FONSECA, Sherloma Starlet. Memórias de um constitucionalista

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enfatiza a questão da má organização da guerra. Na citação acima, entende-se que a demarcação do momento inicial das batalhas não aparenta ser o fato de maior relevância, pois parecia evidente o caminho ao qual as hostilidades levariam. O que é criticada é a falta de planejamento, especialmente estratégico, sobre as manobras, os recursos materiais e humanos e toda a organização exigida em um confronto armado e, principalmente, a falta de coragem de lutar. A situação encontrada por Paulo Duarte em Cachoeira foi um dos fatores que lhe fez seguir para as linhas de frente. O autor parecia indignado em ver a guerra da retaguarda, pois ali a sensação era de inutilidade. Contudo, confessa que sua decisão foi repentina e uma surpresa para si mesmo. Senti vontade de fazer também qualquer coisa. Por isso, dirigindo-me a um grupo mais hesitante, procurando imitar a energia do Nino: - Vamos! Todos para a frente! Um soldado perguntou: - O sr. nos manda para a trincheira, mas vai também com a gente? -Naturalmente, seu idiota! E você precisa de companhia para criar coragem? A pergunta do soldado me fizera avançar demais, pois não me passava pela cabeça a idéia de ir para a frente. O soldado é que tinha razão, mas eu é que tinha xingado... -Desculpe-me, meu capitão, respondeu humilde sem o primeiro rompante. Promovera-me por palpite, pois nem fardado estava. Fardado ou não, capitão ou não, o caso é que me encontrava em situação da qual não havia recuo. [...] Algumas balas assoviaram perto. O caso principiava a ficar sério. Senti uma coisa desagradável e comecei a compreender os soldados que não queriam avançar. (DUARTE, 1947, p. 23-24) O comportamento de Paulo Duarte revela um homem enérgico quando necessário, que não apresenta seus medos aos outros - porque, mesmo que esses sejam inevitáveis, ele procura superá-los. Em “Raízes Profundas”, o primeiro volume de Memórias, o autor comenta que “coragem nada mais é do que a capacidade de dominar o medo. Eu tinha aprendido isso, nos momentos de perigo, e com soldados sob o meu comando, como conto alguns casos, em Palmares pelo Avesso” (DUARTE, 1974, p. 77). Paulo Duarte comentou o seu despreparo em assumir posição na frente, com bom humor (o que é inerente a crônicas e à personalidade do autor que, por vez, escreve como um cronista). E ele não era o único combatente incapacitado para enfrentar missões militares. Como parte do contingente era formada por civis, deparou-se com a aceitação quase irrestrita de voluntários e com a falta de treinamento que, quando existente, era feito em no máximo dois dias. Era ministrado por algum graduado (como sargento) da Força Pública e consistia em algumas instruções rudimentares de armamento, tiro, ordem e unidade no ataque e na 68

defesa. Ao combatente restava a exclamação: “Que admirável professora a frente! Mas cobrava caro...” (DUARTE, 1947, p. 41). No livro, o autor também manifestou a sua dificuldade de adaptação à vida militar. Duas coisas explicavam essa repugnância. O soldado precisa ter disciplina e levantar cedo. Eu nunca tive disciplina e sempre levantei tarde. Disciplina, para mim, é uma modalidade civilizada do cativeiro. Tenho horror ao horário. É o método com a sua intolerável monotonia. (DUARTE, 1947, p. 13) Contudo, em pouco tempo a contestação foi deixada de lado e Paulo Duarte foi se adaptando, sedento por aprendizagem, mergulhando na guerra pelos ideais que defendia. Inquietou-lhe, por exemplo, o capitão Ferraz Ramos, que assumiu por pouco tempo o comando de Bianor (afastou-se por motivos de doença: febre e dores no peito). Para o autor, o capitão aparentava ser um homem indiferente à guerra. Descreveu-o como uma pessoa tranquila, de uma passividade desanimadora. Paulo Duarte se irritava com isso, pois o capitão aprovava tudo que lhe fosse proposto, enquanto o que queria era “ouvir uma objeção que ensinasse qualquer coisa a nós, leigos de guerra” (DUARTE, 1947, p. 28). Consciente de toda sua imperícia no ambiente de guerra, Paulo Duarte confessa também seu desconhecimento da hierarquia militar. “Eu mal distinguia a hierarquia dos galões. Avesso à farda, nem fardado estava. Por palpite, um soldado me promovera a capitão. Assim mesmo, quando lhe falei com aspereza. Tenho para mim que, se fosse mais violento me chamaria major. Se houvesse proferido um palavrão subiria a coronel” (DUARTE, 1947, p. 28). O autor graceja com o fato de ter sido chamado de capitão, pois reconhece a fragilidade de sua condecoração. Na sociedade civil, as hierarquias são estabelecidas em relação à função ou ao cargo ocupante pela pessoa física. Paulo Duarte, por exemplo, foi intitulado comandante do Trem Blindado. A ida para a frente de batalha, além de uma atitude impulsiva, foi também uma decisão do autor: “A minha integração naquela causa, depois de pregar a reação pelas armas, tantas vezes, e a minha vaidade incentivavam essa loucura decisiva” (DUARTE, 1947, p. 25) 35 . A atitude de Paulo Duarte voltou-se, portanto, contra os oficiais, alvo de suas críticas: Ora, a coisa mais inútil deste mundo é um tenente de retaguarda. A mais 35 Paulo Duarte, durante a campanha da Aliança Liberal, pregou enfaticamente a reação armada caso se confirmasse a derrota eleitoral. 69

