FONSECA, Sherloma Starlet. Memórias de um constitucionalista

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2.2 Governo Dutra, a Segunda Guerra e a publicação de Palmares pelo avesso O general Dutra surpreendeu o país durante o período de campanha eleitoral. Comprometeu-se com o restabelecimento da democracia como estratégia para alcançar um clima de concórdia e confiança entre os brasileiros (VALE, 1978). Entre as promessas de pacificação, ressaltou a necessidade da anistia e da liberdade de imprensa. O retorno dos brasileiros banidos pelo regime estadonovista era um compromisso com o futuro da democracia no Brasil. Empossado em janeiro de 1946, Dutra inicialmente seguiu um modelo mais liberal de orientação da política econômica e aproximou-se dos setores conservadores, incluindo representantes da União Democrática Nacional, que lhe foram contrários nas eleições. Esta foi fundada em 1944 em defesa do liberalismo econômico e político. Em um esforço cicloníco e por vezes paradoxal, a UDN agregava diversos setores sociais historicamente identificados pelo antigetulismo 31 . Entre os udenistas, encontram-se nomes de vários amigos de Paulo Duarte. Embora não se possa comprovar nos livros pesquisados o envolvimento do autor com a UDN, reconhece-se que este é simpatizante da ideologia udenista, pois tinha o nítido projeto de derrubar a ditadura e eliminar os resquícios do governo Vargas. Apesar de afastado da presidência, Vargas estava presente no cenário político como senador e na orientação política do Governo Dutra, herdeiro do aparato do Estado Novo. Paulo Duarte preparou seu livro para ser publicado nesse ambiente e escreveu no prefácio de Palmares pelo Avesso: “Não é o editor quem o ressuscita, agora. São os fatos. Hoje, mais do que nunca, o livro vive, porque os palmares pelo avesso aí estão vivos e ativos na confusão reinante” (DUARTE, 1947, p. 8). A partir da afirmação do autor no prefácio do livro, pode-se aludir que Paulo Duarte percebeu no contexto de 1947 a oportunidade de apresentar ao público sua visão da guerra de 1932. A democracia corria riscos, pois o prestígio do ditador persistia. Portanto, o relato da guerra respondia a uma necessidade do tempo presente: Vale a pena pois relembrar o mais belo capítulo da História de São Paulo, 31 Segundo Maria Vitória de Mesquita Bernevides (1981), em torno da UDN uniram-se: antigos liberais constitucionais como Armando Sales e Júlio de Mesquita Filho, proprietários de jornais como Assis Chateaubriand, o dono do Correio da Manhã; Paulo Bittencourt; oligarquias destronadas com a revolução de 1930 (perrepistas de Minas Gerais, Bahia e São Paulo); antigos aliados de Vargas marginalizados pós-1930/37: Juracy Magalhães, Eduardo Gomes, José Américo e outros; alguns representantes da esquerda, como comunistas dissidentes. Estes tinham a simpatia da burguesia comercial urbana e da classe média urbana (assustada com a retomada do processo inflacionário). A unidade interna desse amplo grupo só foi mantida durante o período de sucessão presidencial. 62

neste século que já vai descambando para a sua segunda metade. Principalmente porque, ao que parece, os paulistas estão muito deslembrados dele. Como esquecidos se mostram dos sentimentos que o inspiraram. [...] Eu mesmo, relendo velhas páginas, fico espantado, como certos tipos que se portaram maravilhosamente nas trincheiras de 1932, podem hoje, orgulhar-se de haver passado para a horda dos palmares pelo avesso. (DUARTE, 1947, p. 8) É nesse contexto de produção que a obra de Paulo Duarte deve ser lida: como um instrumento de luta contra a presença de Vargas na política. Rememorar a revolução constitucionalista era uma tentativa de reativar a antiga cisão que provocou a guerra e, ao mesmo tempo, denunciar os oportunistas. A publicação, em 1947, foi uma crítica aos que traíram os princípios constitucionalistas, abrigando-se na “horda dos palmares pelo avesso”. Paulo Duarte orgulha-se de ter sido fiel ao movimento e ao antigetulismo e, por isso, acredita ser importante tornar público o seu testemunho de um autêntico revolucionário constitucionalista. A memória do movimento constitucionalista resistia, muito embora não fosse possível determinar a reação dos leitores e, principalmente, dos eleitores. O fim da Segunda Guerra Mundial também motivou a publicação do livro de Paulo Duarte. A guerra paulista estava sendo esquecida. Homenageavam-se os heróis brasileiros que lutaram no estrangeiro. Silenciava-se sobre os paulistas que lutaram pelo Brasil. No entanto, entre os heróis da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e os constitucionalistas havia algo em comum: ambos combatiam governos autoritários. Contudo, no país o grande desafio do pós-guerra era lidar com um regime “democrático” que conservava muito dos sinais e resíduos do Estado Novo e, ao mesmo tempo, vislumbrar novas expectativas. Outra estimativa que tornava o movimento paulista propício de ser lembrado no momento pós-guerra era a lembrança dos mortos. Os brasileiros que morreram no exterior eram homenageados em um contexto em que o mundo se indignava com a carnificina decorrente dos conflitos armados. Entretanto, o número de baixas do movimento constitucionalista foi bem superior, mesmo assim, o evento e seus mortos eras esquecidos. Segundo as estimativas de Jeziel de Paula (1998), na Itália, morreram 457 brasileiros; em São Paulo (em 1932) foram 654 mortos. A atenção dedicada aos muitos mortos da guerra paulista remete a pergunta: para que todos os soldados morreram? A resposta invoca o ideal constitucionalista que motivou tantos homens a arriscarem a própria vida: “o martírio consciente por um cristianismo constitucional” (DUARTE, 1947, p.78). Assim, lembrar os mortos sensibilizava os sobreviventes e os remetia aos fatos. 63

