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FONSECA, Sherloma Starlet. Memórias de um constitucionalista

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O contexto político aproximou ainda mais os dois povos. Poucos dias <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

chegarem a Portugal, os brasileiros assistiram o discurso <strong>de</strong> Antônio <strong>de</strong> Oliveira Salazar, que<br />

inaugurou oficialmente a ditadura, que vinha ensaiando <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1928 27 . Foram recebidos pelo<br />

Dr. Bittencourt Rodrigues e o genro Afonso Rodrigues Pereira, que havia <strong>de</strong>ixado há pouco o<br />

Ministério do Exterior como protesto contra os po<strong>de</strong>res excepcionais que acabavam <strong>de</strong> ser<br />

dados ao Salazar, então Ministro das Finanças.<br />

As dúvidas sobre o futuro se misturaram às reflexões sobre o passado. Buscaram-se<br />

justificativas para a <strong>de</strong>rrota da guerra e entendimento sobre as implicações políticas. Por<br />

conseguinte, o testemunho do ex-combatente voltava-se para busca <strong>de</strong> sentido, ainda que<br />

longe <strong>de</strong> sua pátria. Ao registrar sua versão dos fatos, o autor tentou or<strong>de</strong>ná-los, tendo nesse<br />

momento, também, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> relembrar, produzindo <strong>um</strong>a interpretação da própria<br />

experiência.<br />

O afastamento geográfico e temporal circunstanciou seu olhar sobre o passado. Sendo<br />

assim, o exílio era mais que <strong>um</strong> estado físico; era <strong>um</strong> estado mental marcado pela supressão<br />

do laço com o presente. O exilado vive o presente a partir do passado (das lembranças do que<br />

ficou para trás) e do futuro (da expectativa <strong>de</strong> regresso). Certamente, a relação indicada entre<br />

presente, passado e futuro não é exclusiva do exilado, entretanto a supressão do espaço e do<br />

tempo vivido em sua pátria propicia o <strong>de</strong>slocamento da própria i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, então cindida entre<br />

as notícias da pátria e o <strong>de</strong>sterro.<br />

Foi assinado <strong>um</strong> <strong>de</strong>creto ditatorial, <strong>de</strong>creto-lei nº 22.194, <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro<br />

32 suspen<strong>de</strong>ndo os nossos direitos políticos por três anos... Estupi<strong>de</strong>z em<br />

todos os sentidos, que vem acirrar mais ainda os ódios. Além disso,<br />

consi<strong>de</strong>ro o exílio coercitivo profundamente <strong>de</strong>smoralizante para <strong>um</strong> país. Se<br />

o exilado é figura sem a menor importância política ou cultural, o raciocínio<br />

no estrangeiro é evi<strong>de</strong>ntemente contra <strong>um</strong> país que, para viver em paz,<br />

precisa expulsar elementos sem significância. E se o exilado é <strong>um</strong>a figura<br />

significativa ou <strong>um</strong> homem ilustre, o raciocínio é igualmente contrário: que<br />

espécie <strong>de</strong> país é esse que exila os seus melhores elementos intelectuais? ...<br />

O banimento é coisa pior ainda, esta palavra precisa <strong>de</strong>saparecer do<br />

vocabulário das constituições. Nenh<strong>um</strong> governo, por mais legítimo que seja,<br />

tem o direito <strong>de</strong> banir qualquer homem, o pior dos criminosos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

seja natural do país. O governo ou o governante que assina <strong>um</strong> <strong>de</strong>creto <strong>de</strong><br />

banimento é usurpador <strong>de</strong> <strong>um</strong> direito irrevogável que é a cidadania. Pelo<br />

menos enquanto existir ainda esse instituto chamado Nação ou Pátria, que<br />

vive dançando na boca <strong>de</strong> tanto histrião ...<br />

Voltando à vaca fria, <strong>de</strong> qualquer maneira, as notícias do Brasil fazem<br />

acreditar que nos espera <strong>um</strong> longo período <strong>de</strong> exílio, o que muito contraria<br />

os prenúncios <strong>de</strong> alguns impacientes loucos pelo regresso. Daí o ter eu<br />

27 As impressões do discurso e <strong>de</strong> Salazar, do dia 23 <strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong> 1928, foram publicadas no artigo na<br />

Revista Fato Novo, nº 15, sob o título “O Último Inquisidor”.<br />

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