FONSECA, Sherloma Starlet. Memórias de um constitucionalista

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diretamente nos jornais que, receosos do risco de serem confiscados, se adaptaram aos novos tempos. Entre dezembro de 1937 e novembro de 1938, foi editado o jornal Brasil, redigido por Júlio de Mesquita Filho e Paulo Duarte, impresso na gráfica de O Estado de São Paulo, atacando Getúlio e o nazismo. Depois de vinte e um números, a polícia conseguiu confiscá-lo e seus redatores foram obrigados a sair do Brasil (LOPES, 2008) 30 . Assim, o cerco se fechava contra os adversários de Vargas. Isso custou a Paulo Duarte o retorno ao exílio. Em Nova Iorque, o jornalista encontrou Miguel Osório, que reforçou a ideia de que o texto ainda respondia a uma questão atual. O autor foi estimulado pelo amigo a revisar a própria obra e pôde observar as marcas deixadas por Mário de Andrade. Desconhecemos os originais, contudo, considera-se possível que as supressões sugeridas por Mário de Andrade visassem as marcas de ressentimento, que poderiam enfraquecer a percepção do texto como relato verdadeiro. Paulo Duarte demonstrou-se preocupado com a qualidade de suas análises e reconheceu que o tempo e as críticas dos colegas colaboraram com a construção de um texto mais esclarecedor. Talvez, por isso, tenha acatado as sugestões dos leitores. Paulo Duarte narrou ao jornalista Noé Gertel, em entrevista para a Folha de São Paulo (1979), que no exílio havia enviado correspondência ao Ministro de Guerra, Eurico Gaspar Dutra, expondo informações recolhidas do exterior sobre ameaças ao Brasil. O ministro do Exterior da Inglaterra, Anthony Eden, havia prometido a Hitler ampla liberdade para agir na América do Sul, para seus planos coloniais. Em troca, Hitler deveria deixar em paz a África. Documentos nesse sentido eu tinha. Levei ao Dutra, que encarou o assunto a sério. Mas aconteceu que Ademar de Barros, que era interventor em São Paulo, fez uma intriga em torno da visita ao Dutra. Disse ao Getúlio que eu estava conspirando com o seu ministro de guerra. Era, evidentemente, grossa mentira. Fui preso e convidado a me retirar do país. [...] Depois fui aos Estados Unidos, com a idéia de apresentar os documentos que possuía ao presidente Roosevelt, mas não consegui vê-lo. (DUARTE, 1979, p. 3) No exílio, Paulo Duarte pôde juntar provas do envolvimento do presidente brasileiro com o nazismo. Segundo o autor, as suas relações na Europa facilitaram o conhecimento de fatos que considerava gravíssimos atentatórios da liberdade e integridade do Brasil. Os fatos foram confirmados nos Estados Unidos, por onde passou em 1939. Paulo Duarte não se calou. 30 Dirceu Fernandes Lopes (2008) também cita a atitude do cartunista Belmonte diante do Estado Novo. O setor das caricaturas foi um dos mais atingidos pela censura. Belmonte já se destacava pela oposição a Vargas com seu personagem Juca Pato, a própria imagem do sofrido cidadão classe média de São Paulo. Proibido de abordar problemas internos, Belmonte voltou-se à política internacional e notabilizou-se por seus ferrenhos ataques ao nazismo e ao fascismo, especialmente durante a Segunda Guerra Mundial. Chegou a irritar Goebbels, ministro da Propaganda de Hitler. 60

Pensei primeiro escrever a uma autoridade do Exército dando conhecimento do que sabia. Mas tal a gravidade dêles (sic) que, de acordo com êsse (sic) brasileiro excepcional que se chamou Armando de Salles Oliveira, resolvi levar pessoalmente ao Ministério de Guerra os elementos da informação de que dispunha. (DUARTE, 1946, p. 17-18) Em Nova York tive a missão de vir clandestinamente e de nome trocado ao Brasil, a fim de trazer documentos e revelações importantes ao Ministro da Guerra, Gen. Eurico Gaspar Dutra, sobre o intuito nazista de invadir o Brasil, cujo ditador se mostrava cabalmente nazista [...]. O Ministro de Guerra ouviu-me pelo espaço de varias horas, em alta madrugada, tendo eu insinuado mesmo a necessidade dele depor Getúlio Vargas. (DUARTE, 1974, p. IX). Paulo Duarte afirma ter narrado ao ministro tudo o que sabia e deixado alguns documentos. O ministro não dificultou sua partida, mas foi preso por agentes de Felinto Muller. Conforme o autor, esse destacamento teria firmado um convênio oficial com a Gestapo de Berlim. Contudo, conseguiu, com a ajuda das confusões burocráticas do sistema policial em Santos, embarcar para Buenos Aires. O autor procurou, então, exercer influência política por meio de cartas em que apresentava o conteúdo de suas investigações. As cartas foram transcritas ao livro Prisão, exílio e luta, em que explicou por que escreveu ao Gen. Dutra: […] por mais que se queira mascarar, o Exército é quem tinha há muito a situação do Brasil nas mãos. Escolhi assim o seu mais alto representante para receber aludidos dados […]. Dentro dessa orientação é que enderecei minhas cartas do estrangeiro ao então ministro da Guerra, tomando-o sempre como expressão das forças armadas, jamais como membro do governo ditatorial. (DUARTE, 1946, p. 18) Nada se pode afirmar a respeito das impressões de Eurico Gaspar Dutra sobre as cartas. Sua relação com Paulo Duarte também é difícil de descrever, pois, apesar de o ministro ter poupado o mensageiro da prisão e tentar colaborar com a volta desse ao Brasil (segundo informações do autor), ele nunca respondeu às cartas. Paulo Duarte então encerrou essa espécie de monólogo que se prolongou por dois anos. A resposta de Dutra foi adiada para o final de 1945 quando, finalmente, Vargas foi deposto. 61

Pensei primeiro escrever a <strong>um</strong>a autorida<strong>de</strong> do Exército dando conhecimento<br />

do que sabia. Mas tal a gravida<strong>de</strong> dêles (sic) que, <strong>de</strong> acordo com êsse (sic)<br />

brasileiro excepcional que se chamou Armando <strong>de</strong> Salles Oliveira, resolvi<br />

levar pessoalmente ao Ministério <strong>de</strong> Guerra os elementos da informação <strong>de</strong><br />

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Em Nova York tive a missão <strong>de</strong> vir clan<strong>de</strong>stinamente e <strong>de</strong> nome trocado ao<br />

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Brasil, cujo ditador se mostrava cabalmente nazista [...]. O Ministro <strong>de</strong><br />

Guerra ouviu-me pelo espaço <strong>de</strong> varias horas, em alta madrugada, tendo eu<br />

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Paulo Duarte afirma ter narrado ao ministro tudo o que sabia e <strong>de</strong>ixado alguns<br />

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Gestapo <strong>de</strong> Berlim. Contudo, conseguiu, com a ajuda das confusões burocráticas do sistema<br />

policial em Santos, embarcar para Buenos Aires.<br />

O autor procurou, então, exercer influência política por meio <strong>de</strong> cartas em que<br />

apresentava o conteúdo <strong>de</strong> suas investigações. As cartas foram transcritas ao livro Prisão,<br />

exílio e luta, em que explicou por que escreveu ao Gen. Dutra:<br />

[…] por mais que se queira mascarar, o Exército é quem tinha há muito a<br />

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então ministro da Guerra, tomando-o sempre como expressão das forças<br />

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Nada se po<strong>de</strong> afirmar a respeito das impressões <strong>de</strong> Eurico Gaspar Dutra sobre as<br />

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