neste século que já vai <strong>de</strong>scambando para a sua segunda meta<strong>de</strong>.<br />

Principalmente porque, ao que parece, os paulistas estão muito <strong>de</strong>slembrados<br />

<strong>de</strong>le. Como esquecidos se mostram dos sentimentos que o inspiraram.<br />

[...] Eu mesmo, relendo velhas páginas, fico espantado, como certos tipos<br />

que se portaram maravilhosamente nas trincheiras <strong>de</strong> 1932, po<strong>de</strong>m hoje,<br />

orgulhar-se <strong>de</strong> haver passado para a horda dos palmares pelo avesso.<br />

(DUARTE, 1947, p. 8)<br />

É nesse contexto <strong>de</strong> produção que a obra <strong>de</strong> Paulo Duarte <strong>de</strong>ve ser lida: como <strong>um</strong><br />

instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> luta contra a presença <strong>de</strong> Vargas na política. Rememorar a revolução<br />

<strong>constitucionalista</strong> era <strong>um</strong>a tentativa <strong>de</strong> reativar a antiga cisão que provocou a guerra e, ao<br />

mesmo tempo, <strong>de</strong>nunciar os oportunistas. A publicação, em 1947, foi <strong>um</strong>a crítica aos que<br />

traíram os princípios <strong>constitucionalista</strong>s, abrigando-se na “horda dos palmares pelo avesso”.<br />

Paulo Duarte orgulha-se <strong>de</strong> ter sido fiel ao movimento e ao antigetulismo e, por isso, acredita<br />

ser importante tornar público o seu testemunho <strong>de</strong> <strong>um</strong> autêntico revolucionário<br />

<strong>constitucionalista</strong>. A memória do movimento <strong>constitucionalista</strong> resistia, muito embora não<br />

fosse possível <strong>de</strong>terminar a reação dos leitores e, principalmente, dos eleitores.<br />

O fim da Segunda Guerra Mundial também motivou a publicação do livro <strong>de</strong> Paulo<br />

Duarte. A guerra paulista estava sendo esquecida. Homenageavam-se os heróis brasileiros que<br />

lutaram no estrangeiro. Silenciava-se sobre os paulistas que lutaram pelo Brasil. No entanto,<br />

entre os heróis da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e os <strong>constitucionalista</strong>s havia algo<br />

em com<strong>um</strong>: ambos combatiam governos autoritários. Contudo, no país o gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio do<br />

pós-guerra era lidar com <strong>um</strong> regime “<strong>de</strong>mocrático” que conservava muito dos sinais e<br />

resíduos do Estado Novo e, ao mesmo tempo, visl<strong>um</strong>brar novas expectativas.<br />

Outra estimativa que tornava o movimento paulista propício <strong>de</strong> ser lembrado no<br />

momento pós-guerra era a lembrança dos mortos. Os brasileiros que morreram no exterior<br />

eram homenageados em <strong>um</strong> contexto em que o mundo se indignava com a carnificina<br />

<strong>de</strong>corrente dos conflitos armados. Entretanto, o número <strong>de</strong> baixas do movimento<br />

<strong>constitucionalista</strong> foi bem superior, mesmo assim, o evento e seus mortos eras esquecidos.<br />

Segundo as estimativas <strong>de</strong> Jeziel <strong>de</strong> Paula (1998), na Itália, morreram 457 brasileiros; em São<br />

Paulo (em 1932) foram 654 mortos.<br />

A atenção <strong>de</strong>dicada aos muitos mortos da guerra paulista remete a pergunta: para que<br />

todos os soldados morreram? A resposta invoca o i<strong>de</strong>al <strong>constitucionalista</strong> que motivou tantos<br />

homens a arriscarem a própria vida: “o martírio consciente por <strong>um</strong> cristianismo<br />

constitucional” (DUARTE, 1947, p.78). Assim, lembrar os mortos sensibilizava os<br />

sobreviventes e os remetia aos fatos.<br />

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