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FONSECA, Sherloma Starlet. Memórias de um constitucionalista

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enquisilante 36 também. Aparecem por minutos, n<strong>um</strong>a elegância e n<strong>um</strong>a<br />

prosápia ostensiva, para <strong>de</strong>pois contar lá atrás. Foi <strong>um</strong> <strong>de</strong>stes que veio, <strong>um</strong><br />

dia, aqui. Parecia cavalo <strong>de</strong> caboclo rico. Completamente arreado. Tinha<br />

tudo. Revolver, binóculo, canivete com serrinha, saca-rolhas, abridor <strong>de</strong><br />

cerveja, furador, <strong>um</strong> canivete tipo caixa <strong>de</strong> ferramenta; e ainda <strong>um</strong>a<br />

combinação admirável <strong>de</strong> correias cruzando no peito, cruzando nas costas;<br />

<strong>um</strong> capacete <strong>de</strong> aço com as armas da República, esporas <strong>de</strong> metal branco,<br />

botas <strong>de</strong> verniz; culote com reforço <strong>de</strong> camurça na bunda. Lindo que estava<br />

aquele tenente! (DUARTE, 1947, p.133).<br />

Paulo Duarte <strong>de</strong>screveu, em minúcias, o traje e os aparatos do tenente, aproximando-<br />

se da caricatura, com a clara intenção <strong>de</strong>, por meio do escárnio, con<strong>de</strong>nar a atitu<strong>de</strong> da elite<br />

militar paulista. Comparemos com a forma com que o autor <strong>de</strong>screve o soldado da frente:<br />

Alguns caminhões cheios <strong>de</strong> soldados, sujos e barbados passaram r<strong>um</strong>o a<br />

Cachoeira. Vultos todos parecidos, uns com os outros, da mesma côr,<br />

estandardizados pela sujeira. Uns <strong>de</strong> cara ou braços amarrados. Manchas <strong>de</strong><br />

sangue. Com certeza, heróis da frente.<br />

[Heróis] não eram. O Mariano explicou que era tropa <strong>de</strong>smoralizada que ia<br />

refazer-se na retaguarda. (DUARTE, 1947, p.19)<br />

Os ferimentos e a fisionomia cansada i<strong>de</strong>ntificavam (e visivelmente diferenciavam) os<br />

soldados que foram para a frente (tendo atitu<strong>de</strong>s heróicas ou não) daqueles que permaneceram<br />

na retaguarda. A crítica resvalava-se nos valores hierárquicos da instituição militar. A<br />

restauração da disciplina não se tornou por acaso a preocupação básica dos chefes militares<br />

envolvidos nos dois lados do conflito em 1932.<br />

O combatente transformava a guerra em experiência pedagógica, tanto no que diz<br />

respeito à aprendizagem das práticas corriqueiras <strong>de</strong> <strong>um</strong> soldado, como na transformação do<br />

cidadão paulista e brasileiro. A analogia entre guerra e socieda<strong>de</strong> é evi<strong>de</strong>nciada quando o<br />

autor <strong>de</strong>screve as funções <strong>de</strong> oficiais e soldados.<br />

Nessa noite, aprendi que o soldado na trincheira é igual a <strong>um</strong>a criança.<br />

Criança boa porque sabe que está ali para morrer e ali fica conformado, sem<br />

<strong>um</strong>a queixa. Mas, como toda criança, atento no exemplo dos mais velhos.<br />

Imita-lhe os gestos, imita-lhe as ações.<br />

O que o oficial faz, o soldado também faz. Se o oficial avança, ele avança, se<br />

corre, ele também corre. Todos são bons. Matéria prima boa <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong><br />

quem a trabalha. Oficiais, sim, estes há os bons e há os maus. Por causa dos<br />

maus oficiais, - mais tar<strong>de</strong> veria tantas vezes! - tantos soldados maus. Estes é<br />

que levavam a fama. Aqueles nem sanção conheceram para as suas vilezas<br />

[...].<br />

Mais tar<strong>de</strong>, pouco mais tar<strong>de</strong>, iria apren<strong>de</strong>r ainda outra coisa. O soldado<br />

ruim, facilmente, se transforma em bom soldado, ao passo que o oficial ruim<br />

36 O texto provavelmente apresenta alg<strong>um</strong> erro ortográfico, contudo, a citação foi mantida como no original.<br />

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