FONSECA, Sherloma Starlet. Memórias de um constitucionalista
FONSECA, Sherloma Starlet. Memórias de um constitucionalista FONSECA, Sherloma Starlet. Memórias de um constitucionalista
procurado logo adquirir um instrumento indispensável de trabalho: uma máquina de escrever. (DUARTE, 1974, p. 22). As notícias que chegavam do Brasil anunciavam que a estadia seria longa. As medidas autoritárias do Governo exasperavam as críticas dos intelectuais da oposição. Era preciso se preparar para os desafios da sobrevivência no exílio e Paulo Duarte começou então sua saga pela procura de emprego. A oportunidade de exercer a profissão de jornalista na Europa era estratégica, pois permitia que a ditadura fosse denunciada fora do Brasil. Não é do meu temperamento abandonar a luta por causa de algumas batalhas perdidas. Assim, minha atividade permaneceu a mesma, lá fora. Combati o ditador Vargas, onde estive: na França, em Portugal, em Espanha, na Argentina, nos Estados Unidos. Tive momentos duros por causa disso […] lutei com as maiores dificuldades para ver aceita a minha inscrição como correspondente de guerra de “O Estado de São Paulo”. (DUARTE, 1946, p. 9) As dificuldades financeiras tornaram-se um grande problema com a extensão do tempo de exílio. Paulo Duarte, que não era um dos “exilados ricos”, muitas vezes pôde contar com a ajuda dos amigos e com os esforços da família. A partir dos relatos do autor, percebe-se que havia uma rede de solidariedade entre os exilados mais necessitados economicamente, mas por outro lado houve o constrangimento dos que precisavam recorrer à assistência: Julinho me deu também uma carta para Havas, depois de insistir muito para que eu não deixasse Lisboa, pois aqui seria fácil resolver qualquer dificuldade principalmente de dinheiro. Não quis ouvi-lo, porque evidentemente não posso ser pesado a quem quer que seja, ainda menos a um amigo. (DUARTE, 1974, p. 88) Por isso, Paulo Duarte não permaneceu em Portugal. O melhor do grupo pois, do Hotel Central, vai dispersar-se. Eu mesmo estou dando um jeito de ir para Paris. Se devo, como tantos outros, estar condenado a passar fome no exílio, prefiro passá-lo incognitamente em Paris e ficar constrangido e vexado aqui em Lisboa no meio de gente que é quase a minha família. (p. 29) Paulo Duarte queria encontrar meios que garantissem mais que sua subsistência, que lhe acrescentassem culturalmente. Foi pensando nisso que escolheu partir para a França: “Se tenho que passar fome neste exílio, que a passe em Paris, cujo conhecimento se tornou uma necessidade vital” (p. 87). 56
Nesse período, o autor começou, com a ajuda de amigos no Brasil, a reunir seus apontamentos sobre 1932. Paulo Duarte obteve suas anotações a partir do minucioso trabalho de triagem e organização dos documentos que serviriam de referências para a obra escrita. Todo esse trabalho foi de um processo de ordenamento das lembranças de forma que configuraram a visão que o autor tinha dos fatos, que diretamente contam sua própria história. Nesse momento, o autor preparava-se para escrever o livro Palmares pelo avesso. Escreveu-o nesse ambiente do exílio pouco tempo após o fim do confronto armado. Além do desejo de ser fiel às impressões e aos sentimentos que afloravam no front, havia o compromisso com o presente. A escrita, de um modo ou de outro, afasta-se da vivência. Entre o lembrar e o escrever abre-se um espaço de ordenação das vivências. A ordem narrada supõe o conhecimento do desdobramento do acontecimento. Desde o início da narrativa de Palmares pelo Avesso, o autor buscou dar explicações para a derrota, incorporando gradativamente as críticas ao comportamento dos soldados e oficiais constitucionalistas. Para o autor, estes foram os principais responsáveis pela rendição de São Paulo. Durante um rigoroso inverno em Paris, em que foi obrigado a permanecer a maior parte do tempo em seu minúsculo quarto de hotel, Paulo Duarte se dedicou à sua paixão pelo ofício de escritor. Transferiu para sua obra suas análises, experiências e indignações. Empenhou-se na elaboração do livro para que pudesse ser publicado rapidamente, aproveitando as expectativas geradas com as notícias vindas do Brasil: Também o Nélson Meireles Reis escreve anunciando que já há vários editores para o meu livro, que, por sinal, estou escrevendo intensamente. Ainda há tempo e a tarefa entusiasma. Chamar-se-á Palmares pelo avesso. Os palmares eram escravos que queriam ser homens livres. Os palmares pelo avesso do Brasil são homens livres que preferem ser escravos. (DUARTE, 1975, p. 37) No entanto, as questões de sobrevivência se tornaram emergenciais e “o livro foi então escrito e abandonado” (DUARTE, 1947, p. 7). No prefácio de Palmares pelo avesso, Paulo Duarte expõe a conjuntura de elaboração da obra. Os originais foram lidos por Mario de Andrade, em 1936, e por Armando de Sales Oliveira, em 1940. O autor informou que acatou as sugestões dos amigos – que eram quase sempre cortes. Releu o livro e considerou sua tarefa encerrada. O próprio exercício da releitura fez com que Paulo Duarte reconstruísse seu olhar sobre os acontecimentos narrados, pois o processo de escrita é um eterno redescobrir, vez que a reconstrução das lembranças provoca a criação de sentido numa tensa dialética entre 57
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configuraram a visão que o autor tinha dos fatos, que diretamente contam sua própria história.<br />
Nesse momento, o autor preparava-se para escrever o livro Palmares pelo avesso.<br />
Escreveu-o nesse ambiente do exílio pouco tempo após o fim do confronto armado. Além do<br />
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Também o Nélson Meireles Reis escreve anunciando que já há vários<br />
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Ainda há tempo e a tarefa entusiasma. Chamar-se-á Palmares pelo avesso.<br />
Os palmares eram escravos que queriam ser homens livres. Os palmares pelo<br />
avesso do Brasil são homens livres que preferem ser escravos. (DUARTE,<br />
1975, p. 37)<br />
No entanto, as questões <strong>de</strong> sobrevivência se tornaram emergenciais e “o livro foi então<br />
escrito e abandonado” (DUARTE, 1947, p. 7). No prefácio <strong>de</strong> Palmares pelo avesso, Paulo<br />
Duarte expõe a conjuntura <strong>de</strong> elaboração da obra. Os originais foram lidos por Mario <strong>de</strong><br />
Andra<strong>de</strong>, em 1936, e por Armando <strong>de</strong> Sales Oliveira, em 1940. O autor informou que acatou<br />
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tarefa encerrada.<br />
O próprio exercício da releitura fez com que Paulo Duarte reconstruísse seu olhar<br />
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