enfatiza a questão da má organização da guerra. Na citação acima, enten<strong>de</strong>-se que a<br />

<strong>de</strong>marcação do momento inicial das batalhas não aparenta ser o fato <strong>de</strong> maior relevância, pois<br />

parecia evi<strong>de</strong>nte o caminho ao qual as hostilida<strong>de</strong>s levariam. O que é criticada é a falta <strong>de</strong><br />

planejamento, especialmente estratégico, sobre as manobras, os recursos materiais e h<strong>um</strong>anos<br />

e toda a organização exigida em <strong>um</strong> confronto armado e, principalmente, a falta <strong>de</strong> coragem<br />

<strong>de</strong> lutar.<br />

A situação encontrada por Paulo Duarte em Cachoeira foi <strong>um</strong> dos fatores que lhe fez<br />

seguir para as linhas <strong>de</strong> frente. O autor parecia indignado em ver a guerra da retaguarda, pois<br />

ali a sensação era <strong>de</strong> inutilida<strong>de</strong>. Contudo, confessa que sua <strong>de</strong>cisão foi repentina e <strong>um</strong>a<br />

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Senti vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer também qualquer coisa. Por isso, dirigindo-me a <strong>um</strong><br />

grupo mais hesitante, procurando imitar a energia do Nino:<br />

- Vamos! Todos para a frente!<br />

Um soldado perguntou:<br />

- O sr. nos manda para a trincheira, mas vai também com a gente?<br />

-Naturalmente, seu idiota! E você precisa <strong>de</strong> companhia para criar coragem?<br />

A pergunta do soldado me fizera avançar <strong>de</strong>mais, pois não me passava pela<br />

cabeça a idéia <strong>de</strong> ir para a frente. O soldado é que tinha razão, mas eu é que<br />

tinha xingado...<br />

-Desculpe-me, meu capitão, respon<strong>de</strong>u h<strong>um</strong>il<strong>de</strong> sem o primeiro rompante.<br />

Promovera-me por palpite, pois nem fardado estava. Fardado ou não, capitão<br />

ou não, o caso é que me encontrava em situação da qual não havia recuo.<br />

[...] Alg<strong>um</strong>as balas assoviaram perto. O caso principiava a ficar sério.<br />

Senti <strong>um</strong>a coisa <strong>de</strong>sagradável e comecei a compreen<strong>de</strong>r os soldados que não<br />

queriam avançar. (DUARTE, 1947, p. 23-24)<br />

O comportamento <strong>de</strong> Paulo Duarte revela <strong>um</strong> homem enérgico quando necessário, que<br />

não apresenta seus medos aos outros - porque, mesmo que esses sejam inevitáveis, ele procura<br />

superá-los. Em “Raízes Profundas”, o primeiro vol<strong>um</strong>e <strong>de</strong> <strong>Memórias</strong>, o autor comenta que<br />

“coragem nada mais é do que a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dominar o medo. Eu tinha aprendido isso, nos<br />

momentos <strong>de</strong> perigo, e com soldados sob o meu comando, como conto alguns casos, em<br />

Palmares pelo Avesso” (DUARTE, 1974, p. 77).<br />

Paulo Duarte comentou o seu <strong>de</strong>spreparo em ass<strong>um</strong>ir posição na frente, com bom<br />

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cronista). E ele não era o único combatente incapacitado para enfrentar missões militares.<br />

Como parte do contingente era formada por civis, <strong>de</strong>parou-se com a aceitação quase irrestrita<br />

<strong>de</strong> voluntários e com a falta <strong>de</strong> treinamento que, quando existente, era feito em no máximo<br />

dois dias. Era ministrado por alg<strong>um</strong> graduado (como sargento) da Força Pública e consistia<br />

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