12.04.2013 Views

FONSECA, Sherloma Starlet. Memórias de um constitucionalista

FONSECA, Sherloma Starlet. Memórias de um constitucionalista

FONSECA, Sherloma Starlet. Memórias de um constitucionalista

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

[..] alcançado ainda pelos olhos <strong>de</strong> setenta e três proscritos silenciosos que<br />

viam <strong>de</strong>saparecer o último pedaço do Brasil. E este último pedaço <strong>de</strong> terra<br />

era <strong>um</strong> presídio!<br />

Afinal, todo aquele continente <strong>de</strong> que acabávamos <strong>de</strong> ser expulsos não era<br />

outro Fernando <strong>de</strong> Noronha, gran<strong>de</strong>, enorme, triste?<br />

E antes que <strong>de</strong>saparecesse o presídio Fernando <strong>de</strong> Noronha, <strong>um</strong> dos expulsos<br />

lançou <strong>de</strong>ntro da noite as primeiras palavras e as primeiras notas do hino <strong>de</strong><br />

liberda<strong>de</strong> [...].<br />

E prosseguiu silenciosa a noite profunda que caíra sobre o Brasil.<br />

(DUARTE, 1947, p. 417)<br />

O autor metaforiza o momento da <strong>de</strong>spedida da terra materna como <strong>um</strong>a noite sobre o<br />

Brasil representado no presídio <strong>de</strong> Fernando <strong>de</strong> Noronha. A partida para a terra do <strong>de</strong>sterro é<br />

<strong>de</strong>scrita em <strong>um</strong>a narrativa marcada por perturbações provenientes da ansieda<strong>de</strong> diante do<br />

novo caminho a trilhar, envolvendo sentimentos <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação e dor ao <strong>de</strong>ixar a pátria e <strong>de</strong><br />

alívio por <strong>um</strong> novo começo, pela liberda<strong>de</strong>. Segundo Montañés (2006), o porto e o navio são<br />

imagens que revelam a aparência <strong>de</strong> início e fim. À medida que da ponte o navio se afasta,<br />

acrescenta-se à distância o efeito do movimento. O navio, território móvel, lugar <strong>de</strong> trânsito<br />

que facilita a emergência <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>de</strong>sejo mudo e soterrado, foi <strong>um</strong> escape para a liberda<strong>de</strong> tão<br />

<strong>de</strong>sejada.<br />

Com todas essas expectativas e ressentimentos, Paulo Duarte chegou a Portugal. Nesse<br />

momento, as incertezas e frustrações junto às novas situações <strong>de</strong> sobrevivência configuram<br />

condições <strong>de</strong> crise <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Os exilados viveram o dilema <strong>de</strong> adaptação e pertencimento.<br />

Como pertencer a <strong>um</strong>a nação que os expatriou? On<strong>de</strong> reconstruir a vida? As indagações<br />

refletiam o peso <strong>de</strong> <strong>um</strong>a cultura nacionalista. As nações mo<strong>de</strong>rnas organizaram <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> fundada na relação com o local <strong>de</strong> nascimento. O <strong>de</strong>sterro podia ser analisado<br />

como <strong>um</strong> processo <strong>de</strong> perda da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Longe <strong>de</strong> sua terra, os exilados enfrentaram as<br />

dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> integração ao novo grupo.<br />

No caso dos exilados brasileiros, o jogo simbólico entre colonizador e colonizado<br />

atenuou o distanciamento entre os dois países. Paulo Duarte e os companheiros, ao chegarem<br />

a Portugal, fizeram questão <strong>de</strong> conhecer o lugar <strong>de</strong> exílio e, ao mesmo tempo, <strong>de</strong>monstraram<br />

já conhecê-lo, em alguns casos não por visitação, mas pela leitura da história e da literatura.<br />

Procuraram conhecer os mon<strong>um</strong>entos e o povo português, que recebeu muito bem os<br />

exilados: “A maioria do nosso grupo <strong>de</strong> exilados está gostando <strong>de</strong> bancar o exilado. Toda<br />

gente nos fala nas ruas, querem nos oferecer <strong>um</strong> café, 'ama-nos', como diz Tito Pacheco que,<br />

por isso mesmo, já mudou o nome <strong>de</strong> Lisboa para Lisótima” (DUARTE, 1974, p.18).<br />

54

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!