FONSECA, Sherloma Starlet. Memórias de um constitucionalista

FONSECA, Sherloma Starlet. Memórias de um constitucionalista FONSECA, Sherloma Starlet. Memórias de um constitucionalista

pos.historia.historia.ufg.br
from pos.historia.historia.ufg.br More from this publisher
12.04.2013 Views

experiência e temporalidade. O tempo percorrido entre a redação da obra e sua publicação – cerca de quinze anos- foram causa também de se atenuarem algumas expressões mais vivas com que inicialmente se vestiam certos episódios que ora aparecem à luz mais serena da análise de fatos que já vão longe. (DUARTE, 1947, p. 8) O cronista foi influenciado por diferentes temporalidades, sendo assim, não se tratava apenas de apresentar a visão dos acontecimentos tendo como perspectiva o espaço de tempo do presente-presente, mas de presente-passado e presente-futuro. A explicação está relacionada às categorias de Reinhart Koselleck (2006) de “espaço de experiência” e “horizonte de expectativa”. Segundo esse autor, tanto a experiência quanto a expectativa são categorias capazes de entrecruzar o passado e o futuro. A experiência do passado pode ser recordada no presente, de forma que se fundam a elaboração racional e os modos inconscientes de comportamento e do saber. O horizonte de expectativa, por sua vez, nos remete à elaboração do futuro a partir do presente: esperança, temor, desejo, inquietude, análise racional e visão receptiva, que apontam para o ainda não experimentado e o que se pode descobrir. Nesse sentido, compreende-se o retorno à obra e às lembranças do passado. Em momentos significativos, acarreta a identificação deste com o presente e modifica o olhar sobre o futuro. Registrar a guerra significa inscrever a vivência no tempo. Ao retornar aos seus escritos, o jornalista recordava o vivido a partir do presente, reorganizando os sentidos das suas vivências. Há três momentos importantes na produção de Palmares pelo Avesso: a escrita, em 1933; a análise de Miguel Osório de Almeida, em 1938, que ao ler o texto original manifestou a opinião de que o livro estava vivo 28 ; e a afirmação de Paulo Duarte, em 1947, da atualidade do livro diante do contexto político brasileiro. Estes três momentos caracterizaram as etapas de escrita, revisão e publicação da obra, respectivamente. É preciso entender o que há em comum entre esses três momentos. No primeiro, Paulo Duarte vivia os dramas de sua primeira experiência fora do país, amargando a derrota de um projeto político e pessoal. Apesar da persistência de um grupo restrito, do qual Paulo Duarte fez parte, o armistício foi assinado e visto como um gesto de fraqueza e traição. Ao regressar ao Brasil, em 1933, Paulo Duarte ingressou no Partido Constitucionalista (sucessor do Partido Democrático). Além de atuar na oposição ao governo 28 No prefácio, Paulo Duarte comenta que a opinião de Miguel Osório o reanimou a reler seus escritos, pela primeira vez, após sete anos. 58

por meio do ofício de jornalista, o autor elegeu-se deputado estadual na constituinte. Votada a Constituição Federal, o jornalista buscou consolidar o novo partido nacional que se formava sob a liderança paulista. O período de constitucionalização do país, entre 1934 e o Estado Novo, foi marcado pela existência de conflitos políticos entre o novo partido e o velho PRP. Paulo Duarte também foi consultor jurídico municipal do prefeito Fábio da Silva Prado; colaborou ativamente com a criação da Universidade de São Paulo, em 1934, juntamente com Júlio de Mesquita Filho, e do Departamento de Cultura e de Recreação de São Paulo 29 (capital), sonho realizado com Mario de Andrade, que contou com a participação de outros intelectuais modernistas, como Sérgio Milliet (seu cunhado), Antônio de Alcântara Machado, Tácito de Almeida entre outros. Conforme Roberto Barbato Júnior (2004, p. 25), “embora o alcance das iniciativas do Departamento de Cultura fosse restrito à cidade de São Paulo, a aspiração maior de seus dirigentes consistia em expandir ao âmbito nacional aquilo que era visto simplesmente como uma aventura de cultura local”. Armando Sales garantiu que o projeto seria efetivado quando fosse candidato ao governo nas eleições de 1937. A candidatura de Armando Sales foi apoiada irrestritamente pelo grupo de intelectuais do Departamento de Cultura, devido ao vínculo de amizade existente entre eles e por ser o candidato de oposição a Getúlio Vargas. Nós sabíamos que o Departamento de Cultura era o germe do Instituto Brasileiro de Cultura. Primeiro, um Instituto Paulista, que Armando Sales no Governo já nos garantira. Para isso o projeto do Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico de São Paulo, já estava na Assembléia Legislativa, ladrado embora pela cachorrada sôlta (sic) do despeito e da incompreensão. Depois, com Armando Sales na Presidência da República, seria o Instituto Brasileiro, uma grande fundação libertada da influência política, com sedo no Rio, inicialmente instalados, além do de São Paulo, paradigma, outros núcleos em Minas, no Rio Grande do Sul, na Bahia, em Pernambuco e no Ceará. Tivéramos uma idéia genial que Armando Sales aprovou: os Institutos de Cultura assistiriam com assiduidade todas as grandes cidades, com a colaboração da Universidade, porque, não comportando evidentemente essas cidades uma Faculdade, teriam contato íntimo com esta, através de conferências, cursos, teatro, concertos etc. (DUARTE, 1985 apud BARBATO JR. 2004, p. 25-26) Contudo, o golpe de novembro de 1937 frustrou as expectativas: cancelou as eleições e impôs uma constituição autoritária. A Carta Magna do Estado Novo regulamentou a censura à imprensa e, por meio do Departamento de Imprensa Propaganda (DIP), interveio 29 Com a instituição do ato n° 1146, de 4 de julho de 1936, fundou-se a Divisão de Turismo e Divertimentos Públicos, e o Departamento de Cultura e de Recreação passou a se chamar tão somente Departamento de Cultura (BARBATO JR., 2004). 59

