de detonações”. Ness
- Page 89 and 90: lenda, desmoralizavam-se, depois do
- Page 91 and 92: vitória não implica no reconhecim
- Page 93 and 94: É nesse sentido que nos propusemos
- Page 95 and 96: Casper Líbero era filho do médico
- Page 97: uma guerra gloriosa, enfatizando a
- Page 101 and 102: Contribuição para a História da
- Page 103 and 104: coragem”, saíram em luta por ela
- Page 105 and 106: O general Bertholdo Klinger alegou
- Page 107 and 108: egiões solidamente fortificadas, e
- Page 109 and 110: história e o lema dos mosqueteiros
- Page 111 and 112: Mais uma vez, Paulo Duarte critica
- Page 113 and 114: de procedimentos cinematográficos.
- Page 115 and 116: da tensão, do inesperado e do somb
- Page 117 and 118: 115 gente, cadelas!... Mas as balas
- Page 119 and 120: 117 O material humano era como o de
- Page 121 and 122: Embora o desfecho não tenha sido f
- Page 123 and 124: CONSIDERAÇÕES FINAIS A revoluçã
- Page 125 and 126: suas narrativas 67 , embora seja n
- Page 127 and 128: transição no cenário nacional, t
- Page 129 and 130: REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMO
- Page 131 and 132: DUMAS, Alexandre. Os três mosquete
- Page 133 and 134: NEVES, Margarida de Souza. Uma escr
- Page 135 and 136: COSTA, Ricardo. Os olhos e o cinema
ao repórter. Essa era <strong>um</strong>a ação estratégica, pois assim, sabiam que as boas notícias chegariam<br />
aos parentes (tranquilizando-os), aos paulistas nas cida<strong>de</strong>s (entusiasmando-os) e aos inimigos<br />
(amedrontando-os). É nesse sentido que se enten<strong>de</strong> a observação <strong>de</strong> Brussolo (1932, p. 90) <strong>de</strong><br />
que: “O nome da 'Gazeta' é <strong>um</strong>a varinha <strong>de</strong> condão. Naquelles (sic) rostos fatigados só há<br />
sorrisos para a gente. Ficamos <strong>de</strong>svanecidos!”.<br />
No c<strong>um</strong>primento <strong>de</strong> seu ofício, o repórter seleciona o conteúdo e a forma com que<br />
esse será comunicado. Muitas publicações tinham como objetivo acalentar e entusiasmar a<br />
população paulista, pois muitos eram familiares dos combatentes. Além disso, o repórter tinha<br />
consciência <strong>de</strong> que a guerra exigia o controle <strong>de</strong> informações. É estratégico que diante das<br />
hostilida<strong>de</strong>s, cada lado procurasse divulgar só a sua verda<strong>de</strong> ou até manipular a verda<strong>de</strong>, pois<br />
a informação é parte do aparato <strong>de</strong> guerra. Por isso, as <strong>de</strong>scrições das privações enfrentadas<br />
pelos <strong>constitucionalista</strong>s aparecem discretamente no diário do repórter, e não chegavam ao<br />
jornal.<br />
Nesse contexto, o autor apresentou-se surpreso com as notícias <strong>de</strong> <strong>de</strong>rrota<br />
<strong>constitucionalista</strong>. Em 28 <strong>de</strong> setembro, o autor havia chegado <strong>de</strong> <strong>um</strong>a visita a Guaratinguetá,<br />
on<strong>de</strong> encontrou a cida<strong>de</strong> abandonada pelos civis, após ter sido bombar<strong>de</strong>ada pela artilharia do<br />
Governo Central. Comenta que o cenário lhe fez recordar as cenas vistas no cinema que<br />
remontavam à Gran<strong>de</strong> Guerra. Ao comparar com os rastros <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição nas proporções <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong> conflito nunca antes visto, o autor dramatiza a condição paulista. Na data, o repórter teve<br />
notícias <strong>de</strong> que as expectativas <strong>de</strong> vitória estavam frustradas, sendo essa recebida com espanto<br />
diante do inesperado.<br />
Como dizia, acabo <strong>de</strong> vir <strong>de</strong> Guará. E o que logo me surprehen<strong>de</strong>u (sic)<br />
foram as palavras sopradas ao meu ouvido por <strong>um</strong> amigo:<br />
– Parece que estamos perdidos!<br />
Ri largamente, até que lágrimas borbulharam em meus olhos:<br />
– Perdido? E por que? (sic)<br />
– O porque, ignoro. Apenas tenho o pressentimento <strong>de</strong> que São Paulo se<br />
ren<strong>de</strong>rá.<br />
Fitei-o, intrigado.<br />
– Que é que faz pensar <strong>de</strong>sse modo?<br />
– Des<strong>de</strong> manhã correm n<strong>um</strong>erosos e insistentes boatos <strong>de</strong> que o general<br />
Klinger vae (sic) pedir <strong>um</strong> armistício, durante o qual serão assentados as<br />
bases da paz. A principio não <strong>de</strong>i credito ao que se dizia. Mas, tanto se<br />
insistiu no ass<strong>um</strong>pto, que agora me convenci <strong>de</strong> que assim será. Uma voz<br />
interior me leva a pensar do mesmo modo.<br />
– Você está muito pessimista. Pense em cousas alegres e verá que essa<br />
nuvem passará.<br />
– Talvez tenha razão. No entanto... não creio.<br />
E assim nos <strong>de</strong>spedimos. (BRUSSOLO, 1932, p. 244-245)<br />
96