experiência e temporalida<strong>de</strong>.<br />

O tempo percorrido entre a redação da obra e sua publicação – cerca <strong>de</strong><br />

quinze anos- foram causa também <strong>de</strong> se atenuarem alg<strong>um</strong>as expressões mais<br />

vivas com que inicialmente se vestiam certos episódios que ora aparecem à<br />

luz mais serena da análise <strong>de</strong> fatos que já vão longe. (DUARTE, 1947, p. 8)<br />

O cronista foi influenciado por diferentes temporalida<strong>de</strong>s, sendo assim, não se tratava<br />

apenas <strong>de</strong> apresentar a visão dos acontecimentos tendo como perspectiva o espaço <strong>de</strong> tempo<br />

do presente-presente, mas <strong>de</strong> presente-passado e presente-futuro. A explicação está<br />

relacionada às categorias <strong>de</strong> Reinhart Koselleck (2006) <strong>de</strong> “espaço <strong>de</strong> experiência” e<br />

“horizonte <strong>de</strong> expectativa”. Segundo esse autor, tanto a experiência quanto a expectativa são<br />

categorias capazes <strong>de</strong> entrecruzar o passado e o futuro. A experiência do passado po<strong>de</strong> ser<br />

recordada no presente, <strong>de</strong> forma que se fundam a elaboração racional e os modos<br />

inconscientes <strong>de</strong> comportamento e do saber. O horizonte <strong>de</strong> expectativa, por sua vez, nos<br />

remete à elaboração do futuro a partir do presente: esperança, temor, <strong>de</strong>sejo, inquietu<strong>de</strong>,<br />

análise racional e visão receptiva, que apontam para o ainda não experimentado e o que se<br />

po<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir.<br />

Nesse sentido, compreen<strong>de</strong>-se o retorno à obra e às lembranças do passado. Em<br />

momentos significativos, acarreta a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong>ste com o presente e modifica o olhar<br />

sobre o futuro. Registrar a guerra significa inscrever a vivência no tempo. Ao retornar aos<br />

seus escritos, o jornalista recordava o vivido a partir do presente, reorganizando os sentidos<br />

das suas vivências.<br />

Há três momentos importantes na produção <strong>de</strong> Palmares pelo Avesso: a escrita, em<br />

1933; a análise <strong>de</strong> Miguel Osório <strong>de</strong> Almeida, em 1938, que ao ler o texto original manifestou<br />

a opinião <strong>de</strong> que o livro estava vivo 28 ; e a afirmação <strong>de</strong> Paulo Duarte, em 1947, da atualida<strong>de</strong><br />

do livro diante do contexto político brasileiro. Estes três momentos caracterizaram as etapas<br />

<strong>de</strong> escrita, revisão e publicação da obra, respectivamente.<br />

É preciso enten<strong>de</strong>r o que há em com<strong>um</strong> entre esses três momentos. No primeiro, Paulo<br />

Duarte vivia os dramas <strong>de</strong> sua primeira experiência fora do país, amargando a <strong>de</strong>rrota <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

projeto político e pessoal. Apesar da persistência <strong>de</strong> <strong>um</strong> grupo restrito, do qual Paulo Duarte<br />

fez parte, o armistício foi assinado e visto como <strong>um</strong> gesto <strong>de</strong> fraqueza e traição.<br />

Ao regressar ao Brasil, em 1933, Paulo Duarte ingressou no Partido<br />

Constitucionalista (sucessor do Partido Democrático). Além <strong>de</strong> atuar na oposição ao governo<br />

28 No prefácio, Paulo Duarte comenta que a opinião <strong>de</strong> Miguel Osório o reanimou a reler seus escritos, pela<br />

primeira vez, após sete anos.<br />

58

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!